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Entre o esbelto e o obeso: narrativas de mulheres que fizeram cirurgia bariátrica

Between the slender and the obese: narratives of women who have had bariatric surgery

Entre lo esbelto y lo obeso: relatos de mujeres operadas de cirugía bariátrica

Resumo

A proposta deste artigo é refletir sobre os sentidos de si construídos por pessoas que fizeram cirurgia para redução de peso. Apresentaremos um estudo no campo de abordagem narrativista, utilizando o conceito de posição para auxiliar a compreensão da construção de sentidos de si. Duas adultas que fizeram cirurgia em hospital da Região Metropolitana do Recife fazem parte do estudo. Entrevistas narrativas foram usadas como técnicas disparadoras das narrativas e a análise de posicionamento foi a estratégia analítica empregada. Sugerimos que os sentidos de si construídos tratam de posições em que (1) as participantes posicionam a si e às pessoas obesas como socialmente constrangidas, que sentem o olhar intimidador, o nervosismo, o vexame, a inadequação, como as que não podem dançar, não podem vestir certas roupas; (2) ao mesmo tempo que são sujeitos de constrangimento, reconhecem o corpo magro como “o padrão” e fortalecem a narrativa dominante de valor ao contorno esbelto como normal; por fim, (3) a cirurgia bariátrica serve como um instrumento de mudança e conquista, que promove a transformação nos sentidos de si mesmo construídos: de estar à margem na sociedade, para o pertencimento social e aceitação pessoal.

Palavras-chave:
narrativas; construção de sentidos; cirurgia bariátrica

Abstract

The purpose of this article is to explore the self meaning-making in people who underwent bariatric surgery to reduce their weight. Guided by the narrative approach, we apply the concept of position to understand the meaning-making process about the self. Two adults who underwent bariatric surgery at a hospital in the Metropolitan Region of Recife are part of the study. Narrative interviews were used as a technique and positioning analysis was the analytical strategy employed. We suggest the research participants position themselves as obese people who are socially constrained, who feel inadequate about how they look, who cannot dance, who cannot wear certain clothes; (2) thereby they reaffirme the dominant narrative of the slim contour as “the norm”; (3) for the research participants, the bariatric surgery served as a tool of empowerment that promotes a transformation in their sense of self from being at the margins to feeling a sense of social belonging and personal acceptance.

Keywords:
narratives; meaning making; bariatric surgery

Resumen

La propuesta de este artículo es reflexionar sobre la construcción de sentidos de sí mismo por personas que se han sometido a una cirugía de reducción de peso. Presentaremos un estudio en el campo del enfoque narrativo, utilizando el concepto de posición para auxiliar a la comprensión de la construcción de sentidos de sí mismo. Dos adultas que fueron operadas en un hospital de la Región Metropolitana de Recife son parte del estudio. Las entrevistas narrativas se utilizaron como técnicas de activación de las narrativas y el análisis de posicionamiento fue la estrategia analítica empleada. Sugerimos que los sentidos construidos de sí mismos se ocupan de posiciones en las que (1) los participantes se posicionan a sí mismos y a las personas obesas como socialmente restringidas, que sienten la mirada intimidante, el nerviosismo, la vergüenza, la insuficiencia, como las que no pueden bailar, no pueden usar cierta ropa ; (2) al mismo tiempo que son sujetos de vergüenza, reconocen el cuerpo delgado como “el estándar” y fortalecen la narrativa dominante de valor al contorno esbelto como normal; finalmente, (3) la cirugía bariátrica sirve como instrumento de transformación y conquista, que promueve la transformación en los sentidos construidos de sí mismo: de estar al margen de la sociedad, a la pertenencia social y la aceptación personal.

Palabras clave:
narrativas; construcción de significados; cirugía bariátrica

Uma interpretação que vem tendo receptividade e é compartilhada por filósofos, antropólogos, psicanalistas e sociólogos reconhece que a vida tem sido valorizada como um grande bem (CASTRO, 2007CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 2. ed. São Paulo: Fapesp, 2007.; CASTRO; PRADO, 2012CASTRO, Ana Lúcia; PRADO, Juliana do. Corpo e identidades femininas: a intermediação da mídia. Estudos de Sociologia, São Paulo, v. 17, n. 32, p. 241-259, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/4937 . Acesso em: 13 fev. 2017.
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; COSTA, 2005COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.; KEHL, 2004KEHL, Maria Rita. Com que corpo eu vou? In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita (Ed.). Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 174-179.; LE BRETON, 2007LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas, SP: Papirus, 2007.; ORTEGA, 2005ORTEGA, Francisco. Da ascese à bio-ascese ou do corpo submetido à submissão ao corpo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Imagens de Foulcault e Deleuze: ressonâncias nietzchianas. Rio de Janeiro: DP & A, 2005. p. 139-173.; SANT’ANNA, 2001SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001., 2005; SIBILIA, 2004SIBILIA, Paula. O pavor da carne: riscos da pureza e do sacrifício no corpo-imagem contemporâneo. Revista Famecos, v. 11, n. 25, p. 68-84, 2004. https://doi.org/10.15448/1980-3729.2004.25.3286
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). Noutros termos e seguindo o pensamento de Francisco Ortega (2003ORTEGA, Francisco. Práticas de ascese corporal e constituição de bioidentidades. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 59-77, 2003., 2005), isto significa que o cuidado de si tem se voltado especialmente para o corpo, para a manutenção de padrões médicos, estéticos, higiênicos: “o corpo torna-se o lugar da moral, é seu fundamento último e matriz da identidade pessoal” (ORTEGA, 2005ORTEGA, Francisco. Da ascese à bio-ascese ou do corpo submetido à submissão ao corpo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Imagens de Foulcault e Deleuze: ressonâncias nietzchianas. Rio de Janeiro: DP & A, 2005. p. 139-173., p. 165).

Ao longo deste texto, três pontos merecerão destaque em relação ao que queremos discutir. O primeiro deles é que o corpo esbelto tem tido grande destaque ao longo dos últimos 50 anos nas sociedades ocidentais. O segundo ponto é que nestas sociedades tem se registrado aumento progressivo no número de pessoas obesas e com excesso de peso. Como terceiro ponto temos que o número de cirurgias para redução de peso e consequente combate à obesidade tem sido realizadas com maior frequência no Brasil e no mundo. Assim, lançamos a questão: como pessoas que fizeram cirurgia bariátrica significam a si mesmas? Nosso objetivo neste estudo é apresentar e refletir, através da noção de posição, sobre os sentidos de si mesma construídos por duas mulheres adultas que fizeram cirurgia bariátrica em hospital da Região Metropolitana do Recife.

Para Maria Rita Kehl (2004KEHL, Maria Rita. Com que corpo eu vou? In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita (Ed.). Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 174-179.), o discurso biomédico passa a ocupar um vazio deixado pelos discursos religiosos, morais e filosóficos. Ele orienta uma indústria do corpo, que, em nome da felicidade e da vida, defende o cuidado de si voltado para a saúde. Não mais se torna importante a ação que possa ser feita pelo conjunto da sociedade em busca de um bem comum. Importa, sim, a adequação a um modelo de corpo definido pela ciência e pela medicina, o que requer, dentre outros aspectos, o exercício de práticas, salutares, sadias - como atividades físicas, alimentação com riqueza nutricional - , e o desenvolvimento e apropriação de uma cultura comum aos profissionais da saúde, tais como: taxa de glicose, de colesterol, capacidade aeróbica, tônus muscular, etc. Temos assim o fortalecimento de uma construção identitária absolutamente atrelada ao cuidado corporal, o que marcará uma particular forma de “culto ao corpo” (CASTRO, 2007CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 2. ed. São Paulo: Fapesp, 2007.; CASTRO; PRADO, 2012CASTRO, Ana Lúcia; PRADO, Juliana do. Corpo e identidades femininas: a intermediação da mídia. Estudos de Sociologia, São Paulo, v. 17, n. 32, p. 241-259, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/4937 . Acesso em: 13 fev. 2017.
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; DANTAS, 2011DANTAS, Jurema Barros. Um ensaio sobre o culto ao corpo na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 898-912, 2011. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812011000300010&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 14 jan. 2019.
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; ORTEGA, 2003ORTEGA, Francisco. Práticas de ascese corporal e constituição de bioidentidades. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 59-77, 2003., 2005ORTEGA, Francisco. Da ascese à bio-ascese ou do corpo submetido à submissão ao corpo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Imagens de Foulcault e Deleuze: ressonâncias nietzchianas. Rio de Janeiro: DP & A, 2005. p. 139-173.; SIBILIA, 2004SIBILIA, Paula. O pavor da carne: riscos da pureza e do sacrifício no corpo-imagem contemporâneo. Revista Famecos, v. 11, n. 25, p. 68-84, 2004. https://doi.org/10.15448/1980-3729.2004.25.3286
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, 2006).

Os cuidados com o corpo assumem um lugar central em nossas preocupações cotidianas; comportamentos voltados à saúde, e, também à beleza, tornam-se uma referência para a moralidade, na medida em que garantem méritos e geram reconhecimento social (CASTRO, 2007CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 2. ed. São Paulo: Fapesp, 2007.; CASTRO; PRADO, 2012CASTRO, Ana Lúcia; PRADO, Juliana do. Corpo e identidades femininas: a intermediação da mídia. Estudos de Sociologia, São Paulo, v. 17, n. 32, p. 241-259, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/4937 . Acesso em: 13 fev. 2017.
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). Para Sant’anna (2005SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Transformações do corpo: controle de si e uso dos prazeres. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Imagens de Foulcault e Deleuze: ressonâncias nietzchianas. Rio de Janeiro: DP & A , 2005. p. 99-110.), as práticas de cuidados corporais ao início do século XX estão cada vez mais comprometidas com o mercado da saúde. Kehl (2004KEHL, Maria Rita. Com que corpo eu vou? In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita (Ed.). Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 174-179.) diz que este cuidado de si é voltado à produção de um corpo-imagem, de uma aparência. A aparência diz do sucesso de quem a possui. O homem contemporâneo é então convidado a construir o corpo, conservar a forma, modelar sua aparência, ocultar o envelhecimento ou a fragilidade, manter sua saúde potencial.

[…] a otimização corporal tornou-se um padrão de medida e de valor para o homem contemporâneo. Criam-se modelos ideais de sujeito baseados na performance física e se estabelecem novos parâmetros de mérito e reconhecimento cujas bases são regras de saúde. As ações individuais passam a ser dirigidas com o objetivo de obter melhor forma física, mais longevidade ou prolongamento da juventude (ZORZANELLI; ORTEGA, 2011ZORZANELLI, Rafaela; ORTEGA, Francisco. Cultura somática, neurociências e subjetividade contemporânea. Psicologia e Sociedade [online], v. 23, n. spe, p. 30-36, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-71822011000400005
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, p. 32).

Esta modelização, por sua vez, se faz num contexto de progressivas referências normativas, nas quais se evidencia um ideal de beleza social e culturalmente compartilhado. Desde a década de 1920 e até os anos 80, as indústrias da moda, cosméticos, publicitária e cinematográfica se fortaleceram e contribuíram para a construção de um referencial estético muito específico, enaltecido pelo cinema através de suas deusas de cinturas afinadas e contornos delineados: falamos de uma forma física privilegiada, que se trata do corpo esbelto e jovem (CASTRO, 2007CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 2. ed. São Paulo: Fapesp, 2007.; CASTRO; PRADO, 2012CASTRO, Ana Lúcia; PRADO, Juliana do. Corpo e identidades femininas: a intermediação da mídia. Estudos de Sociologia, São Paulo, v. 17, n. 32, p. 241-259, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/4937 . Acesso em: 13 fev. 2017.
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; GOLDENBERG, 2006GOLDENBERG, Mirian. O corpo como capital: para compreender a cultura brasileira. Arquivos em Movimento, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 2006. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/am/article/view/9083 . Acesso em: 13 jun. 2018.
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).

Neste sentido, o culto ao corpo e à aparência começam a aparecer em meados do século XX, quando surge uma fusão de vários fenômenos sociais, dentre eles: uma propagação generalizada de normas e imagens, um aumento excessivo de cuidados com o corpo e a uma grande influência midiática sobre o comportamento das pessoas (GOLDENBERG, 2007GOLDENBERG, Mirian; RAMOS, Marcelo Silva. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu e vestido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 19-40.). Nesta direção, o referencial de beleza com frequência é associado ao corpo esbelto. Dantas (2011DANTAS, Jurema Barros. Um ensaio sobre o culto ao corpo na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 898-912, 2011. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812011000300010&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 14 jan. 2019.
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, p. 909) afirma que “o corpo como mensageiro da saúde e da beleza torna-se um imperativo tão poderoso que conduz à ideia de obrigação. Ser feliz e pleno na atualidade corresponde à conquista de medidas perfeitas”.

Para Goldenberg e Ramos (2007GOLDENBERG, Mirian; RAMOS, Marcelo Silva. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu e vestido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 19-40.), a forma física passou de um contexto que era entendida como obra divina, para o fruto de um esforço e trabalho sobre si mesmo. Como resultado dessa mudança, os sujeitos passaram a ser responsabilizados por sua aparência. O corpo se torna um objeto de consumo e de sucesso pessoal, e a liberdade para agir sobre o corpo e transformá-lo é incentivada pelos meios de comunicação em massa. As autoras ressaltam ainda que a mídia, então, com o poder de influência que adquiriu, expõe diariamente para a população imagens de corpos perfeitos, seja no cinema, na televisão ou na publicidade em revistas e jornais.

Dantas (2011DANTAS, Jurema Barros. Um ensaio sobre o culto ao corpo na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 898-912, 2011. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812011000300010&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 14 jan. 2019.
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) ressalta que somos cotidianamente envolvidos com a ideia do controle do corpo e com a possibilidade de alcançar uma aparência física “mesmo que para isso sejam necessários exercícios intensos, cirurgias plásticas e dietas radicais - como pregam os diversos meios de comunicação vigentes. Paralelamente, a indústria de alimentos se desenvolveu e os produtos diet e light ganharam maior aceitação. O consumo cada vez mais acentuado deste tipo de alimento não pode ser devido à busca por um delineamento corporal. Está também vinculado à escassez de tempo na vida cotidiana, especialmente nos centros urbanos, e à exploração midiática do alimento como uma “mercadoria qualquer”, como dizem Oliveira e Hoffmann (2015OLIVEIRA, Fabíola Cristina Ribeiro de; HOFFMANN, Rodolfo. Consumo de alimentos orgânicos e de produtos light ou diet no Brasil: fatores condicionantes e elasticidades-renda. Revista Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 22, n. 1, 541-557, 2015. https://doi.org/10.20396/san.v22i1.8641571
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, p. 542). Entretanto, a escolha do que comer em muitos casos perpassa uma ideia do corpo que se quer ter, que se quer delinear. É assim que, na atualidade, vimos também um aumento progressivo no número de academias de ginástica e de clínicas de cirurgia plástica, as quais, como ressalta Castro (2007CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo. 2. ed. São Paulo: Fapesp, 2007.), são instituições de grande destaque neste mercado dedicado à produção da beleza.

É nessa cultura de valorização do corpo esbelto, que a gordura é vista como uma inimiga da boa forma, uma doença, e é adotada “como símbolo tangível da indisciplina, do desleixo, da preguiça, da falta de certa virtude, isto é, da falta de investimento do indivíduo em si mesmo”. (GOLDENBERG; RAMOS, 2007GOLDENBERG, Mirian; RAMOS, Marcelo Silva. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu e vestido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 19-40., p. 31. (Sibilia (2004SIBILIA, Paula. O pavor da carne: riscos da pureza e do sacrifício no corpo-imagem contemporâneo. Revista Famecos, v. 11, n. 25, p. 68-84, 2004. https://doi.org/10.15448/1980-3729.2004.25.3286
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, p. 68) a este respeito fala da lipofobia: “Um horror cada vez mais visceral aos tecidos adiposos que ‘naturalmente’ conformam o corpo humano”, um tipo de formação social que transformou algo orgânico e biologicamente presente no corpo humano, um alvo de rejeição nas sociedades ocidentais desde o início do século XXI. Essa rejeição contribui para desenvolvermos a ideia de que os sujeitos que têm disciplina e investem no corpo, se preservam dos males da gordura, e que, assim, um corpo magro é um corpo sem mazelas, um corpo que era doente e foi curado, um corpo que está sarado (GOLDENBERG; RAMOS, 2007GOLDENBERG, Mirian; RAMOS, Marcelo Silva. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu e vestido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 19-40.).

Vigarello (2012VIGARELLO, Georges. As metamorfoses do gordo: história da obesidade no Ocidente. Da Idade Média ao século XX. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 21) ressalta uma diversificada significação sobre o corpo ao longo do tempo, especialmente na Europa; na Idade Média “o imaginário encanta-se com a acumulação; a saúde supõe barriga cheia”, e, assim, raramente o gordo passava por desacatos ou injúrias. Acumulação e abundância eram adjetivos de importância e valor, sinônimos de força e nobreza, muito embora, ressalte o autor, o gordo fosse apreciado e o muito gordo, condenado: “O primeiro tipo de gordura seria sinal de opulência, o segundo de debilidade” (VIGARELLO, 2012VIGARELLO, Georges. As metamorfoses do gordo: história da obesidade no Ocidente. Da Idade Média ao século XX. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 30). Já na Renascença emergiu uma compreensão diferenciada sobre o gordo, que passou a ter sua imagem associada à lentidão, à preguiça, à limitação.

Há ainda que se destacar que, historicamente, vemos que a ciência avança na construção e popularização de conhecimentos sobre a obesidade. A World Health Organization (WHO, 2021WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Obesity and overweight. 9 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight . Acesso em: 5 fev. 2022.
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) conceitua o sobrepeso e a obesidade como uma acumulação de gordura anormal ou excessiva no organismo e que apresenta riscos à saúde; sua definição respeita um preciso critério internacional relativo ao índice de massa corporal (IMC), mensurado a partir do peso da pessoa em quilogramas, dividido pelo quadrado de sua estatura, em metros. Os índices auxiliam a estabelecer uma orientação para a ciência, a população e ao Estado, sinalizando para os riscos que a concentração de gordura oferece, em termos do grau da obesidade definido pela OMS (COUTINHO; BENCHIMOL, 2006COUTINHO, Walmir Ferreira; BENCHIMOL, Alexander Koglin. Obesidade mórbida e afecções associadas. In: GARRIDO JÚNIOR, Arthur B.; FERRAZ, Edmundo Machado; BARROSO, Fernando Luiz; MARCHESINI, João Batista; SZEGÖ, Thomas. (Org.). Cirurgia da obesidade. São Paulo: Atheneu, 2006. p. 13-17.; LIMA FILHO, 2008LIMA FILHO, José Vieira de. Cirurgia da obesidade: caracterização psicossocial e psicopatológica dos candidatos. 2008. 86 f. Dissertação (Mestrado em Psiquiatria) - Programa de Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento do Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.). Segundo a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO, 2016ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA (ABESO). Diretrizes brasileiras de obesidade. 2016. Disponível em: Disponível em: https://abeso.org.br/wp-content/uploads/2019/12/Diretrizes-Download-Diretrizes-Brasileiras-de-Obesidade-2016.pdf . Acesso em: 4 fev. 2022.
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) e a World Health Organization (WHO, 2021WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Obesity and overweight. 9 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight . Acesso em: 5 fev. 2022.
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), a variação de peso pode ser definida como: sobrepeso, identificado quando o IMC é maior ou igual a 25 kg/m2 e menor que 30 kg/m2; obesidade grau I, quando a pessoa possui o IMC igual ou superior a 30 e menor ou igual a 34,9 kg/m2; obesidade grau II, quando o IMC é igual ou superior a 35 e menor ou igual a 39,9 kg/m2, e grau III quando o IMC obtido é igual ou superior a 40 kg/m2).

O IMC, a idade, doenças associadas e tempo da doença são os critérios decisivos para indicação da cirurgia bariátrica (SBCBM, 2017SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA (SBCBM). Quem pode fazer. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/quem-pode-fazer/ . Acesso em: 4 fev. 2022.
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). Em relação ao IMC tem-se: IMC acima de 40 kg/m², independentemente da presença de comorbidades; IMC entre 35 e 40 kg/m² na presença de comorbidades; IMC entre 30 e 35 kg/m² na presença de comorbidades que tenham obrigatoriamente a classificação “grave” por um médico especialista na respectiva área da doença. Em relação à idade, apenas quando a pessoa possui entre 18 e 65 anos que não são feitas restrições; noutros casos, é necessário análise por equipe multiprofissional e/ou acordo familiar que permita a realização da cirurgia. Quanto ao tempo da doença, esclarece a SBCBM (2017SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA (SBCBM). Quem pode fazer. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/quem-pode-fazer/ . Acesso em: 4 fev. 2022.
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) que o candidato deve ter o IMC estável há pelo menos dois anos e apresentar comorbidades em faixa de risco; ressalta ainda que é preciso ter realizado e não ter obtido sucesso em tratamentos convencionais anteriores, como por exemplo, através de medicamentos e tentativas de mudanças comportamentais.

Além disso, a obesidade pertence ao grupo das Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT) (BRASIL, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica: Obesidade. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.). A este respeito, ressalta-se que as “DANT representam a maioria das causas de morbimortalidade no mundo e no Brasil, além de resultarem em mortes prematuras, incapacidades, perda da qualidade de vida e importantes impactos econômicos” (MALTA; SILVA, 2018MALTA, Deborah Carvalho; SILVA, Marta Maria Alves da. As doenças e agravos não transmissíveis: o desafio contemporâneo na Saúde Pública. Ciência & Saúde Coletiva [online], v. 23, n. 5, p. 1350, 2018. https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.31552017
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, p. 1350). Para Coutinho e Benchimol (2006COUTINHO, Walmir Ferreira; BENCHIMOL, Alexander Koglin. Obesidade mórbida e afecções associadas. In: GARRIDO JÚNIOR, Arthur B.; FERRAZ, Edmundo Machado; BARROSO, Fernando Luiz; MARCHESINI, João Batista; SZEGÖ, Thomas. (Org.). Cirurgia da obesidade. São Paulo: Atheneu, 2006. p. 13-17.), é provável que duzentas mil pessoas morram anualmente como decorrência das comorbidades relacionadas à obesidade, tais como: hipertensão arterial, diabetes melito tipo 2, dislipidemia, doença coronariana, apneia do sono e câncer.

A ciência destes riscos aumenta a preocupação das autoridades, o que ainda se acentua quando analisados os percentuais de crescimento da população obesa. A obesidade é uma doença epidêmica, uma vez que atinge grande número de pessoas em todo o mundo, tanto aquelas de países desenvolvidos, como os que estão em desenvolvimento (SOUZA; SILVA; CAVALCANTE; LIMA; SOUZA, 2018SOUZA, Saul de Azevêdo; SILVA, Allan Batista; CAVALCANTE, Ulanna M. Bezerra; LIMA, Caliandra M. Bezerra; SOUZA, Tatiene Correia de. Obesidade adulta nas nações: uma análise via modelos de regressão beta. Cadernos de Saúde Pública [online], v. 34, n. 8, 2018. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161417
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). O relatório preliminar do estudo da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Por Inquérito Telefônico (VIGITEL) realizado em 2020 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, com pessoas com idade maior ou igual a 18 anos com ao menos uma linha telefônica fixa em sua residência (BRASIL, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2020: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS, 2021.), ressalta: o excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2) é identificado com maior frequência entre homens, com destaque para a cidade de Cuiabá, 68,6%. Entre as mulheres, o maior percentual é de 60,1%, identificado nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo. Quanto à obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2), o relatório (BRASIL, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2020: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS, 2021.) diz que as maiores frequências de casos de obesidade foram observadas, entre homens, nas cidades de Fortaleza e de Cuiabá (26,0%), enquanto entre as mulheres é nas cidades de Recife e Aracaju que se observam as maiores frequências de obesidade, respectivamente 26,5% e 26,4%.

Neste cenário, um discurso científico emerge em alerta à população quanto aos riscos para a saúde que a concentração excessiva de tecido adiposo promove. Modelar o corpo e, especificamente, mantê-lo magro passa a ser uma preocupação constante e executável a partir de uma diversidade de práticas. Regimes alimentares, cirurgias para redução de peso, atividade física e exercícios são práticas de cuidado com corpo com progressiva ascensão na atualidade. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM, 2019SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA (SBCBM). Cirurgia bariátrica cresce 84,73% entre 2011 e 2018. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/cirurgia-bariatrica-cresce-8473-entre-2011-e-2018/ . Acesso em: 4 fev. 2022.
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), em 2019 foram realizadas 68.530 cirurgias no Brasil, enquanto que em 2018 o número foi de 63.969. Em 2011, de forma contrastante, a SBCBM indica que foram 34.629 os procedimentos realizados em todo país.

Notamos então que, se de um lado o corpo é cuidado e valorizado em termos do contorno esbelto, por outro temos a obesidade e o excesso de peso como condições comuns aos brasileiros e brasileiras dos dias atuais, além de um aumento progressivo na realização de intervenção cirúrgica para redução de peso. São justamente estas pessoas, que buscaram o procedimento cirúrgico como alternativa no enfrentamento à obesidade que nos interessam em especial. Nosso objetivo é apresentar e refletir sobre os sentidos de si construídos narrativamente por duas participantes, Rosa e Afrodite, que fizeram cirurgia bariátrica. Usamos o conceito de narrativa proposto por Brockmeier e Harré (2003BROCKMEIER, Jens; HARRÉ, Rom. Narrativa: problemas e promessas de um paradigma alternativo. Psicologia: Reflexão e Crítica [online], v. 16, n. 3, p. 525-535, 2003. https://doi.org/10.1590/S0102-79722003000300011
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, 526), segundo a qual a narrativa é constituída por “personagens e um enredo que evolua ao longo do tempo” como critério para separação de cada narrativa em relação ao que fora integralmente contado. Admitimos como princípio que os sentidos são construídos linguisticamente, na e pelas narrativas contadas pelas pessoas (BRUNER, 1997BRUNER, Jerome. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. ; POLKINGHORNE, 1988POLKINGHORNE, Donald E. Narrative knowing and the human sciences. New York: State University of New York Press, 1988.; SARBIN, 1986SARBIN, Theodore R. The narrative as a root metaphor for psychology. In: ______. (Ed.). Narrative Psychology: the storied nature of human conduct. New York: Praeger, 1986.).

Os registros que apresentaremos derivam de investigação de doutorado realizada uma das autoras (MOUTINHO, 2010MOUTINHO, Karina. A construção narrativa de sentidos de bioidentidade: obesidade e cirurgias bariátricas. 2010. 49 f. Tese (Doutorado em Psicologia Cognitiva) - Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010.) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Os registros compõem o banco de dados do Laboratório de Estudos de Imaginação - Eikasia, da Universidade Federal de Pernambuco.

Método

São aqui apresentados dois estudos de caso seguindo os pressupostos de uma abordagem idiográfica, que tem como valores a singularidade dos fenômenos e o primado pela unicidade do sujeito e dos processos psicológicos (SALVATORE; VALSINER, 2010SALVATORE, Sergio; VALSINER, Jaan. Between the General and the Unique. Theory & Psychology [online], v. 20, n. 6, p. 1-18, 2010. https://doi.org/10.1177/0959354310381156
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). De acordo com Valsiner (2012VALSINER, Jaan. Fundamentos de uma psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Tradução de Ana Cecília Bastos. Porto Alegre: Artmed, 2012.), as generalizações na ciência idiográfica tomam como base a evidência de casos sistêmicos individuais, e aplica este conhecimento generalizado a casos individuais novos e únicos. No estudo desenvolvimental, onde as análises processuais sejam implementadas para captura do fenômeno em transformação, esta ciência tem especial valor. Entendemos que é o caso do presente estudo, há interesse pelo processo de transformação das posições ao longo do tempo e na narrativa.

A pesquisa seguiu as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, em vigor à época, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), CAAE número 21980000172-09.

Participantes

Este estudo foi realizado com duas participantes que tinham feito cirurgia bariátrica em um hospital da Região Metropolitana do Recife e participavam do Programa para Tratamento Cirúrgico da Obesidade deste hospital. O programa conta com a presença de pessoas obesas que serão cirurgiadas, equipe multiprofissional envolvida na cirurgia e pessoas que tenham feito a cirurgia, como oportunidade para informar sobre a cirurgia e troca de experiências entre os cirurgiados. Por recomendação do médico responsável pelo programa, e com a indicação de psicólogas e assistentes sociais, a pesquisadora deveria convidar a participar do estudo aqueles que comparecessem a estas reuniões. Ao final de cada encontro do programa, a pesquisadora dispunha de um momento de fala para apresentação do estudo e conversava com os que manifestavam interesse por conhecer o projeto de pesquisa. O período de coleta foi entre setembro e dezembro de 2009, após permissão do CEP/CCS/UFPE. Um total de 14 pessoas consentiu em participar do estudo, sendo 12 do gênero feminino e 02 do gênero masculino. Dentre o conjunto de participantes, as duas que fazem parte do presente artigo foram selecionadas ao acaso.

Material

Na ocasião das entrevistas foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e um questionário, que continha perguntas referentes à identificação das entrevistadas, tais como idade, estado civil, escolaridade, religião, e outras referentes ao pré e pós-cirúrgico, como peso, altura, comorbidades, IMC, medicações, data da cirurgia; foram também usados instrumentos para registro em áudio das entrevistas, lápis ou caneta, e caderno para anotações da pesquisadora.

Procedimento

As entrevistas realizadas tomaram como referência a técnica de Entrevistas Narrativas (EN) desenvolvida por F. Shütze, que, em 1977, fez sua sistematização em manuscrito não publicado, em alemão; este instrumento é apresentado em língua portuguesa por Jovchelovitch e Bauer (2008JOVCHELOVITCH, Sandra; BAUER, Martin W. Entrevista narrativa. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 90-113.). As entrevistas ocorreram em sala de atendimento psicológico do hospital, em data e horário acordados com os participantes. As entrevistas ocorreram nas quatro etapas, dentre as quais somente as etapas 1, 2 e 3 foram registradas em áudio e transcritas. Etapa 1: Iniciação. Após acomodados na sala de atendimento, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era apresentado. Após obter a anuência da participante, a pesquisadora seguia com a aplicação do questionário. Etapa 2: Narração central. A pesquisadora explicou à entrevistada que seria pedido que ela contasse uma história e que a pesquisadora evitaria interrompê-la, fazendo-o apenas quando não entendesse o que fosse dito. Explicou ainda que a pesquisadora faria anotações para que pudesse, caso fosse necessário, perguntar adiante o que não tivesse ficado esclarecido. Seguidamente, instruiu:

Eu gostaria que você me contasse a história da sua vida. Você pode voltar no tempo o quanto quiser, ir ao futuro também o quanto quiser, mas é importante que me fale sobre como é sua vida nos dias de hoje. Quando você acabar de contar sua história, você então me avisa e nós passaremos à etapa 3.

A escolha desta solicitação se fez em função de entendermos que, por estar no ambiente do hospital e por saber dos objetivos da investigação, a entrevistada já estaria dirigida para o tema de nosso interesse. Etapa 3: Perguntas. Aqui a entrevistadora realizou perguntas sobre a história contada e que careciam de melhor esclarecimento. Diferentemente da proposta original da técnica, aqui incluímos, quando necessário, tanto perguntas sobre acontecimentos da vida da entrevistada, sequência cronológica, personagens envolvidos em uma situação, como sobre as razões que tenham levado a entrevistada a tomar certas decisões. Etapa 4: Fala conclusiva. Sem realizar registro em áudio, a pesquisadora perguntava se entrevistada gostaria de falar algo de seu interesse.

Resultados e Análise

Façamos algumas considerações sobre o processo analítico, adaptado de Bamberg (2012BAMBERG, Michael. Narrative analysis. In: COOPER, H. (Org.). APA handbook of research methods in psychology. Washington, DC: APA Press. p. 77-94. Disponível em: Disponível em: http://www.clarku.edu/~mbamberg/publications.html . 2012. Acesso em: 4 abr. 2017.
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) e explicitado por Moutinho e De Conti (2016MOUTINHO, Karina; DE CONTI, Luciane. Análise narrativa, construção de sentidos e identidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online], v. 32, n. 2, p. 1-8, 2016. https://doi.org/10.1590/0102-3772e322213
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). A unidade de análise desta investigação é a narrativa, definida em acordo com Brockmeier e Harré (2003BROCKMEIER, Jens; HARRÉ, Rom. Narrativa: problemas e promessas de um paradigma alternativo. Psicologia: Reflexão e Crítica [online], v. 16, n. 3, p. 525-535, 2003. https://doi.org/10.1590/S0102-79722003000300011
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) como antes mencionado. A noção de posição tem sido norteadora de estudos que consideram narrativas para investigar como as pessoas constroem sentidos de si e dos outros, constroem suas identidades. Posição refere-se metaforicamente ao lugar de uma pessoa, na rede de relações sociais, atribuído a partir de sua inclusão em uma categoria moral e não em outra: “Um falante pode posicionar a si mesmo ou ser posicionado como, por exemplo, poderoso ou sem poder, confidente ou apologético, dominante ou submisso, definitivo ou em experiência, autorizado ou desautorizado e assim por diante” (VAN LANGENHOVE; HARRÉ, 1999VAN LANGENHOVE, Luk; HARRÉ, Rom. Introducing Positioning Theory. In: ______. (Ed). Positioning Theory. Oxford: Blackwell Publishers. 1999., p. 17, tradução nossa). O posicionar-se se dá em um tempo único, irrepetível e na tensão entre valores, ideologias e normas socioculturais. Moutinho e De Conti (2016MOUTINHO, Karina; DE CONTI, Luciane. Análise narrativa, construção de sentidos e identidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online], v. 32, n. 2, p. 1-8, 2016. https://doi.org/10.1590/0102-3772e322213
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, p. 2) dizem que “A narrativa pessoal é o resultado de um recurso aos discursos ou narrativas sociais dominantes e também, o processo no qual essas mesmas narrativas sociais são progressivamente reconstruídas no plano das relações sociais”. No ato de posicionar-se, como propõem Bamberg (2012BAMBERG, Michael. Narrative analysis. In: COOPER, H. (Org.). APA handbook of research methods in psychology. Washington, DC: APA Press. p. 77-94. Disponível em: Disponível em: http://www.clarku.edu/~mbamberg/publications.html . 2012. Acesso em: 4 abr. 2017.
http://www.clarku.edu/~mbamberg/publicat...
), Bamberg e Georgakopoulou (2008BAMBERG, Michael; GEORGAKOPOULOU, Alexandra. Small stories as a new perspective in narrative and identity analysis. Text & Talk, v, 28, n. 3, p. 377-396, 2008. https://doi.org/10.1515/TEXT.2008.018
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) e Korobov & Bamberg (2006KOROBOV, Neill; BAMBERG, Michael. “Strip poker! They don’t show nothing!” Positioning identities in adolescent male talk about a television game show. In: BAMBERG, Michael; DE FINA, Anna; SCHIFFRIN, Deborah (Ed.). Narratives in interaction: identities and selves. Amsterdam: John Benjamins, 2006. p. 253-271.), o narrador assume um lugar moral em relação a três aspectos: a ele mesmo, ou seja, como ele avalia a si mesmo na narrativa; em relação a outros personagens da narrativa e pertencentes à conversação na qual se construa a narração e em relação a um discurso ou narrativa dominante, cuja definição dependerá do foco da investigação. No presente estudo a narrativa dominante é aquela relativa ao culto ao corpo esbelto e aos referenciais de saúde associados ao combate à obesidade mencionados ao longo do texto. A análise de posicionamento que será aqui implementada buscará identificar a produção das narradoras em relação a esses três âmbitos: eu-eu, eu-outro, eu-narrativa dominante. Para isto, alguns elementos da narrativa serão considerados nesta análise: a) personagens, entendidos como seres que desenvolvem ações ou possuem um estado na narrativa; b) atividade, reconhecimento das ações desenvolvidas pelos personagens; c) recursos explicativos, quando o narrador recorre a justificativas e faz uso de: porque, como, por causa de; d) contexto definido como tempo cronológico (momento), espaço geográfico (lugar) e arranjos sociais (pessoas envolvidas). São usados: aqui, lá, hoje, amanhã, ontem, dentre outros; e) qualificadores, categoria que sinaliza formas de qualificar, de adjetivar, atribuídas aos personagens das narrativas. Usa-se palavras, verbos ou orações que atribuam qualidades ao personagem (MOUTINHO; MEIRA; DE CONTI, 2013MOUTINHO, Karina; MEIRA, Luciano; DE CONTI, Luciane. Desenvolvimento e construção de narrativas de sentidos de identidade. In: MOUTINHO, Karina; VILLACHAN-LYRA, Pompéia; SANTA-CLARA, Angela (Org.). Novas tendências em psicologia do desenvolvimento: teoria, pesquisa e intervenção. Recife: Universitária, 2013. p. 133-158.; MOUTINHO; DE CONTI, 2016MOUTINHO, Karina; DE CONTI, Luciane. Análise narrativa, construção de sentidos e identidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online], v. 32, n. 2, p. 1-8, 2016. https://doi.org/10.1590/0102-3772e322213
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). É com base nesta perspectiva analítica que as histórias de Rosa e Afrodite serão discutidas a seguir.

Rosa: “O certo é ser dentro dos padrões”

Aos 28 anos na ocasião da entrevista, Rosa era moradora do interior de Pernambuco e tinha feito a cirurgia há cerca de um ano. Morava com a mãe e a filha, na época com 05 anos. Rosa se declarou católica, solteira e dizia que a obesidade começou a surgir em sua vida após a gravidez, quando viveu uma relação tumultuada com o pai de sua filha. Tem nível superior completo, era professora pública do estado de Pernambuco. Quando cirurgiada possuía 130 kg, IMC = 45 kg/m2, obesidade grau III; quando entrevistada, seu IMC era de 32,5 kg/m2, obesidade grau I. Não mencionou diagnóstico de comorbidade antes da cirurgia; não se alimentava bem, tinha taxas um pouco alteradas, mas nada preocupante. Assim inicia sua narrativa:

Eu posso dizer que minha vida se divide num momento antes e depois da cirurgia. Porque hoje eu me sinto muito mais autoconfiante pra tudo. Pra tudo. No trabalho, na família, nos amigos. Em tudo eu me sinto mais confiante. Porque muitas vezes a gente deixa de fazer as coisas pra não se expor. Eu vi um amigo até dizendo: «Tem gordinho que não se manca». Porque usa roupa que não deve... dança de uma forma que não... E todo mundo fica rindo, mangando, tirando onda do gordinho né. Então eu me privava de muita coisa também, pra não passar por esse... né? Por esse vexame.

Rosa narra a razão de seu constrangimento, demonstrando entender haver uma regra social sobre quem pode ou não expor o corpo. Pessoas gordas não podem fazer uma série de coisas pelo fato de serem gordas, diz Rosa. Goldenberg e Ramos (2007GOLDENBERG, Mirian; RAMOS, Marcelo Silva. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu e vestido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 19-40., p. 27) reconhecem as normativas sociais: “Pode-se dizer que as regras subjacentes à atual exposição dos corpos são de ordem fundamentalmente estética. Para atingir a forma ideal e expor o corpo sem constrangimentos, é necessário investir na força de vontade e na autodisciplina”. Rosa então reconhece o impacto de se desprender da obesidade, atual inimiga da boa forma e ressalta o que parece uma “passagem” em sua vida: ela entra num mundo de autoconfiança irrestrita, “pra tudo”, de permissividade, longe do vexame e da avaliação negativa dos que estão ao seu redor. Ela, como personagem de sua autobiografia, qualifica-se como “autoconfiante” em diferentes contextos - família, amigos. Dois outros personagens fazem parte desta narrativa. O amigo e o gordinho. No primeiro caso, quando diz “tem gordinho que não se manca”, Rosa reconhece que, socialmente, o outro é o juiz que repreende o corpo gordo, ao mesmo tempo que ratifica a narrativa social de valor ao esbelto. Ela utiliza recursos explicativos que esclarecem a gordura como indesejada, capaz de gerar um espetáculo risível. Ao mesmo tempo ela posiciona os gordinhos como aqueles que agem fora do esperado, que não percebem inadequações nas roupas e movimentos, e os qualifica como os que “não se mancam”.

E aí depois dessa cirurgia, eu tenho me permitido mais. Eu morria de vergonha, por exemplo, de socializar no trabalho, numa capacitação ou em algum lugar que eu fosse. Porque eu sabia que daquele grupo, eu era a mais gorda. Eu sempre era a mais gorda. Era difícil encontrar alguém que era mais gorda. [...] então eu tinha esse defeito. E hoje eu me sinto bem mais autoconfiante pra isso, pra chegar, pra expor minha ideia, pra falar melhor, pra interagir melhor com as pessoas. É uma mudança física muito grande, porque você começa a murchar [...]. Mas ao mesmo tempo, sua cabeça começa a se expandir. O leque de possibilidades que você tem agora são de coisas que você [...] que eu, por exemplo, que fui gorda, nunca fiz [...] eu nunca tive, assim, a coragem de me expor em algum lugar, porque eu achava que as pessoas iam falar, iam comentar. Nunca fui muito de dançar muito assim na [...] Sempre gostei muito de festa, de balada e tudo mais [..., mas nunca fui muito de dançar, porque sabia que as pessoas iam olhar e iam comentar. E hoje eu já posso me permitir.

Aqui destacamos o pós-cirúrgico como contexto, marcado narrativamente pelo uso de “depois da cirurgia”, no qual Rosa indica mudanças em sua qualificação. Nesta narrativa há a Rosa do antes da cirurgia, que ela qualifica como a que sentia vergonha, a mais gorda, a defeituosa, sem coragem para se expor. Novamente Rosa coloca a cirurgia em posição de agente de transformação em relação a sua vida. A transformação corporal é fator indispensável no enredo em que Rosa fala de uma vida social sem constrangimento ou censura por parte dela mesma. Novamente sua narrativa trata da gordura como um elemento de depreciação: ela tinha o “defeito” de ser gorda. Marcando narrativamente a ruptura que parece ter vivido, entre ser e não ser obesa mórbida, como mulher que viu seu “corpo murchar”, Rosa parece reconhecer uma migração que faz ao redefinir seu corpo: ela sai de uma marginalidade biopsicossocial, narrativamente construída pela valorização do corpo esbelto que ela não possuía, para uma ampliação de perspectivas, com atividades não previstas. Como ela explica: “O leque de possibilidades que você tem agora são de coisas que você [...] que eu, por exemplo, que fui gorda, nunca fiz”. Sem excesso de peso, sem a gordura, ela pode girar, mover seu corpo, bailar. Rosa admite atividades não possíveis antes para ela. Ao mesmo tempo que “murcha”, Rosa renasce, desabrocha para o mundo, como a flor que nos inspirou para nomeá-la neste estudo.

Então, a mudança é muito radical em muitos aspectos da vida. E eu acho que o principal [...] o principal que muda, e o principal que faz mudar todos os outros é o emocional. É você se sentir gente. Porque gordo, gordo mesmo, ele não se sente como parte daquilo ali. Tenta se excluir e a própria sociedade já exclui ele também de um bocado de coisa. O certo é ser dentro dos padrões. E hoje não. Hoje eu já consigo me sentir mais confiante mesmo pra tudo.

Rosa aqui fala novamente do gordo como um personagem que se anula, que não se sente parte “daquilo ali”, da sociedade, do tudo que ela antes menciona como o lugar da confiança que hoje sente. O gordo, em suas ações, se exclui, se anula, se afasta. Rosa traz novamente os padrões, que reconhecemos ser a narrativa dominante de valor ao corpo esbelto. E hoje, quando ela se posiciona no contexto pós-cirúrgico e narra sobre ela mesma, se qualifica como dentro dos padrões, cirurgiada, murcha, confiante para tudo; sendo assim, aqueles que possuírem um corpo com gordura, fora desse padrão, como ela um dia foi, são qualificados e posicionados como errados e, mais ainda, desumanizados: não são gente!

Como citado no início deste trabalho, Goldenberg e Ramos (2007GOLDENBERG, Mirian; RAMOS, Marcelo Silva. A civilização das formas: o corpo como valor. In: GOLDENBERG, Mirian (Org.). Nu e vestido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 19-40.) apontam que aqueles que conseguem atingir a forma física “ideal” exibem o corpo como sucesso pessoal, já aqueles que, por quaisquer que sejam os motivos, não conseguem atingi-la são culpabilizados e marginalizados. É esse discurso de estar errado, de estar à margem da sociedade que se percebe na narrativa de Rosa: quando trata da fase anterior à cirurgia e quando fala da sua vivência pós-cirurgica, a palavra usada é “permitir”, o que aqui se pode inferir que o corpo magro permite às pessoas ter uma vida social e fazer coisas que gosta como qualquer um. Como destaca Ortega (2005ORTEGA, Francisco. Da ascese à bio-ascese ou do corpo submetido à submissão ao corpo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Imagens de Foulcault e Deleuze: ressonâncias nietzchianas. Rio de Janeiro: DP & A, 2005. p. 139-173., p. 165), obesos, assim como idosos, lidam com discursos estigmatizantes e excludentes, e passam a ser tratados com “desviantes”: “O tabu que se colocava sobre a sexualidade coloca-se agora para o açúcar e as gorduras. O glutão sente-se, com frequência, mais culpado que o adúltero.”

Rosa finaliza explicando que agora, após a cirurgia, ela está confiante para fazer aquilo que deseja. Com essa afirmativa interpretamos que Rosa significa que sua convivência social está diretamente ligada ao seu corpo e como ela agora pode exibi-lo na sociedade. Como nos ressalta Sibilia (2006SIBILIA, Paula. O pavor da carne: riscos da pureza e do sacrifício no corpo-imagem contemporâneo. 2006. 197 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006., p. 59), “[a] luta contra o próprio corpo inadequado, uma batalha contra essa imagem de um eu monstruoso que os espelhos insistem em mostrar, é um trabalho de purificação constante para se adequar ao modelo hegemônico.”

Afrodite: “Quero chegar na minha meta de ser uma pessoa normal”

Afrodite tinha feito a cirurgia 5 meses antes de ser entrevistada e estava em processo de perda acentuada de peso. Aos 24 anos, era solteira, morava com os pais, nível superior em andamento e era residente no interior de Pernambuco. Tinha 146 kg e IMC = 54,7 kg/m² quando fez a cirurgia e, durante a entrevista, tinha 115 kg e IMC = 42,2 kg/m², ainda com obesidade grau III. Antes da cirurgia não tinha o diagnóstico de comorbidade e não tomava medicamentos; menciona uso eventual de bebida para dormir neste período. Afrodite inicia sua narrativa assim:

E desde pequenininha, sempre gordinha […]. Muitas vezes, assim, eu me lembro que educação física, eu sempre me escondia, por quê? Porque eu era a única gor, a única não, era gordinha, mas era a mais gordinha da turminha […]. E fica aquilo assim, por uma parte às vezes assim um apoio em casa, já fui pra psicólogos, já passei várias, várias vezes, mas, assim, o problema era realmente eu me aceitar, eu vê que eu era desse jeito e que, eu podia.

Afrodite narra seu afastamento de um padrão estético desde pequena. Ela se qualifica como “gordinha”, e que, em contextos escolares - como na aula de educação física, onde o corpo estava em evidência -, ela explica que se escondia. Justifica dizendo: “porque [...] era a mais gordinha da turminha”. A exemplo de Rosa, ela reconhece nos pares, no eu-outro, um poder para julgamento e marcação de diferença por ser a mais gorda da turma. Em sua narrativa admite o outro social como um juiz de seu corpo e o resultado do julgamento como negativo: era uma ocasião para se esconder, para não se deixar ver, não há o que se apreciar! Sintetiza o que parece ser uma posição que tinha antes da cirurgia, com o seu corpo obeso: “O problema era realmente eu me aceitar”, anuncia tensões para apreciar seu corpo obeso. A psicologia, personagem nesta narrativa, pareceu ser convocada para enfrentamento aos sentimentos e atos de camuflagem, ocultação, mascaramento de seu corpo - o esconder-se -, mas nem estes profissionais, nem o apoio da família pareceram resolver o problema, quando se posicionava por “não se aceitar”.

Mais adiante, quando se refere ao período em que ia ao hospital antes de realizar a cirurgia, Afrodite ressalta novamente as dificuldades relativas à obesidade. Narra o incômodo decorrente do peso, pela atitude que ela reconhece nas pessoas.

E aí teve vez que eu tentei desistir, porque […] praticamente tava aqui [no hospital] duas vezes no mês. É difícil, por quê? Porque […] eu sempre tive assim muita dificuldade no ônibus, chegando ali naquela catraca […] é meio complicado de passar, e eu achava que as pessoas iam ficar olhando pra mim, eu ficava logo nervosa. Tanto é que vinha ou meu pai ou meu irmão ou meu primo, tio ou o vizinho […] me traziam de carro ou eu então às vezes eu vinha de ônibus […] às vezes, e meu pai que vinha me buscar.

Ao achar que as pessoas iam ficar olhando para ela, Afrodite nos diz deste julgamento que ela e as pessoas próximas, em experiências corriqueiras, fazem dela mesma: a complicação para passar pela catraca, que desperta o olhar das pessoas, inadequada, “monstruosa”, como nos disse Sibilia (2006SIBILIA, Paula. O pavor da carne: riscos da pureza e do sacrifício no corpo-imagem contemporâneo. 2006. 197 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.), e os seus sentimentos desagradáveis nestas ocasiões, como o seu nervosismo. Afrodite posiciona a si mesma no contexto anterior à realização da cirurgia como a que enfrenta dificuldades. Sem se aceitar, sem encontrar transporte público adequado, com o olhar avaliador, Afrodite segue, reconhecendo o quão “difícil” era seguir para fazer a cirurgia. Sobre o momento posterior à cirurgia, ela nos diz:

Eu quero mais é perder, eu quero ficar magra. Não digo, assim, magra, esquelética, porque eu nunca vou ficar, mas […] que eu possa me olhar no espelho e, sabe, me aceitar […]. Hoje eu já me aceito bem mais, acho que coisa de cinquenta por cento, melhorou minha autoestima no espelho, quando eu me vejo, assim. E eu quero, quero chegar na minha meta de ser uma pessoa normal. Entrar numa loja […] ‘Oh eu quero esse vestido, quero essa calça’, como […] minhas colegas, como todo mundo, como uma pessoa normal, que sai no meio da rua e ninguém olhar e se olhar é ‘eita que menina bonita’, por isso, assim.

E continua:

E a cirurgia assim foi, foi essencial assim pra minha mudança e é isso. Eu tô muito bem realizada, assim [...]. Se me perguntar: faria de novo? Faria dez vezes, cinquenta vezes, passaria três meses internada. Não me importaria, só pelo prazer [...] de poder ver que a roupa tá folgada, de poder receber um elogio dos meus pais [...] “como tá magra, oh, Afrodite não sei o que”. E poder vestir roupas que antes estavam mais dentro do meu guarda-roupa.

Afrodite volta a falar sobre se aceitar, problema apontado no início de sua narrativa e que não fora possível ser sentida enquanto era obesa ou quando tinha excesso de peso. A aceitação só emerge na narrativa no contexto após a cirurgia, com a redefinição de seus contornos, experiência nova em sua vida. Ver-se no espelho parece não mais ser um problema como antes, embora ainda seja um ponto a resolver. Diferentemente de Rosa, Afrodite se posiciona como uma mulher que fez a cirurgia, mas em transição no delineamento corporal: “Eu quero mais é perder, eu quero ficar magra”. Ela é ciente que ainda não atingiu o ponto que quer, mas que hoje está em emagrecimento; é uma mulher realizada, que recebe elogios, que tem uma autoestima melhor; a Afrodite cirurgiada tem planos de beleza, andar na rua e saber que para ela dirão “eita que menina bonita”. Como homenagem a estes anseios, recebeu o codinome de Afrodite, que, na mitologia grega, era conhecida como a deusa da beleza; os deuses brigavam por seu amor, tamanho era seu poder sedutor.

Ela é também uma mulher com uma meta: ser uma pessoa normal. Este é o ponto alto de nossa reflexão em relação ao objetivo deste estudo, que é refletir sobre os sentidos de si construídos por pessoas que fizeram cirurgia para redução de peso. Se Rosa reconhece que gordo não é gente e destaca a desumanidade desta condição, Afrodite ratifica esta significação destacando a anormalidade do corpo obeso. Transformada, redelineada em seu contorno corporal, Afrodite se humaniza. Anseia receber elogio dos pais, das pessoas em geral, poder se vestir como todos, sair à rua e ser notada em sua jovialidade e beleza (in)visibilizadas pela gordura. Agora ela sabe que isso é possível. Sabe também que pode amar e ser amada, seduzir e ter prazer, ser bela.

Considerações finais

Rosa e Afrodite nos trazem a experiência do lidar com o corpo por vezes pouco comum no cotidiano. Elas viveram experiências a partir de uma anatomia de excessiva gordura num mundo onde a estética de valor se dá pela escassez adiposa. O que nossa análise sinaliza é a importância que estes referenciais normativos, relacionados a um padrão de beleza construído e compartilhado socialmente de valor ao esbelto se destaca com tamanha importância na vida destas mulheres. Nestes dois estudos de caso apresentamos a cirurgia narrada como um dispositivo de transformação, que permite a estas mulheres sair de um contexto amplo de marginalidade e restrição. Com o corpo gordo, desumano, fora da dita normalidade, Rosa e Afrodite posicionam a si mesmas e outras pessoas obesas com qualificadores que envolvem o afastamento social, a supressão do movimento, a roupa inadequada, o aperto na catraca, o olhar intimidador, o nervosismo, o vexame, a fuga, a exclusão. A obesidade, assim, nos pareceu ser significada como uma experiência de perdas, de sofrimento, de discriminação.

A cirurgia bariátrica surge como uma ferramenta de nossa cultura de grande impacto pessoal. Sua importância emerge à primeira vista no combate às comorbidades, na promoção de uma qualidade de vida pelo controle de doenças alarmantes, como diabetes, hipertensão, apneia do sono, como ressaltado por Coutinho e Benchimol (2006COUTINHO, Walmir Ferreira; BENCHIMOL, Alexander Koglin. Obesidade mórbida e afecções associadas. In: GARRIDO JÚNIOR, Arthur B.; FERRAZ, Edmundo Machado; BARROSO, Fernando Luiz; MARCHESINI, João Batista; SZEGÖ, Thomas. (Org.). Cirurgia da obesidade. São Paulo: Atheneu, 2006. p. 13-17.). Aqui, o destaque que fazemos na narrativa das participantes é para a experiência social, onde a cirurgia marca a vida de cada uma delas. A cirurgia abre um mundo de possibilidades não cabíveis à pessoa gorda. Como parecem significar Rosa e Afrodite, a cirurgia as insere numa humanização perdida ou nunca experimentada, e assim o que pode ser visto delas não mais é da ordem do excesso. Elas narram e assim posicionam a elas mesmas no âmbito do prazer, da aceitação, da confiança, do elogio, da igualdade, do murchar, do perder peso. Um corpo se transforma, mas uma vida de relações também se transforma; um mundo onde palavras e olhares recebidos não são mais os mesmos: a reprovação cede ao elogio, à apreciação. A cirurgia bariátrica, assim, é uma intervenção de poder biopsicossocial.

Destacamos, ainda, para finalizar, que, para ambas, parece existir uma clareza do que é certo, do que é normal. Seu distanciamento de um suposto padrão pelo excesso de gordura, pela vivência da obesidade em seu mais alto grau, parece ter contribuído para que elas significassem a normalidade de uma forma muito simples, direta e indubitável. Normal é ser magro. E esta normalidade não parece ser significada a partir do controle de comorbidades. Afrodite e Rosa, no momento da entrevista, não possuíam diagnóstico de doença e tomavam vitaminas e suplementos comuns aos cirurgiados. Estes elementos não foram destacados, não constituíram enredos nas entrevistas narrativas na ocasião da pesquisa. Mas, sim, as experiências de exclusão e de inclusão vivenciadas por elas. Parece escapar, ainda, toda a problematização que o próprio conceito de normal exige, que numa sociedade de valor à modelagem corporal, os cuidados com o corpo nunca se cessarão e que a perfeição mais constituirá um ideal, que uma concretização. Parece escapar também a condição humana de fazer e desfazer normas, valores, regras socias, ou seja, de reinventar, de transformar nossa cultura em função de novas demandas, das potencialidades identificadas mesmo pelos novos mercados de consumo. Vemos hoje a emergência dos produtos e serviços plus size, para atender especialmente as pessoas obesas em suas mais amplas necessidades, além dos discursos e movimentos de combate à gordofobia, para respeito às diversidades humanas. Tem-se, assim, a possibilidade de transformação destas construções sociais dolorosas relativas à gordura e que vimos presentes nas narrativas de Rosa e Afrodite. Embora a cirurgia bariátrica tenha a peculiaridade de atender um público que vive a obesidade no grau mais preocupante, o grau III, e, por isso, este dispositivo seja necessário, em nossa reflexão final lembramos o encantamento que nos permitem as obras de Fernando Botero: arredondadas e opulentas, tocam-nos o coração como repletas de sutileza, elegância, sedução, movimento e alegria.

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  • 1
    Os dados completos das autoras encontram-se ao final do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2017
  • Revisado
    04 Mar 2020
  • Revisado
    09 Out 2021
  • Aceito
    14 Dez 2021
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