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Linguística e produção de subjetividade: relações esboçadas

Linguistics and production of subjectivity: incipient relationships

Lingüística y producción de subjetividad: relaciones esbozadas

Resumo

No presente artigo buscamos realizar uma discussão a respeito de duas concepções de linguagem: a formalista e a pragmática, em algumas de suas vertentes. A partir dessa contraposição, teremos como objetivo traçar algumas possíveis consequências dessas concepções para a forma como compreendemos e abordamos a literatura e seu vínculo com a produção de subjetividade. Assim, em um primeiro momento, procuraremos explicitar um tipo abordagem da língua feita por Saussure e suas consequências para o entendimento da relação autor-obra. Em seguida, nos dedicaremos à pragmática de Austin, procurando contrastá-la à proposta saussuriana. Por fim, veremos a pragmática de Deleuze e Guattari, bem como suas implicações na forma como compreendemos o processo de escrita literária e seus efeitos sobre a produção de subjetividade. Dessa forma, buscamos indicar que o próprio processo de escrita é criador, engendrando a produção da língua, do mundo e da subjetividade do próprio escritor a um só tempo.

Palavras chave:
linguística; literatura; produção de subjetividade

Abstract

In the present article we seek to investigate two conceptions of language: the formalista and the pragmatic, in a few of its approaches. From this contrast, we will aim to indicate some consequences of these conceptions to the way we understand literature and its link to the production of subjectivity. Thus, in a first moment, we will attempt to explain Saussure´s view of language and it´s consequences to the way we understand the relationship between author and work of art. Next, we will turn to Austin´s pragmatics, seeking to constrast it with the Saussurian theory. Finally, we will see the pragmatics of Deleuze and Guattari, as well as their implications in the way we comprehend the process of literary writing and its effects over the production of subjectivity. In this way, we seek to indicate that the writing process itself is creative, engendering the production of language, the world and the writer’s own subjectivity simultaneously.

Keywords:
linguistics; literature; production of subjectivity

Resumen

En el presente artículo buscamos realizar una discusión sobre dos concepciones del lenguaje: la formalista y la pragmática, en algunos de sus aspectos. A partir de este contraste, buscaremos rastrear algunas posibles consecuencias de estas concepciones para la forma de entender y abordar la literatura y su vínculo con la producción de subjetividad. Así, en un primer momento, intentaremos explicar un tipo de acercamiento al lenguaje realizado por Saussure y sus consecuencias para la comprensión de la relación autor-obra. A continuación, nos dedicaremos a la pragmática de Austin, buscando contrastarla con la propuesta saussureana. Finalmente, veremos la pragmática de Deleuze y Guattari, así como sus implicaciones para la forma en que entendemos el proceso de escritura literaria y sus efectos en la producción de subjetividad. De esta forma, buscamos indicar que el proceso de escritura en sí mismo es creativo, engendrando al mismo tiempo la producción del lenguaje, del mundo y de la propia subjetividad del escritor.

Palabras clave:
lingüística; literatura; producción de subjetividad

Introdução

A linguagem coloca diversos problemas para a psicologia e para os estudos em produção de subjetividade. Ao mesmo tempo em que se presentifica na fala de cada um, ela está para além dos indivíduos. Ela atualiza a dicotomia indivíduo/sociedade - que permeia todas as discussões no campo das ciências humanas. A quem pertence a linguagem? À sociedade, que antecede e ultrapassa o indivíduo, sendo a fala apenas a manifestação de um campo de possibilidades previamente restrito? Ou, pelo contrário, seria a linguagem um reflexo dos usos particulares da língua? No presente artigo buscamos realizar uma discussão a respeito de duas concepções de linguagem: a formalista1 1 É preciso ressaltar que a vertente formalista não é o mesmo que o formalismo russo, mas diz respeito a uma abordagem mais ampla. Ela abarca diferentes teorias, entre as quais se destaca o estruturalismo, embora não se restrinja a ele. Ainda que teorias distintas possam ser consideradas como formalistas, optamos por não realizar uma descrição pormenorizada de cada uma, pois isso nos afastaria muito do nosso eixo de pesquisa. e a pragmática. A partir dessa discussão, teremos como objetivo traçar algumas possíveis consequências dessas concepções para a forma como compreendemos e abordamos a literatura e seu vínculo com a produção de subjetividade.

Em nossa investigação, tomamos como base Deleuze e Guattari (DELEUZE, 2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011.; DELEUZE; GUATTARI, 2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ), para quem a escrita sempre é coletiva e, enquanto tal, produtora de subjetividade. Segundo esses autores escrever não é contar a história de alguém ou sua própria história. Pelo contrário, ela depende de conseguirmos acessar experiências que não remetem a um indivíduo em particular, mas que podem afetar a todo e qualquer indivíduo. Ainda que traços biográficos componham a escrita - e sempre os há - eles não servem a redundância do eu, ao mero reconhecimento, à estabilização dos contornos que nossa subjetividade tenha assumido. Escrever permite acessar a alteridade que nos habita e que normalmente costumamos ignorar. Mesmo quando estamos escrevendo solitariamente, sem ninguém por perto, mesmo quando não pretendemos compartilhar nossos escritos ou quando acreditamos que eles jamais interessarão a qualquer outra pessoa. Mais ainda, para os autores a escrita transforma o escritor: enquanto escrevemos um texto literários padecemos de seus efeitos. O processo de escrita produz, coetaneamente, autor, obra e mundo.

Para entendermos essa concepção de linguagem e literatura, cabe fazermos o percurso de diálogos travados pelos próprios autores com conceitos e estudos provenientes do campo da linguística. Dessa forma, em um primeiro momento procuramos explicitar um tipo abordagem da língua feita por Saussure (1994SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1994.) e suas consequências para o entendimento da relação autor-obra. Em seguida, nos dedicaremos à pragmática de Austin, procurando contrastá-la à proposta saussuriana. Por fim, veremos a pragmática de Deleuze e Guattari e suas implicações na forma como compreendemos o processo de escrita literária.

Quando tratamos de linguagem, sempre lidamos com as relações entre signos e não-signos. Não são poucas as teorias da filosofia da linguagem, da linguística e mesmo da psicologia que lidam com essa questão. Entretanto, segundo Silvia Tedesco (2008aTEDESCO, Silvia. Mapeando o domínio de estudos da psicologia da linguagem: por uma abordagem pragmática das palavras. In: KASTRUP, Virginia; TEDESCO, Silvia; PASSOS, Eduardo (Org.). Políticas da cognição. Porto Alegre: Sulina, 2008a. p. 21-45.), essas vertentes podem ser divididas nos dois grandes setores: um deles trata de uma abordagem formalista da linguagem e, o outro, de uma abordagem pragmática. No que diz respeito à relação entre signo e não-signo, a vertente formalista se apoia na estrutura formal dos signos. Segundo essa vertente, a linguagem tem uma função designativa, isto é, representa e organiza objetivamente o não-linguístico.

Entre os autores que desenvolveram o pragmatismo, encontra-se John Langshaw Austin, que enfatiza o papel das circunstâncias em que a linguagem é produzida. Desse modo, ele acentua o caráter produtor da linguagem, ou seja, seu aspecto pragmático - a linguagem não é apenas um instrumento transparente para representar a realidade: ela é produtora de realidade. O pragmatismo de Deleuze e Guattari, por sua vez, amplia ainda mais as possibilidades da linguagem, enfatizando seu aspecto criador. Com isso, a compreensão da linguagem - e da literatura - se afasta cada vez mais da ênfase nos invariantes e leis gerais. Em seu lugar, passa-se a entender que a linguagem é marcada pela heterogeneidade, pela sua incessante variação. Apostamos que compreender essas duas grandes perspectivas da linguística nos permite entender a função da escrita como sendo mais do que a representação de um mundo que a antecede, bem como estando para além de mera expressão subjetiva do escritor. Com isso, procuramos indicar a escrita como um processo capaz de acionar a produção de subjetividades.

Saussure e a abordagem formalista - alguns aspectos

Entre as abordagens de cunho formalista, podemos destacar a linguística de Saussure. Essa abordagem tem grande importância e influenciou diversas outras áreas, como a antropologia (especialmente com Claude Lévi-Strauss), a sociologia, a semiótica e a psicanálise de Jacques Lacan (DOSSE, 1993DOSSE, François. História do Estruturalismo: o campo do signo. Campinas: Unesp, 1993. v. 1. ). Abordaremos alguns aspectos da análise estrutural da linguagem proposta por Saussure, tais como a compreensão de que a linguagem serve à ordenação do mundo, a distinção entre língua e fala e a ênfase nos invariantes da linguagem. Em seguida, buscaremos mostrar quais os efeitos de tal concepção da linguagem para a compreensão da escrita literária.

Na Idade Clássica, pressupunha-se uma relação direta entre a realidade dos objetos e as ideias que os representavam. Essa relação era mediada pelo cogito reflexivo, isto é, a faculdade do pensamento era o meio para todo conhecimento. No século XX, porém, o pressuposto do pensamento puro é abandonado, e passa-se a considerar que o pensamento é elaborado pela linguagem. No entanto, mesmo com essa profunda mudança, algo de fundamental permanece intocado: existiria um mundo real e o seu duplo. Na Idade Clássica, esse duplo era representado pelo pensamento. No Século XX, é a linguagem que assume esse papel. Nesse momento, os estudos do suíço Ferdinand Sausurre, fundador da linguística, ganham destaque e ele chega a afirmar que, sem o recurso dos signos, seríamos incapazes de distinguir duas ideias de modo claro e constante (SAUSSURE, 1994SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1994.). A língua possuiria uma função formalizadora, sendo responsável por ordenar a realidade. Assim, as concepções formalistas da linguagem partiriam de um mesmo pressuposto, qual seja, o de que a linguagem tem como função representar o mundo, isto é, ordená-lo a partir da construção do seu duplo no plano das ideias.

Para Saussure, a linguagem é composta pela língua e pela fala (langue/parole). Essa distinção é uma das mais características de sua teorização e, segundo ela, a língua é um sistema que “existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo” (SAUSSURE, 1994SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1994., p. 21). A língua é um sistema de signos, unidades que se articulam de modo organizado segundo certas regras. Já a fala corresponde à emissão individual e determinada de um falante, resultado da combinação das estruturas presentes na língua. As variações operadas pela fala não chegam a alterar a língua e já se encontram nela enquanto possibilidades. Além disso, para Saussure, o objeto de estudo da linguística deve ser, justamente, a língua. Assim, é estabelecida uma distinção entre o plano formal da língua e o plano dos acontecimentos empíricos, ao mesmo tempo em que se propõe o enfoque dos invariantes linguísticos, em detrimento de suas manifestações heterogêneas. Desse modo, haveria um plano da linguagem e outro dos acontecimentos empíricos; Sausurre compara metaforicamente a língua à uma sinfonia, na medida em que a existência real de ambas independe da forma como são executadas a nível individual: assim como os possíveis erros individuais dos músicos não comprometem a sinfonia, assim também as manifestações individuais da língua (fala) não comprometem as regras que regem a língua (SAUSSURE, 1994SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1994.).

Essa concepção foi predominante até meados da década de 1950, acarretando um entendimento dos signos como uma forma de tradução do mundo. Tal tradução implicaria uma organização das variações empíricas por meio de categorias e generalizações. Assim, por exemplo, o termo “cadeira” agrupa todas as cadeiras do mundo real, com suas variações de tamanho, forma e cor. Dessa forma, representar é reduzir a invariantes linguísticos toda a variabilidade do mundo. O formalismo pressupõe a representação, de modo que a linguagem seria o meio para a produção de um relato fiel. Com isso, acaba por enfatizar o plano transcendente do dizer (língua) em detrimento de suas variações (fala).

A abordagem formalista produz três importantes dicotomias. Em primeiro lugar, ela gera um paralelismo entre os planos linguístico e empírico do mundo. Isto é, a linguagem é entendida como um conjunto sistemático de signos que se referem aos elementos do outro plano, isto é, aos fatos. Assim, haveria uma correspondência entre um componente factual que é representado, transmitido ou evocado pelos signos. Dessa forma, a linguagem é um meio utilizado para evocar e representar uma realidade sobre a qual ela não interfere.

Como consequência, há uma separação entre o plano em que os acontecimentos ocorrem, de fato, e outro que é meramente designativo. Enquanto o primeiro tem a capacidade de produzir mudanças no mundo, o segundo é apenas um meio para representar ou comunicar esses acontecimentos. Além disso, não há reciprocidade entre esses planos: a linguagem não age sobre o mundo e nem sofre efeitos decorrentes das ocorrências empíricas. Esse paralelismo faz com que a linguagem seja vista como transparente e neutra, como um instrumento para a comunicação de conteúdos, cabendo a ela representar objetos e transmitir informações.

Da mesma maneira que haveria uma distinção entre os planos linguístico e empírico, também haveria uma separação entre literatura e vida, entre a linguagem comum ou cotidiana e aquela dotada de literariedade.2 2 Conceito elaborado pelos formalistas russos, na busca de características próprias à literatura e que a distinguissem de outros usos da língua. A análise formalista dos textos se pauta em elementos inerentes a ele, como a gramática, a sintaxe e a métrica. Para um panorama desse conceito, consultar Compagnon, 2012. A primeira seria marcadamente utilitária, almejando a transparência e a compreensão. A segunda não teria uma finalidade prática, sendo marcada pela opacidade e por um uso estético. De acordo com Silvia Tedesco (2008aTEDESCO, Silvia. Mapeando o domínio de estudos da psicologia da linguagem: por uma abordagem pragmática das palavras. In: KASTRUP, Virginia; TEDESCO, Silvia; PASSOS, Eduardo (Org.). Políticas da cognição. Porto Alegre: Sulina, 2008a. p. 21-45.), ele exclui qualquer referência ao contexto, de modo que uma obra literária seria analisada em si mesma, sem referência ao momento histórico em que foi escrita ou à vida de quem a escreveu. Com isso, segundo a autora, os formalistas buscavam escapar à compreensão da literatura como uma representação do real ou como uma expressão do autor - ideias com as quais podemos, em princípio, nos coadunar. No entanto, o seu impacto na literatura, associado à busca por fundar uma ciência literária, levou à ênfase de certos invariantes formais. Como afirma Antoine Compagnon (2012COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2012.), os invariantes formais seriam a base da literatura e serviriam como fundamento para seu entendimento e análise. Justamente, para o formalismo a existência de tais invariantes é que garantiria a possibilidade de uma ciência da literatura.

Em segundo lugar, o formalismo isola a dimensão geral do código das suas manifestações empíricas, individualizadas. Isso é fruto da transposição da famosa distinção entre língua e fala para a escrita. A língua diz respeito ao conjunto de regras e invariantes da linguagem. É sua dimensão repetitiva, estável. Já a fala corresponde à enunciação individualizada, contextualizada em um tempo e em um espaço, sendo, portanto, da ordem dos eventos. Apesar de respeitar as regras da linguagem, a fala porta algumas características das circunstâncias em que se produz. Nessa abordagem, a fala é apenas uma manifestação localizada da linguagem, que é composta por uma organização formal que a precede e orienta. Como afirma Segre (1989SEGRE, Cesare. Discurso. In: Enciclopédia Einaudi: Literatura-Texto. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1989. v. 17. p. 11-40, ), a separação entre língua e fala produz a distinção entre social e individual e entre essencial e acessório ou contingente.

Quando Saussure propôs a dicotomia língua/fala, ele tinha como objetivo enfatizar a autonomia do sistema linguístico em relação ao sujeito falante. Buscava, portanto, afastar-se de das abordagens que privilegiavam fatores individuais (conscientes ou não) na fala. Assim, o sujeito falante passa a ser um lugar ocupado no sistema da língua, e seu papel é relegado a um segundo plano: um simples reprodutor das estruturas da língua. Em consequência da separação língua/fala, o componente subjetivo é rechaçado. Ao seguirmos esse raciocínio nos estudos da literatura, cada texto é entendido como uma articulação individual da língua, isto é, enquadra-se na fala. Eagleton (1997EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1997., p. 154) afirma que “a obra não se refere a um objeto, nem é a expressão de um sujeito individual; ambos são eliminados, e o que resta, pendendo no ar entre eles, é um sistema de regras. Esse sistema possui existência autônoma, e não se inclinará às intenções individuais”,

Em terceiro e último lugar, há uma distinção entre os componentes invariantes e as formações irregulares. E esses invariantes é que são enfocados, em detrimento das formações irregulares da linguagem. Assim, as constantes sintáticas são opostas às variações da expressão, da qual fazem parte o estilo, a entonação, os gestos. Em consequência disso, temos o entendimento de que as variações existentes na fala são subjacentes à estrutura da língua, isto é, já estão presentes nela enquanto possibilidade. Desse modo, o acaso, o divergente e o ambíguo são descartados. A partir da influência formalista, entende-se o texto literário a partir das estruturas linguísticas que o compõem, e seu sentido estaria contido nelas mesmas. Isola-se a obra das condições em que ela foi produzida e procede-se uma análise de suas relações internas sem questionar sua unidade. Quando são admitidas as ambiguidades, elas são consideradas como estando contidas de antemão na estrutural textual - ainda que apenas enquanto possiblidade. Esse tipo de análise é reducionista, e acaba por levar à conclusão de que o texto possuiria um sentido prevalente, dado em suas estruturas.

Em prol de uma compreensão geral da literatura, recai-se em uma supressão das particularidades de cada obra. O foco passa a incidir sobre o estabelecimento de grandes classes, tais como os gêneros literários. No entanto, essa tentativa de generalização também é problemática, na medida em que abre novas questões, como, por exemplo, a de definir e delimitar os gêneros, ou ainda, a de separar os textos literários daqueles que não são literários. No entanto, como sabemos, alguns escritores não conseguem sequer encaixar os próprios textos em nenhum gênero. Entre eles está o escritor Luiz Ruffato (2014RUFFATO, Luiz. A subversão narrativa. In: GONÇALVES, José Eduardo (Org). Ofício da palavra. Belo Horizonte: Autêntica , 2014., p. 24), que chega a afirmar: “Essas coisas não são categorias estanques, pelo contrário, gostaria que elas fossem todas misturadas e daí surgisse alguma coisa que eu não sei o que é”.

Algumas perspectivas pragmáticas da linguagem

As perspectivas pragmáticas surgem por volta dos anos 1950, tendo em John Langshaw Austin um importante expoente. Nessas perspectivas, a ênfase das investigações não recai mais sobre as regras da língua propriamente ditas nem sobre a veracidade ou não das sentenças, mas sobre os seus diferentes usos. A Teoria dos Atos de Fala, esboçada por Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.) nas conferências compiladas em Quando dizer é fazer3 3 Publicadas postumamente em 1962 com o título de How to do things with words. , é muito reconhecida e influenciou diversos outros estudos que se seguiram, todos marcados pela importância conferida à linguagem ordinária. Ao longo dessas conferências, Austin elabora uma distinção entre os enunciados constatativos e performativos que se tornou bastante conhecida. Posteriormente, ele afirma que todos os enunciados são performativos e desenvolve um outro modelo de entendimento da linguagem. Dessa vez, baseia-se na distinção entre atos locutórios, ilocutórios e perlocutórios, que veremos adiante.

Em ambos os momentos, no entanto, sua formulação implica uma recusa ao distanciamento entre os planos da linguagem e da realidade empírica e, embora a distinção entre os dois planos permaneça, eles serão pensados a partir de uma articulação recíproca. Assim, a pragmática austiniana destitui as dicotomias nas quais a abordagem formalista se baseia. Em lugar de uma linguagem que serve meramente para constatar e organizar os fatos de modo neutro, a pragmática entende que os planos linguístico e empírico estão em constante relação.

Inicialmente, Austin propõe a existência de dois tipos de enunciados: os constatativos e os performativos. Como o próprio nome indica, os primeiros seriam aqueles com capacidade de descrever coisas e situações. Já os performativos seriam aqueles que realizam alguma ação no e pelo seu proferimento. Assim, no começo das conferências de Quando dizer é fazer, Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.) introduz uma novidade nos estudos da linguagem ao analisar casos que escapam aos pressupostos formalistas. Esses são os enunciados que não descrevem, nem relatam nada; não são passiveis de serem julgados como verdadeiros ou falsos, porque não se tratam de constatações acerca de nada. Além disso, tais enunciados são aqueles que, ao serem proferidos realizam determinada ação.

A linguagem teria duas faces: por um lado, é efeito dos contextos em que surge; por outro, é agente, intervindo diretamente sobre a realidade. A linguagem é entendida por Austin como sendo performativa, na medida em que é capaz de provocar alterações instantâneas no plano empírico. Entre os exemplos fornecidos por Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.) para ilustrar esse tipo de enunciado estão os casamentos, testamentos e batizados de navios. As frases “Aceito”, “Batizo como...” e “Deixo a casa a...”, “Eu aposto que...” fazem muito mais do que simplesmente descrever situações que lhes são prévias ou exteriores. Elas não descrevem algo que foi ou deve ser feito, mas realizam aquilo mesmo que afirmam.

Os enunciados constatativos podem ser avaliados segundo a dimensão de sua veracidade ou falsidade. Em oposição, os performativos não são passíveis de serem julgados como verdadeiros ou falsos, mas apenas compreendidos como felizes ou não, isto é, como sendo bem ou malsucedidos. Para Austin, os enunciados são malsucedidos quando proferidos incorretamente ou quando as circunstâncias em que são proferidos não garantem sua eficácia. Esse é o caso de um “Eu aceito X como minha esposa” dito por alguém que já está casado, ou frente a uma pessoa que não esteja em posição de declará-los casados (AUSTIN, 1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.).

O paradigma da noção de performatividade é o ato jurídico: é no momento da enunciação da sentença que o acusado passa de réu a condenado. A partir desse instante, ele sofre as consequências previstas legalmente. Como afirma Tedesco (2008aTEDESCO, Silvia. Mapeando o domínio de estudos da psicologia da linguagem: por uma abordagem pragmática das palavras. In: KASTRUP, Virginia; TEDESCO, Silvia; PASSOS, Eduardo (Org.). Políticas da cognição. Porto Alegre: Sulina, 2008a. p. 21-45., p. 28), “o ato de fala ou sentença não determina isoladamente a transformação, ele compõe com uma pluralidade de outras ações e atos, porém sem ele a mudança incorporal não se efetiva”. Da mesma maneira, dizer “Eu prometo” é muito mais do que a descrição de um fato, pois a própria fala que produz uma obrigação social, estabelece um compromisso.

Guy Longworth (2012LONGWORTH, Guy. John Langshaw Austin. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2012. Disponível em: Disponível em: http://plato.stanford.edu/archives/win2013/entries/austin-jl/ . Acesso em: 10 ago. 2018.
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) afirma que, ao longo de Quando dizer é fazer, Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.) parece tentar reiteradamente estabelecer uma distinção clara entre constatativos e performativos - não obtendo sucesso. Segundo o autor, é plausível que Austin tenha pretendido demonstrar que tal distinção não é de todo simples. É assim que Austin chega a um novo modelo. Na tentativa de estabelecer as circunstâncias específicas que distinguiriam os enunciados performativos dos constatativos, Austin chega à conclusão de que dizer algo sempre é realizar algo, de que falar é proferir ruídos com significados (AUSTIN, 1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.). Desse modo, ele estende a noção de performatividade para toda a linguagem, concluindo que a afirmação constatativa é, inevitavelmente, um ato: o ato de afirmar.

Nesse momento, Austin reorganiza seus estudos, admitindo que os atos de fala possuiriam três dimensões, três atos articulados entre si: locutório, ilocutório e perlocutório. O locutório está ligado à dimensão linguística propriamente dita, comportando as palavras e sentenças de cada língua, articuladas segundo as regras gramaticais convenientes e dotadas de “sentido”. Isto é, ele diz respeito à forma gramatical, fonética e léxica de uma afirmação. O ilocutório é a principal novidade proposta por Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.). Para ele, sua principal característica é a “força ilocutória”, isto é, a força de promessas, advertências, afirmações, convites e ameaças realizadas “no” dizer. Ou seja, o ilocutório se refere ao performativo estritamente considerado, em que os atos que uma frase descreve são aqueles performados pelo pronunciamento desse mesmo enunciado. Assim, quando digo “Prometo que virei amanhã”, faço mais do que descrever uma situação futura ou minhas intenções presentes: ao emitir a sentença, realizo um “contrato”, uma promessa. Dessa forma, o verbo utilizado (prometer) é um verbo performativo, que descreve a força ilocutória. Todavia, esse verbo pode ser elipsado, e posso afirmar “Virei amanhã”. Mesmo se o verbo “prometer” for implícito, a força ilocutória pode ser conhecida por meio do contexto em que a sentença se insere.

Por sua vez, o perlocutório diz respeito aos “efeitos” ou “consequências” produzidas por se dizer algo: persuasão, encorajamento. São atos que se realizam “pelo” dizer. Nas palavras de Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990., p. 90), o perlocutório são as “consequências do ato em relação aos sentimentos, pensamentos e ações da audiência, do falante, ou de outras pessoas, e pode ter sido realizado com o objetivo, intenção ou propósito de gerar essas consequências”. Os efeitos perlocutórios são indiretos, para os quais a linguagem é apenas um mediador.4 4 Austin (1990, p. 90) exemplifica essa distinção da seguinte forma: “Exemplo I: Ato (A) ou Locução Ele me disse “Atire nela!”, querendo dizer com “atire” atirar e referindo-se a ela por “nela”. Ato (B) ou Ilocução Ele me instigou (ou aconselhou, ordenou, etc.) a atirar nela. Ato (C.a) ou Perlocução Ele me persuadiu a atirar nela. Ato (C.b) Ele me obrigou a (forçou-me a, etc.) atirar nela”. Para Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ), se, no formalismo, a linguagem era marcada pela ordem, no sentido de ordenação do mundo empírico, em Austin a linguagem é ordem enquanto comando, regendo mudanças empíricas. Assim, as teses de Austin mostram que existem

[...] relações intrínsecas entre a fala e determinadas ações que se realizam quando estas são ditas (o performativo: juro ao dizer “eu juro”), e mais geralmente entre a fala e determinadas ações que se realizam quando falamos (o ilocutório: interrogo dizendo “será que...?”, prometo dizendo “eu te amo...”, ordeno empregando o imperativo) (DELEUZE; GUATTARI, 2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. , p. 15-16).

Como afirmam Antoine Janvier e Julien Pieron (2010JANVIER, Antoine; PIERON, Julien. Postulats de la linguistique et politique de la langue - Benveniste, Ducrot, Labov. Dissensus: Revue de philosophie politique de l’ULg, n. 3, p. 138-163, 2010. Disponível em: Disponível em: https://popups.uliege.be/2031-4981/index.php?id=713&file=1&pid=710 . Acesso em: 23 nov. 2019.
https://popups.uliege.be/2031-4981/index...
), tanto o ilocutório quanto o performativo colocam novas questões à linguística, ao escapar à divisão entre língua e fala proposta por Saussure. A ênfase da perspectiva pragmática recai sobre os “atos” de fala, considerando-se que a linguagem, mais do que representativa, é um vetor na composição dos fatos. Contudo, se a linguagem produz os fatos, o inverso também é verdadeiro, pois ela sofre constantes abalos e desvios. Cada ato de fala desestabiliza toda a estrutura ordenadora (língua), levando-a a ultrapassar as suas delimitações. Longe de enfocar os invariantes linguísticos, a perspectiva pragmática considera a linguagem como essencialmente heterogênea, ou seja, marcada pela constante incorporação de variantes linguísticos e estando em um eterno processo de mutação. Além disso, suas variações não são meras contingências, mas são componentes da organização da linguagem. Isto é, as variações não se acrescentam às regras previamente definidas, mas são continuamente incorporadas na linguagem, constituindo seu caráter heterogêneo (TEDESCO, 2008bTEDESCO, Silvia. Linguagem: representação ou criação? In: KASTRUP, Virginia; TEDESCO, Silvia; PASSOS, Eduardo (Org.). Políticas da cognição. Porto Alegre: Sulina , 2008b. p. 113-135.).

Por um lado, o pragmatismo austiniano representa uma grande diferença com relação à perspectiva formalista ao atribuir maior importância aos atos de fala: ela passa a ser produtora da realidade empírica. Por outro lado, a eficácia dos enunciados depende de certa convergência ou “redundância” entre as intenções do falante - com seu enunciado - e as convenções sociais, da ordem do extralinguístico. É necessário que haja uma convenção social que garanta que determinada pessoa, ao proferir certo enunciado em uma dada circunstância produza um tal efeito (AUSTIN, 1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.).

Isso quer dizer que uma fala só é eficaz quando proferida em certo conjunto de condições que lhe garantam reconhecimento social - caso contrário, é apenas uma banalidade. Dessa maneira, podemos afirmar que as condições em que um enunciado é proferido (incluindo aí as convenções sociais pré-estabelecidas) são determinantes do ato de fala. É o caso da fala “Isso é um assalto!”, cujos efeitos empíricos são muito diferentes quando em uma situação real de assalto ou em uma brincadeira de crianças. Mesmo que a frase proferida seja a mesma, a eficácia não é garantida, uma vez que depende das convenções já estabelecidas. Com isso, temos que os efeitos da linguagem se limitam a situações previamente estabelecidas e não ocorrem em situações inusitadas.

Se, por um lado, a Teoria dos Atos de Fala de Austin concede à linguagem o papel de produção, por outro lado ela coloca novos problemas para os estudos da linguagem. Uma vez que existe uma relação direta entre os enunciados e a realidade empírica (que ocorre por meio dos atos ilocutórios), então deve haver alguma distinção entre os atos de fala e os outros tipos de atos? Afinal, Austin subordina a felicidade ou infelicidade dos enunciados às convenções sociais, isto é, a algo que é da ordem do extralinguístico.

Com a pragmática de Austin, podemos pensar na dimensão produtora dos signos - eles instauram realidade, desde que as convenções sociais garantam sua eficácia. Por esse motivo, efeitos da linguagem se limitam a certas situações já bem definidas. Isso exclui de sua análise a possibilidade de a eficácia ilocutória ocorrer em situações inusitadas. No entanto, é justamente o imprevisível que marca a literatura.

Linguagem e subjetividade

Como destacado por Tedesco (1999TEDESCO, Silvia. Estilo e subjetividade: considerações a partir do estudo da linguagem. 1999. 255 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.), Deleuze, Guattari se baseiam na perspectiva de Austin, procurando levá-la mais além. Como ela enfatiza, é com esses autores que a linguagem ganha outra dimensão, além da produtora: ela é considerada, também, como “criadora”. A coemergência da língua e do mundo empírico garante que os fatos empíricos atuem sobre os signos, o que torna as enunciações mais complexas. Estas não serão mais consideradas como representações neutras do mundo, mas, também, como produto das variações empíricas: os signos são sensíveis aos acontecimentos. O aspecto de sua formulação que mais nos interessa é o destaque conferido ao papel dos usos da linguagem na própria produção de subjetividade. A escrita é criadora na medida em que ela lança seus efeitos, a um só tempo, sobre a linguagem, sobre o mundo e sobre o próprio escritor (DELEUZE, 2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011.; DELEUZE; GUATTARI, 2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ; TEDESCO, 1999TEDESCO, Silvia. Estilo e subjetividade: considerações a partir do estudo da linguagem. 1999. 255 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.). O poeta Ferreira Gullar (2014GULLAR, Ferreira. A invenção da vida. In: GONÇALVES, José Eduardo (Org.). Ofício da palavra. Belo Horizonte: Autêntica , 2014., p. 47) afirma de modo perspicaz:

Eu tinha descoberto que nós percebemos o mundo através da linguagem que usamos para expressá-lo. Se o sujeito é um poeta parnasiano, ele percebe o mundo parnasianamente. Não só ele diz as coisas de maneira parnasiana, como ele absorve seus valores, suas normas.

Não se escreve impunemente. A criação literária lança seus efeitos sobre nós, produz novas conexões e cria, também, novos mundos. Em contraposição ao formalismo, Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ) afirmam que a língua jamais pode ser separada das irregularidades, uma vez que estas caracterizam a linguagem como um todo. Para esses autores, as constantes da linguagem seriam apenas convenientes em termos de exposição didática. No entanto, tomá-las como tendo uma existência em si mesmas seria um erro. Em realidade, as constantes são apenas generalizações inferidas a partir das variáveis linguísticas e, essas sim, são as principais componentes da linguagem.

Em seu ensaio intitulado “20 de novembro de 1923 - Postulados da Linguística”, Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ) procuram evidenciar o caráter criador da linguagem, embaçando as distinções entre o fora e o dentro da língua. Os autores pretendem se contrapor à ideia de que a língua é um sistema que opera segundo leis invariantes que a antecedem e que as falas são simples enunciados individuais, marcados por variações contingenciais. Para tanto, recorrem aos filósofos estoicos, para quem os corpos (ou coisas) são causas, de sorte que não é possível estabelecer relações de causa-efeito entre eles. Mais ainda, os corpos não são modelados segundo um ideal (incorporal), como no platonismo. Pelo contrário, os incorporais resultam da mistura de corpos ou coisas e são da ordem dos “acontecimentos”. Os acontecimentos não existem, em sentido estrito. Não são coisas. Não são nomeados por substantivos, mas por verbos. Exprimem, portanto, transformações incorporais. Essa mesma ideia é levada para a linguagem, que vai ser compreendida como sendo da ordem do acontecimento. Assim, eles consideram que o sentido é efeito da mistura de corpos (palavras): ele sempre decorre do próprio uso da linguagem e jamais é anterior a ele.

Além disso, eles se opõem à ideia de que haveria constantes ou Universais da Língua que permitiriam defini-la como um sistema homogêneo, afirmando, pelo contrário, que a língua é mais caracterizada por suas variações do que por suas recorrências. No entanto, tais variações não ocorrem segundo um modelo arborescente, ou por meio de bifurcações sucessivas a partir de um eixo central. Elas são rizomáticas: proliferam horizontalmente, sem controle ou hierarquia, sem ser possível que se estabeleça seu ponto de início ou seu fim. (DELEUZE; GUATTARI, 2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. , p. 41). Deleuze e Guattari consideram que tanto a forma de expressão quanto a forma de conteúdo recobrem a realidade - substituindo a dicotomia clássica forma-matéria. Isto é, segundo Deleuze e Guattari, a empiricidade tem dois funtivos, ou seja, ela se divide em dois planos ou modos de organização. De um lado estão as práticas que envolvem o uso de signos, ligadas à expressão. De outro, as que dizem respeito às ações, aos corpos e às coisas. Além disso, cada funtivo tem tanto uma face-forma quanto uma face-substância. A forma diz respeito à organização. No caso da expressão, a substância diz respeito ao contínuo infinito de signos e, no caso do conteúdo, à mistura de corpos e coisas. A potência dos enunciados extrapola o plano do linguístico. Um “eu juro” dito em situações diferentes não é uma mesma frase, um mesmo conteúdo gramatical ao qual se acrescentam diferentes características pragmáticas.

Segundo Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990.), a linguagem é marcada pela “produção”, pois instaura realidades. Embora não seja mera repetição do mesmo, a produção não dá conta da divergência, uma vez que opera por redundância (DELEUZE; GUATTARI, 2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ; TEDESCO, 1999TEDESCO, Silvia. Estilo e subjetividade: considerações a partir do estudo da linguagem. 1999. 255 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.). A criação, por sua vez, diz respeito à divergência pura, ao inesperado, à variação constante. Se retormamos o exemplo de Austin da sentença emitida pelo juiz a partir de uma análise deleuziana, perceberemos que a força de criação é rapidamente recapturada pelos regimes de signo dominantes e a enunciação, ao invés de produzir bifurcações, faz convergir. Segundo Tedesco, “transformar o ato de produção em ato de criação é instalar o processo de desestabilização dos contornos, das formas perversamente” (TEDESCO, 1999TEDESCO, Silvia. Estilo e subjetividade: considerações a partir do estudo da linguagem. 1999. 255 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999., p. 172). Ao se debruçarem sobre a questão da fala e da linguagem, Deleuze e Guattari mantêm a tese austiniana de que os atos de fala teriam uma natureza real, e não imaginária. Porém, vão além deste autor, na medida em que destacam a possibilidade de os enunciados linguísticos produzirem efeitos de bifurcação na realidade, não sendo necessariamente restritos pela redundância entre o linguístico e o extralinguístico.

Se, diferentemente do que ocorre no formalismo, o foco não recai nos invariantes da linguagem, isso não significa a ausência de qualquer ordem. Ela existe, mas como efeito de regularidades sempre provisórias, geradas pelas repetições - necessárias para instaurar a discursividade. É por esse motivo que Deleuze (2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011., p. 41) afirma que a língua “não possui regras obrigatórias ou invariáveis, mas regras facultativas que variam incessantemente com a própria variação”. O autor afirma que o linguístico é, simultaneamente, formado e forma: ele se constitui na história, mas também participa na produção de outras substâncias. Ou seja, por um lado, é origem de mudanças no plano empírico e, por outro, é efeito das regularidades empiricamente produzidas e que, portanto, são sempre provisórias. Para a pragmática de Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ), o autor consiste em certa formação, que como tal é efeito de produções, construções empíricas e sempre temporárias, embora sejam tradicionalmente tomadas como preexistentes.

Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ) enfatizam a existência de dois tratamentos possíveis da língua, de dois usos. Um primeiro uso, o majoritário, consistiria em extrair invariantes da língua. O outro, em fazê-la variar continuamente - podemos dizer que se trata de criar uma nova língua no seio de uma já existente. O uso minoritário da língua é discutido em Crítica e Clínica, na análise que Deleuze (2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011.) faz de “Bartleby, o Escrivão”. Essa obra de Herman Melville nos apresenta Bartleby, um escrivão recém-contratado que, embora eficaz em seu trabalho, começa a responder às ordens de seu chefe com a frase “I would prefer not to”, isto é, “Eu preferia não”. À primeira vista, uma frase simples, mas logo vemos a complexidade que se esconde por trás da fórmula de Bartleby. Aparentemente correta, a fórmula não traz nenhum neologismo ou discordância gramatical e no entanto, causa profunda estranheza. Eu preferia não? Afinal, ele prefere não fazer algo? Prefere fazer algo em lugar do que lhe é proposto? Não prefere nada? “Eu preferia não”: a escolha das palavras e a estranha colocação não são mero acaso. Com sua fórmula minimalista, Bartleby elimina tanto o preferido quanto o não preferido: ele não prefere isto em lugar daquilo, mas sim prefere o nada a qualquer coisa.

Como aponta Deleuze (2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011.), a magia dessa fórmula está em escavar a própria língua, ao colocar em questão a relação entre a linguagem e seus referenciais. Isso porque, o que é próprio à fala é a existência de palavras que se relacionam entre si: se completam, se substituem, se alternam. No entanto, o “I would prefer not to” não designa coisas ou ações, como as proposições constatativas, nem é um ato de fala, em que ações são realizadas (interrogação, promessa, comando, sentença). Portanto, Deleuze conclui que a fórmula de Bartleby desconecta palavras de coisas e palavras de ações, colocando em xeque toda a organização da língua. Como afirma Machado (2009MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009.), o maior interesse de Deleuze ao abordar a literatura é pensar no estilo como algo capaz de produzir bifurcações na língua, transformando-a e subvertendo seus usos. Deleuze aborda a literatura a partir de seu potencial de desterritorialização e de constante produção. A relação entre a língua e aquele que a utiliza recriando-a é de cocriação. A literatura teria um papel fundamental, na medida em que leva a linguagem ao seu limite, rompe-o e permite que novos limites se esbocem. Ao mesmo tempo em que é capaz de lançar seus efeitos sobre o próprio escritor, sendo um dos vetores de produção de subjetividade.

Para Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ), a linguagem, assim como a subjetividade, é fruto de certo hibridismo, que seria evidenciado pela noção de discurso indireto livre. Os autores propõem uma leitura própria desse conceito bakhtiniano, diferenciando-o dos discursos direto e indireto. O discurso direto corresponde àquele em que a fala do personagem é narrada do mesmo modo como foi pronunciada. Por sua vez, no discurso indireto, o narrador conta em terceira pessoa o que foi dito, normalmente utilizando os verba dicendi (como “disse”, “respondeu”, “exclamou”, entre outros). Em contraponto, o discurso indireto livre é caracterizado por sua heterogeneidade, pela presença de pontos de vista distintos que coexistem sem que haja unificação possível. O que Deleuze e Guattari (2007DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2007. v. 2. ) propõem, no entanto, é que o discurso indireto livre seja generalizável para “toda” a linguagem. Daí decorre uma importante consequência, pois, como destaca Tedesco (2003TEDESCO, Silvia. A natureza coletiva do elo linguagem-subjetividade. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online], v. 19, n. 1, p. 85-89, 2003. https://doi.org/10.1590/S0102-37722003000100011
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, p. 87), “as palavras põem em cena a multiplicidade dos ditos, e desse modo, assinalam em sua enunciação a superposição de várias vozes”.5 5 O uso do termo “vozes” pela autora não está diretamente atrelado ao conceito tal. Toda a literatura poderia ser compreendida a partir dessa ideia de hibridismo, de mistura de pontos enunciação. Todavia, é preciso enfatizar que essa multiplicidade não é o mesmo que um simples somatório de falas individualizadas, uma vez que implica uma co-emergência entre os ditos e as empiricidades.

O enunciado - e a literatura - diz respeito a uma subjetividade sempre em vias de produção. É preciso, no entanto, atenção a um aspecto importante da contribuição de Deleuze e Guattari para a discussão sobre a linguagem: essa subjetividade não corresponde a um sujeito interiorizado, pré-existentes e bem delimitado. Subjetividade é um conceito formulado por Deleuze e Guattari (2010DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 2010.) que se refere simultaneamente a um processo e a um produto - produto esse que jamais se encontra totalizado.

Nas palavras de Guattari (2012GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34 , 2012., p. 19), subjetividade é: “O conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva”.

Em sua face de produto, o termo subjetividade pretende enfatizar que o nosso eu é o efeito de práticas. Isto é, longe de serem dados naturais, os índices de nossa vida interior - como nosso gosto pessoal, personalidade, inclinações, desejos - são produzidos pelo entrecruzamento de diversos vetores, como economia, história, cultura local, tecnologia, religião e ciência. Acerca de sua face processual, podemos dizer que, embora seja um produto, a subjetividade jamais se encontra finalizada, está sempre em vias de se construir. As configurações que assume são sempre temporárias e comportam um potencial para a diferenciação (GUATTARI, 2012GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34 , 2012.).

O conceito de subjetividade (ou produção de subjetividade) vem a destacar um processo fundamentalmente circular, que não encontra seu início ou seu fim em nenhuma entidade preestabelecida: ela é incessantemente produzida, fabricada, modelada, consumida. Não há um indivíduo originário evoluindo e agindo em um mundo que lhe é exterior, na medida em que a subjetividade se constitui por elementos materiais, políticos, tecnológicos, econômicos, sociais. Além disso, subjetividade não é algo interior que incorpora dados ou informações provenientes do exterior. Parte da radicalidade dessa concepção consiste em escapar do discurso segundo o qual o meio influencia os sujeitos. Isso porque sujeito e meio se criam mutuamente, não havendo um meio e um sujeito apartados ou prévios que, em dado momento, entram em contato. O que há é um processo do qual ambos emergem. Assim, todo enunciado está vinculado a uma subjetividade, ao mesmo tempo em que jamais remete a um sujeito como seu ponto de origem (DELEUZE, 2006DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Ed. 34, 2006.).

É nesse sentido que devemos entender a literatura menor, da qual Deleuze e Guattari (2014DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.) falam: uma literatura capaz de criar novas línguas, de fazer a língua bifurcar, gaguejar, e que embaça as fronteiras entre individual e social, constituindo-se como um agenciamento coletivo de enunciação. Como afirma Deleuze, o escritor “não mistura outra língua à sua, e sim talha na sua língua uma língua estrangeira que não preexiste. Fazer a língua gritar, gaguejar, balbuciar, murmurar em si mesma” (DELEUZE, 2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011., p. 141, grifo do autor).

Percebemos que existem forças distintas, porém inseparáveis que, juntas, põe o jogo da literatura em movimento. Na linguagem de Deleuze e Guattari (1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Acerca do ritornelo. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4, p. 115-170.), trata-se das forças de territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Os territórios são composições que dizem respeito a uma relativa constância. A desterritorialização, por sua vez, diz respeito às linhas de fuga, que levam ao rompimento dos territórios. No entanto, essa ruptura não é total, pois entra em cena a reterritorialização, que diz respeito à produção de novos territórios, novas regularidades. Mesmo com a incessante variação, existe algo que é mais ou menos estável, pois regras temporárias estão sempre se delineando. O que garante essa condição mínima de estabilidade é o território, que se constitui a partir de certa repetição e regularidade. Conforme Guattari (2012) ressalta, os territórios podem ser delimitados por diversos meios. Em algumas sociedades, por exemplo, as danças, as máscaras e certas pinturas corporais que permeiam os seus rituais compõem determinados territórios existenciais. Eles são habitados com conforto e com presteza para a ação. Dentro de um território não precisamos refletir a todo momento sobre cada uma de nossas escolhas e temos o sentimento de “estar em casa”. Em uma hipotética ausência de territórios não poderíamos antecipar nada.

Segundo Deleuze e Guattari (2014DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.), a linguagem possui coeficientes de territorialidade, desterritorialização e reterritorialização. Assim, ela se configura tanto por uma tendência à estabilização, quanto por movimentos de desterritorialização, que se apresentam em maior ou menor grau. Segundo o autor, esses são geradores de tensão que propiciam novos devires (GUATTARI, 2012GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34 , 2012.), pois um território entra em contato com novas forças constantemente, e estas podem ser incorporadas aos seus traçados. Isso não implica, necessariamente, uma mudança dos contornos que ela assume. Porém, conforme tais mudanças se acumulam, ocorre um tensionamento: a configuração de certa língua é cada vez mais abalada, até que se atinge certo limiar. Ocorre então um processo de desterritorialização, isto é, de desmanchamento de um território.

Essa tensão pode ser fruto da convivência com línguas menores, como no caso do alemão trabalhado pelo íidiche em Praga, analisado por Deleuze e Guattari (2014DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.) em Kafka: para uma literatura menor. O íidiche, mais do que ser uma territorialidade linguística para Kafka, é uma forma de trabalhar, de desterritorializar a língua majoritária - o alemão. No entanto, como eles ressaltam, mesmo uma língua única ainda é uma “mistura esquizofrênica” (DELEUZE; GUATTARI, 2014DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 54-55) de onde linhas de fuga podem escoar e é nesse sentido que cada um de nós - e escritores e escritoras, em especial - deve habitar a própria língua como um estrangeiro: escavando na língua uma outra, estrangeira em relação a ela mesma. Da mesma forma, a subjetividade é apenas uma forma assumida por seu processo de produção em dado momento. É preciso reencontrar nela as suas forças de desterritorialização - e a escrita pode ser um meio importante de acessarmos essas forças.

No entanto, é preciso destacar que a desterritorialização pode levar a uma rápida recaptura. Como exemplo, temos a criação de grandes escolas ou gêneros literários, que permitem uma fácil reterritorialização, pois as rupturas que realizam são transformadas em uma espécie de modelo a ser reproduzido até seu esgotamento. Dessa maneira, a grande questão, para Deleuze e Guattari, é buscar o oposto: saber criar um devir-menor. A literatura é um espaço para transgredir e problematizar hábitos engessados, provocando rachaduras em territórios cristalizados. Para esses autores a literatura e o estilo são, acima de tudo, transgressores:

[...] um grande estilista não é um conservador da sintaxe. É um criador de sintaxe. Eu mantenho a bela fórmula de Proust: “As obras-primas são sempre escritas em uma espécie de língua estrangeira”. [...] ao mesmo tempo em que, sob o primeiro aspecto, a sintaxe passa por um tratamento deformador, contorcionista, mas necessário, que faz com que a língua na qual se escreve se torne uma língua estrangeira, sob o segundo aspecto, faz-se com que se leve toda a linguagem até um tipo de (DELEUZE, 1988DELEUZE, Gilles. O ABECEDÁRIO de Gilles Deleuze. Entrevista concedida a Claire Parnet. Youtube. Vídeo produzido por Leandro Turco. 1988. 2h24min55s. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OuOfzEXqAx4 . Acesso em: 10 jan. 2015.
https://www.youtube.com/watch?v=OuOfzEXq...
).

Como ele afirma, o estilo é um procedimento de variação que faz a língua inteira gaguejar, criando uma língua estrangeira dentro de outra língua (DELEUZE, 2011DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011.). Se, por um lado, temos o estilo como um procedimento de variação, por outro lado, isso não quer dizer que ocorra uma abolição total da repetição.

A questão do estilo é inevitável quando tratamos de literatura. Quando lemos na internet um texto falsamente atribuído a determinado autor de que gostamos, muitas vezes dizemos que aquele não é o “seu estilo” e que, portanto, o texto não deve ser seu. No entanto, para escrever sobre esse assunto é difícil saber por onde começar. Afinal, esse termo é utilizado em diferentes áreas e não pertence, de origem, a nenhum campo em particular: moda, arquitetura, esporte e, é claro, literatura utilizam a noção de estilo.

Como Compagnon (2012COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2012.) aponta, o sentido atribuído ao estilo é ambíguo na medida em que pode ser considerado como uma norma (o bom estilo, modelo a que se aspira) ou como mero ornamento formal (dentre as várias maneiras de se dizer algo, escolhe-se fazê-lo utilizando determinado estilo). O estilo pode apontar para uma classe (um gênero, período ou escola) ou para uma individualidade (estilo de um autor ou de uma obra). Além disso, ele pode ser considerado como um desvio, algo inesperado e que provoca um estranhamento.

É preciso ressaltar que, embora o estilo seja fundamentalmente um procedimento de variação, isso não significa que a repetição cesse por completo. No entanto, como vimos, a linguagem sempre comporta coeficientes de territorialização e de desterritorialização. Para o autor, o estilo é um procedimento capaz de fazer surgir o novo a partir da repetição, ofuscando os limites entre invariância e invenção, língua e fala. Essa relação pode ser tratada por meio de alguns diferentes pares de conceitos: formas e forças, molar e molecular, território e desterritorialização.6 6 Optamos por utilizar o par território/desterritorialização, de acordo com as colocações de Deleuze e Guattari (2014) em Kafka: para uma literatura menor. Para uma visão ampla sobre cada um desses conceitos, conferir Zourabichvili, 2004.

Para tratar desse tipo de procedimento, tomaremos o conceito de ritornelo, tal como elaborado por Deleuze e Guattari (1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Acerca do ritornelo. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4, p. 115-170.). Esse conceito provém da música, área em que significa a repetição de um trecho musical (como um refrão, por exemplo). Essa repetição confere certo ritmo à composição. Tal ritmo não diz respeito a uma métrica temporal ou a uma cadência baseada em intervalos constantes de tempo, mas a uma repetição, um retorno que nunca é retorno ao mesmo, pois sempre é retomado a partir de um ponto diferente, como em uma espiral. Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari (1997DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Acerca do ritornelo. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34 , 1997. v. 4, p. 115-170., p. 102) destacam três aspectos que coexistem e compõem o ritornelo:

Ora o caos é um imenso buraco negro, e nos esforçamos para fixar nele um ponto frágil como centro. Ora organizamos em torno do ponto uma “pose” (mais do que uma forma) calma e estável: o buraco negro tornou-se um em-casa. Ora enxertamos uma escapada nessa pose, para fora do buraco negro.

O ritornelo é ora a direção ao território (quando no caos), ora uma certa configuração territorial, ora uma linha de fuga, um escape. Dessa maneira, apesar de dizer respeito à repetição, o ritornelo é também um procedimento que deforma e desestabiliza: ele é a potência de desterritorialização que compõe qualquer território. O ritornelo não pertence nem ao território nem ao caos, mas à invenção, que secciona ambos. Como veremos, inventar é compor com restos: não é mera substituição de elementos, nem abandono total de uma configuração. Em seus três aspectos (direção a um território; certa configuração mais ou menos estável; linhas de fuga), o ritornelo sempre comporta a possibilidade de desterritorialização. Ele aponta para o surgimento do inesperado, ainda que haja o perigo do caos - abolição completa dos territórios.

O ritornelo compõe um tema ou motivo que se repete, como os quadros de girassóis de Van Gogh, por exemplo. A ambiguidade própria do ritornelo se atualiza a cada repetição do tema: repetição e variação, território e desterritorialização a um só tempo. Dessa maneira, no que concerne à literatura, a repetição de que trata o ritornelo não é apenas uma repetição de palavras ou frases, mas de uma certa temática que produz uma gagueira da linguagem. O ritornelo é a unidade mínima do estilo e diz respeito a um procedimento que extrai a variação da repetição: extrai novas formas daquelas já constituídas. Dessa forma, o estilo é a criação de certas estratégias de ativação do ritornelo. São, portanto, escolhas de modos de operar a variação.

Nas palavras de Deleuze e Guattari (1993DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia. Rio de Janeiro: Ed. 34 , 1993. , p. 219), “é preciso um método que varie com cada autor e que faça parte da obra: basta comparar Proust e Pessoa, nos quais a pesquisa da sensação, como ser, inventa procedimentos diferentes”. O estilo não depende necessariamente da repetição de certas palavras ou expressões, nem da subversão das regras gramaticais, nem da criação de neologismos. Ele implica a criação de certas estratégias, certo modo de operar a escrita que produza determinados efeitos no leitor/percebedor. No livro O jogo da Amarelinha, por exemplo, Júlio Cortázar (2011CORTÁZAR, Júlio. O jogo da amarelinha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.) cria um procedimento de escrita que prioriza uma leitura que não é linear. O autor fornece duas alternativas principais de leitura. Na primeira, o leitor segue de forma corrente pelo livro, terminando-o no capitulo 56. No entanto, se isso for feito, o leitor prescindirá de uma grande quantidade de capítulos. Na segunda possibilidade, ao fim de cada capítulo, o leitor é direcionado ao capítulo seguinte de acordo com uma lista aparentemente aleatória (73-1-2-116-3-84...). Tanto a gramática quanto a sintaxe são preservadas, mas a linearidade de escrita e da leitura são postas em xeque por este procedimento.

O estilo se relaciona com o retorno, mas sempre o retorno que traz consigo algo de inesperado. Além disso, para Deleuze e Guattari, o estilo, mesmo quando associado a um nome próprio (estilo proustiano, por exemplo) não está atrelado a entidades individualizadas. O nome próprio deve funcionar como uma pista que indica certos procedimentos linguísticos e temáticos, isto é, determinadas maneiras de convocar a variação. Por fim, o estilo provém de relações heterogêneas: não diz respeito apenas ao linguístico e ao trabalho de burilar as palavras, mas também ao não linguístico. Ele não produz homogeneidades, mas diferenças. Não converge, mas bifurca.

Para Deleuze, o estilo é paradoxal. Nele, certo conjunto se destaca de um fundo ao mesmo tempo em que esse conjunto não compõe uma unidade homogênea: o estilo não diz respeito ao ponto de vista individual de um determinado escritor sobre certo assunto. Ao contrário, ele é marcado pela coexistência de diferentes pontos de vista que não são unificáveis (TEDESCO, 1999TEDESCO, Silvia. Estilo e subjetividade: considerações a partir do estudo da linguagem. 1999. 255 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.), isto é, não se somam uns aos outros para produzir um conhecimento mais completo acerca de um objeto, mas o deslocam, o fazem variar, tornam-no ambíguo. O estilo não é fruto da intenção do autor, de suas decisões deliberadas, mas está intimamente relacionado com o devir: ele surge quando o escritor se torna um outro que assume o comando. Podemos nos perguntar se o estilo, enquanto um procedimento de variação na escrita, não pode ser também considerado um procedimento de variação da própria subjetividade, lançando seus efeitos sobre o próprio escritor. Afinal, as configurações que a subjetividade assume são, em certa medida, um efeito de determinados usos da linguagem (os usos majoritários estando relacionados com uma lentificação do processo de subjetivação e uma tendência à estratificação e os usos minoritários ligados ao coletivo e impessoal).7 7 Cf. Tedesco, 1999, p. 196-206. Nesse sentido, no processo de escrita, o estilo seria capaz de produzir deslocamentos tanto da obra - e dos objetos que ela produz - quanto do escritor.

Conclusão

Neste artigo, buscamos expor brevemente as duas principais abordagens da linguagem: a vertente formalista e a vertente pragmática. Vimos que os formalistas priorizam o aspecto estrutural e geral da linguagem (língua) em detrimento de suas contingências (presentes na fala) e que, para eles, a língua seria essencial para a ordenação do mundo. Procuramos estabelecer os efeitos dessa concepção para a maneira como compreendemos a literatura e a relação autor-obra. Vimos ainda que os estudos formalistas levam a um entendimento da obra escrita desvinculado do contexto em que ela foi realizada e dos dados biográficos do seu autor. Com isso, suas análises do texto recaem sobre os invariantes e sobre o estabelecimento de classes como os gêneros literários. Mas, principalmente, para essa abordagem a escrita é um caso de fala, uma manifestação localizada da linguagem, orientada por uma organização estrutural que a antecede e determina.

Por sua vez, com o pragmatismo destacamos que a linguagem possui dois importantes aspectos, negligenciados pelos estudos formalistas. Com Austin, vimos o primeiro aspecto: a linguagem é produtora. Mais do que descrever ou ordenar o mundo, o ato de fala realiza mudanças empíricas no e pelo seu enunciado. O segundo aspecto é o de que a linguagem é, também, criadora. Essa característica foi enfatizada por Deleuze e Guattari, que, ao contrário dos formalistas, destacam a variação constante como sendo uma das principais marcas da linguagem. Os autores fazem uma releitura da noção de discurso indireto livre e a estendem a toda a linguagem, procurando demonstrar que ela sempre é coletiva.

Cada concepção da linguagem nos permite colocar diferentes questões: quais são os elos entre a linguagem e o mundo empírico? Qual a relação entre um enunciado em particular e a linguagem, como um todo? A resposta fornecida a essas perguntas será também determinante para o modo como se concebe o vínculo entre a literatura e a produção de subjetividade. Se, como as abordagens estruturalistas, destacamos a língua como sistema que paira além e aquém de seus falantes, então a obra escrita existe como que por si só, apartada de quaisquer laços históricos e sociais.

Se, por outro lado, adotamos uma postura pragmatista, ao tratarmos da escrita literária iremos destacar a inseparabilidade entre o texto e o que está para além dele, e mais, para além do próprio domínio linguístico. Com o pragmatismo austiniano, o enfoque recai sobre os efeitos dos enunciados - linguísticos - sobre o mundo para além de nós, isto é, sobre o plano empírico - extralinguístico. E se, ainda em uma perspectiva pragmatista, assumimos uma posição deleuziana, iremos conceber a literatura como sendo capaz de produzir efeitos sobre o mundo que nos circunda (assim como de uma perspectiva austiniana) mas também como sendo capaz de lançar seus efeitos sobre aqueles mesmos que a escrevem, ou seja: a literatura passa a ser concebida como um verto capaz de produzir subjetividade. Essa última abordagem, acreditamos, resta como uma aposta interessante para o desenvolvimento de novos estudos em sobre escrita e produção de subjetividade, contribuindo para modos mais complexos e dinâmicos de compreender o vínculo entre autor, obra e mundo.

Referências

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  • ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.
  • 1
    É preciso ressaltar que a vertente formalista não é o mesmo que o formalismo russo, mas diz respeito a uma abordagem mais ampla. Ela abarca diferentes teorias, entre as quais se destaca o estruturalismo, embora não se restrinja a ele. Ainda que teorias distintas possam ser consideradas como formalistas, optamos por não realizar uma descrição pormenorizada de cada uma, pois isso nos afastaria muito do nosso eixo de pesquisa.
  • 2
    Conceito elaborado pelos formalistas russos, na busca de características próprias à literatura e que a distinguissem de outros usos da língua. A análise formalista dos textos se pauta em elementos inerentes a ele, como a gramática, a sintaxe e a métrica. Para um panorama desse conceito, consultar Compagnon, 2012COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2012..
  • 3
    Publicadas postumamente em 1962 com o título de How to do things with words.
  • 4
    Austin (1990AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990., p. 90) exemplifica essa distinção da seguinte forma: “Exemplo I: Ato (A) ou Locução Ele me disse “Atire nela!”, querendo dizer com “atire” atirar e referindo-se a ela por “nela”. Ato (B) ou Ilocução Ele me instigou (ou aconselhou, ordenou, etc.) a atirar nela. Ato (C.a) ou Perlocução Ele me persuadiu a atirar nela. Ato (C.b) Ele me obrigou a (forçou-me a, etc.) atirar nela”.
  • 5
    O uso do termo “vozes” pela autora não está diretamente atrelado ao conceito tal.
  • 6
    Optamos por utilizar o par território/desterritorialização, de acordo com as colocações de Deleuze e Guattari (2014DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.) em Kafka: para uma literatura menor. Para uma visão ampla sobre cada um desses conceitos, conferir Zourabichvili, 2004ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004..
  • 7
    Cf. Tedesco, 1999TEDESCO, Silvia. Estilo e subjetividade: considerações a partir do estudo da linguagem. 1999. 255 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999., p. 196-206.
  • 8
    Os dados completos dos autores encontram-se ao final do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2017
  • Revisado
    11 Out 2021
  • Revisado
    20 Abr 2022
  • Aceito
    20 Abr 2022
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