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Expectativas, percepções e experiências sobre o parto normal: relato de um grupo de mulheres

Expectations, perceptions and experiences about the normal delivery: report of a group of women

Resumos

Este artigo mostra os resultados de um estudo realizado com 25 gestantes entre 16 e 34 anos e duas puérperas. O objetivo foi conhecer as percepções, experiências e expectativas em relação ao parto normal, além de saber qual tipo de informação elas dispunham sobre a parturição, puerpério e o direito de ter um acompanhante no parto. Foram adotadas as técnicas da entrevista livre e da observação participante. Os dados coletados foram analisados à luz da Análise do Discurso. As mulheres entrevistadas demonstraram maior preferência pelo parto normal. A maioria das informações ou orientações recebidas pelos profissionais de saúde, restringiu-se à dimensão física da dor e primeiros cuidados com o nascituro, em detrimento da dimensão psicológica e emocional, relegando-as à uma posição passiva, o que não as impediu de serem críticas frente às orientações recebidas, o que sugere que, humanizar implica também respeitar a necessidade e singularidade de cada mulher.

humanização; parto normal; pré-natal; direitos; vivência


This article shows the results of a study performed with 25 pregnant women between 16 and 34 years and two women in postpartum period. The aim was to understand the perceptions, experiences and expectations regarding normal childbirth, besides to know what kind of information they had about childbirth, postpartum and the right to have a companion during childbirth. We adopted the techniques of free interview and participant observation. The collected data were analyzed using the Discourse Analysis. The women interviewed showed a greater preference for normal childbirth. Most of the information or advice received by health professionals was restricted to the physical pain and primary care to the unborn child, at the expense of emotional and psychological dimension, relegating them to a passive position, which did not stop them from being criticism ahead of guidance they receive, suggesting that humanize also means respecting the needs and uniqueness of each woman.

Humanization; childbirth; prenatal; rights; experience


Expectativas, percepções e experiências sobre o parto normal: relato de um grupo de mulheres

Expectations, perceptions and experiences about the normal delivery: report of a group of women

Bruna Cardoso Pinheiro; Cléria Maria Lôbo Bittar* * Endereço para correspondência: Universidade de Franca, Mestrado em Promoção de Saúde. Avenida Dr Armando Salles de Oliveira, 201 Parque Universitário 14404-600 - Franca, SP – Brasil. E-mail: bruna_cardoso_pinheiro@hotmail.com, cleria@unifran.br.

Universidade de Franca, Franca, SP, Brasil

RESUMO

Este artigo mostra os resultados de um estudo realizado com 25 gestantes entre 16 e 34 anos e duas puérperas. O objetivo foi conhecer as percepções, experiências e expectativas em relação ao parto normal, além de saber qual tipo de informação elas dispunham sobre a parturição, puerpério e o direito de ter um acompanhante no parto. Foram adotadas as técnicas da entrevista livre e da observação participante. Os dados coletados foram analisados à luz da Análise do Discurso. As mulheres entrevistadas demonstraram maior preferência pelo parto normal. A maioria das informações ou orientações recebidas pelos profissionais de saúde, restringiu-se à dimensão física da dor e primeiros cuidados com o nascituro, em detrimento da dimensão psicológica e emocional, relegando-as à uma posição passiva, o que não as impediu de serem críticas frente às orientações recebidas, o que sugere que, humanizar implica também respeitar a necessidade e singularidade de cada mulher.

Palavras-chave: humanização; parto normal; pré-natal; direitos; vivência.

ABSTRACT

This article shows the results of a study performed with 25 pregnant women between 16 and 34 years and two women in postpartum period. The aim was to understand the perceptions, experiences and expectations regarding normal childbirth, besides to know what kind of information they had about childbirth, postpartum and the right to have a companion during childbirth. We adopted the techniques of free interview and participant observation. The collected data were analyzed using the Discourse Analysis. The women interviewed showed a greater preference for normal childbirth. Most of the information or advice received by health professionals was restricted to the physical pain and primary care to the unborn child, at the expense of emotional and psychological dimension, relegating them to a passive position, which did not stop them from being criticism ahead of guidance they receive, suggesting that humanize also means respecting the needs and uniqueness of each woman.

Keywords: Humanization; childbirth, prenatal; rights; experience.

INTRODUÇÃO

A humanização do parto é um procedimento que além de desejável, do ponto de vista humano, é preconizado pelo Programa de Humanização do Parto (PHP) (BRASIL, 2001, 2002, 2005), que defende estratégias e ações que viabilizem o máximo de conforto possível à gestante e parturiente, garantindo, assim, uma parturição segura e com o menor desconforto possível para mãe e bebê. Dentro desta visão encontram-se aspectos humanitários e a tentativa de erradicação da quantidade de cesáreas a pedido, feitas no país, sem verdadeiramente necessidade médica para isso.

Historicamente, o acompanhamento do trabalho de parto e parto ocorria no ambiente domiciliar, no qual a mulher era assistida por outra mulher, geralmente uma parteira ou uma "aparadeira" de sua confiança, e apoiada pelos seus familiares. No século XX, mais expressivamente depois da Segunda Guerra Mundial, em nome da redução das elevadas taxas de mortalidade materna e infantil, ocorre a institucionalização do parto, passando do domicilio para o hospital, e consequentemente a sua medicalização (BRÜGGEMANN; PARPINELLI; DUARTE, 2005).

A institucionalização do parto foi um fator determinante para afastar a família e a rede social do processo do nascimento, uma vez que a estrutura física e as rotinas hospitalares foram planejadas para atender as necessidades dos profissionais de saúde, e não necessariamente das parturientes. (BRÜGGEMANN; PARPINELLI; DUARTE, 2005).

Nesse contexto de medicalização e tecnologização do parto emerge o Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento (MHPN), no intuito de superar o uso irracional de tecnologias, que causam mais danos do que benefícios à mulher e ao bebê, assim como reduzir as taxas de cesáreas e de mortalidade materna, e garantir maior participação da parturiente nas decisões sobre sua saúde, assegurando assim o máximo bem-estar da mulher e do bebê (DUTRA, 2005; SILVEIRA; CAMARGO; CREPALDI, 2010).

A humanização do parto é uma das diversas ações que integram a Política Nacional da Humanização (PNH), cuja premissa é o atendimento humanizado aos usuários do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2002). A PNH é transversal e incorpora diversos sentidos, incluindo: ambiência, universalidade, processo de trabalho, gestão do sistema, controle social, subjetividades de cuidadores e receptores do cuidado, entre outros. Trata-se de uma proposta/aposta ética-estética-política pautada pela noção de equidade, com garantia de acesso aos serviços de saúde, de forma humanizada e com qualidade, atendendo assim os ideais de cidadania, base para uma sociedade democrática (RATTNER, 2010).

A atenção humanizada tem início ainda no pré-natal e procura assegurar a realização, por parte da equipe de saúde, de procedimentos benéficos para a mulher e o bebê, de modo a evitar intervenções desnecessárias e preservar a privacidade e autonomia da mulher, garantindo ainda que o momento do parto seja uma experiência especial no universo da mulher, de seu parceiro, assim como da família e comunidade (MORAES; GODOI; FONSECA, 2006).

Dessa forma, a humanização está voltada para a qualificação da atenção, de modo a promover o respeito e a promoção dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos, por um lado e, por outro, a formação de profissionais, capacitados a implantar práticas baseadas em evidências científicas, em ambientes com instalações físicas adequadas e segundo os recursos tecnológicos disponíveis (NASCIMENTO et al., 2010).

Outro aspecto essencial da política de humanização é o acolhimento, que implica em uma recepção humana e atentiva às queixas, preocupações, angústias e dúvidas das mulheres, que são ouvidas, garantindo-lhes a responsabilidade da equipe na resolução dos problemas e na continuidade da assistência, quando houver necessidade desta (NASCIMENTO et al., 2010).

De acordo com o Ministério da Saúde, o acolhimento é um aspecto essencial da política de humanização e implica uma escuta aberta, sem julgamentos ou preconceitos, que transmita à gestante segurança para falar de sua intimidade e ajude-a a construir o conhecimento de si mesma, condição fundamental para uma participação mais ativa no momento do parto, contribuindo ainda para um nascimento mais tranquilo e saudável (BRASIL, 2005).

É inegável o papel do profissional que a assiste. Além do conhecimento sobre técnicas de parto, deve ser capacitado a reconhecer que cada mulher é portadora de uma cultura própria, que muitas vezes atribui significados diferentes à vivência do parto. Respeitar esta condição, orientá-la, acolhê-la em seus questionamentos e dúvidas, ajudá-la enfim, a fazer desta experiência um marco em sua trajetória pessoal, são os atributos desejáveis num profissional (HOTIMSKY; SCHRAIBER, 2005).

No entanto, o modelo brasileiro de assistência ao parto e nascimento ainda é predominantemente intervencionista, penalizando a mulher e sua família por ignorar a fisiologia e os aspectos sociais e culturais do parto, e acarretando como consequência taxas de morbimortalidade materna e perinatal incompatíveis com os avanços tecnológicas disponíveis. Dessa forma, a proposta de humanização da assistência ao parto focaliza duas grandes demandas atuais das mulheres e da sociedade: o direito de ter acesso a um sistema de saúde não apenas público, mas de qualidade, e, a possibilidade de atuar durante o parto como protagonistas, exercendo um papel ativo durante todo o processo (DIAS; DOMINGUES, 2005).

O movimento pela humanização tem se intensificado nas últimas décadas no país, comenta Almeida (2009) e para tornar possível sua ampliação serão necessárias ações de qualificação dos profissionais de saúde, que englobem os cuidados pré-natais, no parto e puerpério.

O grande desafio dos profissionais que assistem à parturição, no caminho da humanização, parece ser discernir as regras que causam mais benefícios do que danos, realizando uma flexibilização das rotinas, sempre levando em consideração a necessidade de cada parturiente (DIAS, 2007).

Segundo o modelo de atenção humanizada à parturiente, os profissionais permanecem presentes quase que durante todo o trabalho de parto, oferecendo à ela o apoio psicológico e emocional na parturição, além de técnicas de relaxamento e massagens, música ou quaisquer outras práticas alternativas que tragam alívio e conforto à gestante.

A presença de um acompanhante é altamente recomendável, (DOMINGUES et al., 2004) a critério de escolha da parturiente, o que sabemos que, nem sempre é o que ocorre, mesmo que previsto em lei.

Pelo prisma dos profissionais de saúde, a humanização do parto traz também a vantagem de contar com uma parturição mais colaborativa por parte da mulher, portanto mais tranquilo para o profissional. Os estudos apontam que são os tipos de parto que menos uso fazem de intervenção cirúrgica e medicamentosa (BRÜGGEMANN et al., 2005; ALMEIDA, 2009; BEZERRA; CARDOSO, 2006; BRASIL, 2000, 2001, 2002, 2005; MOURA et al., 2007; PREVIATI; SOUZA, 2007; SILVA; SIQUEIRA, 2007; DIAS; DOMINGUES, 2005).

Um aspecto fundamental a ser considerado nas propostas de humanização do parto é o respeito e o acolhimento aos significados, concepções e vivências trazidas pelas mulheres em relação ao processo de parto. É importante considerar que, frente à sua experiência, a mulher é a única que pode atribuir significado a sua vivência. E, por ser uma experiência única, os profissionais que assistem à parturiente devem fundamentar sua ação no diálogo, na interação humana, ao invés de tentar impor comportamentos que não se adaptam ao saber da parturiente, que além de invasivos contribuem, muitas vezes, para que a mulher evolua para um difícil trabalho de parto (BEZERRA; CARDOSO, 2006).

Nesse sentido, o presente estudo objetivou conhecer as percepções, experiências e expectativas que um grupo de mulheres tinha a respeito do parto normal, buscando-se, também, saber qual o tipo de informação que as mulheres tiveram sobre a parturição, puerpério e sobre seu direito de ter acompanhante no parto.

MÉTODO

Este trabalho retrata a primeira fase de um projeto de pesquisa que teve como objeto a humanização do parto normal. Aqui serão apresentados os resultados obtidos junto a um grupo de gestantes e duas puérperas. Posteriormente, esta pesquisa deu continuidade ao acompanhamento das gestantes entrevistadas, que tiverem parto normal, investigando além das vivências das mesmas, o tipo de tratamento ou orientação que lhes foram transmitidos. Nesta fase posterior foi incluída também a atuação dos profissionais de saúde diante das ações que realizam e frente ao que entendem em relação à humanização do parto normal.

Previamente à coleta de dados das participantes, a pesquisa foi submetida ao Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca, recebendo aprovação (nº 0722/10), conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Os dados foram coletados em duas Unidades Básicas de Saúde do município de Franca, que aqui serão chamadas de Unidades A e B e no município de Ribeirão Corrente, que aqui será chamada de Unidade C, nos meses de maio e junho de 2010. As Unidades A e B situam-se em bairros periféricos do município de Franca e atendem a uma grande demanda de pacientes. Em relação aos grupos de gestantes, a participação na Unidade A é mais intensa do que na Unidade B, o que é justificado, segundo profissionais desta unidade pelo fato de que algumas mulheres da comunidade têm plano de saúde e possuem maior acesso à informação.

O município de Ribeirão Corrente, por sua vez não possui Unidades Básicas de Saúde, mas apenas um posto de saúde, que atende casos de menor gravidade, sendo que os demais casos são encaminhados para o Hospital de Franca, local, inclusive para onde as gestantes são referenciadas no momento do parto. O grupo de gestantes da cidade, geralmente ocorre no salão da prefeitura, espaço aqui referido como Unidade C. De acordo com os profissionais responsáveis pelo grupo, este possui uma boa adesão por ser a única referência neste sentido para as mulheres na cidade.

Para a coleta de dados optou-se pela entrevista livre, por considerarmos que este modelo de entrevista oferece as condições para que os participantes sejam espontâneos, e valoriza a iniciativa da presença do pesquisador (TRIVIÑOS, 1992).

As entrevistas foram gravadas e transcritas, após a anuência das participantes e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Além dos dados coletados através das entrevistas, foi realizada a observação nos grupos de gestantes das diferentes localidades em que ocorreu a pesquisa, cujos dados foram registrados em um diário de campo. O objetivo era analisar quais orientações são fornecidas às gestantes, particularmente em relação ao momento do parto e se a relação nestes espaços é desenvolvida de forma horizontalizada ou não, havendo abertura para as mulheres esclarecerem dúvidas, compartilharem suas experiências e assumirem uma posição mais ativa ainda durante a gestação. No total foram observados nove encontros (três encontros na Unidade A, quatro na Unidade B e dois na Unidade C), sendo que o número de encontros observados em cada unidade variou conforme as datas preestabelecidas no cronograma da unidade.

Os dados coletados na observação foram analisados a partir da mesma metodologia adotada na análise das entrevistas.

No total, foram entrevistadas 25 gestantes, com idade entre 16 e 34 anos e duas puérperas, com 20 e 31 anos. Essa configuração inicial das participantes se deu em função do fato de que no momento da coleta de dados, tínhamos maior número de gestantes do que mulheres que haviam passado pelo parto, o que, de certa forma, satisfez parcialmente nossos objetivos iniciais.

Como um de nossos objetivos era conhecer as percepções e expectativas das mulheres em relação ao parto, participaram deste estudo não apenas mulheres que já passaram pela experiência do parto normal, mas também pela cesariana, assim como primigestas.

No município de Franca, as entrevistas foram realizadas nas próprias Unidades Básicas de Saúde, logo após o encontro dos grupos de gestantes. No município de Ribeirão Corrente, as entrevistas foram realizadas no salão da prefeitura municipal, também logo após o encontro do grupo de gestantes. Durante o encontro com ambos os grupos, duas participantes tiveram seus bebês.

Após a transcrição dos depoimentos, o tratamento dos dados coletados seguiu a proposta da metodologia qualitativa, através da Análise do Discurso que posiciona a relação entre participante e pesquisador numa horizontalidade, dando a este último um destaque na possibilidade de participar não como 'ouvinte' apenas, mas como agente na construção de uma articulação entre a linguagem e a sociedade, entendendo que é impossível romper a linguagem do social;

A linguagem, de um ponto de vista discursivo, não pode apenas representar algo já dado, sendo parte de uma construção social que rompe com a ilusão de naturalidade entre os limites do linguístico e os do extralinguístico. A linguagem não se dissocia da interação social (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005, p. 318).

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Após a transcrição das entrevistas realizadas e a leitura exaustiva dos dados coletados, foram elaboradas três categorias: "percepções, e expectativas das gestantes: escolha do método de parto"; "informações e orientações recebidas durante a gestação" e "experiências sobre o parto normal: o relato das puérperas". Ressaltamos que na transcrição das entrevistas mantivemos a fala original das participantes, e por escolha, evitamos a repetição da partícula sic, para indicar incorreções da fala.

Percepções e expectativas das gestantes: escolha do método de parto.

As entrevistas realizadas com as gestantes revelaram uma preferência maior pelo parto normal, do que pela cesárea. Das 25 gestantes entrevistadas, 19 esperavam que seu parto fosse normal, três desejavam que seu parto fosse cesárea e três estavam indecisas. Esta preferência maior por determinado método de parto foi justificada por uma série de razões, incluindo desde as experiências prévias destas mulheres com partos anteriores até as informações de que dispunham para descrever os riscos e benefícios dos diferentes métodos.

As mulheres apresentaram como argumentos a favor do parto normal: melhor recuperação no pós-operatório, possibilitando maior autonomia no desempenho das tarefas cotidianas e nos cuidados com o recém-nascido; experiência satisfatória com partos anteriores; menores riscos de infecção, como é possível observar nos relatos seguintes:

"ai é uma dor que cê tem só na hora, mas depois você fica despreocupada. Pode fazê o serviço sozinha, é... cuidá do bebê sozinha. Porque, cesárea não, cesárea você precisa de todo mundo." (A. C. O., 27 anos, 1ª gestação).

"Normal, ah, é mais tranqüilo, a recuperação é mais rápida, ah, sei lá, já fala o nome né, normal, não tem ajuda de nada, então, é pela natureza mesmo." (A. V. C., 29 anos, 3ª gestação).

Entre as gestantes que desejavam que seu parto fosse cesárea, apareceram como motivos desta escolha, experiências anteriores satisfatórias com o parto cesariano; não terem sentido dor, nem incômodo durante o parto; porque consideravam que não tinham "estrutura óssea" necessária para o parto normal; e porque tinham medo de "não dar conta" de ter um parto normal, como mostram os depoimentos seguintes:

"Ah, eu preferia cesárea. Porque eu não senti nada do primeiro, aí eu tenho medo, sei lá, eu tenho medo de não dá conta e pelo fato, assim, da minha outra médica, do meu primeiro filho tê falado que a minha estrutura óssea, mesmo que eu dilatasse, o tanto suficiente, o nenê não ia tê passagem pra nascê, por causa do meu quadril sê muito estreito" (J. A. M., 26 anos, 2ª gestação).

"Minha primeira gestação foi cesárea, eu espero ter outra, mais tô me preparando pro normal também, num tá me assustando em nada, prefiro cesárea, porque é menos incômodo, não tive nenhum problema, graças a Deus foi tudo certo, então é uma coisa que eu gostei de ter feito, não me arrependo não." (H. S. M., 23 anos, 2ª gestação).

Em relação às gestantes que estavam indecisas, elas apontaram como motivos, o fato de que tinham medo dos dois tipos de parto e, por isso, iriam esperar pelo desfecho na hora do nascimento; porque pretendiam fazer cirurgia de laqueadura ("ligamento"), mas não sabiam se seria possível no momento da cesárea e porque ainda estavam analisando as vantagens dos dois métodos de parto, como é possível observar nas falas abaixo:

"Então, eu num pensei no que eu quero ainda, eu tô vendo muito a respeito dos dois, as vantagens do que vai ter e tudo mais, mais assim, ai vô decidi qual que eu prefiro mais, tô analisando os prós e os contra de cada um ainda, então eu tô tentando ver só as qualidades um do outro, às vezes as que o normal tem, que a cesárea não tem, que já é comodidade, a cesárea vai te privá de muitas coisas, o normal não, já é tudo mais rápido, então tô pensando ainda né, não tenho uma opinião formada ainda". (S. A. S., 23 anos, 1ª gestação).

"Eu não sei, porque dessa vez eu tô querendo vê se eu consigo ligá e eu não sei se na hora da cesárea pode fazê o ligamento, né? Então tá meio em dúvida ainda". (P. R. A., 25 anos, 2ª gestação).

Como destacam Gama et al. (2009), a experiência do parto é marcada por uma grande heterogeneidade social, variando de acordo com características culturais, religiosas, étnicas e de classe social, sendo que as circunstâncias e expectativas das mulheres também são parte integrante dessa experiência. O parto é um ato cultural, na medida em que é moldado pelos valores sociais predominantes em cada sociedade, historicamente.

Além disso, como salienta Stuart Hall (1997 apud DUTRA, 2005), os processos de gestar e parir são perpassados de construções culturais e agregam rituais aos corpos, que ajudam a definir o que esse corpo "é" e como ele "pode" ou "deve" (re) agir em determinadas circunstâncias ou condições. Assim o evento de gerar e parir passa de evento estritamente biomédico e fisiológico, para evento político e cultural.

Essa questão coaduna-se com a ideia desenvolvida por Michael Foucault (1979), que não considera o poder como algo que possa ser possuído, mas sim como algo que se exerce. Dessa forma, o que existem são relações, práticas de poder, assim como micro-relações e micropráticas de poder, que se exercem no cotidiano. O poder se manifesta no interior de práticas reais e efetivas, se materializa em uma grande gama de reações pessoais.

Portanto, as representações, experiências e história de vida das mulheres entrevistadas, e suas concepções ou percepções quanto às formas de parturição, refletem também um discurso socialmente construído, que de certa forma, molda a forma como concebem os diferentes tipos de parto.

No bojo desse discurso estão submersas, na verdade, práticas de poder sobre o corpo da mulher, que, de uma forma implícita, determinam a forma como esta deve agir, se posicionar e até mesmo se expressar durante sua experiência de parto. Assim, a preferência pelo parto normal ou pela cesárea, mais do que um discurso individual, se insere no espaço social, condicionando a forma como estas mulheres concebem a experiência de parto e os métodos de parto e influenciando diretamente em sua escolha.

As gestantes entrevistadas apresentaram ainda a expectativa de que seu parto ocorresse sem nenhuma complicação e que a criança nascesse saudável, dentro dos nove meses de gestação, sendo que muitas revelaram um sentimento de medo, em função de comentários que ouviram, de que é uma experiência dolorosa, como revelam os depoimentos a seguir:

"É uma coisa inexplicável. Não adianta a gente falar assim, como que é, como que é o parto normal, o que você vai sentir, qual que é sua expectativa. É só na hora que você vai sabê se vai chorá, se vai gritá, se vai esperneá. Mas, medo eu tenho, na hora, de não consegui, a criança não consegui saí direitinho, machucá. Porque muitas coisas acontece né. Então a gente tem que ficá sem enfiá muita coisa na cabeça." (A. C.O., 27 anos, 1ª gestação).

"[...] eu acho que eu tenho mais medo de fazê o normal do que a cesárea. Ai... o pessoal coloca tanta coisa na cabeça da gente, aí eu tenho medo, aí vamo vê, né, tudo depende, se Deus acha que eu dô conta de fazé um parto normal, vai sê normal.[...] Mas, eu morro de medo de parto normal, dizem que é totalmente diferente, é outra coisa, mas me falaram que contração é mais dolorida do que na hora que o nenê tá nascendo [...]" (J. A. M., 26 anos, 2ª gestação).

O parto, longe de ser uma experiência neutra, pode mobilizar grandes níveis de ansiedade, medo, excitação e expectativa. Ele constitui um momento importante no processo de transição para a maternidade, pois é a ocasião em que a mulher se deparará com o produto do seu corpo, colocando à prova sua competência feminina de gerar uma criança, sua competência materna de cuidar e sua competência física de suportar as dores e nutrir seu filho, através da alimentação (LOPES et al., 2005).

De acordo com Fisher, Astbury e Smith (1997 apud LOPES et al., 2005), cada parto contém a potencialidade de acarretar benefícios ou danos psicológicos, pois as memórias do parto, permanecem vivas a nível cognitivo e psicológico e continuam a influenciar as percepções da mulher sobre este momento por muito tempo.

Albuquerque (2005, p. 13) considera que:

Para que a mulher possa vivenciar plenamente o momento do parto é fundamental acolhê-la na sua singularidade, dando-lhe autonomia para a condução do processo e criando condições para um profundo mergulho na sua subjetividade. Para isso, é preciso que os profissionais de saúde desenvolvam uma postura de escuta e de disponibilidade, que favoreça um sentimento de confiança, necessário para que a entrega dessa mulher ocorra.

Dessa forma, é essencial que os profissionais de saúde, que assistem à mulher nesse momento, sejam capazes de atendê-la para além do nível biológico, considerando também os aspectos subjetivos e emocionais implicados na experiência do parto.

Informações e orientações recebidas durante a gestação

De modo geral, as informações e orientações recebidas pelas gestantes, incluíram orientações sobre o momento de entrada em trabalho de parto e o momento em que se deve ir para o hospital; sobre a importância de se fazer força para ajudar no parto; sobre técnicas de respiração e relaxamento; e sobre a importância de se ter calma e as posições "corretas" a serem mantidas no momento do parto.

No entanto, particularmente, em relação à forma de trabalho com as gestantes, foram observadas algumas distinções entre as Unidades Básicas de Saúde. Enquanto nas Unidades A e C, o trabalho com as gestantes envolveu o ensino de técnicas de respiração, de relaxamento (exercício com bola, barra de alongamento, música) e de exercícios para aumentar o períneo, na Unidade B, as orientações foram mais verbais, direcionadas à transmissão de informações sobre os cuidados que as gestantes devem ter, sobre as modificações psicológicas que acontecem durante a gravidez, incluindo orientações da equipe multiprofissional (enfermeiro, dentista, psicóloga e ginecologista), como mostram os depoimentos das gestantes:

"Aqui no posto mesmo tem muitas palestras, sobre tudo, sobre a hora que a gente tem que ir para o hospital, sobre os exercício que a gente pode faze pra ajudá, sobre a forma que tem que respirá." (E. F. S., 18 anos, 2ª gestação).

"Ai, foram muitas (informações), sobre o final do parto, né, a hora que a gente tá entrando em trabalho de parto, né, ai muitas coisa. Aqui na UBS você aprende alguns exercício também, pra ajudá, na hora, a nascê." (A. P. R, 18 anos, 1ª gestação).

Sobre os métodos de parto, as gestantes foram orientadas muito superficialmente, não sendo oferecidas informações sobre os procedimentos adotados em cada um, nem os aspectos psicológicos relacionados à experiência de parto normal e cesárea, como mostram os depoimentos:

"Ai, que a gente precisa tê calma. Normal, que você tem que fazê bastante força, ficá na posição certa, se for cesárea, você tem que ficá mais calma, porque é uma injeção que toma. [...]" (A. C. O., 27 anos, 1ª gestação).

"Eu acho que faltô informação. Assim, eu participei de um curso para gestantes, mas eles explicaram por cima sobre o parto normal. [...] assim orientação sobre como é o parto normal, como você pode ajudá na hora, o que você tem fazê, não deram não." (L. M. R. B., 31 anos, 2ª parição).

O interessante nos depoimentos anteriores é que, como as gestantes colocaram, os profissionais falam da importância de se "ficar na posição certa".

De acordo com Albuquerque (2005), o parto tecnocrático, em que as soluções são meramente técnicas, despreza os aspectos humanos e sociais e concebe o corpo feminino como uma máquina incompleta, que necessita de intervenções, sendo a mulher colocada em uma posição passiva e temerosa, prevalecendo a visão de que é o profissional de saúde quem "faz o parto".

Dessa forma, a maioria das informações que geralmente são transmitidas às gestantes, coloca-as em uma posição de sujeito de não-saber, desconsiderando o conhecimento, o saber de que são portadoras. No entanto, isso não parece impedir que as mulheres sejam críticas em relação às orientações recebidas e busquem uma posição mais ativa, como revela este depoimento:

"Ai, muitas coisa elas fala, porque cada um explica dum jeito, né. Aí, a gente tem que ir pelo que acha melhor pra gente, né." (A. C. O., 27 anos, 1ª gestação)."

Quanto à orientação sobre o direito de ter um acompanhante na hora do parto, das 25 gestantes entrevistadas, apenas três não sabiam sobre este direito.

Contudo, enquanto algumas gestantes manifestaram o desejo de ter um acompanhante neste momento, outras consideraram que esta experiência deve ser vivenciada de forma solitária:

"Sim, pode ficar acompanhado, de preferencialmente o esposo né, pra tá ajudando com o apoio, isso é muito importante, acho que ajuda muito." (H. S. M., 23 anos, 2ª gestação).

"Por lei, eu sei que a gente tem direito. Mas eu não vou querer não. Na hora da dor lá, a gente tem que ser sozinha, ninguém precisa ver não." (R. C. S, 34 anos, 2ª gestação).

De acordo com a Lei nº 11. 108/ 2005, art. 19: "Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de um acompanhante durante todo o período de trabalho de pré-parto, parto e pós-parto imediato" (BRASIL, 2005). Ainda de acordo com o parágrafo 1º desta lei: "O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente" (BRASIL, 2005).

Contudo, o importante a ser ressaltado é que além do direito das mulheres a esta informação é fundamental respeitar o seu desejo, seja pela presença de um acompanhante ou pela ausência deste, pois cada mulher vivencia a experiência de parto de uma forma singular, sendo que: "o maior desafio dos profissionais que assistem a parturição é saber discernir as regras que causam mais benefícios que danos, tendo como base a flexibilidade de tais rotinas, de modo a levar em conta a necessidade de cada parturiente" (DIAS, 2007, p. 99).

No caso das mulheres que optam pela presença de um acompanhante, no momento do parto, não basta apenas permitir a entrada deste, mas é essencial que este acompanhante seja incluído na cena do parto, acompanhado e instruído, de forma a lhe oferecer instrumentos para que se coloque na posição de agente ativo e participante (ALBUQUERQUE, 2005).

Experiências sobre o parto normal: o relato das puérperas

Algumas expectativas das gestantes quanto ao parto podem ser corroboradas quando comparadas à experiência real, concreta do parto.

A duas participantes que deram a luz, relataram que a dor era algo que esperavam sentir, relatando ser a experiência da parturição de fato, uma experiência difícil, mesmo quando a dor era considerada suportável, como mostram os depoimentos seguintes, em relação ao momento da parturição:

"Ai é um pouquinho difícil né, mas Deus quis né, deu tudo certo, mas é um pouquinho doído sim. Ai deu um pouquinho de trabalho, sofri pelo menos doze horas, mas depois nasceu e nasceu tudo bem. Foi assim, eu diria um pouco difícil, mas Deus ajuda que deu tudo bem, tudo certo no fim, tudo bem." (C. C. S., 20 anos, 1ª parição).

"Então, foi uma experiência assim, né, que, como eu já tinha tido um parto normal, mais ou menos eu já sabia como era, mas o medo sempre vem, né, [...]. É uma coisa que você tem força pra tê, mas não é também uma coisa do outro mundo. Assim, eu senti mais depois, os ponto doeu muito." (L. M. R. B., 31 anos, 2ª parição).

De acordo com Davim, Torres e Dantas (2008), a dor de parto tem sido, historicamente, relacionada a algo intolerável e extremamente doloroso fisicamente. Essa dor é vista, por muitas mulheres como o "preço a ser pago" pela maternidade, sendo que no seu imaginário, a boa mãe é aquela que sofre as dores do parto, cumprindo seu papel. Dessa forma, como o fenômeno da dor, é influenciado pelos fatores biológicos, culturais, socioeconômicos e emocionais, muitas mulheres esperam, antecipadamente, que seu parto seja uma experiência permeada pela dor.

Márquez (2004 apud SOUZA, 2007) considera a dor como uma experiência multidimensional, relacionada às dimensões sensorial, afetiva, interpretativa e comportamental, sendo que o perfil emocional do indivíduo, as relações sociais, familiares e institucionais, assim como a expressão do sujeito sobre sua experiência também devem ser consideradas.

Como foi possível observar, através da participação nos grupos de gestantes e das entrevistas realizadas, embora sejam dadas orientações a respeito de como lidar com a dimensão física da dor, através de técnicas de respiração, relaxamento, exercícios, não é oferecido um espaço, para que as gestantes coloquem suas expectativas, seus medos, fantasias e crenças sobre o momento do parto e a dor experienciada neste. Esta conduta favoreceria a expressão dos sujeitos de sua experiência, promovendo um espaço para discussão e desconstrução de mitos e falsas expectativas, que contribuam para aumentar o nível de ansiedade destas mulheres e, consequentemente, da dor, além de possibilitar o aprendizado de técnicas de manejo e apropriação, por parte das mulheres, do controle de seu comportamento, tornando a dor do parto uma experiência menos desagradável.

Com relação às orientações sobre como lidar com o desconforto durante o processo de parto, uma das puérperas foi orientada, ao mesmo tempo em que recebeu algumas técnicas alternativas como a massagem e o exercício com a bola, enquanto a outra não recebeu nenhum tipo de orientação ou técnica para aliviar a dor, além da anestesia.

"As enfermeira no hospital também foi super bem comigo, atenciosa, em momento nenhum elas faltou assim, com falta de atenção comigo, fizeram massagem em mim, aquele exercício com a bola, foi a maior coisa, sabe." (C. C. S., 20 anos, 1ª parição).

"Ninguém me orientou nada. Eu acho que faltô informação. Eu recebi uma anestesia, por causa que a pressão tava subindo [...]. Então eles antecipô. Desde que rompeu a bolsa, né, eles deram uma anestesia, puseram o soro, não esperaro nem uns quinze minuto, nada disso, e isso já foi pro centro cirúrgico, né, pro centro obstétrico e já fizero uma anestesia e começô. Ele tipo induziu o parto, né, adiantô o parto." (L. M. R. B., 31 anos, 2ª parição).

Apesar de ser uma recomendação da Organização Mundial de Saúde, o uso de técnicas não farmacológicas para aliviar o desconforto e a dor durante o trabalho de parto, varia conforme a filosofia da instituição de atendimento ao parto. Estas técnicas, além de otimizarem a assistência oferecida a parturiente, representam uma forma de humanizar os serviços de saúde (SARTORI et al., 2011). Ao aliviar ou minimizar a experiência da dor, permitem que a mulher se torne mais participativa e assuma o controle sobre o processo de parto.

Entretanto, o aspecto mais importante apontado pelas puérperas não parece ter sido o uso das técnicas em si, mas a atenção, o apoio e o carinho recebido dos profissionais:

"Elas foi super atencioso comigo, sabe. Na hora mais difícil elas que me ajudaram, né. Se não fosse o apoio delas eu não sei se eu teria conseguido." (C. C. S., 20 anos, 1ª parição).

"Eu graças a Deus fui muito bem atendida, sabe, muito bem assistida pelos médico. Os médico toda hora tava indo, tava passando, tava preocupando, pra mim isso é o mais importante, eu acho." (L. M. R. B., 31 anos, 2ª parição).

O suporte emocional e social no ciclo gravídico-puerperal, em especial durante o trabalho de parto e parto, é referido em vários estudos como um fator importante na qualificação da assistência materna. As pesquisas em diversos países, envolvendo diferentes modalidades de suporte institucional têm revelado impacto positivo deste suporte na experiência emocional da mãe, bem como na evolução do trabalho de pré-parto e parto, e nas condições de saúde do bebê (SILVA; SIQUEIRA, 2007).

Quanto à presença do acompanhante familiar no momento do parto, apesar de terem conhecimento deste direito, nenhuma das puérperas entrevistadas foi acompanhada. Uma delas referiu que esta foi uma escolha pessoal. A outra, cujo parto aconteceu em um hospital privado do município de Franca, relatou que para que o pai da criança pudesse assistir ao parto, teve que pagar por isso:

"Pra ele acompanhá, ele teve que pagá, porque na (Hospital Público) é de graça, mas lá no (Hospital Particular) não, você paga trinta reais pra assisti o parto. E a hora que ele chegô lá, o nenê já tava nascendo, quase não deu tempo, porque foi muito rápido [...]" (L. M. R. B., 31 anos, 2ª parição).

Dessa forma, o que era para ser um direito da parturiente acaba se transformando em uma relação mercantil, sendo comercializado o preço da experiência, do apoio de ter o pai do seu filho ao seu lado, em um momento único de sua vida.

Importante frisar que mesmo os hospitais particulares estão obrigados a permitir a presença do acompanhante, pois já está em vigor a Resolução da Diretoria Colegiada nº 36, de 3 de junho de 2008, da ANVISA, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal, cujo item 9.1, prevê a presença de um acompanhante, de livre escolha da mulher, no acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (BRASIL, 2008).

De acordo com Ymayo e Basile (2005), a humanização na atenção obstétrica e neonatal implica em se oferecer a todos os envolvidos no processo de gestação e nascimento, o melhor atendimento, devendo ser adotados valores morais e éticos, por parte dos profissionais de saúde, que melhorem os resultados maternos e neonatais e ofereçam uma individualização do atendimento, assim como melhores atitudes, ou seja, a humanização.

Dessa forma, a humanização do parto, passa não apenas por medidas governamentais, que assegurem legalmente os direitos das gestantes, mas perpassa também o comportamento e o comprometimento dos profissionais responsáveis por assisti-las neste momento tão singular de suas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências da gravidez e do parto representam momentos únicos e singulares na vida de uma mulher, que serão carregados pelo resto de sua vida em sua memória.

Como o parto é um ato cultural, para além do nível biológico, as escolhas das mulheres por um determinado método de parto também parecem estar inextricavelmente ligadas a um discurso construído socialmente sobre o corpo da mulher.

Entretanto, a experiência relacionada ao momento do parto sempre será vivenciada como singular e única para cada mulher. Nesse sentido, atenção, acolhimento e cuidado, assim como o vínculo, são elementos fundamentais para uma assistência mais humanizada. Dessa forma, humanizar não significa "massificar" e sim individualizar, considerando-se que as gestantes e parturientes são seres singulares e têm desejos e necessidades diferentes. Com relação ao acompanhante no momento do parto, enquanto para algumas, este representa uma figura de apoio essencial, outras optam por vivenciar este momento de forma mais recolhida e solitária, mas nem por isso menos saudável.

Dessa forma, os profissionais devem ser flexíveis ao lidar com as regras, sempre levando em consideração as necessidades e o bem-estar da parturiente que está sendo assistida.

Contudo, para garantir o sucesso da luta pela humanização do parto, torna-se necessária qualificação, conscientização e engajamento dos profissionais de saúde, sem os quais a presença de um aparato legal se mostra meramente ilustrativa.

Recebido em: 08 de fevereiro de 2011

Aceito em: 15 de maio de 2013

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    Endereço para correspondência: Universidade de Franca, Mestrado em Promoção de Saúde. Avenida Dr Armando Salles de Oliveira, 201 Parque Universitário 14404-600 - Franca, SP – Brasil.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Fev 2011
    • Aceito
      15 Maio 2013
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