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Guerra e memória social: a deficiência como testemunho

War and social memory: disability as testimony

Resumos

Durante longas décadas, a Guerra Colonial portuguesa (1961-1974) fracassou em encontrar um efetivo espaço de rememoração naquilo que foi a reconstrução democrática e pós-imperial da sociedade portuguesa. Sob vários pontos de vista, os combatentes que adquiriram deficiência na guerra constituíram a expressão viva de um trauma coletivo que a ordem social democrática quis esquecer. Numa perspetiva teórica que procura debater os desencontros da memória pessoal e da memória coletiva, defendemos que o silenciamento e a marginalização dos Deficientes das Forças Armadas (DFA) permite consagrá-los como testemunhas privilegiadas para um diálogo com as sequelas e contradições da guerra. Assim, as histórias de vida dos DFA (35 entrevistados) são convocadas para o presente texto, seja para uma valorização da Guerra Colonial enquanto um momento histórico que deixou duradouras marcas na sociedade portuguesa, seja para o reconhecimento da deficiência enquanto marca biográfica que confronta a desmemória e a violência do esquecimento.

guerra; deficiência; Guerra Colonial; memória social


Colonial war has never been given a space of commemoration in the process of the democratic post-imperial reconstruction of Portuguese society. That is why this silence about the war may be described as a constituting element of this process. From various points of view, the disabled war veterans represented the vivid expression of a collective trauma which the democratic social order has wished to forget. The silencing and marginalisation to which the disabled of the Armed Forces have been subjected make them privileged witnesses, by means of their accounts (from 35 interviewees), for the salvation of important historical dimensions necessary for the understanding of contemporary Portugal, and for the recognition of disability narratives as testimonies against the violence of oblivion.

war; disability; colonial war; social memory


Guerra e memória social: a deficiência como testemunho* * Fonte de Financiamento: Fundação para a Ciência e Tecnologia (Portugal) - MCT PTDC/CS-SOC/102726/2008

War and social memory: disability as testimony

Bruno Sena Martins

Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Endereço: Colégio de S. Jerónimo. Apartado 3087. 3000-995. Coimbra, Portugal. E-mail: bsenamartins@gmail.com, bsenamartins@ces.uc.pt

RESUMO

Durante longas décadas, a Guerra Colonial portuguesa (1961-1974) fracassou em encontrar um efetivo espaço de rememoração naquilo que foi a reconstrução democrática e pós-imperial da sociedade portuguesa. Sob vários pontos de vista, os combatentes que adquiriram deficiência na guerra constituíram a expressão viva de um trauma coletivo que a ordem social democrática quis esquecer. Numa perspetiva teórica que procura debater os desencontros da memória pessoal e da memória coletiva, defendemos que o silenciamento e a marginalização dos Deficientes das Forças Armadas (DFA) permite consagrá-los como testemunhas privilegiadas para um diálogo com as sequelas e contradições da guerra. Assim, as histórias de vida dos DFA (35 entrevistados) são convocadas para o presente texto, seja para uma valorização da Guerra Colonial enquanto um momento histórico que deixou duradouras marcas na sociedade portuguesa, seja para o reconhecimento da deficiência enquanto marca biográfica que confronta a desmemória e a violência do esquecimento.

Palavras-chave: guerra; deficiência; Guerra Colonial; memória social.

ABSTRACT

Colonial war has never been given a space of commemoration in the process of the democratic post-imperial reconstruction of Portuguese society. That is why this silence about the war may be described as a constituting element of this process. From various points of view, the disabled war veterans represented the vivid expression of a collective trauma which the democratic social order has wished to forget. The silencing and marginalisation to which the disabled of the Armed Forces have been subjected make them privileged witnesses, by means of their accounts (from 35 interviewees), for the salvation of important historical dimensions necessary for the understanding of contemporary Portugal, and for the recognition of disability narratives as testimonies against the violence of oblivion.

Keywords: war; disability; colonial war; social memory.

INTRODUÇÃO

Refletindo sobre a história e sobre o arquivo, Marc Bloch (2010, p. 135) lembra que várias sociedades praticaram aquilo a que poderíamos chamar "bilinguismo hierárquico". Este consiste na coexistência de duas línguas, uma popular e outra de estudo; a primeira usada para pensar e falar, a segunda usada sobretudo na escrita. Dos vários exemplos que Bloch refere, destacaríamos o modo como os evangelistas registaram em grego conversas que terão acontecido em aramaico, ou o modo como o latim foi usado na idade média como a língua em que ficavam registados os procedimentos administrativos e as narrativas relevantes. Esta coexistência hierárquica, alega Bloch, implica que os escribas criem arquivo ao mesmo tempo que procedam a uma transposição entre línguas - se quisermos, diria, uma transposição entre a língua da experiência e a língua oficial (mais afim da história oficial). Sabendo-se que a língua do arquivo é aquela que melhor resiste ao tempo, percebe-se, portanto, o aporismo que se coloca ao historiador: uma sociedade conhecida através dos registos escritos será inevitavelmente enviesada ao olhar do historiador, pelo véu que resulta da transposição entre duas línguas (BLOCH, 2010, p. 136).

Partindo das cogitações em torno da língua e do arquivo histórico, poderemos extrapolar o "bilinguismo hierárquico" para falar de sistemas de significado que coexistem numa mesma sociedade numa desigual relação de poder, ou seja, com diferente capacidade de definirem a memória social. Esta relação interessa-me, neste particular, para refletir sobre o lugar da Guerra Colonial portuguesa (1961-1974) nas narrativas que têm marcado a reconstrução democrática e pós-imperial da sociedade portuguesa. Assim, identificamos um sistema de significado dominante no qual, durante décadas, a Guerra Colonial, foi ostensivamente apagada, silenciada e empurrada para o esquecimento. Este sistema de significado é aquele que se concerta com as representações míticas sobre a identidade portuguesa, nomeadamente a prevalecente ideia de Portugal como uma potência colonial não violenta ou como um país de brandos costumes. Identificamos outro sistema de significado, subalterno na sociedade portuguesa, em que a Guerra Colonial emerge não só como um facto incontornável da história recente de Portugal, mas como um facto que persiste marcando uma paisagem social no presente. Este sistema de significado será convocado a partir das experiencias e relatos de ex-combatentes, veteranos de guerra que, tendo adquirido deficiência ao serviço do exército português, regressaram à "metrópole" com duradouras marcas - biográficas, psicológicas e corpóreas - da Guerra Colonial. O contraponto que estabelecemos entre o apagamento da guerra da memória social e a sua presença silenciada no tecido social, mais do que assinalar uma disjunção entre "língua oficial" e a "língua da experiência", procura perceber como a ausência de uma memória social partilhada sobre a guerra - ao nível das representações sociais dominantes - afeta a experiência dos que a viveram e por ela foram marcados. Assim, a "língua da experiência" confronta-nos com a incomunicabilidade e com os termos em que a experiência é "isolada" na memória individual.

GUERRA E TESTEMUNHO

A importância histórica e o impacto social da Guerra Colonial portuguesa são irrefutáveis. Numa altura em que a vaga de independências percorria o continente africano, a ditadura portuguesa, liderada por António de Oliveira Salazar (de 1932 a 1968) e por Marcelo Caetano (1968-1974), recusando abrir mão das colónias africanas, encetou um conflito que durou 13 longos anos. O magno esforço de guerra representado pela Guerra Colonial traduz-se, face à dimensão e recursos de Portugal, de várias formas. Em primeiro lugar, pela existência se três frentes de combate - Angola, Guiné-Bissau e Moçambique - , distantes de Lisboa e distantes entre si:

Angola, cenário da acção inicial em 1961, localiza-se na costa sudoeste de África. Luanda, a principal cidade e porto de reabastecimento, dista, por via aérea, aproximadamente 7 300 quilómetros de Lisboa. A Guiné, local do segundo levantamento, a partir de Janeiro de 1963, localiza-se na costa oeste-africana, a cerca de 3 400 quilómetros por via aérea. Moçambique, palco da terceira revolta, em Setembro de 1964, e o seu principal aeródromo de reabastecimento, na Beira, encontram-se a 10 300 quilómetros de Lisboa. Estas distâncias agigantavam o problema logístico e provocavam um desgaste enorme nos meios de transporte a ela associados (CANN, 2005, p. 24).

Em segundo lugar, pelo peso crescente do orçamento da defesa, que sextuplicou ao longo da guerra (CANN, 2005, p. 29), facto tão mais relevante dadas as fragilidades económicas do Portugal na época, o país menos desenvolvido da Europa ocidental. Finalmente, a envergadura do esforço de guerra traduz-se no elevado número de homens que foram colocados ao serviço da manutenção do império colonial, tanto através de recrutamento na metrópole, como por via de recrutamento local nas colónias (no final da guerra o recrutamento local já representava cerca de 40% do total de efetivos):

Desde o fim de 1961 até 1974, o número de pessoal do Exército em África aumentou de 49 422 para 149 090, representando uma taxa anual média de crescimento de cerca de 11 por cento. [...] Portugal foi forçado a mobilizar cerca de 1 por cento da sua população para combater em África e não podia simplesmente manter esta drenagem nacional de pessoal. Numa base percentual, tinha mais homens em armas do que qualquer outro país, à excepção de Israel (CANN; 2005, p. 109; 126).

Não é difícil supor as repercussões de um conflito em que o exército português terá mobilizado mais de um milhão de homens ao longo de 13 anos, em que terão morrido 8 290 soldados, e em que o número de veteranos que adquiriram deficiências permanentes (físicas e psicológicas) se estima nas muitas dezenas de milhar (ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES DAS FORÇAS ARMADAS - ADFA, 1999). Igualmente relevante é o facto de a guerra ter constituído um elemento decisivo no desgaste que levou ao fim do regime ditatorial do Estado Novo; na verdade, a revolução que, em 25 de Abril de 1974, foi encetada pelo Movimento das Forças Armadas resulta em grande medida de uma oposição à política seguida em relação à guerra. Dada a magnitude da Guerra Colonial, e dado o seu impacto social e histórico-político, não deixa de ser desconcertante perceber o facto de ter sido longamente apagada da arena pública. E se é verdade que hoje assistimos a um momento em que na academia, na literatura e nos média a Guerra Colonial assume, enfim, algum protagonismo, permanecem duas questões. A que se deve a longa elisão da Guerra Colonial da memória coletiva portuguesa? De que modo é que o silenciamento da guerra afetou os sujeitos que foram irreversivelmente marcados por ela?

Longe de serem uma límpida forma de transportar o passado para o presente, os usos da memória imbricam-se com um processo ativo de construção de sentido e de produção de narrativas. Conforme sintetizam Antze e Lambek (1996, p. vii, tradução nossa), este processo é permeado pelos valores e pelas relações de poder vigentes em determinado contexto social:

as memórias nunca são meros registos do passado, são antes reconstruções interpretativas que carregam a marca das convenções narrativas locais, dos pressupostos culturais, das formações e práticas discursivas, e dos contextos sociais de recordação e comemoração.

Esta perspetiva assinala como os mais íntimos processos memorativos se vivem numa relação de dependência, recursiva mas assimétrica, com os valores e com as narrativas sociais. Tal construtivismo remete para a própria indeterminação do passado (HACKING, 1995). À luz desta indeterminação, tanto quanto a contradição entre memória pessoal e memória social, avulta o modo como determinadas experiências coletivas são tratadas pela memória social, subjugadas à narrativa hegemónica de determinada "comunidade imaginada" (ANDERSON, 1983). A isto mesmo se refere Connerton (1989) quando afirma que a ordem social vigente tende a consagrar uma memória social que a legitima e justifica.

A revolução do 25 de Abril de 1974 estabeleceu uma nova ordem política e social, marcada pelo encetar da democracia, pelo fim da guerra e pelo fim do império português (com a subsequente independência das ex-colónias africanas). Nas palavras de Fernando, Deficiente das Forças Armadas, o 25 de Abril estabeleceu uma espécie de primavera que, de algum modo, convidou ao esquecimento das agruras passadas:

Não sei, não sei explicar isso, talvez de uma forma defensiva, durante muito tempo eu esqueci a guerra e isso ficou arrumado num sótão muito alto, ou num porão muito baixo, durante muito tempo, e a própria população de ex-combatentes fez isso, de forma geral, a população toda até sofreu de qualquer coisa parecido com o stress pós-traumático, queriam esquecer a guerra. Veio o 25 de Abril, foi assim uma espécie de primavera, depois de um longo inverno e isso falar de inverno ou primavera não é muito conveniente, então isso ficou esquecido durante muito tempo (Fernando, entrevista pessoal).

Houve, portanto, um clima geral em que a euforia e as expectativas em relação ao futuro estabeleceram uma ordem social em que a memória da guerra, visita indesejada, foi ostensivamente subtraída. Podemos talvez concordar que a elisão da guerra é muito comum: "As nações proverbialmente gostam de esquecer os estilhaços das suas guerras passadas" (HACKING, 1996, p. 78). De facto, a guerra implica violências cuja evocação sempre se recobre de complexos processos de atribuição de culpa:

Quando as memórias evocam atos de violência contra indivíduos ou grupos, elas transportam uma carga adicional - como acusações ou confissões, ou como emblemas de uma identidade vitimada. Neste caso, os atos memorativos frequentemente assumem um significado performativo dentro de um campo carregado de reivindicações morais e políticas que se contendem (ANTZE; LAMBEK, 1996, p. vii, tradução nossa).

No entanto, se é verdade que as memórias de guerra frequentemente suscitam potenciais conflitos que as tornam passíveis de silenciamento, cabe perceber a historicidade que cinge determinado conflito armado à ordem social que se lhe segue. Assim, como já referimos, se a primavera trazida pela revolução gerou um otimismo que se não queria ensombrado pelas memórias de dor, há outras especificidades que ajudam a perceber a pujança do esquecimento perpetrado.

Em primeiro lugar, importa perceber que o Movimento das Forças Armadas (originalmente designado por Movimento dos Capitães), responsável pela revolução, nasce do descontentamento de oficiais de níveis intermédios em relação à guerra. Ou seja, o poder que se estabelece no 25 de Abril é fortemente marcado pela presença de militares que, não obstante as suas posições críticas em relação à guerra, foram parte ativa no esforço de guerra. Assim, a evocação de guerra implicava os mesmos agentes que se tornaram responsáveis pela revolução e que assumiram inequívoco protagonismo na transição democrática. Se ao regime ditatorial cabe, inequivocamente, a responsabilidade política pela assunção de guerra, o regime democrático nasce pela mão de um movimento de militares que, tendo sido agentes da guerra, estavam longe de a poderem ver de um modo inteiramente distanciado.

Em segundo lugar, sendo verdade que a evocação condenatória da guerra estava constrangida pelas razões apresentadas, também pouco espaço haveria para a sua reivindicação heroica. Vários fatores explicam este facto:

- Porque o regime que incentivou a guerra e que apelou à nobre causa da manutenção das "províncias ultramarinas" foi deposto. A causa da defesa da pátria por via da Guerra Colonial deixou de ter um poder político e institucional que a sancionasse.

- Porque a missão de assegurar as colónias pela via militar, fosse pela tenacidade dos movimentos independentistas, fosse pela insustentabilidade sociopolítica do prolongamento da guerra, acabou vencida. Como afirma John Cann (2005, p. 213), na verdade, a guerra não poderia ter sido ganha militarmente dado que "a posição de Portugal em África era insustentável desde o início".

- Porque a noção de "guerra justa," capaz de conferir sentido e legitimidade a algumas empresas militares, dificilmente se poderia aplicar ao esforço de guerra português. Tratou-se de uma guerra condenada pela comunidade internacional, que anacronicamente negou a autodeterminação dos povos colonizados, e que a partir de certa altura dependeu crucialmente de uma aliança1 1 Iniludível prova disso mesmo é a recente pesquisa que vem sendo realizada em torno do "Exercício Alcora," uma aliança, nunca publicamente reconhecida, que Portugal estabeleceu com a África do Sul e com a Rodésia durante a Guerra Colonial (cf. SOUTO, 2007; GUARDIOLA, 2009; AFONSO; GOMES, 2010). com os regimes abertamente racistas da África Austral: a Rodésia e a África do Sul.

Portanto, a "comunidade imaginada" que em Portugal se constituiu após o 25 de Abril extirpou a guerra do seu passado, não obstante ser um recente facto com enorme impacto ou, se quisermos, talvez exatamente por causa da magnitude do impacto traumático que dela resultou: "Toda a nação tem de construir o seu próprio passado. Na memória do passado, o trauma desempenha um papel, quer seja suprimido [...] ou comemorado [...] (ANTZE; LAMBEK, 1996, p. xxii, tradução nossa).

Torna-se assim claro que a construção do passado de Portugal passou pela supressão da Guerra Colonial da memória social. A excisão da guerra explica-se pelo seu caráter traumático, pelas circunstâncias políticas que se seguiram ao - e determinam o - fim da guerra, mas também, alegamos, pelo facto de Portugal enquanto "comunidade imaginada" ter construído para si um passado que de modo algum se concilia com as evidências postas a nu pela Guerra Colonial. Quando me refiro a este passado, refiro-me não aos eventos atinentes ao período da guerra, mas ao modo como determinada cristalização acerca da identidade portuguesa e da história longínqua da nação criou, por seu lado, impermeabilidades à incorporação da guerra na memória coletiva. Estamos perante a inércia das criações sociais de que nos fala March Bloch (2010, p. 32, tradução nossa):

Sob um escrutínio minucioso a prerrogativa de autointeligibilidade assim atribuída ao presente mostra basear-se num conjunto de estranhos postulados. Em primeiro lugar, supõe que, dentro de uma geração ou duas, os assuntos humanos passaram por uma mudança que não é apenas rápida, mas total, de tal modo que nenhuma instituição duradoura, nenhuma forma tradicional de conduta, pudesse ter escapado às revoluções do laboratório e da fábrica. Negligencia a força da inércia, característica de tantas criações sociais.

Em particular, salientamos o modo como a experiência da guerra e da revolução deixaram largamente intocadas antigas narrativas acerca da identidade nacional portuguesa, nomeadamente a ideia de uma excecionalidade que une uma vocação imperial, uma missão civilizadora e um temperamento contemplativo, não violento. Esta excecionalidade com antigas raízes literárias e intelectuais é elevada a ideologia do Estado Novo quando, fazendo face à contestação anticolonial, Salazar incorpora as teorias lusotropicalistas de Gilberto Freyre para defender a singularidade da presença portuguesa em África. Assim, o caráter excecional do colonialismo português ligava-se a um temperamento lírico e não violento, a uma vocação histórica para a missão civilizacional, para a miscigenação, e para a troca cultural com os povos tropicais (CASTELO, 1998; RIBEIRO, 2004; SANTOS, 2001).

Perpetuou-se, assim, uma "comunidade imaginada" assente em construções míticas não demovidas pela memória da guerra, ao contrário: a memória da guerra é que foi demovida, ou matizada, em favor de narrativas previamente estabelecidas. O facto é que a assunção das implicações da guerra desaloja as construções virtuosas sobre o legado imperial português. Assim se diluiria o "país de brandos costumes": mais do que pensarmos a guerra como momento excecional do colonialismo, a guerra representou o corolário da violência estrutural e da dominação racial em que assentaram todas as formas de colonialismo. Assim se diluiria a excecionalidade: mais do que pensarmos no modo como Portugal se manteve "orgulhosamente só" em África, importa perceber como é que a estratégia de guerra, a partir de certa altura, se conjugou com os interesses da África do Sul e da Rodésia na África Austral.

Nesta perspetiva, a permanência das narrativas identitárias que tanto contribuíram para elidir a guerra da memória coletiva não é, pois, separável daquilo a que Boaventura de Sousa Santos chama um "excesso mítico de interpretação":

Enquanto objectos de discursos eruditos, os mitos são ideias gerais de um país sem tradição filosófica nem científica. O excesso mítico de interpretação é o mecanismo de compensação do défice de realidade típico de elites culturais restritas fechadas (e marginalizadas) no brilho das ideias (SANTOS, 1999, p. 49).

O facto de Portugal ser tradicionalmente pensado por "elites culturais de raiz literária" (SANTOS, 1999, p. 49), pouco conhecedoras das realidades vivenciais em que as populações estão imersas, contribuiu, igualmente, para a constância de gramáticas imaginadas pouco afeitas a incorporar as experiências que, de facto, marcam a realidade da população.

É na relação com a ausência da guerra da memória coletiva que as experiências dos Deficientes das Forças Armas (DFA) emergem como precioso testemunho. Tudo se passa numa contradição entre o "excesso de memória" destes ex-combatentes (na medida em que carregam as marcas biográficas, psicológicas e corpóreas da Guerra Colonial) e o manifesto silêncio da sociedade portuguesa face a um tão significativo conflito.

VIOLÊNCIA E MEMÓRIA

O presente artigo parte de uma pesquisa cuja metodologia empírica se baseou, crucialmente, na recolha de histórias de vida com ex-combatentes da Guerra Colonial que adquiriram deficiência ao serviço do exército português - a partir de agora designados Deficientes das Forças Armadas (DFA). Com o apoio da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), entrevistámos mais de 4 dezenas de DFA residentes em Portugal - originários de Portugal e de recrutamento local nas ex-colónias - de forma a perceber como é que os seus percursos de vida se cruzaram com a guerra. Interessava compreender como as vidas descontinuadas pela Guerra Colonial e marcadas pela deficiência carregam (pelo dramático encontro desses fatores de disrupção) significativos elementos de marginalidade e distanciamento em relação à sociedade portuguesa. Dessa posição de "exterioridade" cruzam-se dois vetores de exclusão até aqui pouco valorizados na análise social das desigualdades e dos mecanismos de exclusão.

Face aos processos de silenciamento da guerra de que anteriormente falámos, os DFA, regressados da guerra amputados, cegos, surdos, paraplégicos, com transtornos de estresse pós-traumático, etc., constituíram a expressão viva de um trauma coletivo que a ordem social democrática quis esquecer. A luta contra a exclusão destes combatentes esteve na origem da criação da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) em 14 de maio de 1974. Os princípios e propósitos que orientaram o aparecimento desta associação efervesciam já antes da Revolução de Abril, mas foi no espaço de liberdade criado pela democracia que tiveram oportunidade de se afirmar e ganhar forma institucional. Reivindicava-se como urgente uma estrutura que se dirigisse às profundas consequências sofridas pelos militares que ficaram irremediavelmente marcados pela experiência da Guerra Colonial. Foi, pois, propósito da ADFA tirar do esquecimento social e político a situação dos ex-combatentes que adquiram deficiência durante a guerra. Estes veteranos estavam então despojados de quaisquer compensações sociais, cuidados de saúde ou projetos de inclusão que minimamente lhes reparassem os traumas físicos, mentais e biográficos implicados na experiência da guerra. Nesse sentido, a ADFA surge como uma reação tanto à insuficiência das respostas encontradas na Liga dos Combatentes,2 2 A Liga dos Combatentes foi criada em 1923, sendo inicialmente designada de Liga dos Combatentes da Grande Guerra. Foi criada com o objectivo reunir numa associação os militares e ex-militares portugueses que combateram na 1.ª Guerra Mundial. como, de um modo mais geral, às incipientes políticas de reparação que vigoraram até ao fim da guerra. Face à continuada negligência que os deficientes de guerra vinham percebendo, a ADFA emerge também da convicção de que revolução não alterara a negligência do poder político face aos deficientes. A ADFA realizou importantes conquistas, em termos de medidas compensatórias para os DFA e em termos de alterações legislativas para com as pessoas com deficiência, e constituiu também um espaço para a valorização das memórias e experiências da guerra.3 3 Como, de resto, noutra lógica, os almoços anuais realizados, até hoje, por muitos Batalhões e Companhias da Guerra Colonial. Não obstante as medidas compensatórias conquistadas pela ADFA, permanece hoje inteiramente vivo esse mesmo retrato da exclusão social e silenciamento a que, na sociedade mais ampla, foram votados os ex-combatentes da Guerra Colonial.

Da análise das histórias de vida recolhidas, a singularidade das experiências de exclusão dos DFA liga-se ao modo como nas suas histórias de vida foram sujeitos a três formas distintas de violência, invariavelmente constitutivas dos seus percursos: a violência bélica que infligiu a deficiência, a violência da discriminação a que estão sujeitos enquanto pessoas com deficiência e, finalmente, a violência do silenciamento das suas memórias de guerra.

Em primeiro lugar, atentamos como uma elevada percentagem de combatentes esteve exposta, durante a guerra, a experiências marcantes de violência: violências sofridas, violências testemunhadas ou perpetradas. Em relação à generalidade dos ex-combatentes, os testemunhos dos DFA têm de singular a invariável existência de um evento ou experiência que, engendrando uma deficiência, estabelece um antes e depois nas suas vidas:

Está a imaginar?: "Porra, porque é que eu mexi nisto? Bem, mas eu sou o responsável... Então e estes gajos, 'ninguém fala?'". Eu não ouvia ninguém a falar. Passou-me tanta coisa na cabeça: "Não me digam que foi a FRELIMO que me deu um tiro?!". Mas aqui, estava longe do... podia ter acontecido, mas não... E esses meus camaradas, ninguém falava, a certa altura eu já não queria gritar, porque pensei: "Se eu gritar vou ficar cansado, morro aqui." Naquele período passa tudo pela cabeça: "Vou morrer. Estes gajos não falam." E eu não queria gritar, não quis gritar, porque ao gritar, podia... E resisti, e o tempo ia passando. Entretanto tive consciência, comecei aqui a perder sangue. Esta mão, este dedo, eh pá!... A certa altura este dedo já não é nada! Você não tem noção... Porque, com aquele rebentamento você não sente as mãos, não sente... Estava quente, não sente dor... Depois o inconsciente, o subconsciente é que vem: "Aqui já não tenho mão...". Entretanto, via o sangue a cair... mas se eu vou gritar, o que é que pode acontecer? [...] E pensei: "Bem, o que é que eu vou fazer?" (Júlio, entrevista pessoal)

As mutilações vividas em função de emboscadas, acidentes, rebentamentos, de minas etc., impõem uma perda súbita cuja consciência para os sujeitos, a início, acompanha a consciência da própria sobrevivência:

Fui evacuado para Mueda, a gente chamava-lhe o hospital, aquilo não era bem um hospital, era uma enfermaria, foi lá que fizeram a amputação, que fizeram a intervenção cirúrgica e estive lá uns dias até estabilizar e depois vim para Nampula..., onde havia já um hospital com melhores condições para o recobro, ou como é que se chama aquilo, os cuidados intensivos, onde estive até não precisar de cuidados médicos, bastante tempo, ainda estive ali umas semanas e depois vim para Lourenço Marques, onde estive bastante tempo também, até não haver nenhum ferimento que precisasse de cuidados de enfermagem. [...] A primeira coisa que eu guardo, a posteriori, porque na altura era viver mais uma hora, era a sensação de que se tinha caído na boca de um vulcão, tinha sido cuspido, e miraculosamente não tinha morrido. Portanto, cada respiração e cada batida do coração era um prémio extra e esse desfrutar dos segundos de saber que "já não vou morrer", isso era a única preocupação, resistir, resistir a isto (Fernando, entrevista pessoal).

É no itinerário construído entre evacuações, hospitais de campanha e hospitais militares que se vai dando um lento despertar em que a questão deixa de ser a sobrevivência, para passar a ser o prefigurar da nova vida imposta pela deficiência:

o médico oftalmologista trazia no bolso da bata o meu olho, o meu olho esquerdo, que era aquele que ele pensava que podia salvar, e que deitou fora, não pôde salvar. E que teve que mo arrancar. [silêncio] E a partir daí, ficou traçado o meu destino ser cego, não é? Aí, depois eu vou... Daí vou para o hospital, depois tomo consciência da minha situação. A minha família, a minha irmã, o meu cunhado, outro meu cunhado que eu tinha, vieram do norte de Moçambique para me dar apoio, apoio... [...] Quando cheguei [a Lisboa], quando desci as escadas do avião, acompanhado por essa tal enfermeira, Ivone, chama-se Ivone, eu estava... Tentei lembrar-me do nome... E estava ao fundo das escadas o meu pai. O meu pai. Eu não estava à espera de civis. E o meu pai, com aquela sabedoria popular de um homem simples, mas cheio de força, com calos nas mãos, deu-me um abraço e disse [emocionado]: "Filho, perdeste a vista, mas a vida não acabou. Tem coragem." Eu disse: "Sim." [emocionado] Isso marcou-me muito (Alberto, entrevista pessoal).

A primeira fase da tomada de consciência acerca do impacto permanente dos ferimentos coloca os sujeitos perante a vulnerabilidade sentida "na carne", aquilo que noutro lugar (MARTINS, 2006, 2008) designei por angústia da transgressão corporal. A angústia da transgressão corporal refere-se a uma dimensão de sofrimento pessoal, eminentemente corporal, não totalmente apreensível na sua relação com elementos sociais; refere-se à vulnerabilidade na existência dada por um corpo que nos falha, que transgride as nossas referências na existência, as nossas referências no modo de ser no mundo.

No entanto, há outras narrativas em que o efeito irreversível da violência da guerra é sentido não como transgressão corporal, mas como memória traumática. Nestes casos o impacto disruptor da violência, perpetrada ou testemunhada, pode surgir muitos anos após a guerra. É o caso Marcelino, em que o efeito perturbador de um ato de violência que cometeu sobre um civil emergiu apenas em 2004, altura em que as imagens da guerra do Iraque lhe vieram despertar as memórias da Guerra Colonial, obrigando-o a procurar apoio psiquiátrico:

Faz-me sofrer bastante. Acredito que, na altura, não tive problemas em fazer o que fiz - eu e mais uns quantos energúmenos. Não tive problema nenhum em fazer o que fiz. Mas hoje, penso que não os devia ter cometido, e isso afeta-me. Afeta-me e muitas vezes... por exemplo, à noite, quando estou com este zumbido, não é por acaso que de vez em quando, tenho de tomar o comprimido para dormir para... Hoje, estou ali sozinho, a pensar naquilo, e passo horas a chorar. Coisa que, na minha vida, não... eu não era choramingas, não... (Marcelino, entrevista pessoal).

Importa referir que o reconhecimento de memórias traumáticas, hoje crescentemente reconhecidas como patologias diagnosticáveis, só muito tarde surgiu como um código cultural em que os sujeitos afetados pudessem enquadrar as seus "sintomas", assim dando sentido às suas experiências. Como refere Ian Hacking (1995, p. 236, tradução nossa): "Quando novas descrições se tornam disponíveis, quando elas entram em circulação, ou mesmo quando se tornam coisas que se podem dizer ou pensar, então há novas coisas que podemos escolher fazer".

A verdade é que o Transtorno de Estress Pós Traumático (TEPT) só ganhou estatuto nosológico oficial em 1980, na terceira edição do DSM-III; em Portugal, só a partir de 1986 é que, progressivamente, os diagnósticos de TEPT se estabeleceram na análise das desordens de alguns combatentes (QUINTAIS, 2000; ALBUQUERQUE; LOPES, 1994). Portanto, neste particular, a consciência da violência da guerra dá-se de modo deferido: pelo modo como os comportamentos associados a essas experiências se tornam intrusivos do dia-a-dia dos sujeitos, algumas vezes décadas depois; e pelo facto de a atribuição de um sentido, no caso uma categoria nosológica, a determinado tipo de sintomas, depender de construções culturais e perícias profissionais tardiamente disponibilizadas.

A segunda dimensão de violência, recorrentemente presente nas histórias de vida dos DFA entrevistados, prende-se com a discriminação social que, enquanto pessoas com deficiência, experimentaram no regresso à vida civil. À semelhança do que acontece noutras sociedades, as pessoas com deficiência em Portugal estão sujeitas a enormes obstáculos à sua participação social: atitudes e conceções discriminatórias, barreiras arquitetónicas e comunicativas, apoio inadequado no acesso à educação, critérios excludentes no acesso ao mercado de trabalho, salários baixos e condições de trabalho precárias (MARTINS, 2006). O relato de Rodrigo, que ficou paraplégico na guerra, é expressivo do impacto da discriminação no confronto com a realidade social:

[...] de um momento para o outro apanho-me cá fora, deparo com todas as barreiras possíveis e imaginárias, barreiras arquitetónicas, barreiras humanas, de pessoas que encaravam a nossa situação chamando-nos "coitadinho" "desgraçadinho", isto custava um bocadinho a ouvir, quer dizer, e depois quando chegávamos a algum edifício ficávamos a olhar para os degraus, quando não há barreiras arquitetónicas - ainda hoje isso acontece - uma pessoa parece que se "esquece" da deficiência, mas quando as encontra parece que há ali um sininho logo a trabalhar [...] era muito difícil e mesmo os próprios táxis para me levarem daqui para acolá, havia um ou outro taxista que punha objeções por causa da cadeira [...] (Rodrigo, entrevista pessoal).

Se é verdade que as estruturas e valores excludentes das pessoas com deficiência são comuns em muitas sociedades, este aspeto - relativamente a outros países - é agravado em Portugal pela fragilidade do movimento social de pessoas com deficiência (MARTINS, 2007; FONTES, 2009. Trata-se de um movimento cuja capacidade reivindicativa é, ainda, muito reduzida, porventura uma duradoura consequência do controlo que o Estado exerceu sobre a sociedade civil durante a longa ditadura do século XX (SANTOS; NUNES, 2004). Ao contrário do que acontece no Reino Unido ou nos Estados Unidos da América, onde a politização da deficiência tem tido um importante impacto (BARNES, 2003; HAHN, 2002), em Portugal prevalecem as abordagens que fatalistas que individualizam a deficiência e naturalizam suas implicações. Dadas as condições de vida das pessoas com deficiência, as organizações que as representam, desde o início, têm-se investido mais na provisão de serviços, funcionado como uma extensão do Estado Social. Desse modo, os recursos humanos disponíveis nas organizações tendem a ser desviados de um posicionamento político passível de transformar a sociedade - naquilo que são as suas estruturas discriminatórias das pessoas com deficiência.

Neste particular, cabe reconhecer o importantíssimo papel da ADFA enquanto parte ativa na reivindicação política. Na verdade, muitos dos direitos legislativos adquiridos pelas pessoas com deficiência após o 25 de Abril foram inicialmente conquistados pelos "deficientes de guerra" e só mais tarde alargados à generalidade das pessoas com deficiência. A ação da ADFA tem sido mais contundente na demanda de compensações financeiras pelas deficiências adquiridas na guerra, do que na construção de uma sociedade inclusiva em que as pessoas com deficiência possam participar de uma forma cabal.

A terceira forma de violência que identificamos nas experiências e vozes dos DFA prende-se, exatamente, com o silenciamento das suas narrativas, marcadas que foram pelo encontro da Guerra Colonial e da deficiência. Um dos aspetos mais surpreendentes nos testemunhos recolhidos, foi a recorrência com que os entrevistados confessaram contar pela primeira vez aspetos marcantes das suas vidas e experiências de guerra. Assim, não era raro que as entrevistas fossem entrecortadas por expressões como: "nunca tinha contado isto a ninguém", "não sei porque é que lhe estou a dizer isto a si, nem a minha mulher sabe", "nunca mais tinha pensado nisto, acho que é a primeira vez que conto esta história". Por outro lado, a generosidade com que os sujeitos partilharam as suas histórias é expressiva de uma "vontade de dizer" que terá três razões centrais. Em primeiro lugar, e em linha com as lógicas de silenciamento referidas, prende-se com uma solidão narrativa experimentada nas suas vidas sociais quotidianas (família, trabalho, comunidades de residência), e que é quebrada com o espaço de enunciação concedido pela entrevista. A noção de que estes testemunhos permaneceram - e permanecem - enclausurados, ao longo de tantas décadas, é bem relevador da ausência de um espaço social de partilha, pelas razões que acima aludimos. Em segundo lugar, os seus testemunhos assumem, muitas vezes, uma forma de catarse pessoal e de legado, como se ofertassem, enfim, um "balanço póstumo" do impacto da guerra nas suas vidas, facto que muito deve ao facto de, em função das suas idades avançadas, se configurarem na fase final das suas vidas. Em terceiro lugar, existe hoje um espaço de enunciação sobre a guerra muito maior do que aquele que existia nas décadas que se lhe seguiram. A recente presença da Guerra Colonial no espaço mediático, ainda que não dando protagonismo às "vozes anónimas", cria um ambiente em que o "falar da guerra" tende a ser menos agonístico.

Ao analisarmos como a violência da guerra, da discriminação e do silenciamento conjuram para definir o lugar singular dos DFA no corpo social, esboçamos uma narrativa de marginalidade: estamos perante experiências incorporadas de onde a guerra nunca se ausentou e que a sociedade não soube incluir. Constrói-se um itinerário acerca da dolorosa domesticação da violência e da liminaridade.

LIMINARIDADET E VIOLÊNCIA

O conceito de liminaridade foi introduzido na análise sócio-antropológica por Arnold van Gennep (1909) em Les rites de passage. Este autor analisou os ritos que acompanham as transições de lugar, de estado, de posição social e de idade, dividindo-os em três fases. A fase de separação, onde se representa o apartar do indivíduo ou do grupo de um determinado ponto da estrutura social ou de um determinado conjunto de condições sociais; a fase liminar, em que o sujeito do ritual se encontra numa situação ambígua, estando numa fase que é destituída dos atributos do estado anterior e do vindouro; e a agregação, a fase em que a passagem é consumada (TURNER, 1967, p. 94). Esta fase de liminaridade viria mais tarde a ser elaborada e alargada no seu âmbito por Victor Turner que empregou o conceito de liminaridade na análise dos ritos de passagem e o estendeu para a leitura dos dramas sociais. Turner desenvolveu ainda o modo como no período liminar, "between and beetwix", se constrói um precioso espaço de solidariedade entre excluídos ("communitas") (TURNER, 1967), que anulando hierarquias prévias, permite a construção de solidariedades horizontais antiestruturais, porque à margem das estruturas da sociedade.

Este conceito de liminaridade é-nos útil para pensarmos os diferentes momentos dos percursos dos DFA. Desde a separação da comunidade, normalmente simbolizada na despedida no Cais do Alcântara (onde os navios abandonavam Lisboa levando as tropas rumo à Guiné-Bissau, Angola e Moçambique) até ao processo de reintegração na comunidade. No entanto, a leitura mais profunda a que o conceito de liminaridade nos instiga, na relação com as narrativas dos DFA, jaz na ideia de que a reagregação na comunidade, após a guerra, foi precária ou não existente. Ou seja, em larga medida, os DFA ficaram "congelados" entre mundos, habitando um espaço de ambiguidade na exterioridade do corpo social.

Nenhuma instância materializa tão bem a sedimentação das liminaridades como o invariável espaço de moratória destes ex-combatentes no seu regresso da guerra: o hospital militar, em Lisboa. Como a gravidade das situações clínicas o justificasse, ou porque o acesso a cuidados médicos fosse escasso tal a quantidade de feridos face às estruturas de resposta, muitos DFA ficavam longo tempo, às vezes anos, no hospital militar de Lisboa. A toponímia de algumas das valências do hospital é esclarecedora. O designado "Depósito de Indisponíveis" exprime bem a sensação de abandono expressa por muitos dos ex-combatentes que ali viveram (sentindo que ali foram literalmente depositados); já o "Texas", designação informal popularizada, refere o ambiente de desamparo e desordem generalizada (qual far west) que se vivia. O relato de Alberto é contundente sobre o abandono instituído:

Olhe, o confronto com o hospital militar de Lisboa não podia ser pior do que o que foi. Eu cheguei à Estrela, como lhe disse, vim de noite, fui para as urgências... Depois, fui para a medicina de oficiais. Na medicina de oficiais, estavam lá todos aqueles alferes milicianos vindos da guerra sem braços, sem pernas, e tal [...] E cegos na altura estávamos lá três. Três cegos. Era eu, o falecido Maurício, que tem o nome deste auditório e o Silvério, que é um indivíduo cego e sem mãos. E pfff! Mandaram-me lá para um quarto sem me dar qualquer apoio psicológico, sem me ensinar nomeadamente a ir da cama à casa de banho para ser autónomo. Não me ensinaram nada. Pronto, parecia um [...] Digamos, eu tive a sensação [...] Tive, tenho ainda hoje, essa sensação de que eu era um [...] Pronto, era um fardo, era uma coisa que já não era útil para a guerra, que tinha ficado cego e pronto. A retaguarda era assim que nos tratava: um lixo. Eh pá, e uma pessoa fica cega, eu, pelo menos, passei por isso, eu pensava que nem sabia comer, nem que eu sabia comer sozinho, nem que conseguia andar sozinho... As enfermeiras iam lá levar [...] Enfermeiras ou ajudantes, não sei. Iam-me levar a comida e diziam assim: "Senhor alferes, está aqui a comida". Assim ao fundo da cama havia uma mesinha, punham-me lá a comida e depois, se eu quisesse ia comer. Eu [...] Não sei, é uma coisa, uma frieza brutal. Brutal. E passei assim os dias dessa frieza brutal. Depois, soube que estava lá mais o Silvério e o Maurício e então nós pedíamos para que à noite, quando os outros alferes milicianos saíam para a night, porque a night foi a grande reabilitação da esmagadora maioria de oficiais milicianos. A night com as suas prostitutas e com as suas bebedeiras, e com os seus [...] Nós, os cegos, pelo menos a nível de oficiais, nós não íamos [...]. Então, nós ficámos ali sozinhos. Eles iam para a night, e então nós pedíamos que nos juntassem no mesmo quarto, já não sei às vezes se era no meu, se era no outro porque, como disse: foi assim um ano que eu passei assim meio [...] Pá, pronto, assim num estado que eu não sabia muito bem se me juntava no meu quarto ou se juntava no do Maurício, mas sei que nos juntavam aos três. E lembro-me perfeitamente, e isto marcou, ainda me marca hoje a ligação destes três homens [...]. Como o Silvério não via e não tinha mãos era eu que, na altura também fumava, eu acendia o meu cigarro e depois ia meter-lho na boca, para ele dar a chupada e depois guardava. E depois punha ali e depois ia buscar a cerveja e eu com o meu dedo apalpar a boca dele e punha-lhe a cerveja, está a ver? Isto era assim... (Alberto, entrevista pessoal).

Além do abandono, os DFA foram sujeitos a uma estratégia deliberada de invisibilização. Como forma de minorar o impacto das sequelas da guerra na sociedade portuguesa, as autoridades procuravam esconder tanto os mortos como os feridos. As urnas com os soldados mortos eram sempre tiradas dos barcos de noite, sendo depois transportados de modo discreto para as suas comunidades de origem (MAURÍCIO, 1994; ANTUNES, 1996). Do mesmo modo, havia regras para que os DFA que estavam nos hospitais não saíssem para rua em grupo para não criarem alarme social:

Sim, sim, Vamos lá ver, três ou quatro indivíduos, decidíamos ir jantar, não podíamos sair três, quatro indivíduos de cadeira de rodas, não é? Saía um de cada vez, chamávamos os táxis, nós tínhamos um esquema entre nós para chamar os táxis, depois eu ia num táxi, o taxista arrumava a cadeira atrás [...] E depois encontrávamo-nos todos! Porque, vamos lá ver, eles não deixavam que quatro de cadeira de rodas saíssem à porta do hospital (Eduardo, entrevista pessoal)

Há, alegamos, uma continuidade entre a invisibilidade e abandono a que os DFA foram sujeitos logo após a guerra, no hospital militar, e as suas experiências no resto das suas vidas. Assinala-se, igualmente, que o hospital militar é o espaço em que fervilha a ideia de criação de uma associação que, após o 25 de Abril, se viria a substanciar na ADFA. Estamos perante a communitas de que nos fala Victor Turner: o laço de solidariedade horizontal criado por sujeitos liminares colocados à margem da sociedade. Assim, congelados numa liminaridade que se sintetizou nas vivências do hospital militar e que os seguiu pela vida, os DFA são proverbiais habitantes entre mundos, "between and beetwix":

- Já não estão na guerra, mas a guerra está neles pelo modo como a violência se inscreveu nos seus corpos e nas suas memórias;

- São vítimas da guerra no sentido em que nela adquiriram deficiência, no sentido em que muitos lutaram um combate que nunca sentiram como seu, mas são vítimas paradoxais: porque foram parte de um exército imperialista, e porque muitas das suas histórias retratam-nos, igualmente, como perpetradores de violências;

- Sobreviveram à guerra, mas vivem numa sociedade discriminatória em que são considerados "menos pessoas", "pessoas deficientes", em nome das suas deficiências. Como refere Robert Murphy (1995, p. 153-154), nas sociedades ocidentais as pessoas com deficiência não são consideradas nem doentes, nem com saúde, nem mortas, nem totalmente vivas, estando destinadas a viver numa conspícua situação de marginalidade e invisibilidade social;

- São testemunhas de um momento marcante da história de Portugal e da violência colonial, mas as suas narrativas jamais tiveram guarida na arena pública e na vida coletiva.

Afirmamos assim que os DFA e as suas histórias, outrora fechados nos hospitais militares, seguem vivendo separados de uma sociedade democrática constituída sobre o silêncio da guerra e sobre a exclusão das experiências das pessoas com deficiência.

HOSPITALIDADE AO FANTASMA

Mas é preciso ir mais longe e pensar também a hospitalidade para com a morte. Não há hospitalidade sem memória. Ora uma memória que não se lembre do morto e do mortal não é uma memória. Que seria uma hospitalidade que não estivesse pronta a oferecer-se ao morto, à re-aparição (revenant)? (DERRIDA, 1997, p. 29).

Recuperando, o filósofo checo Jan Patočka, Jacques Derrida (1997) define a hospitalidade como a abertura ao que abala. Jacques Derrida (2006) fala, ainda, de como cada hegemonia vive assombrada por espectros, fantasmas ameaçam o presente ameaçando fazer parte do futuro. Experiências como a guerra muitas vezes confrontam-nos com um vazio de sentido que abala as formas costumeiras de viver, assim a hospitalidade assume um sentido não benemérito, mas de um desafio que nos convoca para a radical experiência da escuta à voz do outro. A memória da Guerra Colonial constitui um espectro que assola, ainda, a sociedade portuguesa. Para as representações hegemónicas os DFA constituem algo de uma presença fantasmática, corpos estranhos à narrativa social dominante. No entanto, seria errado supor que as suas histórias ficam indelevelmente marcadas e fechadas numa "narrativa da tragédia pessoal" (OLIVER, 1990). O confronto com as suas vozes obriga igualmente a reconhecer narrativas de resistência, itinerários que se têm debatido contra a exclusão e contra a invisibilidade:

Para uma etnografia da experiência o desafio é descrever a elaboração processual da exposição, da resistência, do suporte da dor (ou perda ou outra tribulação) no fluxo vital dos engajamentos intersubjetivos num mundo local particular (KLEINMAN, 1992, p. 191).

Tanto as histórias pessoais de luta contra a adversidade, como o lugar importante que a ADFA adquiriu na sociedade portuguesa, revelam a importância de percebermos as suas narrativas como resistências situadas. Nesse sentido, o reconhecimento social destas narrativas permitiria reinventar, recursivamente, os lugares em que estas movem:

O espaço social ocupado por histórias de populações marcadas por feridas pode permitir que se quebrem os códigos culturais rotineiros veiculando contradiscursos que ponham em causa os significados adquiridos acerca de como as coisas são. Dessas histórias desesperadas e subjugadas pode bem surgir o apelo que altere os lugares comuns - tanto ao nível da experiência coletiva como da subjetividade individual (DAS; KLEINMAN, 2001, p. 21).

Importa pois que entre a memória individual se construa uma validação mútua, porque se é verdade que as experiências individuais alargam os idiomas, alargando o que pode ser dito, a disponibilidade dos quadros culturais para a escuta cria, também, um espaço para que os indivíduos acedam ao seu próprio passado (KIRMAYER, 1996). No caso da guerra, dadas as dimensões traumáticas que acarreta a necessidade de validação mútua, isto é decisivo:

O trauma partilhado por uma comunidade inteira cria um espaço público potencial para reenunciação [retelling]. Se uma comunidade concorda que os eventos traumáticos aconteceram e incorpora este facto na sua identidade, então a memória coletiva sobrevive e a memória individual pode encontrar um lugar (ainda que transformado) dentro dessa paisagem (KIRMAYER, 1996, p. 190, tradução nossa).

Se, como diz Paul Ricoeur (2004, p. 147), os testemunhos são o nosso mais fiel memorando de que o passado existiu, as histórias subjugadas dos Deficientes das Forças Armadas, veteranos da Guerra Colonial, colocam o presente em diálogo com uma história de violência e com a violência do silenciamento. A hospitalidade às histórias destes "outros" é, enfim, a abertura ao que nos abala: a noção de que nenhuma guerra acaba com o último tiro; a noção de que violência colonial é parte da história recente de Portugal; a noção de que a antiquíssima exclusão das pessoas com deficiência é um presente que não cessa.

NOTAS

Recebido em: 03 de janeiro de 2013

Aceito em: 28 de março de 2013

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  • 1
    Iniludível prova disso mesmo é a recente pesquisa que vem sendo realizada em torno do "Exercício Alcora," uma aliança, nunca publicamente reconhecida, que Portugal estabeleceu com a África do Sul e com a Rodésia durante a Guerra Colonial (cf. SOUTO, 2007; GUARDIOLA, 2009; AFONSO; GOMES, 2010).
  • 2
    A Liga dos Combatentes foi criada em 1923, sendo inicialmente designada de Liga dos Combatentes da Grande Guerra. Foi criada com o objectivo reunir numa associação os militares e ex-militares portugueses que combateram na 1.ª Guerra Mundial.
  • 3
    Como, de resto, noutra lógica, os almoços anuais realizados, até hoje, por muitos Batalhões e Companhias da Guerra Colonial.
  • *
    Fonte de Financiamento: Fundação para a Ciência e Tecnologia (Portugal) - MCT PTDC/CS-SOC/102726/2008
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Jan 2013
    • Aceito
      28 Mar 2013
    Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psicologia Campus do Gragoatá, bl O, sala 334, 24210-201 - Niterói - RJ - Brasil, Tel.: +55 21 2629-2845 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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