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Práticas em psicologia, formação e resistência da vida

Practices in Psychology, formation and resistance in life

Prácticas en Psicología, formación y resistencia de la vida

Resumo

Neste artigo busco pensar possibilidades de resistência da vida na universidade e no processo de formação dos estudantes, a partir de duas práticas desenvolvidas no Curso de Psicologia da Universidade Federal de Catalão/UFCAT: o Sarau Psi (ação de extensão e cultura) e a Roda de Cantoria no CAPS (atividade do estágio supervisionado específico). O sarau é apreendido como espaço-tempo de experimentação de outras maneiras de estar juntos na universidade, suscitando pequenos acontecimentos em defesa de uma Educação menor, realizada nas brechas das normas institucionalizadas. Na mesma perspectiva, a Roda de Cantoria no CAPS possibilita um aprendizado inventivo como empreendimento de saúde para os usuários, os estagiários e a professora/orientadora do estágio. Essas práticas menores, vitais para os corpos no limite da exaustão, afirmam diferentes temporalidades e territórios existenciais na contramão dos embrutecimentos cotidianos presentes nas instituições em tempos de incertezas e retrocessos inaceitáveis.

Palavras-chave:
psicologia; formação; resistência; vida; universidade

Abstract

This article aims at reflecting about possibilities of resistance in academic life at the university. Such a reflection has elected at its starting point two practices developed by students in their formation process in the Psychology Graduation Course of the Federal University of Catalão/UFCAT, namely, the Psi Soirée (extension and culture action) and singing groups in CAPS (a specific activity related to the supervised training students take as part of the curriculum). The soirée is taken as a space-time experimentation of other ways of being together at the university. It brings small events in defense of a minor Education, performed in the gaps found in the institutionalized norms. In the same perspective, the singing groups make possible an inventive way of learning. As a consequence of such a learning, a health scenario becomes possible for the users, for the trainees and for the supervisor. These minor practices, vital for bodies at the limit of their exhaustion, state different temporalities and existential territories that go against the everyday bruising present in institutions in times of uncertainties and unacceptable setbacks.

Keywords:
Psychology; formation; resistance; life; university

Resumen

En este artículo busco pensar las posibilidades de resistencia de la vida en la universidad y en el proceso de formación de los estudiantes, a partir de dos prácticas desarrolladas en el Curso de Psicología de la Universidad Federal de Catalão/UFCAT: el Sarau Psi (Soirée Psi) (acción de extensión y cultura) y la Roda de Cantoria no CAPS (Rueda de Canto en el CAPS) (actividad específica de prácticas tuteladas). La soirée se entiende como un espacio-tiempo de experimentación de otras formas de estar juntos en la universidad, levantando pequeños eventos en defensa de una educación menor, realizados en los incumplimientos de las normas institucionalizadas. En la misma perspectiva, la Rueda de Canto del CAPS posibilita el aprendizaje inventivo como empresa de salud para los usuarios, los internos y la profesora/asesora de prácticas. Estas prácticas menores, vitales para cuerpos al borde del agotamiento, afirman distintas temporalidades y territorios existenciales en sentido contrario a las brutalidades cotidianas presentes en las instituciones en tiempos de incertidumbre y retrocesos inaceptables.

Palabras clave:
psicología; formación; resistencia; vida; universidad

Introdução

Em 2016, solicitei afastamento à Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão1 1 Em 2018 foi criada a Universidade Federal de Catalão/UFCAT, a partir do desmembramento da UFG. para realizar estágio pós-doutoral,2 2 Este artigo faz parte das atividades desenvolvidas no estágio pós-doutoral realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, na linha de pesquisa Saberes e Práticas Docentes, sob a supervisão da Profª Drª Myrtes Dias da Cunha. depois de vários anos envolvida intensamente com a consolidação de um curso de graduação em Psicologia, criado em 2006, no contexto da Expansão da Educação Superior no país.3 3 A expansão da Educação Superior no Brasil ocorreu no período de 2003 a 2010, quando o Campus Catalão da UFG passou de sete para 21 cursos de graduação, triplicando seu tamanho e, consequentemente, suas demandas. Nesse período, assumi diversas atividades acadêmicas de ensino, pesquisa, extensão, cultura e gestão, afetada por inúmeros acontecimentos, macro e micropolíticos, sem o tempo necessário para refletir, sentir, escrever e dar passagem às inquietações cotidianas decorrentes das demandas incessantes da sociedade de controle que tem nos deixado endividados (DELEUZE, 1992DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.).

Nessa sociedade, sempre temos algo a cumprir e isto nos perturba, até mesmo quando dormimos ou tentamos descansar. É comum escrever e preparar aulas enquanto sonhamos, orientar estudantes em finais de semana, produzir artigos e concluir relatórios durante as férias. Ficamos agitados quase o tempo todo e indispostos para realizar atividades que não estejam relacionadas ao trabalho. São desafios constantes: a burocracia excessiva, a pressão dos prazos, a velocidade das informações, o acúmulo de tarefas e a convivência no ambiente de trabalho. É difícil não sucumbir à política de endividamento vigente que desvitaliza nossos corpos e a nossa subjetividade.

O estado permanente de cansaço dificulta a escuta das questões que pedem passagem e enfraquecem a potência de agir, contaminando a escrita e embaçando o invisível (ROLNIK, 1993ROLNIK, Suely B. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico. Cadernos de Subjetividade, PUC/São Paulo, v. 1, n. 2, p. 241-51, 1993.). Mas, se o cansaço indica impotência e expressa entorpecimentos, ele também pode ser anúncio de potência, do desejo de transformação e da falência das redes de captura da vida. Na perspectiva de extrair do cansaço possibilidades de resistência do sentir, a escrita pode se transformar em um campo de batalhas e lutas éticas, políticas, estéticas que ajudam a avaliar o que nos faz viver ou morrer; o “quanto nossas práticas têm produzido de potência e de mortificações” (MACHADO, 2004MACHADO, Leila Aparecida Domingues. Capitalismo e configurações subjetivas. In: ABDALLA, Maurício; BARROS, Maria Elizabeth Barros de (Org.). Mundo e sujeito: aspectos subjetivos da globalização. São Paulo: Paullus, 2004. v. 1, p. 164-172., p. 171).

Enfrentar essas pequenas/grandes batalhas nos processos de formação dos estudantes de psicologia é um desafio. É preciso perguntar o que temos produzido nas práticas cotidianas e o que fazemos para resistir ou criar outros modos de aprender e ensinar, processos complexos que exigem saberes histórico-culturais e, também, ético-político-estéticos, lembrando que a prática docente não se faz apenas com ciência e técnica, mas também com certas qualidades ou virtudes fundamentais, como a curiosidade, a escuta, o bem querer, o gosto pela vida, pela alegria e a abertura para o novo (FREIRE, 2002FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e terra, 2002. ).

Para sustentar as discussões propostas neste artigo, escolho duas práticas realizadas no Curso de Psicologia da Universidade Federal de Catalão: o “Sarau Psi”, ação de extensão e cultura em parceria com os estudantes, e a “Roda de Cantoria no CAPS”,4 4 O Centro de Atenção Psicossocial é um serviço da rede de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS), substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. Lugar de referência e tratamento para pessoas com transtornos mentais, cujo objetivo é oferecer atendimento à população, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários (BRASIL, 2004). atividade do estágio supervisionado específico, em parceria com os usuários da rede de saúde mental da cidade de Catalão/GO. Tais práticas são apreendidas como possibilidades de resistência da vida na universidade e nos processos de formação que desafiam a docência e o exercício do psicólogo no contexto atual, com suas capturas ardilosas, mas, também, com diferentes linhas de escape ou de fuga. Antes de abordar essas práticas, proponho uma breve reflexão a respeito das formas de vida predominantes no meio acadêmico, submetidas ao produtivismo, a uma precarização generalizada e à capitalização de todas as suas esferas (PELBART, 2016PELBART, Peter Pál. Tudo o que muda com os secundaristas. Outras palavras [online], 13 de maio de 2016. Disponível em: Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/pelbart-tudo-o-que-muda-com-os-secundaristas/ . Acesso em: 24 jan. 2017.
http://outraspalavras.net/brasil/pelbart...
). Proponho, também, discutir a formação em psicologia como prática de des-enformação que gera indisciplina no pensamento e altera formas de subjetividade constituídas.

Desafios cotidianos do trabalho docente e da formação em Psicologia

Os pontos de partida das problematizações, aqui apresentadas, decorrem de experimentações realizadas no lugar onde trabalho: em uma universidade localizada em Catalão, cidade do sudeste goiano com uma população estimada de 100.590 habitantes.5 5 Atualmente, a Universidade Federal de Catalão/UFCAT conta com mais 3.400 alunos matriculados, 28 cursos de Graduação presenciais, dois cursos de Graduação a distância, 11 Programas de Mestrado e dois de Doutorado, além de vários cursos de especialização. Conta, também, com 328 docentes, 116 técnicos administrativos em educação e 138 funcionários terceirizados e prestadores de serviço. Informações disponíveis no site da UFCAT: https://www.catalao.ufg.br. Acesso em: 3 fev. 2022. Desenvolvo as atividades acadêmicas em um curso de graduação em Psicologia (integral) que conta com, aproximadamente, 200 alunos, 14 professores em regime de dedicação exclusiva e uma professora em regime de contrato temporário.

Os desafios enfrentados são inúmeros: turmas com 50 estudantes; número insuficiente de técnicos administrativos e de professores para realizar as atividades de ensino, pesquisa, extensão, cultura e gestão; falta de recursos financeiros para a compra de equipamentos, livros e para o custeio das ações desenvolvidas no curso. Esses desafios estão relacionados com as especificidades dos novos campi criados no interior do país, nos últimos anos,6 6 Conforme dados do Ministério da Educação, foram criados 173 campi de universidades federais em cidades do interior do país, no período entre 2003 a 2014, com a implantação de programas de expansão da Educação Superior. e com as políticas vigentes para a educação superior, afinadas com o processo de mercantilização da sociedade contemporânea, as quais enfatizam o individualismo, a competição, o pragmatismo e a concepção dos estudantes como consumidores (MANCEBO; ROCHA, 2000MANCEBO, Deise; ROCHA, Marisa Lopes da. Neoliberalismo e universidade: reflexões sobre a formação na interface Psicologia/Educação. Acheronta [online], Buenos Aires, v. 11, p. 274-280, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.acheronta.org/pdf/acheronta11.pdf . Acesso em: 12 set. 2017.
http://www.acheronta.org/pdf/acheronta11...
).

Na realidade, o que percebemos é uma perspectiva de estender as relações mercantis básicas do capitalismo a áreas sociais, o que implica a passagem da educação ao setor de serviços, “livre” do conteúdo político. A qualidade educativa, tão cara aos movimentos dos educadores como um direito social coletivo, passa a ser algo naturalizado no mercado dos saberes e legitima a exclusão no interior do processo de ensino-aprendizagem (MANCEBO; ROCHA, 2000MANCEBO, Deise; ROCHA, Marisa Lopes da. Neoliberalismo e universidade: reflexões sobre a formação na interface Psicologia/Educação. Acheronta [online], Buenos Aires, v. 11, p. 274-280, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.acheronta.org/pdf/acheronta11.pdf . Acesso em: 12 set. 2017.
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, p. 2).

Nesse contexto, discursos focados na excelência, na competência e na competitividade são fortalecidos, visando aumentar a produtividade e a sua velocidade. Conforme Mancebo e Rocha (2002MANCEBO, Deise; ROCHA, Marisa Lopes da. Avaliação na educação superior e trabalho docente. Interações, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 55-75, 2002. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 20 jan. 2017.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 70), a educação e a universidade são espaços privilegiados de construção e expressão de indivíduos voltados para suas práticas acadêmicas, competindo entre si por melhores colocações no mercado intelectual e transformando o investimento pessoal no motivo central de seu trabalho: “A educação vive, no mundo contemporâneo, uma temporalidade de aceleração permanente em compasso com a sociedade tecnológica, na busca de produtividade e competência”.

Os modos de subjetivação decorrentes dessa organização do trabalho docente tangenciam as práticas avaliativas que comparam desempenhos individuais de forma perversa, acentuando as disputas entre os pares por meio de técnicas de poder contínuas e permanentes, “mesmo nos tempos ‘legalmente’ destinados ao lazer e ao descanso” (MANCEBO; ROCHA, 2002MANCEBO, Deise; ROCHA, Marisa Lopes da. Avaliação na educação superior e trabalho docente. Interações, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 55-75, 2002. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 20 jan. 2017.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 68). Tais práticas, sustentadas por concepções de eficiência (associada à capacidade de desenvolver diversas funções simultâneas), produtividade e autonomia (como individualização das ações e redução da esfera pública a jogos de interesses privados), geram segregações, precarização do trabalho e adoecimentos explicitados no cansaço, na tensão e no tédio pela falta de sentido das ações realizadas: “Na prática, o estímulo à competitividade e à racionalização do processo vem acarretando o estresse e a perda do sentido do trabalho, já que o cotidiano fica reduzido à contabilização dos produtos no estabelecimento do ranking dos que mais publicam, dos que mais orientam, dos que são mais citados, enfim, dos que mais se destacam (ROCHA; ROCHA, 2004ROCHA, Marisa Lopes da; ROCHA, Décio. Produção de conhecimento, práticas mercantilistas e novos modos de subjetivação. Psicologia & Sociedade, v. 16, n. spe, p. 13-36, 2004., p. 22).

Nesse sentido, torna-se urgente reintroduzir a questão ética nas análises que articulam sociedade, universidade, conhecimento, poder e subjetividade. É necessário afirmar as implicações sócio-históricas da produção do conhecimento e apostar em análises macro e micropolíticas do trabalho docente, almejando “a reinvenção de novos modos de subjetivação que escapem à emulação e ao individualismo” (MANCEBO; ROCHA, 2002MANCEBO, Deise; ROCHA, Marisa Lopes da. Avaliação na educação superior e trabalho docente. Interações, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 55-75, 2002. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 20 jan. 2017.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 71). Esse desafio implica criar outra micropolítica da vida universitária e realizar práticas de desconstrução dos dispositivos que reforçam a fragmentação, o isolamento e a burocracia funcional, fragilizando os profissionais. É nessa direção que Rocha e Rocha (2004ROCHA, Marisa Lopes da; ROCHA, Décio. Produção de conhecimento, práticas mercantilistas e novos modos de subjetivação. Psicologia & Sociedade, v. 16, n. spe, p. 13-36, 2004.) defendem a luta pela produção de referenciais mais favoráveis ao exercício do pensamento para enfrentarmos a perspectiva do mercado centrado na padronização e na velocidade estéril das produções.

No cotidiano, as demandas da lógica produtivista, as quais têm orientado nosso trabalho, misturam-se aos desafios históricos da formação em psicologia. No Curso de Psicologia da UFCAT, por exemplo, temos que sustentar duas ênfases no bacharelado (processos clínicos e processos psicossociais) e garantir a licenciatura, conforme previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) instituídas, em 2011, pelo Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Assumimos várias turmas de estágio (básicos, da licenciatura e do bacharelado) e enfrentamos dificuldades específicas em relação aos campos de estágio, que são mais restritos em uma cidade de médio porte. A diversidade teórico-prática da psicologia continua sendo um desafio, assim como o trabalho com a formação em tempos de velocidade acelerada, que, muitas vezes, dificultam o aprendizado de elementos fundamentais ao exercício profissional, como a escuta, o acolhimento e o acesso à dimensão invisível da produção de subjetividade. Tais elementos pedem certa desaceleração do tempo, ao invés de pressa e correria, vividas, hoje, dentro e fora da universidade.

Nesse contexto, encontramos dificuldades para problematizar os conteúdos previstos nas disciplinas, uma vez que essa tarefa demanda tempo, paciência, e não respostas apressadas ou imediatas. A sensação que temos é de descompasso, como se na atualidade não pudéssemos “perder” tempo com as indagações e os desconfortos decorrentes dos processos de formação e da produção do conhecimento.

Ferreira Neto (2004FERREIRA NETO, João Leite. A formação do psicólogo: clínica, social e mercado. São Paulo: Escuta, 2004; Belo Horizonte: Fumec, 2004.) destaca os avanços obtidos com a implementação das DCNs em 2004 e, também, os perigos que se avizinham. Elas colocaram em questão uma antiga concepção curricular (centrada em disciplinas e conteúdos programáticos) e estabeleceram competências, habilidades profissionais, distanciando-se da psicologia como prática individual, liberal e privada, prevalecente no país durante vários anos. As DCNs levam em consideração um cenário diverso, reconhecem as novas formas de atuação profissional e a expansão do campo de trabalho do psicólogo, antes mais isolado e, agora, em equipe multidisciplinar. Apesar dos avanços, esse autor considera que as Diretrizes Curriculares Nacionais não são unânimes e não podem indicar uma visão triunfalista das mudanças na psicologia brasileira, pois elas apontam novos perigos, por exemplo, de a formação ser capturada pelo tecnicismo e voltada para uma profissionalização flexível em consonância com as modulações do mercado.

A flexibilidade para atender indiscriminadamente às demandas deve ser observada com cautela. Em especial por correr o risco de uma nova e indesejável dissociação entre clínica e política. Uma atuação que não toma a demanda como objeto de um trabalho crítico, presta um desserviço à psicologia como profissão. Um profissional tecnicista formado dessa maneira pode atender bem, mas não cria; atua sem uma necessária reflexão. A capacidade crítica não se configura num luxo supérfluo. É ela que faculta ao profissional articular o como-fazer ao por que-fazer (FERREIRA NETO, 2004FERREIRA NETO, João Leite. A formação do psicólogo: clínica, social e mercado. São Paulo: Escuta, 2004; Belo Horizonte: Fumec, 2004., p. 191).

Podemos afirmar que os novos perigos da formação do psicólogo têm sido pouco discutidos pelos professores, os quais passam boa parte do tempo envolvidos com as demandas institucionais e as desgastantes disputas internas que não podem ser desconsideradas. O cenário de pragmatismo e carente de indagações críticas acerca da formação dos estudantes fortalece, entre nós, uma imagem do profissional de psicologia, amplamente divulgada em redes sociais, como alguém que “ajuda as pessoas a viverem o aqui e agora, de forma mais intensa e feliz, superando obstáculos e criando melhores versões de si mesmas.”7 7 Destaques meus. Referem-se a mensagens recentes divulgadas nas redes sociais, em comemoração ao dia do psicólogo. Essa imagem, sustentada por discursos indiscerníveis da literatura de autoajuda, indica que os tempos duros de retrocessos, nas dimensões macro e micropolíticas, caminham a passos largos, dentro e fora da universidade. E contamos com poucos aliados nas lutas afirmativas de outros modos de ensinar e aprender, atividades que, para Paulo Freire (1996, p. 90), não ocorrem fora da procura e da alegria de viver “que, assumida plenamente, não permite que me transforme num ser ‘adocicado’ nem tampouco num ser arestoso e amargo”.

Formação, resistência e sutileza

Na esteira de Albuquerque Júnior,8 8 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Por um ensino que deforme: o docente na pós-modernidade. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?oi=bibs&hl=pt-BR&cluster=9606171648281521477. Acesso em: 10 jul. 2017. busco problematizar a formação, distanciando-me das perspectivas naturalistas e evolucionistas que concebem o estudante como matéria disforme e plástica a ser modificada pelo tempo. O processo educacional é visto sob a responsabilidade do professor e da escola, “uma maquinaria de práticas e discursos que visam enformar ou formar alguém”. Ao contrário, defendo o ensinar como uma “atividade ética que pressupõe abrir-se para o outro, para o diferente, para o estranho, para o estrangeiro, para o não-sabido, o não-pensado, o não-valorado” (ALBUQUERQUE JÚNIOR).9 9 Idem. Tal atividade investe na desconstrução de um ensino disciplinar obrigatório e aposta em maneiras novas de praticar as relações de aprendizagem, formulando novos conceitos e estimulando a sensibilidade. Nesse sentido, proponho pensar em um ensino que deforma e investe na desmontagem dos modelos de subjetividade de professores e estudantes. Um ensino que desorienta e gera indisciplina no pensar e no agir.

Discutir a formação em psicologia nessa ótica é uma tarefa complexa e instigante, pois implica trabalhar nas brechas das normas instituídas que estabelecem conteúdos, prazos, avaliações e não preveem espaços para as práticas de des-enformação dos estudantes. Esses espaços são cavados nas bordas ou nas frestas da vida institucional, às vezes, contrariando os alunos pouco habituados às práticas de problematização e que esperam um ensino com respostas prontas e acabadas. Mas o desafio está lançado: abrir espaço na fôrma do pensamento, da cultura e tornar porosa a blindagem a que estamos submetidos (HENZ, 2009HENZ, Alexandre de Oliveira. Formação como deformação: esgotamento entre Nietzsche e Deleuze. Revista Mal-Estar e Subjetividade , Fortaleza, v. 9, n. 1, p. 135-159, 2009. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482009000100006&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 17 out. 2017.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 141). Blindagem que dificulta a apreensão do mundo na dimensão inventiva e não a partir de fôrmas e moldes que limitam a percepção de outras maneiras de pensar e viver a formação em psicologia.

Tornar porosa essa blindagem exige resistência da vida para cavar espaços de pequenas alegrias em contextos nos quais “o imperativo da alegria full time abafa a melodia expressa pelas experiências pouco contentes” (SANT’ANNA, 2001SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001., p. 123). Esses espaços não operam como recusa ou oposição ao que está estabelecido, mas com sutileza e delicadeza, o que não implica silêncio ou caos. Conforme Sant’anna (2001SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.), o gesto sutil, em geral, é potente porque sua força não se explicita de uma só vez, nem se adapta ao fascínio pelas palavras que se impõem como definitivas. A sutileza não é frágil e nem é um fast food, algo preparado e consumido rapidamente. “Gestos sutis são delicados e fortes, por isso eles se parecem com formigas avermelhadas que andam por toda parte, como baratas ancestrais, uma sempre seguida da outra. Seres que parecem inúteis nesse mundo de tantas usuras” (SANT’ANNA, 2001SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001., p. 125).

Nessa perspectiva, as palavras sutis são paradoxais, breves, discretas e quase imperceptíveis. Ao mesmo tempo, elas são espessas, provocam outras palavras, histórias, personagens e corpos. A sutileza e a delicadeza são férteis, gestam outras falas e atos. “São, portanto, coletivas e indicam passagens, criam envelopes, epidermes capazes de amaciar certos contatos e iniciar o corpo para a vida junto a muitos outros” (SANT’ANNA, 2001SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001., p. 125). Por isso, o tempo da sutileza não é o da ordem e exige aprendizado ou exercícios de atenção ao que se passa entre os corpos, podendo ser vivido no cotidiano, desde que haja estímulos. Esse aprendizado é fundamental para compreendermos que o outro não foi feito para ser tomado, invadido e submetido.

A sutileza é uma prática de homens, mulheres e crianças. Quando a felicidade infantil deixa de ser considerada um dever inquestionável e quando os adultos aprendem que um certo tédio pode favorecer seu contato com o mundo e consigo mesmo, abre-se espaço para um “baixar armas”, para uma brincadeira na qual há perdas, ganhos e na qual o mais importante não é o ponto final, mas a duração, propiciadora de exercícios lúdicos da experiência de ser atento e sutil (SANT’ANNA, 2001SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001., p. 126).

Exercitar o aprendizado da atenção sutil nas práticas cotidianas da universidade é um desafio para nós, professores, na atualidade visivelmente marcada pela produção em ritmo acelerado, sem tempo suficiente para sentirmos a duração e o sabor do que fazemos junto com o outro; no nosso caso, com os estudantes de psicologia, área do conhecimento que tem como objeto de estudo a subjetividade, sua produção, suas capturas e as linhas de fuga aos processos de homogeneização. Nesse campo, que é privilegiado para o estudo da produção da subjetividade, urge perguntar: como experimentar outras maneiras de viver junto e contribuir para que a vida na universidade não seja domesticada? Como garantir espaços de resistência sutis, fortes e delicados na graduação dos estudantes de psicologia?

Essas perguntas permeiam as duas práticas, apresentadas a seguir: o “Sarau Psi” e a “Roda de Cantoria no CAPS”, ambas percebidas como possibilidades de aprendizado da resistência sutil em defesa de outros modos de viver na universidade e de pensar a formação dos estudantes.

Sarau Psi: espaço-tempo de saúde e aprendizado

Eu não sou camaleão pra disfarçar tanta pressão

Essa mídia tão normal é ironia do meu nobre carnaval

Sou maluco, sou beleza, a minha luta é por delicadeza10 10 Trecho do samba-enredo “São Doidão”, cantado no “Sarau Psi”. Autoria coletiva da Oficina de Música do Centro de Convivência São Paulo, em Belo Horizonte. Disponível no CD Samba na Cabeça, promovido pelo Fórum Mineiro de Saúde mental, em 2006.

O “Sarau Psi” é uma ação de extensão e cultura realizada, geralmente, uma vez por ano, com o objetivo de possibilitar espaços-tempos outros na formação dos estudantes de Psicologia da UFCAT, instituição localizada em uma cidade goiana com poucas ações culturais acessíveis à comunidade, como acontece em vários municípios brasileiros. O evento é feito em parceria com os alunos e ocorre, sobretudo, na semana da calourada, visando receber, de forma lúdica, os ingressantes na Psicologia e nos demais cursos de graduação da nossa Universidade.

Esse evento acontece nos auditórios do campus e são abertos às comunidades interna e externa. No seu processo de divulgação e preparação, convidamos a comunidade acadêmica para participar das apresentações (de fotografias, vídeos, músicas, teatro, pinturas, desenhos, poemas etc.) destinadas a um público de duzentas pessoas, aproximadamente. Para incrementar nosso sarau, que aborda temas relevantes para a formação dos estudantes (como a loucura, as lutas estudantis e o brincar), declamamos textos literários escolhidos previamente e de acordo com o contexto de cada encontro realizado. Compreendemos que

Ler uma poesia, senti-la, não é identificar-se com seu autor, pois, também, ele saiu de si em plena criação estética. Ele foi tomado por uma vibração que o lançou para fora de si. E quando pulsamos com seu poema, as vibrações que nos lançam também para fora de nós mesmos entram em ressonância com aquela, mas não em razão de uma semelhança subseqüente ou de uma identidade prévia (ORLANDI, 2002bORLANDI, Luiz B. L. Corpo e nomadismo. In: BRUHNS, Heloísa Turini; GUTIERRES, Gustavo L. (Org.). Enfoques contemporâneos do lúdico: III ciclo de debates lazer e motricidade. Campinas, SP: Autores Associados, 2002b. p. 71-79., p. 77).

Assim, desde o primeiro Sarau,11 11 A primeira versão ocorreu em 2012 e a mais recente, em 2017. percebemos a força desse espaço-tempo como campo de experimentação de outras formas de sentir e estar juntos na universidade, contrapondo à solidão do trabalho produtivista, competitivo e narcísico realizado nos últimos anos. O que esse espaço-tempo pode promover nos corpos cansados e submetidos às práticas de deformação que tentam excluir as inquietações e as problematizações inevitáveis desse processo? Que possibilidades de vida esses espaços produzem e como eles resistem à batuta do tempo cronológico e do ritmo veloz que nos orienta no cotidiano? Como contribuir para que a vida na universidade não seja mais um espaço de captura e adequação ao mercado?

Essas perguntas atravessam o sarau e nos levam a cantar coletivamente este belo samba-enredo:

Tem doido aqui, tem doido aqui, tem doido aqui e aí

Tem doido ali, tem doido ali, tem doido ali e aqui

A liberdade ainda que tantantantantantan

Vai tantan até aí12 12 Trecho do samba-enredo São Doidão cantado no sarau em comemoração ao dia da luta manicomial, feito em parceria com os cursos de História, Ciências sociais, Letras, Educação Física e Enfermagem.

No “Sarau Psi”, cantamos e brincamos juntos, procurando nos distanciar da aridez do aprendizado como resolução de problemas ou resultados formais, predominante no contexto escolar, desde o início do ensino básico. Experimentamos o estar juntos, não pela obrigatoriedade, conquista de notas ou de mais pontos no currículo Lattes, mas pela alegria de tocar e ser tocado pelo outro, por meio da poesia, dos sons, do desenho, da pintura, da fotografia etc.; algo diferente das apresentações em sala de aula ou em eventos científicos, nos quais esperamos ser avaliados formalmente.

Nesta atividade extracurricular, que, para muitos, é insignificante no currículo ou não tem relação com a formação de um psicólogo, instauramos breves instantes de ruptura com a rotina cotidiana, a repetição e as identidades pré-estabelecidas. Estudantes e professores mostram saberes e talentos não percebidos no dia a dia, atravessados por um devir-artista13 13 Conforme Deleuze e Guattari (1997), devir não implica semelhança, imitação ou identificação; não se faz por meio da imaginação e não leva a “parecer” ou a “equivaler”. Devir não é atingir uma forma, mas criar zonas de vizinhança ou de indiscernibilidade. “Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a faz fugir” (ZOURABICHVILI, 2004, p.48). que não implica imitar o artista, mas brincar com a saída lúdica dos lugares previstos nos processos de ensino e aprendizado. Assim, vamos aprendendo, aos poucos, a ensaiar, sutilmente, outras maneiras de existir, mais lúdicas e mais alegres, distanciando-nos da “sociabilidade envenenada” (PELBART, 2006PELBART, Peter Pál. Como viver só. Palestra proferida na 27ª Bienal de São Paulo realizada em 4 de agosto de 2006. Disponível em: Disponível em: http://saudemicropolitica.blogspot.com/2014/05/como-viver-so-palestra-com-peter-pal.html . Acesso em: 10 jul. 2017.
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)14 14 Palestra proferida na 27ª Bienal de São Paulo realizada em 4 de agosto de 2006. Disponível em: http://saudemicropolitica.blogspot.com/2014/05/como-viver-so-palestra-com-peter-pal.html. Acesso em: 24 jan. 2017. do nosso ambiente de trabalho/estudo onde passamos boa parte de nossas vidas, ultimamente. Como afirma Pelbart (2006PELBART, Peter Pál. Como viver só. Palestra proferida na 27ª Bienal de São Paulo realizada em 4 de agosto de 2006. Disponível em: Disponível em: http://saudemicropolitica.blogspot.com/2014/05/como-viver-so-palestra-com-peter-pal.html . Acesso em: 10 jul. 2017.
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),15 15 Idem “quando a vida é reduzida a uma vida besta, cabe perguntar: o que pode nos sacudir do estado de letargia ou quantos gestos podem indicar possibilidades entre a solidão e a vida coletiva?”

É nessa perspectiva que proponho apreender o “Sarau Psi”, como espaço de criação de gestos e movimentos, entre a solidão e a vida coletiva; um espaço-tempo de resistência sutil aos modos de existir predominantes no meio acadêmico, cansados, endividados e sedentos de empreendimentos de saúde, em busca da criação de um povo que falta (DELEUZE,1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34 , 1997. v. 4. ), um povo por vir que vislumbra outros caminhos nos processos de formação e inventa estratégias de insubordinação ao ritmo do calendário, com seus prazos, cobranças e exigências.

Esse espaço-tempo pode ser considerado, também, prática de uma educação menor,16 16 Sílvio Gallo desloca para o campo da educação o conceito de literatura menor, criado por Deleuze e Guattari (1977). que, segundo Gallo (2003GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.), é um ato de revolta e de resistência aos fluxos instituídos e às políticas impostas. A educação menor é exercida no campo micropolítico, diferente da educação maior que é produzida na macropolítica, grande máquina de controles e de subjetivação. Ela age nas brechas e gera linhas de escape ou de fuga aos controles instituídos.

Sala de aula como trincheira, como a toca do rato, o buraco do cão. Sala de aula como espaço a partir do qual traçamos nossas estratégias, estabelecemos nossa militância, produzindo presente e um futuro aquém ou para além de qualquer política educacional. Uma educação menor é um ato de singularização e de militância (GALLO, 2003GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003., p. 78).

Conforme Gallo (2003GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.), a educação menor cria trincheiras a partir das quais se promove uma política do cotidiano e das relações entre os indivíduos que exercem efeitos sobre as macrorrelações sociais. Isso implica “educar com a fúria e a alegria de um cão que cava seu buraco. Educar escavando o presente, militando na miséria do mundo, de dentro de nosso próprio deserto” (GALLO, 2003GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003., p. 85).

Realizar o “Sarau Psi” como prática de uma educação menor gera em nós uma suave alegria ou uma agitação delicada aberta às mutações, aos devires e aos estados expressivos decorrentes dos acontecimentos que liberam vitalidade (ALMEIDA, 2014ALMEIDA, Bruno Vasconcelos de. Passagens da alegria à beatitude na clínica e na literatura. In: ______. (Org). Pensar através da literatura. Belo Horizonte: FUMARC, 2014. p. 37-41.). Diferente do sentimento de felicidade ou júbilo, essa alegria não idealizada ou domesticada é paradoxal, pois, como afirma Rosset (2000ROSSET, Clement. Alegria: a força maior. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000., p. 25), ela permanece, a um só tempo, consciente das infelicidades e indiferente às mesmas: “Só há verdadeira alegria se ela é ao mesmo tempo contrariada e se está em contradição com ela mesma: a alegria é paradoxal ou não é alegria”. É essa alegria paradoxal que nos interessa e contagia no espaço-tempo do Sarau, nos auxiliando a resistir à sedução da alegria eufórica proveniente da eficiência produtivista e fortalecendo nas lutas de uma Educação menor,

[...] contra a pressa, a produtividade, a concorrência, a previsibilidade, a especialização custe o que custar, as certezas e as imposições. Podemos exercer, treinar, mesmo numa sala de aula, sim, pequenas táticas de solapamento, exercícios de invenção séria e alegre, exercícios de paciência, de lentidão, de gratuidade, de atenção, de angústia assumida, de dúvida, enfim, exercícios de solidariedade e de resistência (GANEGBIN, 2006GANEGBIN, Jeanne Marie. O método desviante: algumas teses impertinentes sobre o que não fazer num curso de filosofia. Revista Trópico [online], 2006. Disponível em: Disponível em: https://uspcaf.files.wordpress.com/2011/06/gagnebin-j-m-o-mc3a9todo-desviante.pdf . Acesso em: 14 jul. 2017.
https://uspcaf.files.wordpress.com/2011/...
).

A aposta nesse espaço-tempo reitera outros modos de viver e estar com outro na universidade, contrapondo à competição, à busca excessiva por pontuações e produções quantitativas, o que não implica ignorar ou desconsiderar os aspectos institucionais, mas aprender a realizá-los de outras maneiras, tornando-nos meio indiferentes ao que nos sufoca demasiadamente. Isso nos leva a sair das lamentações, criar fendas de ar fresco e exercitar uma educação mais esquizo, que potencializa os deslocamentos necessários nas práticas institucionalizadas. Assim, “a cada pequeno acontecimento, a cada vez, a cada situação, a cada encontro, a cada devir-minoritário, ensinar e aprender possam ser reinventados e afirmados, mesmo que provisoriamente, mesmo que em sua finitude, em nome desta e por esta vida” (COSTA, 2005COSTA, Sylvio de Souza Gadelha. De fardos que podem acompanhar a atividade docente ou de como o mestre pode devir burro (ou camelo). Educação & Sociedade [online], Campinas, v. 26, n. 93, p. 1257-1272, 2005. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000400009
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, p. 1257).

Ensinar, nesse sentido, desafia-nos a lidar com estratégias de “desmanchamento da tendência a ocupar o lugar do professor que transmite um saber” (KASTRUP, 2005KASTRUP, Virgínia. Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do devir-mestre. Educação & Sociedade , Campinas, v. 26, p. 1273-1287, 2005. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000400010
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, p. 1287). O aprender passa pela política de invenção,17 17 Baseada na filosofia de Deleuze, a autora distingue invenção de criatividade como uma capacidade de produzir soluções originais para os problemas. que, diferentemente da aprendizagem adaptativa ou focada na resolução de problemas, implica problematizações.

A política de invenção é, assim, uma política de abertura da atenção às experiências não-recognitivas e ao devir. O desafio dessa política é conceber práticas que viabilizem o desencadeamento de processos de problematização que não se esgotem ao encontrar uma solução (KASTRUP, 2005KASTRUP, Virgínia. Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do devir-mestre. Educação & Sociedade , Campinas, v. 26, p. 1273-1287, 2005. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000400010
https://doi.org/10.1590/S0101-7330200500...
, p. 1282).

Em tempos de estranhas velocidades e de produtividade raramente saborosa, torna-se um desafio ensinar e aprender como experiências problematizadoras. O “Sarau Psi” é uma tentativa neste sentido: acreditar que é possível “suscitar acontecimentos, mesmo pequenos ou de volume reduzidos que escapem ao controle” (DELEUZE, 1992DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992., p. 218) e às práticas institucionalizadas, cavando brechas para o aprendizado inventivo e uma formação mais atenta às sutilezas de uma Educação menor. A aposta nesses espaços-tempos, em que podemos flagrar devires (devir-mestre, devir-artista, devir-estudante, devir-psi), visa fortalecer-nos para os “combates pela dignificação do viver” (ORLANDI, 2009ORLANDI, Luiz B. L. Deleuze. In: PECORARO, Rossano (Org.). Os filósofos clássicos da Filosofia: de Ortega y Gasset a Vattimo. Petrópolis, RJ: Vozes; PUC-Rio, 2009. p. 256-279. v. 3., p. 271). Sem dúvida, essa luta vale a pena e necessita ser vivida na universidade, especialmente em contextos de intensas precarizações e de novos embrutecimentos.

A Roda de Cantoria no CAPS e a resistência da vida

A Roda de Cantoria é uma ação do estágio supervisionado específico da ênfase em processos psicossociais, realizado em parceria com o estágio ofertado na ênfase em processos clínicos.18 18 O estágio em processos clínicos foi supervisionado pelo Prof. Dr. Moisés Fernandes Lemos, também lotado no Curso de Psicologia da UFCAT. A proposta busca aproximações entre as duas ênfases do Curso de Psicologia da UFCAT, muitas vezes vividas de forma dissociada, gerando questionamentos pertinentes e necessários. O desafio dessa experiência é trabalhar “entre” ou “no meio” das duas ênfases, avizinhando diferentes autores e concepções teórico-práticas, sem desconsiderar as formações específicas dos docentes responsáveis pelos estágios.

O estágio foi realizado no CAPS José Evangelista da Rocha e as supervisões ocorreram na universidade, com as duas turmas e os dois professores/orientadores juntos, partilhando leituras e reflexões a respeito das atividades desenvolvidas. Buscando atender a uma demanda dessa instituição, que solicitou a presença frequente dos estagiários de psicologia, os alunos trabalharam em duplas desenvolvendo atividades de segunda a sexta-feira. Nesse processo, que teve a duração de um ano, contamos com o acompanhamento e o apoio dos supervisores do campo de estágio: psicólogas, terapeutas ocupacionais, psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiros.

Dentre as diversas atividades desenvolvidas no estágio, destaco a “Roda de Cantoria”, que surgiu em função dos relatos dos usuários sobre experiências anteriores com a música e da minha forte atração pela experiência musical, vivida de diferentes maneiras ao longo da vida, seja por meio da participação em grupos comunitários, do encontro com samba na pós-graduação ou das ações de extensão e cultura promovidas na universidade.19 19 Destaco a participação ativa dos estagiários Rickson Bernardo M. Miranda, Betânia Roberta P. da Silva e Thais dos Santos Tomé e da terapeuta ocupacional Natália Gabriel Calzavara, que deu o apoio necessário à realização do estágio.

Após as primeiras visitas ao CAPS e as conversas iniciais com os usuários, passei a levar o violão e as letras impressas de canções populares: Xote das meninas (Luiz Gonzaga e Zé Dantas), Maracangalha (Dorival Caymmi), Tiro ao Álvaro (Adoniran Barbosa), dentre outras. No início, a timidez e o pouco convívio entre nós dificultavam os encontros, a diversão e a improvisação do grupo. Cantávamos juntos sem a expectativa de criar um coral ou fazer uma banda. Logo nos primeiros encontros, observei que um paciente marcava o ritmo das canções com dois grandes guarda-chuvas que levava todos os dias. Perguntei se tocava algum instrumento e ele me respondeu que sim, somente na igreja evangélica, mas aceitava fazer a percussão na “Roda de Cantoria do CAPS”. A partir daí, passei a levar, nos encontros seguintes, além do violão, o pandeiro, o chocalho e o cajon, que adquiri após saber da preferência desse paciente por este instrumento musical específico.

Em cada encontro, surgia uma surpresa, uma nova canção, um novo paciente. Aos poucos, aumentavam a intimidade entre nós e a alegria decorrentes do nosso canto coletivo, feito ao nosso modo, sem a preocupação com “acertos” do ritmo ou da afinação. Geralmente, depois da cantoria e das conversas que emergiam, entre uma canção e outra, partilhávamos um lanche coletivo, feito na sala das oficinas, no refeitório ou debaixo dos pés de manga plantados no amplo quintal do CAPS. Com o tempo, a Roda de Cantoria passou a atrair os usuários, as pessoas da comunidade que transitavam pelo local, os internos de um abrigo para idosos e os estudantes de uma escola pública próxima, tornando-se um “elemento articulador entre o dentro e o fora da instituição” (LIMA, 2004LIMA, Elizabeth Araújo. Oficinas, Laboratórios, Ateliês, Grupos de Atividades: dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In: COSTA, Clarice Moura; FIGUEIREDO, Ana Cristina. Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 2004. p. 59-81. Coleções IPUB.).

Nesse espaço-tempo, em que o usuário sustentava o ritmo e orientava o grupo, quando tocava o cajon ou o pandeiro, a professora e os estagiários de psicologia experimentavam, por instantes, lugares diferentes dos que assumem no cotidiano acadêmico. Nós compúnhamos, verdadeiramente, com o usuário-artista que, também, assumia outra posição na roda, distanciando-se do lugar habitual de paciente de uma instituição de saúde mental. O chocalho corria de mão em mão, desafiando-nos a brincar com o ritmo, a construir algo junto, mesmo de forma “desritmada” e “desafinada”. O que importava era a experimentação complexa dos encontros que embaralhavam os lugares comuns, os rótulos e os estigmas enrijecidos.

Esses momentos de interação, aprendizado e convivência com os usuários e com a equipe de saúde mental foram significativos. O som das gargalhadas ao final de cada canção e dos encontros realizados, semanalmente, gerava-nos alegria e despertava confiança por acreditar que estávamos no caminho certo, criando “espaços de temporalidade diferenciada” ou “ateliês de tempo para loucos e não loucos” (PELBART, 1993PELBART, Peter Pál. A nau do tempo rei: 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago, 1993., p. 45). Tais espaços facilitavam conversas essenciais que resistiam ao discurso da falta20 20 Refiro-me à falta de material suficiente para as oficinas, alimentação para os pacientes, verbas para transportes, infraestrutura adequada etc. No entanto, ressalto que as políticas públicas de saúde mental são imprescindíveis e inseparáveis das lutas micropolíticas do cotidiano. e à vontade de nada, muito presentes nas instituições públicas de modo geral.

Por meio da Roda de Cantoria, criamos algo possível, apesar da desmotivação e do desânimo, em vários momentos. Promovemos alegria e pequenos acontecimentos que fortalecem a ética antimanicomial ou a atenção psicossocial no campo da saúde mental. Cantar com os pacientes no CAPS, distantes dos espaços hostis da universidade, no contexto atual, indicava sinais de saúde, fundamental nos momentos em que a vida acadêmica coletiva torna-se intolerável. Cantar juntos era uma possibilidade de saúde (para os usuários, os estagiários e a professora/orientadora do estágio) na perspectiva de libertação e expansão de vidas aprisionadas na loucura institucionalizada e na loucura cotidiana que nos fragiliza e adoece.

Esse espaço-tempo lúdico, criado durante o estágio, auxilia-nos a pensar a respeito da precarização dos modos de existência (no CAPS, na Universidade ou em outros lugares do mundo contemporâneo) que despotencializam os corpos. Nele, tentamos compor com os devires da loucura,21 21 Pelbart (1990, p. 133) distingue o louco, personagem social discriminado, excluído e recluso, da loucura como desrazão, uma dimensão essencial de nossa cultura: “[...] a estranheza, a ameaça, a alteridade radical, tudo aquilo que uma civilização enxerga como seu limite, o seu contrário, o seu outro, o seu além”. que embaçam a nossa lucidez, balançam supostas verdades e identidades estabelecidas, comumente desconectadas da dimensão inventiva da produção de subjetividade. Como argumenta Pelbart (1993PELBART, Peter Pál. A nau do tempo rei: 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago, 1993.), no convívio com os loucos, a multiplicidade temporal desafia a homogeneidade do relógio e fomenta a criação de diferentes temporalidades grupais.

Não é simples fazer isso tudo e ainda estar atento para as diferenças de tempo individuais, criando certos ritmos, em que uma modalidade temporal possa conectar-se com outra, compor-se, combinar-se, contrapor-se, ressoar, destoar. Não para fazer bandinha, mas para não deixar que, por solidão, uma temporalidade morra estrangulada, ou que um paciente sufoque no seu ponto de horror (PELBART, 1993PELBART, Peter Pál. A nau do tempo rei: 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago, 1993., p. 46).

Para sobreviver aos estrangulamentos cotidianos, não podemos abrir mão dos espaços-tempos de resistência da vida “para os loucos e os sãos, a fim de viabilizar, mesmo contra a maré cronocida, aquela vagabundagem do espírito” (PELBART, 1993PELBART, Peter Pál. A nau do tempo rei: 7 ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago, 1993., p. 46) necessária aos usuários do CAPS e a todos nós, assujeitados às políticas que diminuem a potência de criação da vida. Lutar por esses espaços, em tempos duros e implacáveis de “sucateamento da humanidade” (ORLANDI, 2002aORLANDI, Luiz B. L. Que estamos ajudando a fazer de nós mesmos? In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. L.; VEIGA-NETO, Alfredo. (Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002a. p. 217-238., p. 220), é uma tarefa urgente e uma questão de sobrevivência ética, política e estética.

Essas práticas, aqui, consideradas “menores”,22 22 Lima (2004) denomina “práticas menores” as oficinas de atividades desenvolvidas na perspectiva da desinstitucionalização e da reforma psiquiátrica. Essa denominação é utilizada a partir do conceito de literatura menor, proposto por Deleuze e Guattari (1977). intensificam as experiências invisíveis de invenção do cotidiano que tornam indissociáveis os processos clínicos dos processos psicossociais. Como destaca Lima (2004LIMA, Elizabeth Araújo. Oficinas, Laboratórios, Ateliês, Grupos de Atividades: dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In: COSTA, Clarice Moura; FIGUEIREDO, Ana Cristina. Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 2004. p. 59-81. Coleções IPUB.), as oficinas de atividades podem ser lugares de aprendizagem, produção, ampliação das relações e mergulho no universo cultural. A atividade musical, por exemplo, possibilita acolher ritmos singulares que encarnam diferentes modos de existência, deslocando a concepção de produção capitalista para a produção de vida e criação de mundos (LIMA, 2004LIMA, Elizabeth Araújo. Oficinas, Laboratórios, Ateliês, Grupos de Atividades: dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In: COSTA, Clarice Moura; FIGUEIREDO, Ana Cristina. Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 2004. p. 59-81. Coleções IPUB.).

Nesse trabalho, alguns cuidados são necessários. Cedraz e Dimenstein (2005CEDRAZ, Ariadne; DIMENSTEIN, Magda. Oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica: modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 5, n. 2, p. 300-327, 2005. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482005000200006&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 24 jan. 2017.
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) ressaltam que não podemos reduzir as atividades da saúde mental a meros dispositivos de ocupação do tempo, nem naturalizar os saberes instituídos, as competências técnicas e as determinações normativas. Não podemos, também, reproduzir, nesses espaços, a padronização ou a idealização dos modos de existência.

Ao invés disso, as oficinas deveriam sustentar um espaço no qual é possível o exercício de novas formas de atuação no mundo, um espaço onde se convive com a presença do estranho, sem que isso seja necessariamente motivo para intervenções que visam ao seu reordenamento, ao restabelecimento de uma normalidade. E, uma vez que se pretende uma estratégia de desinstitucionalização, a oficina pode ser várias coisas, menos um dispositivo disciplinador cuja função é a de produzir sujeitos que se comportam de acordo com o que a sociedade espera (CEDRAZ; DIMENSTEIN, 2005CEDRAZ, Ariadne; DIMENSTEIN, Magda. Oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica: modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 5, n. 2, p. 300-327, 2005. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482005000200006&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 24 jan. 2017.
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, p. 317).

Por isso, é imprescindível que as oficinas abram possibilidades para novas conexões e novos territórios existenciais. Essa batalha é contra as forças que sustentam “a clausura subjetiva que tende à uniformidade, à homogeneização, à redução das infinitas possibilidades de vida” (CEDRAZ; DIMENSTEIN, 2005CEDRAZ, Ariadne; DIMENSTEIN, Magda. Oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica: modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 5, n. 2, p. 300-327, 2005. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482005000200006&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 24 jan. 2017.
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, p. 323). Nesse sentido, as oficinas são espaços de resistência das práticas de desinstitucionalização que extrapolam o espaço físico dos dispositivos de saúde mental, quebrando preconceitos e possibilitando a criação.

Pelbart (1990PELBART, Peter Pál. Manicômio mental: a outra face da clausura. In: LANCETTI, Antônio. (Org.). Saúde e Loucura 2. São Paulo: Hucitec, p.131-138, 1990.) lembra-nos que não basta destruir os manicômios, nem relativizar a noção de loucura, se não libertarmos o pensamento de uma racionalidade carcerária; e isto continua sendo um desafio, pois implica construir outras relações entre corpo, subjetividade, pensamento, clínica e práticas psicossociais. Sem dúvida, esse desafio é fundamental para os processos de formação em psicologia, tendo em vista ampliar as concepções teórico-práticas, especialmente, nos espaços voltados para o atendimento às classes populares que colocam em xeque os modelos clássicos de atuação e intervenção do psicólogo. Tais espaços desmontam supostas separações entre processos clínicos e processos psicossociais, mostrando que o fazer clínico é, também, um fazer político e transformador; assim como os processos psicossociais, que são estéticos e envolvem a produção de subjetividade no plano coletivo e das existências individuais (ROMAGNOLI; MOREIRA; NEVES, 2007ROMAGNOLI, Roberta Carvalho; MOREIRA, Jacqueline de Oliveira; NEVES, Edwiges de Oliveira. O surgimento da clínica psicológica: da prática curativa aos dispositivos de promoção de saúde. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 27, n. 4, p. 608-621, 2007. https://doi.org/10.1590/S1414-98932007000400004
https://doi.org/10.1590/S1414-9893200700...
).

Apesar das dificuldades e dos limites encontrados ao longo do caminho, é nessa perspectiva que realizamos o estágio em parceria com o CAPS: afirmando espaços-tempos de resistência da vida e das práticas psi que nos desafiam a todo instante, no contexto atual, em que emergem novas formas de atuação do profissional de psicologia. É nesse cenário, também, que surgem inusitados modelos de captura da subjetividade e, ao mesmo tempo, diferentes possibilidades de resistência e invenção.

Talvez, não seja por acaso que cantávamos com empolgação, em todos os encontros da Roda de Cantoria, os seguintes versos: “Segura na mão de Deus e vai”23 23 Hino de domínio público cantado em igrejas católicas e evangélicas. Era solicitado por uma paciente em todos os encontros e aceito por todos os participantes que o cantavam e, às vezes, dançavam em ritmo de samba. e “Se Anália não quiser ir, eu vou só, mas eu vou”.24 24 Trecho da canção “Maracangalha”, de Dorival Caymmi. Os versos afirmam o desejo de ir adiante, mesmo solitários e nadando contra a maré que tenta nos arrastar para lugares geradores de apatia, indiferença e imobilidade. Resistir a essa maré exige prudência e ânimo para construir alianças, promover alegrias e vitalidades imprescindíveis aos nossos corpos na atualidade.

Considerações finais

Volto ao início do artigo e retomo as questões principais que o norteiam: o que temos produzido em nossas práticas cotidianas junto aos estudantes de psicologia? O que nos tem feito viver ou morrer? Como resistir e criar outras maneiras de ensinar e aprender?

Percebo que as perguntas me levaram a construir um texto afirmativo, procurando dar passagem às indagações necessárias e, muitas vezes, impedidas de serem explicitadas, uma vez que ocupamos a maior parte do tempo, cumprindo tarefas acadêmicas pontuais. Quase não conseguimos saborear os efêmeros deleites decorrentes do nosso trabalho, construído a partir de diferentes parcerias e encontros, com outros professores, os estudantes, os autores, a comunidade, os técnicos administrativos etc. Neste texto, expresso pequenas alegrias da subjetividade e do corpo, forjadas nas práticas menores que traçam linhas de fuga nos processos normatizados da formação em psicologia.

Neste percurso de desintoxicação da escrita a serviço do produtivismo acadêmico, que valoriza excessivamente os aspectos quantitativos na produção do conhecimento, escolho autores que me ajudam a problematizar algumas práticas que realizo com os estudantes, consideradas, muitas vezes, secundárias ou menos importantes para a formação em psicologia. Assim, arregimento forças para afirmar uma educação menor, não como algo irrelevante, mas como forma de resistir e inventar outras maneiras de trabalhar, estudar, estar juntos e habitar novos territórios nos espaços da universidade. É isso que desejo com este artigo, ao defender estratégias sutis de insubordinação em tempos de rara sutileza no cuidado de si e do outro. Pensar e exercitar diferentes políticas de resistência da vida, para que ela não se sucumba aos movimentos de domesticação, são práticas urgentes, afinal, se ela pode ser dominada ou vampirizada, pode também mostrar sua positividade e sua potência indomável (PELBART, 2015PELBART, Peter Pál. Políticas da vida, produção do comum e a vida em jogo. Saúde e Sociedade [online], São Paulo, v. 24, suppl.1, p. 19-26, 2015. https://doi.org/10.1590/S0104-12902015S01002
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).

É nisso que acredito e isso que defendo neste artigo construído em um momento de pausa e distanciamento das tarefas rotineiras da universidade, mas também de produção de conhecimentos a partir daquilo que atinge o corpo de forma vital. Nesse breve percurso que possibilitou uma escuta sensível e aberta à sabedoria do corpo, busco apontar os paradoxos do processo de ensinar e aprender e tatear inusitados modos de habitar os espaços da universidade pública. Que venham novos encontros, saraus e cantorias em defesa da saúde do corpo e da expansão da vida.

Referências

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  • ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Tradução de André Teles. Rio de Janeiro: Relume Dumará , 2004.
  • 1
    Em 2018 foi criada a Universidade Federal de Catalão/UFCAT, a partir do desmembramento da UFG.
  • 2
    Este artigo faz parte das atividades desenvolvidas no estágio pós-doutoral realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, na linha de pesquisa Saberes e Práticas Docentes, sob a supervisão da Profª Drª Myrtes Dias da Cunha.
  • 3
    A expansão da Educação Superior no Brasil ocorreu no período de 2003 a 2010, quando o Campus Catalão da UFG passou de sete para 21 cursos de graduação, triplicando seu tamanho e, consequentemente, suas demandas.
  • 4
    O Centro de Atenção Psicossocial é um serviço da rede de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS), substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. Lugar de referência e tratamento para pessoas com transtornos mentais, cujo objetivo é oferecer atendimento à população, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: Disponível em: http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf . Acesso em: 1 fev. 2017.
    http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental...
    ).
  • 5
    Atualmente, a Universidade Federal de Catalão/UFCAT conta com mais 3.400 alunos matriculados, 28 cursos de Graduação presenciais, dois cursos de Graduação a distância, 11 Programas de Mestrado e dois de Doutorado, além de vários cursos de especialização. Conta, também, com 328 docentes, 116 técnicos administrativos em educação e 138 funcionários terceirizados e prestadores de serviço. Informações disponíveis no site da UFCAT: https://www.catalao.ufg.br. Acesso em: 3 fev. 2022.
  • 6
    Conforme dados do Ministério da Educação, foram criados 173 campi de universidades federais em cidades do interior do país, no período entre 2003 a 2014, com a implantação de programas de expansão da Educação Superior.
  • 7
    Destaques meus. Referem-se a mensagens recentes divulgadas nas redes sociais, em comemoração ao dia do psicólogo.
  • 8
    ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Por um ensino que deforme: o docente na pós-modernidade. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?oi=bibs&hl=pt-BR&cluster=9606171648281521477. Acesso em: 10 jul. 2017.
  • 9
    Idem.
  • 10
    Trecho do samba-enredo “São Doidão”, cantado no “Sarau Psi”. Autoria coletiva da Oficina de Música do Centro de Convivência São Paulo, em Belo Horizonte. Disponível no CD Samba na Cabeça, promovido pelo Fórum Mineiro de Saúde mental, em 2006.
  • 11
    A primeira versão ocorreu em 2012 e a mais recente, em 2017.
  • 12
    Trecho do samba-enredo São Doidão cantado no sarau em comemoração ao dia da luta manicomial, feito em parceria com os cursos de História, Ciências sociais, Letras, Educação Física e Enfermagem.
  • 13
    Conforme Deleuze e Guattari (1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34 , 1997. v. 4. ), devir não implica semelhança, imitação ou identificação; não se faz por meio da imaginação e não leva a “parecer” ou a “equivaler”. Devir não é atingir uma forma, mas criar zonas de vizinhança ou de indiscernibilidade. “Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a faz fugir” (ZOURABICHVILI, 2004ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Tradução de André Teles. Rio de Janeiro: Relume Dumará , 2004., p.48).
  • 14
    Palestra proferida na 27ª Bienal de São Paulo realizada em 4 de agosto de 2006. Disponível em: http://saudemicropolitica.blogspot.com/2014/05/como-viver-so-palestra-com-peter-pal.html. Acesso em: 24 jan. 2017.
  • 15
    Idem
  • 16
    Sílvio Gallo desloca para o campo da educação o conceito de literatura menor, criado por Deleuze e Guattari (1977DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34 , 1997. v. 4. ).
  • 17
    Baseada na filosofia de Deleuze, a autora distingue invenção de criatividade como uma capacidade de produzir soluções originais para os problemas.
  • 18
    O estágio em processos clínicos foi supervisionado pelo Prof. Dr. Moisés Fernandes Lemos, também lotado no Curso de Psicologia da UFCAT.
  • 19
    Destaco a participação ativa dos estagiários Rickson Bernardo M. Miranda, Betânia Roberta P. da Silva e Thais dos Santos Tomé e da terapeuta ocupacional Natália Gabriel Calzavara, que deu o apoio necessário à realização do estágio.
  • 20
    Refiro-me à falta de material suficiente para as oficinas, alimentação para os pacientes, verbas para transportes, infraestrutura adequada etc. No entanto, ressalto que as políticas públicas de saúde mental são imprescindíveis e inseparáveis das lutas micropolíticas do cotidiano.
  • 21
    Pelbart (1990PELBART, Peter Pál. Manicômio mental: a outra face da clausura. In: LANCETTI, Antônio. (Org.). Saúde e Loucura 2. São Paulo: Hucitec, p.131-138, 1990., p. 133) distingue o louco, personagem social discriminado, excluído e recluso, da loucura como desrazão, uma dimensão essencial de nossa cultura: “[...] a estranheza, a ameaça, a alteridade radical, tudo aquilo que uma civilização enxerga como seu limite, o seu contrário, o seu outro, o seu além”.
  • 22
    Lima (2004LIMA, Elizabeth Araújo. Oficinas, Laboratórios, Ateliês, Grupos de Atividades: dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In: COSTA, Clarice Moura; FIGUEIREDO, Ana Cristina. Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria, 2004. p. 59-81. Coleções IPUB.) denomina “práticas menores” as oficinas de atividades desenvolvidas na perspectiva da desinstitucionalização e da reforma psiquiátrica. Essa denominação é utilizada a partir do conceito de literatura menor, proposto por Deleuze e Guattari (1977DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34 , 1997. v. 4. ).
  • 23
    Hino de domínio público cantado em igrejas católicas e evangélicas. Era solicitado por uma paciente em todos os encontros e aceito por todos os participantes que o cantavam e, às vezes, dançavam em ritmo de samba.
  • 24
    Trecho da canção “Maracangalha”, de Dorival Caymmi.
  • 25
    Os dados completos da autora encontram-se ao final do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2017
  • Revisado
    30 Nov 2021
  • Revisado
    07 Dez 2021
  • Aceito
    07 Dez 2021
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