Resumo
O objetivo deste trabalho é investigar o conceito de julgamento enquanto produção de subjetividade, a fim de compreender se há relações entre a judicialização da vida e a crescente polarização social. Para isso, elencamos algumas obras de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Felix Guattari nas quais o julgamento aparece como tema central ou transversal. A partir dos estudos e análises dessas obras foi possível compreender com Foucault uma perspectiva genealógica da justiça que impossibilita qualquer noção de neutralidade e fomenta a hipótese de que a polarização pode ser efeito da hipertrofia da judicialização da vida. Deleuze e Guattari fornecem uma leitura intensiva da moral e da ética enquanto componentes da subjetividade, sendo a moral elemento fundamental do julgamento e instrumento de clausura da vida; enquanto a ética possibilita a avaliação dos acontecimentos, deslocando-nos do binômio bem-mal e viabilizando a potência vital.
Palavras-chave:
julgamento; subjetividade; construção histórica
Abstract
The objective of this work is to investigate the concept of judgment as a production of subjectivity, in order to understand whether there are relations between the judicialization of life and the growing social polarization. For this, we list some works by Michel Foucault, Gilles Deleuze and Felix Guattari in which the judgment appears as a central or transversal theme. From the studies and analyzes of these works it was possible to understand with Foucault a genealogical perspective of justice that precludes any notion of neutrality and promotes the hypothesis that polarization may be the effect of the hypertrophy of the judicialization of life. Deleuze and Guattari provide an intensive reading of morals and ethics as components of subjectivity, with morality being a fundamental element of judgment and an instrument of life’s closure; while ethics allows the evaluation of events, moving us from the binomial good and bad and making vital power viable.
Keywords:
judgment; subjectivity; historic building
Resumen
El objetivo de este trabajo es investigar el concepto de juicio como una producción de subjetividad, para comprender si existen relaciones entre la judicialización de la vida y la creciente polarización social. Para ello, enumeramos algunos trabajos de Michel Foucault, Gilles Deleuze y Felix Guattari en los que el juicio aparece como un tema central o transversal. A partir de los estudios y análisis de estos trabajos, fue posible comprender con Foucault una perspectiva genealógica de la justicia que excluye cualquier noción de neutralidad y promueve la hipótesis de que la polarización puede ser un efecto de la hipertrofia de la judicialización de la vida. Deleuze y Guattari proporcionan una lectura intensiva de la moral y la ética como componentes de la subjetividad, siendo la moral un elemento fundamental del juicio y un instrumento de cierre de la vida; mientras que la ética permite la evaluación de eventos, nos mueve del binomio bueno y malo y hace viable el poder vital.
Palabras clave:
juicio; subjetividad; construcción histórica
Introdução
Os julgamentos de si e dos outros, a culpabilização e a criminalização das condutas têm povoado as práticas sociais contemporâneas, definindo o que deve ser considerado correto e impondo valores predeterminados que enquadram o viver.
A discussão do conceito de julgamento envolve verdades instituídas sobre lei, justiça, segurança, vigilância, etc. As relações que ocorrem entre esses domínios afirmam uma construção subjetiva que implanta a lógica do julgamento, da punição, do uso da lei como modo de organização da vida. O adensamento do direito nas esferas da vida social, tendo em vista a celebração das leis - que são cada vez mais demandadas -, consolida a cultura do julgamento e afirma o chamado cidadão em sua vertente de justiça e segurança, que se sente correto ao atender à demanda de produção de verdade (Scheinvar, 2009).
Tal percepção não impede a produção desejante de julgamento, visto que existe uma trama de forças favorável a essa produção. Desse modo, algumas questões se colocam: como escapar à polarização bem/mal? Seria essa polarização o que investe em nós o desejo de julgamento e de judicialização da vida? Ou a polarização seria efeito da judicialização da vida (Nascimento, 2014)?
A fim de explorar essas perguntas, tomamos como objetivo investigar o desejo de julgar enquanto produção subjetiva e discutir seus efeitos de judicialização da vida. Junto a esse objetivo nos propomos a avaliar se as imposições de tais práticas - a partir de verdades instituídas e valorizadas - contribuem para desqualificar determinados segmentos da população e desmobilizar o potencial coletivo das relações sociais, fortalecendo a polarização.
Nosso percurso metodológico foi uma espécie de cartografia bibliográfica. Utilizamo-nos do método cartográfico (Passos; Kastrup; Escossia, 2009) ao percorrer um levantamento das obras de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari, mapeando seus textos que possibilitam problematizar o conceito de julgamento. Operamos, portanto, a cartografia a partir da pesquisa bibliográfica (Hur; Viana, 2016, p. 113) durante o ano de 2018 e o primeiro semestre de 2019. Tal levantamento apontou a transversalidade do mesmo com outros conceitos como verdade, juízo e moral, por exemplo.
A obra de Michel Foucault nos orientou na reflexão sobre o juízo através da análise das relações de poder e dos discursos de verdade. Segundo o autor, julgar é uma forma de poder onde predominam atos de acusação, seguidos pela deliberação de um terceiro, o juiz, que decide sobre a vida alheia e, com seu veredito superior, a diminui e a torna passível de julgamento.
Nessa direção, Foucault enfatizou as relações de poder da sociedade que determinam quem tem o direito de julgar e quem é julgado, ultrapassando a mera avaliação do poder judicial. Seu conceito de micropolítica destaca o papel lugar ocupado pelos cidadãos comuns tanto como sujeitos quanto como objetos de poder, contestando a centralização e individualização do poder em entidades jurídicas e institucionais.
A subjetividade, na perspectiva foucaultiana, surge de interações multifacetadas de poder e resistência, ao invés de ser formada por indivíduos isolados. Vimos como Foucault argumentou que o poder é uma estratégia disseminada em todos os níveis da sociedade, incentivando a exploração de agentes políticos “microfísicos”, ou do reconhecimento dos agenciamentos micropolíticos e das múltiplas formações de sujeitos políticos.
Ele também encorajou o questionamento da origem das verdades estabelecidas que sustentam as práticas de julgamento, revelando-as como construções sociais que validam certos comportamentos e marginalizam outros. Foucault, dessa maneira, questiona a polarização binária entre certo/errado e desafia a judicialização e moralização da vida, promovendo uma visão mais dinâmica e flexível do sujeito e das relações de poder.
No contexto das práticas de julgamento, é imperativo considerar a construção subjetiva de uma “verdade” singular, que determina como, quando e de que maneira as ações devem ser consideradas corretas ou não, em um exercício moral de “vida correta”. Sendo o julgamento um conceito moral, uma prática inteiramente fabricada, produzida e moldada pela instituição de uma verdade que define a priori, como vemos o outro, como ele se constitui? A partir de quais forças? Que lugar ocupa no mundo contemporâneo? Há possibilidade de mudanças?
1. Foucault e a doutrina do juízo
Ao pensar a temática do julgar, da delinquência e da justiça enquanto dispositivo de Estado a partir dos textos de Foucault, é possível observar que o sistema jurídico e o legislativo são construídos e executados por quem se encontra em lugar de poder. Por essa lógica, o povo nunca entrou na equação como figura de poder, embora fosse parte fundamental dessa máquina, sendo alvo de tentativas de disciplinarização por parte do aparato judicial, norteado pela moral burguesa vigente de seu tempo histórico e comandado pelas classes privilegiadas. Segundo o autor, o sistema jurídico funciona através de uma série de dispositivos, sendo central o dispositivo do tribunal.
Em Sobre a Justiça Popular (Foucault, 2010a), ao pensar a criação de um tribunal popular, Foucault levanta se esse dispositivo estaria de fato a serviço da justiça popular ou se seria mais uma forma da justiça burguesa. Tal questionamento se coloca visto que o dispositivo tribunal já preconiza a existência de leis absolutas e de uma terceira parte neutra, o juiz, que irá julgar em nome de outrem, tomando decisões de caráter mandatório.
A neutralidade atribuída ao juiz é altamente questionável, uma vez que tem suas opiniões e seus posicionamentos acerca das temáticas julgadas, o que torna incoerente a crença de que possa agir de modo absolutamente neutro ao julgar. Do mesmo modo, as leis também não são neutras, visto que são criadas por instâncias compostas por poucos, os legisladores. Esse poder absoluto de decisão, então, de certo modo já seria uma deturpação da justiça popular, tirando o poder de decisão da mão das massas, tornando-as disciplinadas por essa terceira parte “neutra”. Com isso o autor visou demonstrar que replicar esse dispositivo seria replicar o regime de poder que estavam tentando evitar. Contudo neste regime de poder não cabe o poder popular.
Podemos visualiza-lo a partir do texto “A estratégia do contorno” (Foucault, 2012a), ensaio no qual o autor apresenta algumas particularidades de uma manifestação de representantes de metalúrgicos de Longwy (França), em 1979. As depredações decorrentes da manifestação resultaram na prisão de muitos, sendo que os principais presos foram jovens em greve e estudantes, mesmo sabendo que eles não necessariamente haviam cometido o ato da depredação.
Essas prisões foram justificadas pela lei antidepredação, que incluía como delinquente uma pessoa que simplesmente estivesse no mesmo local onde ocorreu o delito. Desse modo, tal lei possibilitou que a polícia fabricasse delitos e delinquentes, podendo identificar um passante pela manifestação como delinquente e enquadrá-lo em um flagrante delito. Portanto, possibilitou a fabricação de delitos e delinquentes, mas não determinou, uma vez que o que é judicializável depende de quem faz a queixa e de quem a ouve; depende de uma certa forma de se ouvir a partir do que a lei apresenta, e não do conflito ou da infração em si. Como definir o que é judicializável e o que não é? Não é algo definido pela lei; a lei permite interpretações. Tampouco o ato em si define, porque nem sempre se consegue registrar a infração judicialmente. O que acabou por definir foi, em parte, a maneira usada naquela circunstância pelo juiz, em seu lugar de suposta neutralidade, com a sua interpretação de determinada lei.
A existência de leis como a de antidepredação não se justificava pela simples defesa dos indivíduos, mas sim pela defesa da sociedade em geral. Considerando que, para a justiça, o bem mais essencial da sociedade seria o Estado: este precisa ser defendido dos “perigos” representados por certos indivíduos que teriam maior chance de começar um movimento de sedição. Tais indivíduos seriam aqueles que representam a parcela mais incerta e transitória da população, as parcelas que mais provavelmente podem tentar se insurgir contra o Estado. A plebe não proletarizada é alvo da repressão intimidante da justiça, produzindo o que Foucault chamou de “estratégia do contorno”. Ou seja, não reprimir necessariamente aqueles que cometem um delito, e sim aqueles que têm maior chance de se revoltar contra o Estado. Portanto, foram forjados alguns caminhos para enquadrar essa parcela da população, através de jogos de pressão exercidos pela burguesia. Artifícios que consistiam em encaminhar essas pessoas para serem parte do exército (e, portanto, tornar-se ator de coerção do Estado); parte do processo de colonização como mão de obra e ocupantes de territórios dominados; ou sendo excluídos através das prisões.
Com os dispositivos do exército e da colonização não sendo suficientes, há a sobrecarga da prisão, o que gera aumento da vigilância, sabendo que ocorre também o encaminhamento dessa plebe para integrar o corpo policial, havendo um incentivo ao pensamento conservador dessa plebe, agora devidamente proletarizada. Além dessas estratégias, a repressão também atingiu, e ainda atinge, os jovens, os grevistas e os estudantes. Assim, as instituições estatais burguesas também aumentam a contradição entre as plebes, entre os proletarizados e os não proletarizados, carga polarizante fortemente presente no dispositivo do tribunal.
No texto “Encontro Verdade-Justiça - 1500 grenoblenses acusam” (Foucault, 2010b), temos outra breve e incendiária intervenção de Foucault em torno da morte de 160 jovens e o desejo de julgamento em nós. Nele se encontra um precioso deslocamento diante do que aconteceu, que de acordo com o autor não se restringe a um episódio datado. Tratou-se de uma pequena e incisiva intervenção feita por ele, em 1972, em decorrência dos desdobramentos de um incêndio ocorrido em uma danceteria próxima à Grenoble, na véspera do dia de “todos os santos” de 1970. Foram mortos 160 jovens por asfixia ao não conseguirem sair do local em chamas. Cabe aqui a lembrança e um paralelo com o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ocorrido em 2013. Não se tratou de incidente, acidente, ou seja, lá o que possa derivar disso. Os 160 jovens foram mortos asfixiados naquela noite e muito se buscou por um culpado a ser responsabilizado pelas mortes. Seriam os jovens inconsequentes? Seriam as famílias negligentes? Seria o dono da danceteria? Questões que produziram quase uma tentativa de julgamento público, caçando cegamente alguém que se encaixasse como criminoso.
“Antes de colocar a questão: Quem matou? creio que é preciso colocar a questão: Quem foi morto?”, escreveu Foucault. Esse deslocamento não é uma mera inversão, tampouco uma denúncia, mas uma entrada sem meias palavras para enfrentar uma questão que interessa de forma definitiva e que tantas vezes é evitada, contornada, diluída, esfumaçada: a questão dos jovens que são mortos, como se dão os julgamentos? E, consequentemente, que discursos de verdade são produzidos a partir de suas mortes? O que o autor deslocou nesse texto, portanto, são os modos como se estabelecem a ordem, como a justiça se fortalece na busca incessante por uma decisão única e verdadeira a fim de garantir a ordem do Estado. A busca pela justiça se fez mais importante do que as vidas, fazendo valer a ideia de que só dão sentido à vida por meio da justiça. Contudo, se a justiça não busca fortalecer a vida, que outros sentidos ela produz?
Reduzir as ‘fricções sociais’ e fazer uma cabeça saltar talvez não passem dos dois pólos extremos de uma única e mesma atividade. Começarão a acreditar que a justiça não forma uma unidade com o exercício do poder no dia em que ela cessar de matar. Condição necessária, embora não suficiente (Foucault, 2012b, p. 129),
Com essa afirmação Foucault, em “Maneiras de Justiça” (2012b), problematiza o lugar da justiça, seus efeitos enquanto possível serviço público e qual é a perspectiva aplicada a ela para sua efetivação. No contexto em que escreveu esse texto, o autor estava acompanhando uma certa reestruturação do sistema judiciário, que havia recém abolido a pena de morte. Ele narra as cenas construídas por meio de cerimônias de dias e mais dias; discursos, posicionamentos, tudo com uma suposta intenção de produzir a ideia de que os juízes são independentes, neutros e, portanto, justos.
É nesse esforço de repactuação dos poderes com a justiça que Foucault (2012b, p. 130) apontou que o problema da justiça não está em possíveis alianças políticas e institucionais, mas que julgar é, em si, “certa ‘maneira de fazer’ com a lei”. É, com essa maneira de fazer com a lei, que vozes são convocadas tanto para construir a argumentação quanto para construir o que se tornará julgável ou não. Com isso, Foucault problematizou como as verdades serão conduzidas a partir desse momento, pois a infração penal conduz não só as notícias, como também as nossas relações mais íntimas.
Um homem que antes era julgado pelo seu crime, pelo seu ato, não mais passa por esse processo. Agora o julgamento não mais se reduz ao ato, ao crime, ao que seria “julgável” como algo localizável, pois há toda uma série de racionalizações acerca do ato. Passam a ser julgados os contextos, as histórias, as biografias. Como caberia, então, a um juiz julgar uma biografia baseando-se apenas em recursos que constituem as formas?
No período medieval, a justiça operava em uma lógica de moral e de vingança, referenciando valores morais muito marcados e, quando alguém tentava fugir deles, era executada uma ação judicial, com intuito de vingança. Com o surgimento dos saberes técnicos, a justiça começa a usá-los com intenções utilitaristas, funcionando por expertises, levando em conta, por exemplo, o saber psiquiátrico para julgar o criminoso. Essa mudança da justiça vingativa para justiça técnica marca a forma de ver o crime e o criminoso, fazendo com que o crime em si deixe de ser o centro do que deve ser julgado, e tornando o criminoso o centro.
Sendo o criminoso esse centro, se pensarmos que ele é irrecuperável seria possível justificar o matar, pois o problema não estaria apenas no ato criminoso em si, e sim na pessoa que comete o ato. Mas, se pensarmos pela lógica psiquiátrica, é possível patologizar o criminoso e, como um doente, ele é passível de uma correção, de uma reabilitação para um retorno à sociedade, com uma série de ressalvas.
Portanto, as lógicas atuais de julgar são possíveis porque pensamos a partir de binômios como a delinquência e a não-delinquência, o normal e o patológico, enquanto lugares muito bem definidos e separados, sendo dois tipos de seres humanos diferentes e imutáveis. Na verdade, essas formas são circunstanciais, já que o criminoso não é criminoso em todo momento e todo lugar, nem o não-criminoso é um “bom cidadão” em todo momento e em todo lugar.
Fica evidente, então, que velar sobre uma população tem mais importância nessa justiça técnica do que respeitar os sujeitos de direito que fazem parte dela, e isso é uma prática de governo muito clara que pretende impor o Estado acima de todos os indivíduos, através também de uma produção de medo entre os indivíduos, medo de afetar seu bem mais precioso: o Estado. Os discursos que permeiam essa prática de governo atravessam os indivíduos, que passam a clamar por mais segurança de Estado, acreditando que uma justiça mais dura, que prende mais os possíveis revoltosos, controla melhor e evita o temido “caos”.
É perceptível o esforço de Foucault para destacar a justiça e o ato de julgar como distantes da ideia de neutralidade. Ele apresenta e reforça essas noções como “modo de se fazer justiça”. Cremos que tal intenção seja para que não percamos de vista que julgar não se trata de um ato neutro, mas de maneiras de se fazer com a lei.
Por fim, sobre a consolidação desse novo paradigma de justiça que se estabeleceu no século XX, em “A angústia de julgar” (Foucault, 2012c), entrevista feita com Foucault por Laplanche e Badinter é levantada a aliança formada entre a justiça e os experts, em particular a psicologia, a psicanálise e a psiquiatria. Essa aliança acaba por ter a função de padronizar, de normatizar, de produzir verdades acerca dos sujeitos no meio jurídico. Essa produção de verdades é possibilitada pelos mecanismos de poder nos quais estão inseridas. As verdades são subordinadas aos olhares de quem as produzem, aos dizeres dos experts sobre elas, como pensou Foucault em “Poder e saber” (2006). Os saberes são convocados, assim como passaram a convocar pessoas comuns para comporem o júri, tornando-se uma espécie de representantes sociais cujo papel caberia decidir se a pessoa a ser julgada continuaria ou não a conviver em sociedade, ou até mesmo se mereceria ou não a pena de morte.
Nesse contexto de justiça técnica, a teatralidade, entendida aqui como a dispersão do poder através dos dispositivos jurídicos, mascara o peso dessas decisões. O jurídico convoca o conhecimento psi com o objetivo de se apropriar dos discursos e estabelecer finalmente esse conhecimento como forma social final: a normalização e a verdade.
Portanto, Foucault propõe o fortalecimento das micropolíticas, enfatizando as resistências, não apenas contra as opressões do estado, mas também contra as sutilezas dos poderes cotidianos. Ele revela como o poder está presente e opera em todos os níveis e espaços sociais. Suas ideias ajudam a entender como a judicialização engendra as subjetividades. Segundo ele, com a “justiça técnica”, as pessoas são julgadas a partir de seus contextos de vida, e não apenas por seus atos, sugerindo que o sistema jurídico contribui para a criação de categorias de sujeitos, controladas por mecanismos sociais. Foucault acredita que essas subjetividades não são permanentes, mas estão em constante mudança e abertas à resistência e à transformação.
Então, como podemos pensar além deste poder? Como podemos pensar em outras maneiras de construir o conhecimento que fortaleçam a vida? Na próxima seção, apresentaremos, com base no pensamento de Deleuze e Guattari, suas contribuições para a produção de vida além da justiça como poder organizador e estruturante do desejo social; apresentaremos pensamentos para além da judicialização da vida (Nascimento; Jashar; Barbosa, 2018).
2. Deleuze e Guattari e o fim do juízo
Seguindo para uma análise a partir das obras de Deleuze e Guattari devemos retomar o problema: Quais as relações entre a lei, as práticas jurídicas e as práticas psi na construção da verdade e no fortalecimento da polarização? Essa retomada se faz necessária pois, para esses autores, a importância do sentido e do valor chama a atenção para o imanente caráter do pensamento e da verdade. Toda verdade é a realização de um valor, não o contrário. Assim sendo, a verdade emerge, mas não de modo a gerar valor de alguma forma transcendente. Os valores são produtores de verdades.
Deleuze e Guattari optam por não se utilizar da moral na medida em que é essencialmente um empreendimento descolado da potência criativa e de uso para julgar algo, uma pessoa, um grupo, um movimento. No entanto, como Deleuze e Guattari distinguem moral e ética, isso não significa que uma rejeição da moral implique também uma rejeição da ética. Para os autores, a moral consiste em julgar ações e intenções relacionando-as com valores transcendentes, já a ética “é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica” (Deleuze, 1992, p. 125).
Enquanto a moral lida com julgamentos, a ética funciona através da avaliação. O julgamento tem, para Deleuze e Guattari, uma conotação inevitavelmente transcendente. Na verdade, está entre alguns dos conceitos mais completamente transcendentes, na medida em que é teológico. Deleuze afirmou sucintamente: “A moral é o julgamento de Deus, o sistema de julgamento” (Deleuze, 2002, p. 29). Isto é, os juízos pretendem ter uma visão de Deus, possuir o poder de universalidade que foi concedido à lei moral - o poder de concluir que A é bom e B é mal antecipadamente, independentemente das circunstâncias e, portanto, de modo absoluto.
Na medida em que a ética substitui a moral, a avaliação, ao contrário do julgamento, torna-se um exercício imanente dos fluxos, das máquinas desejantes. Em termos mais familiares, isso significará o enfraquecimento da obrigação. Deleuze provocativamente escreveu: “Ora, basta não compreender para moralizar. É claro que uma lei, desde o momento em que não a compreendemos, nos aparece sob a espécie moral de um ‘Deve-se” (Deleuze, 2002, p. 29). Como exemplo, consideremos a leitura de Espinosa da queda de Adão. Deus mandou não comer o fruto, então a história diz que Adão não o comeu. Enquanto um teólogo pode se concentrar no lado divino, Deleuze (seguindo Espinosa) destacou a interpretação de Adão desse comando.
Houve uma intervenção no desejo de Adão, interpretado por ele como uma proibição moral - “Você não deve comer da árvore” - de modo que tal violação foi tomada como comando que indicava tal ação como algo “Mal”. No entanto, o que se refere à proibição é uma relação específica entre o fruto e o corpo de Adão, uma relação entre máquinas: “o fruto agirá como um veneno, ou seja, determinará as partes do corpo de Adão ao iniciar novas relações que não correspondem mais à sua própria essência” (Deleuze, 2002, p. 28). Adão interpretou a proibição de Deus como um “VOCÊ NÃO DEVE” moral, só porque ele não conseguiu compreender as consequências que poderiam surgir a ele. Isto é, porque ele não entendeu o efeito (des)composicional que a fruta teria em seu corpo. A ação de Adão era ruim, e sua “maldade” seria explicável em termos composicionais, em termos maquínicos, que se referem ao “poder se tornar”, não em termos morais que se referem ao “bem ou mal”. Consequentemente, Deleuze e Guattari apresentaram a ética como uma teoria das possibilidades, em oposição à moral como teoria das obrigações. Esse talvez seja um dos caminhos possíveis, uma linha de fuga, para contrapor os engessados discursos que alimentam a lógica e o desejo de julgamento e, de forma complementar, o desejo de judicialização da vida.
No “Tratado de nomadologia: a máquina de guerra” (1997a), os autores descrevem e detalham os processos envolvidos na constituição e nas práticas da máquina de guerra, como ela é praticada pelos nômades e como ela é apropriada pelo Estado. A máquina de guerra funciona pelas linhas de fuga, pelos desvios, sendo ela própria uma forma de exterioridade, uma vez que o discurso interior, naturalizado, é o do aparelho de Estado. A soberania de Estado é formada por uma dupla antitética e complementar, composta pela instância que julga e a instância que reina, que organiza. Essa dupla articulação faz do aparelho de Estado um estrato. O julgamento, ou o julgar, é então parte essencial da composição de um aparelho de Estado, é uma das metades que permite sua estratificação e, portanto, sua consolidação. Já a máquina de guerra é exterior ao Estado, não seguindo nem a organização nem as legislações a partir das quais o aparelho de Estado funciona, tendo uma íntima relação com o segredo e com o desvio das regras instituídas pelo estado, e a ideia de que, enquanto o aparelho de estado codifica e descodifica, a máquina de guerra territorializa e desterritorializa.
Mas o que leva essas máquinas a buscarem conexões entre si? Deleuze e Guattari afirmam que a força que leva a essas conexões se dá pela produção desejante, conceito esse bem transparente quanto a suas influências de Marx e Freud. Entretanto, eles não pensam de modo a requentar essas teorias e conceitos, ou tentando sintetizar algo a partir desses dois pensadores. Quando se fala de desejo, partindo do pensamento freudiano e do que foi tomado como senso comum, a concepção que vem é que esse se dá pela busca de algo que falta. Tal entendimento leva a concluir que a falta de algo produz desejo. Deleuze e Guattari invertem essa ordem, colocando o desejo como uma propriedade das máquinas, propriedade essa responsável pelos movimentos maquínicos, pelos agenciamentos maquínicos. Ao invés de entender o desejo como a busca de algo que falta, o entendem como produtor de realidade. Desejo é, portanto, uma força social. Deleuze e Guattari deslocam esse conceito para apresentá-lo como uma característica a priori, uma força que movimenta, não esquecendo que tais forças não estão localizadas em planos transcendentes, mas em um único plano imanente, de modo que todas as transformações estão se dando no e a partir do contexto em que se vive. Ou seja, desejo não é produto de uma falta, mas produtor de conexões.
A partir do platô “Como criar para si um corpo sem órgãos?” (Deleuze; Guattari, 1996a) é possível pensar a constituição do corpo sem órgãos (CsO) em si como algo da ordem do devir, que nunca está terminado, e que é uma abertura à experimentação. É uma prática, e é campo de imanência do desejo, ou seja, o desejo se origina e tem a finalidade em si mesmo, assim como o corpo sem órgãos. Criar para si um CsO seria então uma abertura às possibilidades, às linhas de fuga, entendendo que os órgãos e sua organização enquanto organismo são posteriores ao CsO. O organismo, a significância e a subjetivação são opostos à ideia do CsO, que é indeterminado, que não pretende ter uma significância nem determinar sujeitos, mas sim possibilitar uma realidade intensiva, uma evolução criativa, voltada para a experimentação de si. A ideia não é reencontrar o eu perdido, e sim desfazer-se de um eu, eu esse que se encontra coberto de estratos, que é sedimentado, organizado, bem determinado e, portanto, sem aberturas para refazer-se.
Ao se voltar para a questão do julgar, podemos pensar a ideia do corpo sem órgãos canceroso, que se cria sobre os estratos em forma de fascismo, uma vez que deixamos nosso desejo circular querendo produzir mais estratos, querendo sedimentar as formas de ser do outro, a partir de lógicas totalizantes sobre como organizar, significar e subjetivar, ignorando os diversos agenciamentos que seriam possíveis ao desestratificar e se permitir criar novas conexões com esses estratos. Tais estratos, que são os julgamentos, são feitos a partir do juízo de Deus, trazendo a ideia de que há uma só verdade, uma só forma de ser, ignorando as múltiplas formas que o desejo pode assumir, os múltiplos corpos sem órgãos que podem ser criados, a partir das inúmeras intensidades que nos compõem. Através da criação desses novos agenciamentos, produzindo um plano de consistência mais potente para o desejo e a partir da invenção de corpos sem órgãos é possível fazer o desejo circular, nos lançando à experimentação de novas formas de ser e olhar o outro, tentando ver além dos estratos. Para acompanhar esses agenciamentos incessantes de máquinas desejantes.
No platô “O liso e o estriado” (Deleuze; Guattari, 1997b), os autores começam fazendo uma diferenciação entre o espaço onde se constitui a máquina de guerra (liso) e o espaço instituído pelo aparelho de Estado (estriado), mas deixando claro que os dois se misturam incessantemente, se transformando um no outro, de maneiras diversas, com aspectos variáveis entre suas relações e espaços. Utilizam então diversos modelos enquanto metáforas explicativas das possíveis combinações e transformações que o espaço liso e o espaço estriado sofrem entre si, demonstrando que estão sempre interligados, visto que ao mesmo em tempo em que a estriagem nunca é absoluta, já que sempre existe algo de espaço liso que transborda em meio ao estriado, também o espaço liso não basta para um plano de liberdade, mesmo que ele seja essencial para a criação, a transformação, a invenção de novas possibilidades.
Ao mesmo tempo que existem processos constantes de estriagem, existem também o extravasar de espaços lisos, a constituição do que os autores chamam de patchwork, no qual mesmo nas cidades mais esquadrinhadas, repartidas, há espaços de abstração, onde ocorrem as linhas de fuga, as subjetividades desviantes, compostas por variações contínuas e, portanto, não sendo totalmente englobáveis pela estriagem. Nessa composição de diagonais em meio a espaços esquadrinhados são possíveis lógicas de partilha em lugar das lógicas de repartição. É possível dar espaço para modos de ser diferentes das formas hegemônicas, entendendo que a construção de caminhos, por vezes, se faz mais importante do que o estabelecimento dos pontos de chegada.
Em “Micropolítica e segmentaridade” (1996b), Deleuze e Guattari trazem uma forma de pensar constituição das sociedades e das subjetividades, ou como nos segmentarizamos. Essa segmentarização se dá de formas diversas, podendo ser linear, circular ou binária, e essas se transformam umas nas outras, acontecendo tanto em sociedades primitivas, quanto em sociedades modernas. Nas sociedades primitivas, é feita uma leitura de que essa segmentarização se dá de forma mais flexível, também tendo centros de poder, mas permitindo mudanças em si mesma, ocorrendo em um constante devir, através das afecções que se apresentam. Enquanto que nas sociedades modernas, a segmentarização é vista com certo endurecimento, agindo em forma de segmentos fixos, bem esquadrinhados, seguindo uma geometria determinada e clara, para através disso exercer os poderes de Estado numa essência ideal, em segmentos preestabelecidos. Apesar dessa diferenciação, entende-se que essas segmentarizações compõem entre si, existindo algo de endurecido no primitivo e algo de flexível no moderno. As segmentaridades primitivas e modernas são inseparáveis; elas coexistem e se alimentam uma da outra, não existindo algo primitivo em nós, mas uma função atual e inseparável da existência.
Retomando a questão do julgar a partir dessa ótica segmentária, podemos pensar as subjetividades modernas usadas para julgar como segmentos um tanto fixos, que pouco permitem devires advindos de afecções e avaliações a partir de certa flexibilidade, seguindo referenciais externos que partem de centros de poder, centros esses que podem ser a religião, a família, ou quaisquer grupos sociais com regras duras sobre como ser e agir. Esses centros de poder, numa lógica circular segmentária, ou mesmo binária, na qual existe a forma certa versus a forma errada de se fazer e de ser, propagam a ideia de verdades únicas, a partir das quais é possível a construção de lógicas de julgamento do diferente, do destoante.
Deleuze e Guattari apresentam então suas leituras de Gabriel Tarde, como quem pensou que um fluxo é sempre de crença ou de desejo, e ele se inicia nos microcosmos, para então depois se tornar macro, ao ser imitado e propagado. O caminho dos fluxos da sociedade inicia-se no micro, passando em seguida para o macro. A partir dessa ideia de sociedade, constituída como fluxo, não faz sentido a distinção entre indivíduo e coletivo, uma vez que um compõe com o outro, um é atravessado pelo outro, e a distinção que existe está entre o campo das representações molares e o campo das crenças e desejos moleculares, que também estão em constante fluxo. Ao mesmo tempo que ocorrem os fluxos e, com eles, as desterritorializações, ocorrem também as sobrecodificações, as reterritorializações, que reorganizam esses fluxos em forma de novos códigos, de novas linhas de segmentos.
A partir da ideia de um mapa, de acordo com os autores, é possível pensar em três tipos de linhas: as linhas primitivas, que compõem com o espaço social e são compostas por certa flexibilidade; as linhas duras, que são ligadas a um aparelho de Estado e são compostas por procedimentos específicos de sobrecodificação; e as linhas de fuga, que existem como máquinas de guerra, e definem-se por sua desterritorialização e descodificação. Entende-se que essas três linhas se atravessam o tempo inteiro, tanto em grandes composições como a sociedade, quanto em pequenas composições como em um pequeno grupo.
Pensando a partir do dispositivo do tribunal, podemos observar as linhas duras que o compõe, uma vez que ele é constituído por leis objetivas que precedem os acontecimentos, e que são endurecidas, diferindo dos crimes que, muitas vezes, extrapolam o que as leis previam e determinavam, funcionando tais quais linhas de fuga, que podem ser sobrecodificadas, atualizando como novas leis.
Considerações finais
Ao propormos tal pesquisa, tivemos como intenção investigar os efeitos das práticas de julgamento, bem como tais práticas se constituíram e ganharam aderência no tecido social. Para isso, foi proposta uma discussão acerca desse conceito percorrendo as obras de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari e seguindo pistas-problemas: (a) como escapar a polarização bem/mal? e (b) seria essa polarização o que investe em nós o desejo de julgamento e de judicialização da vida?
Percorrendo algumas obras de Foucault, avaliamos que esse autor desenvolveu seu pensamento de modo a tomar o sistema jurídico como sendo não neutro, pois foi constituído e é executado pelos poucos que se encontram em lugar de poder. Tal sistema tem como função principal a defesa do Estado, valendo-se aqui da consideração dos momentos históricos em que se constitui, podendo ser um Estado monárquico ou um Estado republicano burguês. Foucault contribuiu com nossos problemas quando se valeu de análises de acontecimentos do seu tempo e da história da França, como o caso da lei antidepredação que teve por função criminalizar e deslegitimar movimentos de trabalhadores, ou como o caso da história do exército, que se tornou um estabelecimento de cooptação dos excluídos para se tornarem parte do Estado e do movimento de repressão do proletariado.
Foucault tratou também da instância do julgamento que ocupa os pensamentos individuais, como quando nos encontramos com a história dos jovens que morreram asfixiados em uma danceteria, resultando numa busca por um culpado ao invés de buscar compreender quem havia morrido e o que isso poderia ter relação com as mortes. O autor tratou do julgamento também como um ato executado pelo juiz enquanto pessoa neutra capaz de avaliar o destino das vidas que se encontram com ele. Foucault apresentou como o processo de julgamento se transformou ao longo do tempo, entendendo que atualmente o julgamento é composto tanto por uma equipe técnica que diz a verdade sobre a pessoa a ser julgada, quanto do júri, que ocupa o espaço de representante da população, retirando o peso da decisão final do juiz. Consideramos que tal inserção de uma equipe técnica que é referendada pelo martelo do juiz é um meio poderosíssimo de construção de verdades acerca da vida, além de um modo de judicialização dos saberes; já a inserção do júri popular produz uma falsa sensação de que todos fazemos parte dos julgamentos, contudo devemos considerar que o dispositivo do tribunal é construído de modo a reforçar as lógicas que o constitui, ou seja, os poderes que o constitui.
A proposta de Foucault de potencializar as micropolíticas possibilita a localização de múltiplos agentes políticos, múltiplos agenciamentos, trazendo desafios, visto que tal ideia se contrapõe à afirmação de um sujeito político e seus assujeitamentos. Isso requer uma mudança na maneira como pensamos sobre política e poder, um movimento para além das noções tradicionais de bem e mal, culpado e inocente. É um convite para problematizar as lógicas que sustentam nossas instituições e práticas de julgamento, demandando uma compreensão mais aprofundada das nuances e complexidades do poder.
Com Deleuze e Guattari partimos de uma defesa da ética em oposição à moral. Tais autores contribuem para pensar além da dimensão do julgamento. Segundo eles, a visão ética do mundo advém da não hierarquização, ou igualdade, dos atributos. Já a visão moral se apoia na iminência de um atributo sobre o outro. Uma das diferenças entre a ética e a moral já foi adiantada: a valorização do corpo, em detrimento da mente, ou da consciência, como ponto de partida mais promissor para a experimentação e a avaliação. A mente, com Spinoza, é acusada de apenas recolher os efeitos do que acontece com o modo, e a consciência é dita reativa. Com Spinoza, Deleuze e Guattari alinham ética e conhecimento por um lado, moral e obediência por outro.
Agir e padecer dependem exclusivamente das leis de composição e decomposição da natureza. Para aumentar a capacidade de agir do corpo e de pensar da mente, para levar o modo ao máximo do que pode, que é a única recomendação cabível em uma ética deleuziana, é necessário conhecer ao menos parte dessas leis naturais. A experimentação como um dos aspectos da ética é justamente o esforço para organizar os encontros e passar a conhecer algumas leis de composição e de decomposição da natureza. A moral surge justamente na ausência deste conhecimento adequado. Ela propicia julgamento e obediência, e não conhecimento, o que o exemplo de Adão ilustra bem.
Assim, há ainda caminhos a percorrer em próximas investigações acerca do julgamento e de como se dá sua relação com a judicialização da vida, além de contribuir com uma analítica do presente em que percebemos ser cada vez mais intensa a demanda por julgamento e, consequentemente, de uma polarização. Assim sendo, consideramos que este estudo contribui com novos deslocamentos, com a produção de possíveis fugas da moral e o fortalecimento de uma vida ética.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jun 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Dec 2025
Histórico
-
Recebido
20 Mar 2025 -
Revisado
03 Abr 2025 -
rev-request
08 Abr 2025 -
Aceito
16 Abr 2025
