RESUMO
Pretende-se nesse artigo confrontar as posições de Theodor Adorno e Friedrich Hegel acerca da concepção de progresso, inferidas do rearranjo adorniano das categorias de particular e universal, que depreendem da filosofia hegeliana. O propósito é expor a crítica de Adorno, formulada na Dialética negativa, à noção de Hegel de que o curso da história universal é a realização efetiva do progresso do espírito do mundo em suas figuras particulares. Para tanto, o particular e o universal serão tomados como categorias explicativas da crítica adorniana à totalidade e à sistematicidade, no intuito de realocar o particular no interior da dialética, enfatizando seu caráter não identitário e resistente à sistematicidade e às formas de totalidade com pretensões universalizantes; em seguida, evocar-se-á os elementos da filosofia da história de Walter Benjamin presentes no pensamento de Adorno, para que, por fim, se sustente a hipótese de que a marcha do espírito condiz menos com o progresso, porém, muito mais com a regressão, o que ocorre na medida em que o progresso se serve de uma narrativa que oblitera a violência e a dominação do universal sobre o particular, ao ocultar as contradições deflagradas no contexto da marcha da história do espírito do mundo.
Palavras-chaves:
Adorno; Benjamin; Hegel; progresso; regressão
ABSTRACT
The objective of this paper is to confront Hegel’s conceptions of progress, based on Theodor Adorno’s rearrangement of the categories of particular and universal, that follow from Hegelians’s philosophy. The purpose is to expose Adorno’s criticism, formulated in the Negative Dialectic, to Hegel’s notion that the course of universal history is the effective realization of the progress of the world’s spirit in its particular figures. So, the particular and the universal will be taken as explanatory categories of the Adornian critique of the totality and systematicity, with the aim of relocating the particular within the dialectic by attributing to it the non-identity character and resistance to systematicity and coercive forms of totality; then, it will be to evoke Walter Benjamin’s philosophy of history present in Adorno’s thought, so that, finally, one can support the hypothesis that the march of the spirit of the world is less consistent with progress, however, much more with the regression, which occurs as progress makes use of a narrative whose tendency is to obliterate violence and the domination of universal forces over the particular, by hiding the contradictions triggered in the context of the march of the history of the spirit of the world.
Keywords:
Adorno; Benjamin; Hegel; progress; regression
1 Introdução
Em sua filosofia da história, Hegel compreende que o curso da história universal, enquanto marcha do espírito do mundo, é a realização efetiva do progresso da consciência da liberdade em suas figuras particulares, isto é, nos eventos históricos que sucedem um ao outro, percorrendo uma senda rumo a um estado de coisas progressivamente melhor. Ao se dispor das categorias de particular e universal e mobilizar a crítica de Theodor Adorno a essas categorias, torna-se possível realocar as concepções de progresso e regressão a partir do pensamento hegeliano. Sob esse viés, o propósito é apresentar os argumentos de Hegel que posicionam o particular como determinação e termo ad quem do universal e a contraposição de Adorno segundo a qual o progressivo curso do espírito do mundo se vale de momentos regressivos observados no curso da história como realização efetiva da barbárie, que se expressa como resultado da opressão das forças universais de dominação sobre o dominado, forças que encontram o seu nascedouro concomitante ao surgimento de um modo específico de subjetividade no mundo ocidental.
Essa subjetividade - preposta na Dialética do esclarecimento - encontrará em Ulisses da epopeia de Homero o seu protótipo, modelo que renascerá na modernidade como um instrumento da racionalidade e se caracterizará - ecoando na Dialética negativa - como fator apropriativo que submete os casos particulares à universalidade de um conceito, de uma ideia ou da própria história universal, exercendo violência em relação àquilo que pode ser objetificado e particularizado e fazendo com que tanto o sujeito opressor e dominador quanto o espírito do mundo permaneçam supostamente inalterados ao relacionar-se com o outro, isto é, com o não idêntico, ao reduzi-lo à identidade universal.
Ora, é a partir da crítica desse modo de apropriação subjetiva, por meio da qual a racionalidade ocidental opera e se efetiva, que arvora o desafeto de Adorno para com a noção hegeliana de progresso, uma vez que o filósofo frankfurtiano busca reconstruir a relação entre o universal e o particular, recobrando as forças deste em relação àquele. Essa reconstrução, como se verá, deslocará as concepções de progresso e regressão ao atualizá-las de acordo com os desígnios e as potencialidades latentes das figuras particulares efetivadas no curso da história universal.
Portanto, a refutação adorniana a Hegel - que procederá sem abandonar no entanto parte significativa dos postulados dialéticos de Hegel, mas alterando sua dinâmica - partirá do pressuposto de que, na medida em que o universal se relaciona com o particular, com o outro, ele se modifica substancialmente, estabelecendo uma relação de determinidade recíproca, assim como procederá com as figuras do progresso e da regressão, na medida em que esta última será decisiva e agente sinalizador para que as atrocidades e catástrofes deflagradas no decorrer da história, acontecimentos que têm seu apogeu no século XX, não se repitam.
Nessa perspectiva, os processos ou experiências do pensamento como lógica do conceito e do espírito do mundo como narrativa da história universal - e enquanto determinações do particular e do universal em Hegel - serão colocados à prova mediante a crítica dialética de Theodor Adorno, para que se possa redimensionar e rearranjar seus momentos constitutivos, a fim de verificar as condições de possibilidade da crítica adorniana à concepção de progresso do espírito do mundo em Hegel.
Dessa forma, os nexos entre o particular e o universal serão tomados como categorias explicativas para se compreender as concepções de progresso e regressão como herança da filosofia da história de Walter Benjamin sedimentados no pensamento de Adorno. As relações descontínuas entre o particular e o universal na trajetória do espírito permitirá perceber que o progresso, enquanto narrativa dos vencedores, oblitera a violência da marcha efetiva da história, a qual será muito menos condizente com um tipo de desenvolvimento humano integral, que se poderia chamar de progresso, porém, muito mais com a regressão à barbárie.
2 O particular e o universal como categorias explicativas da crítica de Adorno a Hegel
O nexo entre o particular e o universal diz respeito a um tipo de mediação que está intimamente associada à lógica e à filosofia da história. A dialética entre essas duas categorias relaciona-se à lógica na medida em que se refere aos juízos que subsumem as singularidades de um objeto, qualificando-o em um conceito particular ou particularizado, bem como quando agrupa os objetos particularizados em um dado conjunto, cujos objetos reunidos concernem à totalidade. Igualmente, o problema do particular e do universal diz respeito à filosofia da história, haja vista que essas categorias trazem consigo as concepções de filosofia da história como progresso e necessidade, através dos quais o espírito - como totalidade - desdobra-se e efetiva-se gradualmente em suas múltiplas figuras particulares, a partir de uma inflexão sobre si mesmo, percorrendo uma senda progressiva e hierárquica, “cuja meta é o universal” (Hegel, 2006, p. 77); ou seja, no contexto da filosofia da história de Hegel, o universal é o ponto de partida e o próprio “espírito do mundo” que, em um movimento de auto mediação, particulariza-se e se determina por meio de superações contínuas e retorna ao espírito universal.
As categorias de particular e universal devem ser compreendidas no domínio de suas inter-relações, bem como a partir de seus vínculos com o singular (Einzeln), pois, o particular distingue-se do singular à proporção que o singular vale para um único elemento de um conjunto particularizado. Para se abordar com mais precisão a diferença entre o particular e o singular, serão tomadas como exemplos as seguintes proposições: a) alguns homens choram e b) um homem chora. A proposição “a” é um enunciado particular, pois, refere-se a um conjunto de indivíduos que agem ou se comportam de uma determinada maneira; na proposição “b”, trata-se de um enunciado singular na medida em que é designado um elemento indeterminado ou indefinido - “um homem” - de um conjunto previamente determinado - homens que choram -. Outro exemplo explicativo para o caso estudado é a proposição: c) Platão é o autor da República. Trata-se de uma proposição singular na medida em que se refere a um único indivíduo, mas também é uma sentença universal, já que designa este indivíduo - Platão - por inteiro. Esse exemplo explicita, ademais, que o indivíduo - Platão -, singularizado a partir de um conjunto particular de indivíduos - autores -, circunscreve um universo, porém, indeterminado enquanto autor, mas determinado enquanto autor da República, e, por isso, singular; o que permite concluir que o singular pode se referir a um universo que, na medida em que não representa todos os indivíduos particularizados, é um particular simples, um singular, que, todavia, é um universal enquanto sujeito determinado.
O particular pode ser definido como o universal determinado, cujo conceito adjacente é o singular, que é, por sua vez, o particular indeterminado. O particular é o universal mediado, enquanto o singular é o universal imediato, o dado, o simples, o inicial ou elementar, mas que contém em si (em sua singularidade) a universalidade e a particularidade como possibilidades latentes. A diferença fundamental entre o singular e o universal é que o primeiro é abstrato e o segundo concreto. O universal concreto, a “Ideia” ou o “Conceito Real” é a unidade do particular e do universal. Conhecer essa unidade seria tarefa da filosofia, já que, segundo Hegel (2006, p. 80), “o conceito é o universal que a si mesmo se particulariza”. Do que foi dito, deduz-se que o particular é, também, o universal abstrato, pois não alcançara ainda a concretude no âmbito do amplo movimento do conceito.
O conceito - que é o universal -, em seu movimento, contém e se reproduz efetivamente em três momentos: a universalidade, a particularidade e a singularidade; cada um desses momentos se distingue em suas determinações a partir do ser posto como conceito, que é idêntico a si mesmo, mas que se diferencia qualitativamente em cada um desses momentos. No entanto, a universalidade - enquanto conceito puro em sua determinação - perpassa e compreende os momentos do particular e do singular, determinando-se ao se distinguir desses momentos. Nesse sentido, o conceito particular é o conceito determinado, que é posto - pelo universal - como um conceito que se distingue dos demais (cf. Hegel, 2011, p. 203-204). Ainda seguindo Hegel, há uma definição de particular a partir da concepção de universal, que diz:
O particular contém a universalidade, que constitui sua substância; o gênero é imutável em suas espécies; as espécies não são distintas do universal, mas apenas uma em relação à outra. O particular possui com os outros particulares, com os quais possui uma relação, uma e mesma universalidade. Ao mesmo tempo, a diversidade do mesmo, devido à sua identidade com o universal, é como tal universal; ela é totalidade ( Hegel, 2011 , p. 209-210).
No núcleo das definições hegelianas de particular e universal assenta-se a concepção de uma filosofia da identidade, pois, o particular é o universal posto como uma de suas determinações e, por isso, ele é idêntico ao universal; dessa forma, o particular, em virtude de sua identidade com o universal, é igualmente um singular. Contudo, o particular - enquanto determinação autorreflexiva posta da consciência e do espírito do mundo - apresenta sua diferença em relação ao universal, haja vista que este, antes do movimento de pôr-se como particular determinado, constituía-se um singular indeterminado. Em Hegel, o universal, o particular e o singular são momentos qualitativamente diferenciados, mas imanentemente determinados pela identidade universal da totalidade; o que permite Adorno dizer que, para Hegel, “o particular determinado era definível pelo espírito porque sua determinação imanente não devia ser outra coisa senão espírito” (Adorno, 2009, p. 15). Ainda no fluxo da crítica adorniana ao modelo de dialética idealista, que visa à reconciliação entre o subjetivo e o objetivo, o problema do particular e do universal pode ser rearticulado da seguinte maneira:
A dialética desdobra a diferença entre o particular e o universal, que é ditada pelo universal. Apesar de essa diferença - ou seja, a ruptura entre o sujeito e o objeto intrínseca à consciência - ser inevitável para o sujeito, e apesar de ela penetrar tudo aquilo que ele pensa, mesmo o que é objetivo, ela sempre acabaria na reconciliação. Essa reconciliação libertaria o não-idêntico, desprendendo-o por fim da compulsão intelectualizada; ela abriria pela primeira vez a pluralidade do diverso sobre o qual a dialética não teria mais poder algum ( Adorno, 2009 , p. 14).
Na relação entre o particular e o universal no pensamento de Adorno, o particular condiz com o não idêntico liberto do universal, esse estado de coisas é o que representa o horizonte de uma reconciliação possível na dialética adorniana; ao passo que, hegelianamente falando, a reconciliação seria a unidade sintética entre o sujeito e o objeto, entre o não idêntico e a identidade, entre ser e pensamento, entre a totalidade e tudo aquilo que dela predica, capitaneado pela compulsão à identidade, fruto da atividade intelectual e do auto movimento da consciência do sujeito absoluto sobre si mesmo e sobre a realidade por ele posta. Nesse sentido, o particular na crítica dialética de Adorno apresenta-se como o não idêntico, ou seja, o momento mediado da contradição entre o conceito e o objeto, o não idêntico e a identidade. Com efeito, o particular é o elemento irredutível e resistente à compulsão à unidade e à totalidade coercitiva da pretensão do espírito universal e subjetivo, cuja finalidade seria unificar o distinto.
Contra a acusação de Adorno, segundo a qual, o universal impõe sua força compulsória sobre o não idêntico, já havia em Hegel um álibi quando o filósofo de Stuttgart diz que o universal é uma potência livre e que avança sobre seu outro, mas não como algo violento; sob esse viés, o universal poderia ser denominado “o amor livre e a beatitude ilimitada” na medida em que retorna a si mesmo ao relacionar-se com o que é distinto (cf. Hegel, 2011, p. 207). Mas, Hegel, por outro lado, compreende o particular e o universal como a identidade da igualdade e da diferença; ou seja, em Hegel, o universal é a unidade que contém o idêntico e o seu oposto (não idêntico). Nas palavras do filósofo:
O particular é o universal mesmo, mas ele é a sua diferença ou a relação com o outro, é seu aparecer no exterior; mas não existe nenhum outro do qual o particular pudesse se distinguir senão do próprio universal. - O universal se determina, assim ele mesmo é o particular; a determinidade é a sua diferença (...). O universal como conceito é ele mesmo e seu oposto, o que é, por sua vez, ele mesmo com sua determinidade posta; ele o abrange e está nele junto a si mesmo. Assim, ele é a totalidade e o princípio de sua diversidade, que é determinada inteiramente apenas por meio dele mesmo ( Hegel, 2011 , p. 210).
Interessa a Adorno a reivindicação do caráter necessário do particular, no momento em que é relegado à contingência no sistema de Hegel. Dessa forma, o problema para o filósofo frankfurtiano é que, quando é imputado ao particular o caráter contingente frente às forças do universal, ele torna-se mera particularidade, cuja função é ser superado para que a totalidade se efetive e se autoafirme enquanto identidade, móbile e diretriz do movimento no contexto da dialética. Nesse sentido, embora o particular seja o universal determinado, o particular em Hegel se inscreve - pela força compulsória do universal- no momento da efetivação da contingência no interior da dialética. O que Adorno reivindica é o fato de que o particular possui o distintivo da necessidade e não da contingência, uma vez que é a instância mediadora entre o singular e o universal; mas, embora essa característica do particular seja considerada por Hegel e reconhecida por Adorno como o motor da dialética, ela é, de um modo bastante específico, relegada à condição de simples coadjuvante no sistema hegeliano, haja vista que o particular determinado é a negação e, como tal, é responsável pela produção do movimento na dialética.
3 Do espírito do mundo ao mundo [do espírito]: descontinuidades entre a lógica e a filosofia da história
Há em Hegel um primado da lógica sobre a realidade empírica, que encontra sua melhor metáfora nas relações que o autor estabelece entre a filosofia e a história, fato que transparece quando o filósofo afirma que “a filosofia é a ciência objetiva da verdade” (Hegel, 2006, p. 28), sendo assim, é a ciência dos pensamentos necessários; em contrapartida, a história é a narrativa dos fatos contingentes (cf. Hegel, 2006, p. 25). Não obstante Hegel trate a lógica e a filosofia da história como momentos distintos, em ambas, a preocupação central assenta-se no devir do universal abstrato - isto é, o em si - para o universal concreto - ou seja, o para si - da consciência; pois, o em si - universal abstrato - não é ainda o verdadeiro, por isso necessita desenvolver-se, pondo-se na existência, mas como algo distinto. Esse movimento de “pôr-se” do em si da consciência, constitui a realidade efetiva, que nada mais é que a tradução do subjetivo em objetivo. A meta do espírito é apreender a si próprio, por meio de suas séries ou desdobramentos, onde cada um dos seus estágios particulares de desenvolvimento é mais concreto que o precedente e o último de um estádio do desenvolvimento do espírito é o primeiro de outro (cf. Hegel, 2006, p.84, 88, 91, 92).
Embora Adorno não mencione diretamente como se dá a passagem da lógica ou da filosofia do espírito para a história, o que faz, por vezes, parecer uma transição um pouco forjada no âmbito de sua interpretação de Hegel, o filósofo frankfurtiano assegura que: “A passagem da filosofia do espírito para o seu outro é exigida de maneira imanente pela determinação do espírito enquanto atividade” (Adorno, 2009, p. 171). Ademais, prossegue Adorno (2009, p. 171), “o espírito enquanto atividade é um devir (...) sua atividade é intratemporal, histórica, devir tanto quanto algo que veio a ser no qual o devir se acumula”. O caminho seguido por Adorno se expressa na sua interpretação da Ciência da lógica de Hegel, pois na descrição do ser aí1, na citada obra, o autor atesta que a natureza física é a alteridade do espírito em sua própria determinação (cf. Hegel, 2016, p. 123). A determinação imanente do espírito impulsiona-o para que ele realize a experiência de efetivar-se - a partir da interioridade da consciência - na exterioridade empírica, particularizando-se em múltiplas figuras. As figuras do espírito ganham em determinação e concretude na medida em que a atividade conceitual do espírito busca reorganizar sua experiência diante das necessidades devenientes dessas figuras. Se essa reorganização, segundo Hegel, imprime as alcunhas do espírito em suas múltiplas figuras em um processo progressivo e conciliador, que retorna ao universal através da identidade entre sujeito e objeto no espírito absoluto, segundo Adorno, essa progressão reconciliadora não registra a rebeldia e tampouco a potencialidade latente do irreconciliável da contradição no interior da dialética entre o particular e o universal.
Para Adorno (cf. 2009, p. 119), não é possível o pensamento se livrar do caráter coisal por meio de uma forma lógica absoluta, daí o fundamento de sua objeção que atesta que o primeiro erro do idealismo2 reside na suposição de que, no movimento de abstração, o pensamento livra-se do abstraído, pois, ao prescindir do abstraído ele trai a si mesmo na medida em que aniquila o seu principal elemento constitutivo. É o particular que protagoniza o movimento do universal enquanto pensamento conceitual, o que predica da proposição adorniana que diz: “É a coisa, e não o impulso de organização próprio ao pensamento, que provoca a dialética” (Adorno, 2009, p.126). Há aqui uma descontinuidade que se abre como uma via de mão dupla entre o particular e o universal, que se realiza na determinação de ambos em seus nexos de reciprocidade; relação que será determinante para se compreender doravante a justaposição entre progresso e regressão.
A dialética entre o particular e o universal em Adorno consiste também em um rearranjo da concepção hegeliana, no sentido de alterar a ordem dos seus aspectos constitutivos, mas salvaguardando e priorizando aquele impulso das forças do não idêntico como motor da dialética. Adotando a posição de Safatle (cf. 2013, p. 19), entende-se que o filósofo frankfurtiano não nega Hegel, mas descreve os processos e organiza as experiências de forma diferente, impulsionado pelo ritmo das negações. O que Adorno não tolera é aquilo que considera a injustiça que incide sobre o particular dentro do sistema hegeliano, o que permite o teórico crítico alegar que: “Se Hegel tivesse levado a identidade entre o universal e o particular até uma dialética no próprio particular, ele teria feito jus ao particular, que segundo ele é o universal mediatizado, tanto quanto a esse universal” (Adorno, 2009, p.273).
Adorno admite que a consciência acerca do particular seja o que há de mais verdadeiro em Hegel, mas o particular, por meio do qual o universal se determina e se reconhece enquanto tal, não pode ser suprassumido e reconciliado na esfera da identidade do conceito universal e exterior ao particular, aviltando a realidade efetiva ao forçar a superação de suas contradições e torná-la, assim, uma farsa. Embora Hegel reconheça a relação interdependente entre o particular e o universal, Adorno denuncia a falsa conciliação entre o particular e o universal na filosofia hegeliana, que interrompe a dialética, tornando-a inconsequente. Na medida em que Hegel subsome os fatos históricos ao curso da história universal, apressando-se na contemplação dos momentos concretos da não identidade dos fatos com o curso da história, ele se distancia dos fatos individuais. Ademais, uma vez que os fatos individuais se realizam efetivamente no conceito universal da história, que nada mais é que a subsunção da identidade e do não idêntico, constata-se que a identidade da história é negativa, já que se move e se efetiva por meio da força e do movimento operados pela não identidade. Dessa forma, o progresso é negativo e, como singularidade, se instaura como instância ambivalente, isto é, como possibilidade latente de emancipação humana e regressão à barbárie. Essa é a dialética da história do espírito do mundo expressa em suas descontinuidades.
A verdade da doutrina da unidade e da necessidade de Hegel, que se configura como a doutrina do espírito do mundo, prescreve que a contínua abstração do não idêntico remanescente é ou deve ser conduzida para a identificação. A proposta adorniana de rearranjo ou reorganização da versão hegeliana da dialética entre o particular e o universal implica justamente em alterar a direção da conceitualidade, visando o não idêntico, na tentativa de livrar a filosofia do encantamento das formas conceituais do pensamento sistemático, pois a filosofia, segundo Adorno (Adorno, 2009, p. 19), “quer mergulhar muito mais literalmente no que lhe é heterogêneo sem o reduzir a categorias pré-fabricadas”.
Na advertência de Adorno fica expressa a desconfiança do autor em relação às armadilhas do pensamento sistemático e das formas de conhecimento que, se não promovem, evocam o aparecimento fantasmagórico de uma totalidade reconciliada, que se constrói de forma hierárquica e progressiva. O indício da não identidade aponta para a inverdade dos sistemas, é dessa conclusão que erige aquela suspeita de Adorno segundo a qual o particular, nas filosofias sistemáticas, fora subjugado. Com efeito, a crítica de Adorno é bastante enfática e pontual, incidindo precisamente sobre a categoria de totalidade, mas sem abandoná-la completamente; ou seja, o filósofo frankfurtiano acolhe a concepção de totalidade que, enquanto singularidade, admite a não identidade, porém rechaça aquele seu princípio de dominação conduzido às últimas consequências pelo absoluto como força coercitiva do espírito que aprisiona o particular, revelando, sobremaneira, a inverdade do todo, por isso: “O raio de luz que revela o todo em todos os seus momentos como o não verdadeiro não é senão a utopia de toda verdade, utopia que ainda precisa se realizar” (Adorno, 2013, p. 174). O possível horizonte de tal realização pode ser compreendido somente voltando-se para o particular não idêntico, no sentido de perceber sua determinação como resistência às predeterminações do pensamento sistemático. Mais do que isso, o particular requer libertar-se dos grilhões do ímpeto determinante sobreposto pela coerção dominadora de uma subjetividade universal para ir além de si mesmo e, por conseguinte, emancipar-se daquele sortilégio da compreensão do espírito absoluto como totalidade sistemática e fechada.
4 Narciso em rota de colisão: progresso ou regressão?
A marcha do espírito absoluto, cujo desenho se assemelha à projeção narcísica da subjetividade de um Eu que permanece idêntico a si mesmo no decorrer de suas experiências - entendidas enquanto processos ou modos de apropriação subjetiva dos objetos e da natureza - remonta à construção da subjetividade no mundo ocidental, a qual encontra seu protótipo na famigerada trajetória de Ulisses, herói da epopeia homérica, que depois de todas as peripécias e descaminhos vivenciados em sua extensa viagem, retorna à sua terra natal, a ilha de Ítaca, onde (quase) tudo permanecia como era antes do seu longo exílio. Para retornar em segurança à sua pátria, Ulisses notabilizou-se por sua conduta, a qual se considera a expressão máxima da ação humana cuja finalidade é a dominação das forças da natureza interna e externa, pois, em suas (des)venturas longe de casa, tinha que lutar e vencer astuciosamente as intempéries das forças naturais externas, bem como sua natureza interna, representada e manifesta em seus desejos, suas vontades e paixões, desde os mais imediatos até os mais recônditos; isso, quando não se via diante da luta contra ambas as forças da natureza ou quando a batalha na realidade externa era uma consequência dos conflitos internos e/ou vice-versa. É nessa perspectiva que a universalidade, tal como foi colocada na Dialética do esclarecimento, condiz com a racionalidade de dominação da natureza interna e externa do homem. Assim como Ulisses, a subjetividade dominadora parece ter vencido as incontáveis batalhas no curso da história e prevalece, com o mesmo semblante, senhora de suas posses. Com efeito, a história é a narrativa dos dominadores, que nada mais é que a justificativa dos vencedores frente ao sofrimento dos vencidos e diante dos destroços e ruínas, que se apresentam como resíduos dos esforços bárbaros; esforços colocados em movimento pelo impulso de autopreservação do sujeito, senhor de si, do mundo natural e arquiteto da história universal.
Ora, se a história universal há de ser construída e negada (cf. Adorno, 1995, p.266), isso significa que há que se mobilizar o recurso à totalidade, mas eximindo-a do risco de torná-la uma afirmação positivista atada ao mero dado factual. Por outro lado, pondera Safatle (2019, p. 101), “a história universal e, com isso, o espírito do mundo, devem ser negados a fim de salientar como, até agora, a unidade entre os vários momentos históricos se deixa ler apenas como aprofundamento progressivo dos mecanismos de dominação da natureza”; o que levará à afirmação de Adorno (2009, p. 266) que diz: “Não há nenhuma história universal que conduza do selvagem à humanidade. Mas certamente uma que conduza da atiradeira à bomba atômica”. No sentido proposto, a história universal, como Safatle (2019, p. 101) acrescenta, “seria assim o desenvolvimento progressivo e irradiador de experiências em solo europeu, perpetuando uma chave de leitura histórica necessariamente colonial”.
Embora Adorno não se refira diretamente ao problema do colonialismo e seu dilema moral e político é o imperativo de que “Auschwitz não se repita” (Adorno, 2009, p. 302), é nessa esteira que segue a crítica do filósofo ao espírito universal da identidade dominadora, que, na medida em que ignora a determinação particular e não idêntica daquilo com o que se relaciona - no processo autoconsciente de conhecer-se a si mesmo -, considerando tais determinações algo meramente circunstancial, contingente e finito, sucede o sofrimento humano e as catástrofes; pois, em sua relação com o particular, o espírito, segundo Hegel (2006, p. 53-54):
também não se importa de utilizar tantas raças humanas e gerações no trabalho do seu tornar-se consciente, de fazer um dispêndio ingente de natureza e morte; é suficientemente rico para tal desperdício; exerce sua obra no que é grande; tem nações e indivíduos bastante para dissipar (...). Tempo, cansaço, desperdício, semelhantes determinações derivadas da vida finita não tem aqui cabida.
O que denota a marcha progressiva do espírito é o predomínio e a determinidade do universal sobre o particular, cuja dialética se estabelece como a estrutura mesma da lógica e da história. O que se reclama é a afetividade recíproca entre ambos; pois, assim como o sujeito e o objeto se alteram mutuamente em sua interação mediada - como Hegel previu -, o universal deveria efetivamente se modificar no âmbito de sua relação com o particular, mas não apenas ganhando algo mais em determinação e concretude. Mais do que se modificar, a reivindicação de Adorno é que o particular recobre sua força e poder emancipador diante do universal. A sobreposição triunfal do universal sobre o particular é o que permite que a história universal seja contada do ponto de vista dos vencedores3, tal como percebera Walter Benjamin (cf. 1994, p. 225); sob esse viés, criticada por Benjamin e Adorno, a história possui um significado positivo e representa a unidade contínua do progresso manifesto nas sucessivas figuras do espírito. Todavia, agora em registro francamente hegeliano, Adorno (cf. 1995, p. 40) adverte que somente a totalidade permite pensar o progresso em suas descontinuidades, o que conduz o autor a afirmar que “o progresso acontece ali onde ele termina” (Adorno, 1995, p. 47).
Entretanto, à guisa das reflexões de Benjamin em suas teses sobre o conceito de história, pode-se atestar, com Adorno, que o pensamento da totalidade é falível na medida em que representa a descontinuidade e a interrupção permanente, haja vista que o elemento afirmativo mente acerca daquela ideia de progresso, segundo a qual, as coisas tornam-se melhores (cf. Adorno, 2008, p. 92). O que de fato procede no transcorrer da história é a descontinuidade dentro da continuidade, ou seja, é a permanência da catástrofe, que representa a afirmação positiva do que se convencionou chamar “progresso”, e a negação contínua da não identidade e da contradição enquanto regressão; isto é, a ostentação da dominação universal da identidade. Ora, na medida em que se supõe a possibilidade de um progresso verdadeiro - que pressupõe uma ser humano livre e com acesso aos bens necessários a uma existência digna - esse é traído e transformado em falácia em nome do triunfo da dominação da natureza.
O que Benjamin muito bem observou em suas teses sobre o curso da história, e Adorno endossou, foi a ininterrupta e progressiva história da opressão e da catástrofe observadas sobretudo no decorrer do século XX, e que encontram sua expressão mais bem acabada nos campos de concentração da Alemanha nazista. Essas catástrofes têm seu correlato estético na interpretação benjaminiana do quadro Angelus Novus, de Paul Klee4, obra que, consoante Benjamin (1994, p. 226):
Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula ruína sobre ruína e as dispersa aos nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-la. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.
O anjo da história, no sentido proposto por Benjamin, é simultaneamente análogo e diferente do universal enquanto espírito do mundo que se efetiva nos momentos particulares da história. É análogo na medida em que a história para ambos segue contínua e inexoravelmente seu curso, entretanto, é diferente uma vez que, se para Hegel, o curso do mundo segue uma trajetória evolutiva, progredindo na efetivação contínua de cada um de seus momentos particulares e visando alcançar sua máxima determinação como espírito universal, para Benjamin, as realizações do espírito denotam a consubstanciação da catástrofe, que faz justamente negar o caráter afirmativo e positivo das formas efetivas do espírito na história; por essa razão, o filósofo dirá que: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco o processo de transmissão da cultura” (Benjamin, 1994, p. 225). Logo, há em Benjamin uma união constitutiva da história que se define entre a continuidade e a descontinuidade, que encontra similaridades em Hegel na medida que, para ambos, a história segue contínua e incontinente seu curso; todavia, para Benjamin, assim como para Adorno, o curso do mundo condiz muito mais com uma espécie de regressão à barbárie do que com um suposto progresso do espírito. Essa conclusão parcial muito tem a dizer à questão que Adorno e Horkheimer (2006, p. 11) suscitam no prefácio à Dialética do esclarecimento, de 1944, que busca investigar “por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie”. Ora, se as catástrofes e a precarização da vida e da dignidade humana persistem, o curso da história não se constitui como progresso, mas como regressão, tal como testemunham o sofrimento, os destroços e as ruínas dispersas em seu percurso.
O verdadeiro progresso seria o embate contra o triunfo da regressão à barbárie, que se afigura como toda forma de violência, miséria, fome e descasos para com o sofrimento, os quais subsistem apesar de todo desenvolvimento técnico, tecnológico e social. Mas, Adorno não dispensa aquela noção de progresso portadora de uma esperança em dias melhores no porvir; pois, não haveria indícios de realização das promessas de redenção da humanidade sem a efetivação das figuras do progresso. Entretanto, toda vez que a civilização realiza seus progressos, emergem, simultaneamente e como contradições no âmbito dos próprios momentos de desenvolvimento, novas formas de dominação e supressão desses progressos. A noção de progresso em Adorno evita a ilusão retrógrada de um retorno ao passado pré-capitalista - como pretendiam os restauradores românticos -, porém, trata de salvaguardar as promessas e as potencialidades emancipadoras do progresso, preservando a memória das injustiças contra as quais o verdadeiro progresso se insurgiria.
No entanto, a efetivação das figuras universais do progresso é necessária para que se possa assisti-lo de maneira retrospectiva e projetiva, a fim de perceber em suas afigurações e contradições as possibilidades latentes de um progresso da humanidade como um todo, o que exigiria um sujeito emancipado, livre das peias e das determinações normativas de um modelo de subjetividade apropriadora e expropriadora do não idêntico; subjetividade que se objetiva e se reproduz nos fenômenos históricos como extensão da lógica de dominação do universal sobre o particular.
5 Considerações finais
A restituição ou empoderamento do particular no pensamento de Adorno implicou apostar na capacidade do não idêntico em transpor os limites da totalidade, sugerindo outra configuração ou um arranjo diferenciado entre os elementos constitutivos da dialética e permitindo a justaposição entre o particular e o universal como categorias explicativas da crítica adorniana ao pensamento sistemático de Hegel. A proposta foi, nesse sentido, destituir o caráter ordenador por meio do qual o pensamento apenas extrai dos objetos aquilo que já é em si ou a priori pensado, tal como nas filosofias sistemáticas do idealismo alemão de um modo geral e no pensamento de Hegel de modo específico.
Porém, buscou-se demonstrar que, assim como Hegel, Adorno aponta para uma dialética imanente, mas que implica na imersão no particular, para se pensar, junto com Benjamin, as categorias de progresso e regressão. Para se compreender essas categorias, foi necessário mobilizar o recurso adorniano ao modo de construção e apropriação subjetiva no mundo ocidental, que tem no protagonista da Odisseia de Homero o seu modelo originário, no intuito de compreender que a crítica ao progresso se trata da crítica do domínio técnico sobre a natureza e dos seres humanos uns sobre os outros. Essa lógica de dominação se expressa na história universal não como progresso, mas como regressão à barbárie, ilustrada sobretudo pelas catástrofes deflagradas no século XX.
Portanto, pôde-se constatar que a marcha da história universal, representada pela efetivação do espírito do mundo em suas figuras particulares se trata de uma narrativa dos vencedores, narrativa que busca ocultar os excessos bárbaros perpetrados no âmbito de uma dinâmica dominadora e regressiva, mas que se serve do mito do progresso como justificativa dos excessos bárbaros.
Referências
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1
Para Hegel, o ser é igualdade determinada do ser e do nada e igual apenas a si mesmo. Logo, o ser e o nada são o mesmo e desaparecem um no outro, em sua oposição; ambos têm sua verdade no devir, isto é, a unidade determinada do ser e do nada no momento de dissolução de suas diferenças. O ser aí surge do devir, como unidade simples do ser e do nada e tem a forma de um imediato, com efeito, o ser aí é ser determinado e sua determinidade é qualidade; o ser aí como qualidade deve ser tomado como realidade e como negação, graças à sua necessidade de se diferenciar como determinidade. Assim, o ser é indeterminado e abstrato enquanto o ser aí é determinado e concreto (cf. Hegel, 2016, p. 85,86, 113, 114, 115).
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Nesse contexto, o termo idealismo refere-se, mais enfaticamente, ao idealismo kantiano, haja vista que Kant situa o conhecimento na pátria do sujeito, ao passo que Hegel, por sua vez, torna esse sujeito absoluto.
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3
Nota-se aqui uma parcela importante da contribuição de Adorno ao que atualmente se chama pensamento decolonial; à diferença de dois dos pensadores da segunda geração da Teoria crítica. De acordo com Amy Allen (2016), as noções de progresso histórico, como desenvolvimento, evolução social e aprendizado sócio cultural, isto é, o progresso como um fato histórico, em Habermas e Honeth - pautadas, respectivamente, nas concepções de ação comunicativa e reconhecimento - são justificadas e fundamentadas em perspectivas normativas na medida em que defendem uma ideia de progresso histórico baseado em um imperativo moral-político orientado para o futuro (“progresso como imperativo”), isto é, um progresso menos comprometido com a noção de progresso como história empírica (progresso como “fato”), porém, mais filiado às construções discursivas acerca do progresso. No entanto, defenderá Allen, que a linguagem do progresso e do desenvolvimento, com a qual Habermas e Honeth estão comprometidos, é a linguagem da opressão e da dominação colonial.
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4
Gravura comprada por Benjamim, no ano de 1921, na cidade de Munique, considerada pelo filósofo “uma das suas mais preciosas aquisições e que ele descreveu de maneira lancinante em sua nona tese ‘Sobre o Conceito de História’” (Gagnebin, 1997, p. 123).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jan 2025 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
05 Nov 2023 -
Aceito
14 Jun 2024