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Caráter, virtude e situacionismo

Character, virtue and situationism

RESUMO

Este texto pretende apontar aspectos da agência moral aristotélica, que pressupõe que existe algo, o caráter, que sustenta a existência de linhas robustas do ponto de vista do comportamento, moral, da nossa constituição moral, e que acaba por definir o modo pelo qual agimos, e, por conseguinte, operando como algo que realmente nos define. Essa noção de caráter é majoritária entre os comentadores de Aristóteles, ainda que interpretações distintas possam ser defendidas sobre o alcance dessa disposição de caráter em Aristóteles. Tal concepção grassou ao longo dos tempos, mas vem sendo questionada - ao menos sua leitura mais tradicional - por estudos recentes acerca da psicologia social, que atenua ou rejeita a ideia de um caráter que sustente a nossa agência moral, afirmando que não é este, mas as situações que determinam o agir. Nessa perspectiva, temos especialmente Nisbet, Ross, Doris e Harman, os quais, a partir dos resultados concernentes à psicologia social experimental, chegam a afirmar que não haveria isto que entendemos por caráter, o que implicaria em um sério problema para a conhecida ética das virtudes, já que esta requer, na maior parte de suas formulações, a ideia de um caráter absolutamente robusto (Harman), que nos permitiria prever o comportamento de um agente em uma dada circunstância (Doris).

Palavras-chave:
Aristóteles; caráter; virtude; situacionismo

ABSTRACT

This text intends to point out aspects of the Aristotelian moral agency, which presupposes that there is something, the character, which supports the existence of strong lines from the point of view of behavior, morals, of our moral constitution, and which ends up defining the way in which we act, and therefore operating as something that really defines us. This notion of character is the majority among Aristotle’s commentators, although different interpretations can be defended about the scope of this character disposition in Aristotle. This conception has spread over time, but it has been questioned - at least its more traditional reading - by recent studies on social psychology, which attenuates or rejects the idea of a character that supports our moral agency, stating that this is not the case, but the situations that determine the action. From this perspective, we especially have Nisbet, Ross, Doris and Harman, who, based on the results concerning experimental social psychology, even claim that there would not be what we understand by character, which would imply a serious problem for the well-known ethics of virtues, as this requires, in most of its formulations, the idea of ​​an absolutely robust character (Harman), which would allow us to predict the behavior of an agent in a given circumstance (Doris).

Keywords:
Aristotle; character; virtue; situationism

Introdução

O que pretendemos investigar aqui lança nuvens carregadas sobre a psicologia moral aristotélica, e que não teria sido, até o momento, questionada acerca de suas noções de virtude e caráter. Isto dar-se-ia pelo fato de que a psicologia moral aristotélica estaria sujeita a críticas empíricas em princípio demolidoras. Logo, o situacionismo representado por Doris e Harman, dentre outros, refutaria sem dó e piedade a noção de que há uma fonte psicológica estável, nosso caráter, que é subjacente a muito de nossos comportamentos (Machery), e, por conseguinte, toda ética das virtudes baseadas no caráter, inclusive colocando em xeque o modo pelo qual adquiriríamos a virtude, não mais através do hábito como em Aristóteles, ou seja, que nós não nos tornaríamos virtuosos pelo fato de agirmos virtuosamente.

Na realidade, bastaria atribuir aos indivíduos - ‘em circunstâncias corretas e de modo correto’ -, virtudes, mesmo que eles não as possuam: para Aristóteles nos tornamos corajosos agindo virtuosamente, para outros, e como é o caso de Alfano, nos tornamos corajosos, ou quase corajosos, a partir do momento em que somos chamados corajosos, ou seja, temos uma construção social da virtude, ou de uma factitious virtue (virtude artificial). Tendo em vista esse panorama, tentaremos mostrar as deficiências da tese situacionista diante da construção aristotélica, bem como os limites da assim denominada construção social da virtude.

Ética das virtudes e o situacionismo

Existe, acerca da ética aristotélica - especialmente quando se trata da Ética Nicomaqueia (EN) - uma leitura majoritária sobre o papel que o caráter desempenha na sua psicologia moral, concebendo-o como algo, se não inflexível, ao menos dificilmente contornável, ou, ao menos, a possibilidade de modificar uma dada disposição de caráter não é uma realidade prática, podendo ser considerada apenas uma elaboração teórica, ou seja, haveria uma assimetria entre a prática e a teoria, mesmo que não encontremos uma afirmação peremptória a esse respeito na ética aristotélica. Ainda assim, temos indícios da força do caráter com base em uma série de evidências textuais que podem ser mais ou menos questionadas, mas que de algum modo dão guarida à leitura supramencionada.

Em EN I, temos a consideração de que uma condição imprescindível para a consecução da eudaimonia pressupõe uma atividade da alma em conformidade com a virtude, algo reiterado continuamente por Aristóteles (ENARISTÓTELES, -. 1942. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts. 1100b9-11), pois reside na constatação de que a atividade virtuosa é essencialmente uma atividade perpassada por uma fixidez, e estabilidade, que é própria do que entendemos como uma ação virtuosa (EN 1100b15-17), essa estabilidade é inerente ao homem feliz, na medida em que “ele se engajará nas ações e contemplações conformes à virtude e suportará os golpes do destino com a maior dignidade” (EN 1100b18-22), o que caracteriza o homem considerado verdadeiramente bom (aletôs agathos). O homem bom, em função de sua nobreza de alma, suportará todo e qualquer infortúnio, toda e qualquer vicissitude que a vida poderá lhe trazer, superando essas vicissitudes e infortúnios com uma serenidade própria de quem age em conformidade com a virtude, porque “nenhum homem feliz pode tornar-se miserável. Jamais ele executará ações odiosas e vis” (EN 1100b33-34).

Isso parece indicar de modo enfático a impossibilidade de que o virtuoso, o homem verdadeiramente bom, mude de caráter, ou mesmo aja contra sua disposição. A atividade do virtuoso, então, está pautada em um tipo de estabilidade, uma fixidez, fruto de uma disposição de caráter originada em um hábito, que funcionaria como uma segunda natureza1 1 Alguns comentadores de Aristóteles como, por exemplo, D. J. Furley (1967), acreditam que, uma vez adquirida uma determinada disposição de caráter, necessariamente o agente agirá em conformidade com esta disposição. As únicas ações que não estariam sujeitas a este determinismo seriam as ações realizadas anteriormente à formação do caráter. .

Essa estabilidade do caráter do virtuoso pode ser observada em variadas passagens da EN. Por exemplo, em 1099a20-23 temos a que as ações são boas e nobres tanto quanto prazerosas, pois o virtuoso julga as coisas corretamente (cf. também 1113a29-30), e, em cada caso, a verdade aparece para ele: “pois cada disposição [de caráter] tem a sua própria visão distintiva do que é nobre e prazeroso. Presumivelmente, então, o virtuoso (spoudaios) é superior porque ele vê o que é verdadeiro em cada caso, sendo ele mesmo um tipo de regra e medida (kanôn kai metron) (1113a31-33).

O virtuoso está de acordo consigo mesmo, e deseja2 2 “O agente virtuoso é aquele em que todos os fatores da ação voluntária são realizados de um modo excelente. (i) As disposições de caráter do agente são boas; são virtudes. Elas causam os fins dos agentes, os quais são intermediários relativos a cada dimensão da virtude. Desde que as disposições de caráter são estados da parte desejante da alma, o agente virtuoso deseja - mais precisamente, quer - o que é intermediário com respeito a cada dimensão da virtude. (ii) O intelecto prático do agente opera sem falhas. O agente possui sabedoria prática. (...) Todos os outros desejos do agente estão plenamente alinhados com o que o agente quer” (Bobzien, 2014, p. 101-102). a mesma coisa que está em sua alma (1166a13-14), escolhendo o nobre ao custo de todo o resto (1169a31-32), na medida em que desfruta das ações em conformidade com a virtude, refutando as ações viciosas.

O mesmo ocorre na complexa passagem da EN V 1, ao discutir a justiça (dikaiosunê), Aristóteles afirma a existência de uma distinção entre as disposições de caráter, as ciências e as capacidades, na medida em que há uma única capacidade, bem como uma única ciência, para os contrários, o que não é o caso para as disposições concernentes ao caráter, pois essas últimas, ao produzirem um determinado efeito, não poderão produzir um efeito contrário3 3 Atos contrários geram disposições contrárias: uma vez adquirida dada disposição, os atos só poderão se originar desta mesma disposição, e não de uma disposição contrária: “as disposições morais provêm de atos que se lhe assemelham” (EN 1103b21). . Vejamos toda a passagem: “Com efeito, as ciências e as capacidades, de um lado, e as disposições, de outro, não procedem do mesmo modo. É-se de opinião que a capacidade e a ciência são a mesma para os contrários, ao passo que a disposição contrária não é dos contrários” (1129a11-15).

Assim, fica constatada a aparente impossibilidade, ao menos nessa passagem, da mudança da disposição de caráter, ou mesmo a impossibilidade de agir contrariamente a essa disposição, no que se refere ao virtuoso.

Essa passagem não parece encontrar contestação entre importantes comentadores da ética aristotélica4 4 Exceto P. Donini (1989, 2014), que identificou em EN V1 uma demonstração de que houve uma mudança de abordagem em relação à Ética Eudemia, que possuiria uma concepção eventualmente mais libertária. Tal concepção não ocorre na ética mais madura de Aristóteles, onde EN V1 representa a quase impossibilidade de agir contrariamente à disposição de caráter adquirida. , que em geral tangenciam as implicações do que parece ser evidenciado pelo texto. Uma postura discrepante é a de Marco ZinganoZINGANO, M. 2017. Aristóteles. Ethica Nicomachea V. Tratado da Justiça. São Paulo, Odysseus., que propõe uma possível solução para essa difícil passagem:

O ponto importante é que o agente racional, quando age do mesmo modo, assim o faz porque reitera as mesmas razões para agir, mas reiterar é asserir estas razões a cada ação que faz, e é exatamente isso o que permite vir a agir diferentemente, em função de suas análises sobre as circunstâncias em que a ação ocorre. Isto vale quando o elemento que decide é a razão prática sob a forma da escolha deliberada. Aristóteles, porém, também lista o desejo como elemento de determinação da potência racional e, neste último caso, temos de lidar com expressões não-racionais de fixação do caráter, que podem ir em direção favorável ou contrárias às crenças ou razões aceitas; quando contrárias, podem tornar-se de tal modo avessas à razão que o agente se torna por assim dizer incurável (2017, p. 154).

Não há, entre a maior parte dos comentadores supramencionados da ética aristotélica - e nem entre os que investigam a ética aristotélica nos últimos decênios -, qualquer dúvida mais substancial acerca da posição aristotélica no que concerne ao capítulo 1 do livro V da Ethica NicomacheaARISTÓTELES, -. 1942. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts.: há um entendimento claro que uma vez adquirida uma determinada disposição de caráter, seu contrário estaria absolutamente descartado, ou seja, haveria, neste caso, a impossibilidade da mudança de caráter em Aristóteles, o que traria como consequência uma possível leitura determinista dura no que concerne à ética aristotélica, polarizando radicalmente com a posição situacionista, e ainda acarretando uma discussão acerca de como conciliar este possível determinismo com a questão da responsabilidade moral.

O mesmo fenômeno ocorre em passagens referenciais do livro III da EN, como em 1114a9-21 (da qual reproduzirei uma parte):

(...) Todavia, isto não significa que, sendo injusto, cessará de o ser quando quiser e ficará justo; tampouco o doente cessa de estar doente e fica são quando quer. Contudo, se assim ocorre que leva uma vida de modo acrático e não obedece aos médicos, adoecerá voluntariamente. Por um lado, era-lhe, em um momento, possível de não adoecer; tendo dissipado a saúde, não lhe é mais possível, assim como não é mais possível àquele que lançou uma pedra recuperá-la; no entanto, estava em seu poder o lançar, pois o princípio estava nele. Similarmente, era possível ao injusto e ao intemperante não se tornarem tais no início, e por isso o são voluntariamente. Porém, aos que se tornaram injustos ou intemperantes, não lhes é mais possível não o serem.

Encontramos a mesma situação quando AristótelesARISTÓTELES, -. 1949. Categoriae et Liber De Interpretatione (L. Minio-Paluello). Oxford, Oxford Classical Texts . se detém sobre a incurabilidade do intemperante:

(I) Dado que alguns prazeres são necessários e alguns não, e que os necessários o são até um ponto, mas o excesso não é necessário, nem a deficiência, e de modo similar com os apetites e dores, o tipo de pessoa que persegue o excesso em termos do que é prazeroso, ou persegue o que é prazeroso em excesso, e devido à escolha deliberada, perseguindo os prazeres ele o faz em função deles mesmos e não em função de alguma outra coisa que resulte deles, este é verdadeiramente um intemperante, desde que necessariamente não possui arrependimentos, e assim é incurável (aniatos) (1150a16-22).

(2) O intemperante, como foi dito, não é do tipo que tem arrependimentos, pois se atém a sua escolha deliberada, enquanto o incontinente (akratês) é capaz de arrepender-se. Portanto, não é como sugerimos quando formulamos os problemas: o intemperante é incurável, e o incontinente curável, pois a maldade (mokthêria) é comparável à enfermidades como a hidropsia e a tuberculose, e a incontinência aos ataques de epilepsia, a primeira é um mal crônico, e a outra um mal intermitente. E incontinência e a maldade são de fato completamente diferentes em gênero (1150b29-36).

Esse texto, que está inserido na nossa preocupação acerca dos estudos aristotélicos no últimos anos, pretende apontar aspectos da agência moral aristotélica, que pressupõe que existe algo, o caráter, que sustenta a existência de linhas robustas do ponto de vista do comportamento moral, da nossa constituição moral, e que acaba por definir o modo pelo qual agimos, e, por conseguinte, operando como algo que realmente nos define. Vimos acima que, em se tratando do virtuoso e do vicioso, há uma ênfase em demonstrar a fortaleza da disposição de caráter em Aristóteles.

Tal concepção grassou ao longo dos tempos, mas vem sendo questionada por estudos recentes acerca da psicologia social experimental, que atenua bastante ou rejeita a ideia de um caráter que sustente a nossa agência moral, afirmando que não é esse, mas as circunstâncias, as situações, que determinam o agir.

Há toda uma construção, que remonta mais especialmente a Aristóteles, que dá ao caráter um papel fundamental na constituição moral do agente, na medida em que essa disposição determina o tipo de pessoa que ele é. O alcance desta disposição de caráter, dessa hexis, é motivo de disputa, pois envolve a possibilidade, ou não, do agente poder agir de outro modo, se ela é incontornável ou permite algum tipo de flexibilidade que facultaria ao agente que o curso da ação dependesse dele, ou seja, estaria aberto a ele fazer x ou seu contrário, o que é compreendido hodiernamente como o princípio das possibilidades alternativas.

Independentemente dessa discussão, são exatamente as passagens acima que estão na base da crítica situacionista no que concerne à concepção aristotélica de caráter, pois as mesmas apontam para algo, uma disposição de caráter, absolutamente incontornável, o que, na percepção dos situacionistas, é completamente equivocado.

Assim, essa questão, o caráter - sobretudo a possível visão aristotélica, e a neoaristotélica denominada contemporaneamente por ética das virtudes - foi colocada em xeque por filósofos morais como Doris ou Harman que, a partir dos resultados concernentes à psicologia social chegam a afirmar que não haveria isto que entendemos por caráter, o que implicaria em um sério problema para a conhecida ética das virtudes, já que essa requer, na maior parte de suas formulações, a ideia de um caráter absolutamente robusto (Harman, 2000bHARMAN, G. 2000b. Moral philosophy meets social psychology. Virtue ethics and the fundamental attribution error. In: G. HARMAN. Explaining Value and Other Essays in Moral Philosophy. Oxford, Clarendon Press, p. 166-178., p. 224), que nos permitiria prever o comportamento de um agente em uma dada circunstância (Doris, 1998DORIS, J. M. 1998. Situations, persons, and virtue ethics. Noûs, 32(4): 504-530., p. 505). Tal concepção lança a suspeição de que a psicologia moral aristotélica pode ser mais problemática que “os filósofos engajados no debate sobre ética e caráter pensaram.” Isto dar-se-ia pelo fato de que a psicologia moral aristotélica estaria sujeita a críticas empíricas (Doris, 1998DORIS, J. M. 1998. Situations, persons, and virtue ethics. Noûs, 32(4): 504-530., p. 505)5 5 Se o pressuposto inicial considerado pelos situacionistas está em conformidade com as intenções aristotélicas, o que, como veremos, é um ponto crucial de discussão. . Logo, o situacionismo refuta sem dó a noção de que há uma fonte psicológica estável, nosso caráter, é subjacente a muito de nossos comportamentos” (Machery, 2011MACHERY, E. 2011. As desoladoras implicações da psicologia moral. In: N. STRUCHNER (Org.): Ética e Realidade Atual. Implicações da Abordagem Experimental. Rio de Janeiro, Editora PUC Rio, p. 37-60., p. 39), e, por conseguinte, toda ética das virtudes baseadas no caráter. E muito menos a ideia de um caráter inflexível que as passagens mencionadas acima apresentam.

Muito dessa discussão foi trazida à tona por Ross e Nisbet (2011ROSS, L; NISBETT, R. E. 2011. The Person and the Situation. Perspectives of Social Psychology. London, Pinter & Martin.), que procuraram desconstruir as concepções leigas, ou do senso comum, que grassaram, e grassam, acerca da “natureza e das causas do comportamento humano, e sobre a previsibilidade do mundo social” (Ross; Nisbet, 2011ROSS, L; NISBETT, R. E. 2011. The Person and the Situation. Perspectives of Social Psychology. London, Pinter & Martin., p. 1). O objetivo era conciliar, ou reconciliar, o senso comum com as evidências empíricas da psicologia social, buscando demonstrar a ausência de acuidade na tentativa de determinar o que dada pessoa é, ou seja, é difícil prever como alguém vai agir nas variadas situações em que estará imerso, expondo a incapacidade de “prever” o modo pelo qual responderá a cada uma dessas situações, isto é, nossa capacidade de antecipar o que um agente fará em dada situação é demasiado limitada (Ross; Nisbet, 2011ROSS, L; NISBETT, R. E. 2011. The Person and the Situation. Perspectives of Social Psychology. London, Pinter & Martin., p. 2), o que, em geral contraria o senso comum, que vê possível prever como um indivíduo comportar-se-á em dada situação, deixando como pressuposta a ideia de que há algo que nos define, uma disposição de agir de certo modo, perfeitamente previsível, se não em todas, na maioria das situações, sendo uma ilusão cognitiva (Ross; Nisbet, 2011ROSS, L; NISBETT, R. E. 2011. The Person and the Situation. Perspectives of Social Psychology. London, Pinter & Martin., p. 7).

Para Ross e Nisbet, o conhecimento que temos de um dado agente y é de pouca valia se queremos predizer como ele agirá em uma circunstância x. O que possui valia para isso são “os detalhes concernentes à situação” (2011, p. 3), os elementos mais sutis, os detalhes contextuais “que a investigação empírica tem mostrado serem os fatores influenciando a intervenção do expectador” (idem). Isso é o que eles denominam “o poder das situações”, situações que fazem toda a diferença a despeito das crenças das pessoas leigas, que não reconhecem a imprevisibilidade fundamental do comportamento6 6 Segundo Harman, a queixa dos que renegam a psicologia social como fonte da crítica à ética baseada nas virtudes, e, por conseguinte, na concepção de caráter está mal posta, pois quem deveria se ocupar desse tipo de análise seria a psicologia da personalidade. Harman não aceita a ponderação, pois segundo ele a psicologia da personalidade estaria baseada em concepções populares, do senso comum, a respeito da personalidade, concepções às quais faltariam a acurácia necessária própria à psicologia social, que é o locus da análise do caráter e da personalidade (Harman, 2003, p. 89). A razão disso é bem simples, pois a psicologia social permitiria que os equívocos desenvolvidos por uma psicologia baseada no senso comum impediriam que incorrêssemos no “erro fundamental de atribuição”, responsável pelo desprezo aos fatores situacionais (Harman, 2003, p. 90). : “A crença excessiva na importância dos traços da personalidade e das disposições [de caráter], juntamente com sua falha em reconhecer a importância dos fatores situacionais influenciando o comportamento, tem sido designado como erro fundamental de atribuição (fundamental attribution error)” (2011, p. 4).

Pode-se esboçar o intuito de Ross e Nisbet em três pontos ou princípios essenciais: (i) o primeiro diz respeito ao poder e sutileza das influências situacionais; (ii) a importância da interpretação subjetiva das pessoas da situação; e (iii) a necessidade de entendimento das psiquês dos indivíduos e grupos sociais como sistemas de tensão ou ‘campos’ de energia entre força que impelem e restringem (2011, p. 8). Com isso, eles desafiam o senso comum ‘disposicionista’, que “inferem disposições do comportamento que é produzido de modo manifestamente situacional”, “negligenciam fatores de contexto situacional de importância substancial” e fazem previsões demasiado confiantes quanto a uma pequena quantidade de informações relevantes dos traços [de caráter] (p. 126).

Dentre os expoentes que buscam aprimorar a filosofia moral com o auxílio dos experimentos da psicologia social, John Doris é um dos mais reconhecidos nomes do situacionismo, ou a concepção segundo a qual nossas ações são determinadas pelas circunstâncias nas quais o agente se encontra, e não por qualquer traço do que entendemos por caráter, ou seja, o que, em linhas gerais, determinaria quem nós somos.

Em Lack of CharacterDORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., Doris sustenta a necessidade de que a investigação ética não pode descurar da análise da psicologia humana, o que vem sendo feito pelos filósofos de maneira habitual (2002, p. 1). Ora, a psicologia social experimental, neste sentido, tem contribuído intensamente para diminuir o alcance e a contribuição de uma ética fundada no caráter, e, mais importante, ela teria desmistificado a própria ideia de caráter, aquilo que definiria quem realmente somos, mostrando que tal concepção estaria equivocada, e que o agente não traria consigo manifestações comportamentais definidas, seja na direção do bem/virtude ou do mal/vício. Por conseguinte, não seria o caráter, mas as circunstâncias ou situações que determinariam “a textura moral” de uma vida (idem).

Assim, a longa tradição fundada no caráter e na virtude não suportaria adequadamente as investigações da psicologia experimental - e o foco da desconstrução da ideia de caráter é Aristóteles ‘e sua problemática psicologia moral’ baseada na ideia de caráter -, a qual evidenciaria o papel fundamental exercido pela variabilidade atinente às circunstâncias preponderantemente diante do caráter (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 2): “o registro experimental sugere que os fatores situacionais são, seguidamente, melhores preditores do comportamento do que fatores pessoais” (idem). Deste modo, as pesquisas da psicologia experimental levariam à forte conclusão que às “pessoas, tipicamente, lhes falta caráter” (idem) - não existe algo como estruturas de caráter, o que seguidamente as pessoas não possuem (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 6) -, o que desafiaria muito do que os filósofos morais empreenderam ao longo do século XX, filósofos morais que, segundo Doris, ignoraram por completo qualquer contribuição que poderia advir da psicologia experimental (Doris, 2002, p. 4). Isto denotaria um erro, pois não seria razoável deixar a investigação ética isenta de considerações de tipo experimental.7 7 “Seres humanos e problemas éticos por eles encontrados são em algum sentido razoavelmente substancial fenômenos naturais que podem ser iluminados pelo recurso à metodologias empíricas com afinidades com as das ciências” (Doris, 2002, p. 4).

Não haveria nada de surpreendente nisso, pois, quando discorremos sobre o caráter, trazemos uma bagagem descritiva apropriada para a avaliação empírica (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 5). Normalmente, esperamos conhecer algo sobre o caráter de alguém observando seu comportamento, o que o torna inteligível e passível de predizer o que esperar desta pessoa. O problema é que todo e qualquer discurso sobre o caráter é complexo, devido à convivência de “elementos avaliativos e descritivos (...) e não neutros [do ponto de vista da avaliação]” (idem).

Por tal razão, Doris afirma que “as explanações filosóficas referentes ao caráter são inferiores às aduzidas pela psicologia social experimental” (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 6), já que não há limites acuradamente delineados entre a investigação factual e a avaliativa.

Em função disto, conforme Doris, é necessário estar atento à investigação empírica tal qual a propiciada pela psicologia social, que poderia agregar algo à investigação filosófica sobre a ética. No caso de Doris, mas não somente, essa investigação levará a questionamentos sobre a própria concepção de caráter entendido como algo que define inexoravelmente nosso comportamento, tão caro à tradição antiga, bem como à rediviva ética das virtudes contemporânea.

De acordo com Doris, também a tradição neoaristotélica - baseada na retomada da centralidade da virtude e do caráter -, está sendo sujeita a uma revisão com profundas implicações na filosofia moral a partir das investigações e experimentos da psicologia social, isso envolve principalmente as teses aristotélicas. Doris recorda que na perspectiva aristotélica há toda uma noção apontando para uma quase incontornabilidade e inflexibilidade do caráter, na medida em que a virtude é uma disposição de caráter, o que pressupõe que as mesmas são “manifestações comportamentais confiáveis” (2002, p. 506), o que limitaria, ou mesmo inviabilizaria, a possibilidade do virtuoso agir viciosamente, o que aparece em todo sua ênfase na própria descrição do prudente (phronimos), na medida em que este age imperativamente bem diante de qualquer circunstância (idem), o que assegura uma previsibilidade do ponto de sua ação em toda e qualquer situação.

Assim, a psicologia moral aristotélica apresenta em seu cerne uma “consistência valorativa, (...) mantendo que em uma dada personalidade, a ocorrência de um traço [de caráter] com uma valência valorativa particular está relacionada probabilisticamente à ocorrência de outros traços com valência valorativa similar” (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 506), o que torna evidente que Aristóteles, quando trata do caráter, o entende como algo robusto e integrado, pressupondo uma “confiabilidade comportamental” (idem), a partir da “constituição moral” representada pela disposição de caráter, uma constituição moral, ou, como ficou conhecido na literatura situacionista como “cross-situational consistency” (consistência trans-situacional). O problema é que, para Doris, não há nenhuma confiabilidade na defesa da existência de traços robustos de caráter, pois, embora admita a existência de traços locais que eventualmente expõe possíveis diferenças entre as pessoas, esses traços locais não originam os padrões globais de comportamento esperados, uma “inter-consistência situacional” (2002, p. 507).

O globalismo, ou a noção de caráter globalista, supõe: (a) consistência, (b) estabilidade e (c) integração valorativa (2002, p. 22), o que garante que o caráter ou a personalidade formem um todo “mais ou menos coerente e integrado com implicações comportamentais” (2002, p. 22-23), e de certo resistentes às situações: o “Globalismo constrói a personalidade [ou caráter] como uma associação valorativa integrada de traços robustos.” Segundo ele, a psicologia moral baseada no caráter e psicologia da personalidade partilham a ideia de consistência e estabilidade, embora o terceiro aspecto, a integração valorativa diga mais respeito à ética baseada no caráter, devido ao fato de que “a integração compreensiva requerida pelas teses da inseparabilidade e unidade [das virtudes] tenha sido objeto de suspeição.” (2002, p. 23). De toda maneira, do ponto de vista da psicologia moral, “as concepções globalistas são empiricamente inadequadas” (idem).

Contra a perspectiva globalista, é constituída uma posição situacionista, cujos fundamentos repousam em três pontos principais: “(1) a variação comportamental ao longo da população deve-se mais às diferenças situacionais do que a diferenças disposicionais entre as pessoas; (2) a observação sistemática problematiza a atribuição de traços robustos, o que não nega a existência de estabilidade, reconhecendo que os indivíduos podem exibir uma certa regularidade comportamental em situações similares; (3) a personalidade não é valorativamente integrada, pois disposições valorativas inconsistentes podem ‘coabitar’ em uma única personalidade.” (2002, p. 24-25). De um ponto de vista geral, Doris não aceita a ideia de traços de caráter robustos, mas permite a ideia de que existem traços locais que provocam “diferenças individuais no comportamento.” (2002, p. 25).

É verdade, ressalta Doris, que poderíamos elaborar uma tese mais modesta acerca do caráter e da virtude8 8 Segundo Doris, os traços de caráter e personalidade são invocados para explanar o que as pessoas são e fazem, o que é, no mais das vezes, inapropriado (2002, p. 15), na medida em que não nos fornece informações suficientes para determinar ou definir quem uma pessoa é, ou permitir desvelar o modo pelo qual vai agir, ou seja, os traços em geral, e em particular as virtudes, são pensadas como delimitadas como disposições de agir de um certo modo. As virtudes pressupõe uma disposição relacionadas com cognição, motivação e emoções, e, como reconhece Doris, envolve aspectos internos e externos (2002, p. 16), não é mera disposição, mas “uma disposição inteligente”, “envolvendo deliberação e decisão” (2002, p. 17), tal como ocorre na ética aristotélica, e nas éticas contemporâneas da virtudes, onde temos uma concepção das virtudes como traços robustos de caráter, externando uma consistência comportamental que permitiria predizer como um indivíduo age, ou, dito de outro modo, quem ele é, ao longo, e em face, de uma multiplicidade de situações (2002, p. 18), o que pressupõe uma visão globalista [equivocada] acerca da disposição de caráter representada pela virtude. , ao admitirmos que podemos considerar a posse das virtudes algo bem raro, mas isto traz dois problemas: (a) não contradiz o situacionismo, pois a versão modesta aponta para a raridade da existência de uma pessoa verdadeiramente virtuosa, e (ii) contradiria a abordagem forte dada ao caráter por Aristóteles, o que retiraria a substancialidade de sua posição, bem como enfraqueceria o ponto fulcral de sua psicologia moral (1998, p. 511-512), pois, segundo o autor, uma ação correta, virtuosa, é fruto do caráter desenvolvido pelo agente (1998, p. 515). Em (ii), há a menção à posição fundamental desempenhada pelo caráter na psicologia moral de Aristóteles, e, se enfraquecermos essa posição, não admitindo traços robustos globais, isso enfraqueceria a própria ideia de responsabilidade moral, já que caráter e responsabilidade moral estão vinculados na ética aristotélica. Mas isso não é um problema para Doris, pois existem outras leituras possíveis sobre a questão da responsabilidade não necessariamente aristotélicas, e mesmo os situacionistas podem lidar sem problemas com tal questão até porque as abordagens baseadas no caráter estão sujeitas a uma crítica empírica nociva (1998, p. 520). Para Doris, “questões de responsabilidade moral concernem substancialmente à propriedade de ‘atitudes reativas’; a importância da avaliação de responsabilidade deriva em larga medida de seu papel em moldar respostas morais tais como raiva, ressentimento, aprovação e admiração” (2002, p. 128-129), na medida em que as atitudes reativas tem uma preocupação importante com “as origens psicológicas do comportamento” (2002, p. 129).

A abordagem situacionista baseada nas atitudes reativas na realidade aperfeiçoa a responsabilidade, devido ao fato de tornar a deliberação ética mais efetiva: “isso marca o princípio de um processo que facilita a responsabilidade. Somente sendo conscientes das ameaças situacionais à responsabilidade é que podemos agir como pessoas responsáveis em tantas situações quanto possíveis” (2002, p. 153).

Harman, por sua vez, atribui aos filósofos morais que aceitam a ideia de um caráter, de algo que define o tipo de pessoa que alguém é, a fundamental attribution error, isto é, quando explanamos o comportamento de alguém a partir de seu caráter, o superestimando, sem levar em consideração a situação na qual o agente está envolvido.9 9 “Estudos empíricos designados para testar se as pessoas comportam-se diferentemente, de modo que pode refletir diferentes traços de caráter falharam em encontrar diferenças relevantes. É verdade que estudos deste tipo são muito difíceis de realizar, e tem havido muito poucos estudos deste tipo. Contudo, os estudos existentes têm tido resultados negativos. Desde que é possível explanar nossa crença ordinária em traços de caráter como derivando de certas ilusões, nós devemos concluir que não há base empírica para a crença na existência de traços de caráter.” (Harman, 2000a, p. 166; 2000b, p. 223).

Evitar o erro fundamental de atribuição, ou o viés de correspondência - é absolutamente necessário para a não aceitação de que “uma vez atribuído um traço a dada pessoa, um observador tem uma forte tendência a continuar a atribuir o traço à pessoa até mesmo em face de uma considerável não conformidade com a evidência” (Harman, 2003HARMAN, G. 2003. Virtue ethics without character traits. In: A. BYRNE; R. STALNAKER; B. HOOKER.; M. LITTLE. O. Moral Particularism. Oxford, Clarendon Press., p. 90). A negação desse viés de correspondência, permite que fatores situacionais, aparentemente irrelevantes, possam produzir profundas diferenças na ação do indivíduo (idem). Outro equívoco é considerar que os experimentos - de que trataremos mais tarde -, como, por exemplo, o de Milgram, vão garantir que não existam traços de caráter, também conhecidos como virtudes. Na verdade, o que os experimentos levados a cabo nos últimos anos pela psicologia social procuram apontar é que fatores situacionais possuem uma importância no intuito de mostrar “como uma pessoa age de maneira que as pessoas comuns não apreciam normalmente, levando-as a atribuir certas ações distintivas para um caráter distintivo do agente, e não para os aspectos sutis da situação” (Harman, 2003HARMAN, G. 2003. Virtue ethics without character traits. In: A. BYRNE; R. STALNAKER; B. HOOKER.; M. LITTLE. O. Moral Particularism. Oxford, Clarendon Press., p. 90) Isso é o que Doris denomina “a fragmentação do caráter” (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., capítulo 4), ou seja, a distinção entre atos de coragem e covardia, por exemplo, devem ser separados da atribuição de trações de caráter [virtudes] que corresponderiam aos atos citados10 10 Eventualmente, as críticas aos defensores da não existência de traços de caráter globais são acusados de se limitarem “à explanação causal e estatística do comportamento” (Harman, 2003, p. 93), deixando de lado uma análise que deveria insistir sobre o caráter, agência e responsabilidade, o que não é verdade segundo Harman, e como é visto na posição de Doris. .

Harman reconhece que a concepção de caráter baseada na ética das virtudes possivelmente dê conta de modo razoável da moral ordinária, do senso comum. Lamentavelmente, as visões morais ordinárias estão equivocadas (2000aHARMAN, G. 2000a. The nonexistence of character traits. Proceedings of the Aristotelian Society, 100(1): 223-226., p. 176). Para evitar tal erro, é necessário ressaltar que, mais do que a ideia da existência de traços de caráter, de uma disposição de caráter, devemos nos ater à situação do agente, e o modo pelo qual ele reage à mesma (2000aHARMAN, G. 2000a. The nonexistence of character traits. Proceedings of the Aristotelian Society, 100(1): 223-226., p. 177). A situação aparece lá onde inexiste, por falta de evidência, uma concepção robusta de caráter, tal como vemos, por exemplo, e novamente, em AristótelesARISTÓTELES, -. 1958. Topica St Sophistici Elenchi (W. D. Ross, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts .: “Eles [os agentes] diferem em suas situações e em suas percepções das situações. Eles diferem em seus objetivos, estratégias, neuroses, otimismo etc. Mas traços de caráter não explicam que diferenças existem” (2000aHARMAN, G. 2000a. The nonexistence of character traits. Proceedings of the Aristotelian Society, 100(1): 223-226., p. 177), pois não há evidência empírica que sustente a sua própria existência (2000bHARMAN, G. 2000b. Moral philosophy meets social psychology. Virtue ethics and the fundamental attribution error. In: G. HARMAN. Explaining Value and Other Essays in Moral Philosophy. Oxford, Clarendon Press, p. 166-178., p. 223). Ao contrário, a ideia proveniente do senso comum de uma disposição de caráter danaria o entendimento que poderia haver entre os indivíduos, bem como “sua compreensão de quais programas sociais deveriam ser sustentados, e sua compressão das relações internacionais” (Harman, 2000bHARMAN, G. 2000b. Moral philosophy meets social psychology. Virtue ethics and the fundamental attribution error. In: G. HARMAN. Explaining Value and Other Essays in Moral Philosophy. Oxford, Clarendon Press, p. 166-178., p. 224). Devemos abandonar a ideia de disposição, ou traços, de caráter, e nos fixarmos na situação. Não há tal caráter robusto, segundo Doris, por mais que o senso comum sustente isto: não há evidência experimental, pois a “atribuição de traços [de caráter] é seguida e surpreendentemente ineficaz em predizer o comportamento em novas situações” (Doris, 1998, p. 506). Este situacionismo, então, ressalta, como acabamos de ver, a ausência da ideia mesma de um caráter robusto que é responsável de maneira incontornável pelas ações perpetradas pelos agentes.11 11 Doris apresenta um exemplo referente a existência de duas pessoas no trabalho que tiveram um flerte intenso. Em dada situação, com a cônjuge de um deles ausente, ele é convidado para um jantar sumptuoso. Um possível resultado desse jantar é a infidelidade. O que faria um situacionista nesse caso? Fugiria do jantar como o diabo da cruz, pois “você sabe que pode não ser capaz de prever seu comportamento em uma situação problemática com base em seus valores anteriores. Você não tem dúvidas de que valoriza sinceramente a fidelidade; você simplesmente duvida de sua capacidade de agir em conformidade com este valor, uma vez que as velas são acesas e o vinho começa a fluir”, pela simples razão de que ele não pode depender do caráter em tal situação para alcançar um resultado satisfatório em termos éticos, pois “é necessário reconhecer as pressões situacionais” (Doris,1998, p. 516-517). Julia Annas (2003, p. 28), com uma boa dose de razão, salienta que “Doris não percebe que o virtuoso teria um entendimento inteligente do que é a fidelidade, e faria exatamente o que o situacionista faria” (p. 28), o que mostra que Doris “subestima o componente intelectual da virtude” (idem). Um outro possível exemplo situacionista é elaborado da seguinte maneira: uma esposa conhecida pela amabilidade, afabilidade, gentileza, perde as estribeiras quando descobre que seu marido a está traindo. Para um dado situacionista, isto provaria que não há traços globais trans-situacionais que definem quem alguém é, já que ela reage à situação com rudeza, grosseria, e não com a afabilidade que a definia. Ora, em relação a esse exemplo, sabemos que - para citar Aristóteles em EN II - o adultério é um extremo, é vil em si mesmo, e, por conseguinte, podemos reagir na exata medida em que tamanha ofensa é feita. De forma anedótica, talvez pudéssemos esperar que ela reagisse com gentileza, e oferecesse um chá e um bolo de fubá ao marido e à nova parceira dele.

A crítica de Doris (2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 22) dirige-se, como vimos, aos que sustentam uma concepção globalista acerca do caráter, que pressupõe o caráter como algo mais ou menos coerente, integrado, resistente à situação, o que traz evidentemente implicações comportamentais (2002, p. 23), ou seja, tal concepção “constrói a personalidade [o caráter] como uma associação valorativamente integrada de traços robustos” (p. 23), onde o comportamento exibe os padrões esperados, demonstrando consistência independentemente das situações (idem). O moderado exibirá ao longo das situações todos os traços que constituem a virtude da moderação. Desta forma, do ponto de vista do caráter, teríamos sempre inter-relacionadas consistência, estabilidade e integração valorativa, estando estes três aspectos vinculados à abordagem aristotélica no que concerne à psicologia moral.

Doris rejeita, segundo ele com conformidade com base em uma observação sistemática, a adequação empírica do globalismo (2002, p. 23). Assim, o situacionismo vem contrapor-se ao globalismo, salientando (i) que a variação comportamental se deve à diferença situacional, e não à diferença entre as pessoas; (ii) que a atribuição de traços robustos não encontra guarida na observação sistemática; e (iii) o caráter [e a personalidade] não é valorativamente integrado: disposições inconsistentes podem coabitar em uma única personalidade (2002, p. 25). Ainda quanto a (ii), conforme Doris, qualquer consistência pode ser rompida por uma variação situacional; no que se refere a (iii), a observação sistemática sugere que a personalidade, ou o caráter, é fragmentado (idem). Se (ii) e (iii) são descartados, (ii) a estabilidade ainda preserva certo status, pois não se pode “negar a existência de estabilidade, o situacionista reconhece que os indivíduos podem exibir uma regularidade comportamental”, como mencionado, em situações substancialmente similares (2002, p. 24-25). Se a estabilidade não é totalmente rejeitada pelo reconhecimento de uma certa regularidade comportamental. Então nós podemos ter traços locais, os quais são encorajados por situações repetíveis. Muitos dos estudantes de Princeton, por exemplo, podem se compassivos em situações de lazer, onde tiveram tempo para refletir, e estavam em companhia de pessoas da mesma opinião. Mas em uma situação na qual os confrontou com um estranho quando estavam com pressa, eles reagiram diferentemente. Assim, faltou a eles um traço robusto de compaixão para motivá-los ao longo de diferentes tipos de situação (sobre esse experimento, ver Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34.). Dessa forma, mesmo que reconheçamos uma regularidade comportamental, esta não deve subsidiar uma tese forte, qual seja, que existem traços robustos que nos definem, ou seja, o caráter, mas por uma regularidade situacional” (2002, p. 26). Nesse sentido, a atribuição a um indivíduo de traços de caráter é falsa, e devemos abandonar forçosamente qualquer menção à virtude e caráter (Harman, 2000HARMAN, G. 2000b. Moral philosophy meets social psychology. Virtue ethics and the fundamental attribution error. In: G. HARMAN. Explaining Value and Other Essays in Moral Philosophy. Oxford, Clarendon Press, p. 166-178.b, p. 224).

Há, na verdade, uma tentativa de demonstrar que os dados empíricos disponíveis servem para desconstruir a concepção de que o comportamento deriva do caráter do indivíduo (Merrit; Doris; Harman, 2010, p. 357). Seu argumento cético, elaborado como um modus tollens, qual seja: (i) se a observação sistemática demonstra que possuímos traços robustos, esses traços robustos que determinam nosso comportamento tendem a disseminar-se no tempo; (ii) ora, a observação sistemática não demonstra tal asserção; assim, (iii) esse consistência comportamental não se comprova (Merrit; Doris; Harman, 2010, p. 357-8).

Desse modo, se o argumento desenvolvido é consistente, a visão do senso comum sobre o caráter é ferida de morte, assim como a psicologia moral baseada no caráter, na medida em que extrapola a concepção baseada no senso comum sobre o caráter, “e desde que comprometidos com reivindicações descritivas empiricamente avaliáveis” (Merrit; Doris; Harman, 2010, p. 358). Logo, o caráter cederia seu lugar de destaque para a alternativa situacionista, que estaria em melhores condições de constituir uma psicologia moral mais conveniente do que a psicologia moral aristotélica, até mesmo em termos de fundar um pensamento normativo, isto é, “um situacionismo como fundamento para a reflexão normativa” (Doris, 1998DORIS, J. M. 1998. Situations, persons, and virtue ethics. Noûs, 32(4): 504-530., p. 505).

Assim, o situacionismo pode ser fundamentado a partir da análise do comportamento distinto dos indivíduos em circunstâncias díspares: até uma série de fatores triviais interferem no comportamento (inclusive moral) do agente em circunstâncias distintas, fazendo com que o referido agente aja, por exemplo, prestativamente e não prestativamente em situações diversas (Machery, 2011MACHERY, E. 2011. As desoladoras implicações da psicologia moral. In: N. STRUCHNER (Org.): Ética e Realidade Atual. Implicações da Abordagem Experimental. Rio de Janeiro, Editora PUC Rio, p. 37-60., p.40)12 12 Um exemplo desta perspectiva é o experimento de Isen e Levin, que citaremos a seguir. Neste experimento, 87,5% das pessoas que encontram em uma cabine telefônica uma moeda, foram mais prestativas com um indivíduo que deixou cair seus papéis do que 4% que não a encontraram (apudMachery, 2011, p. 40). .

Desta forma, o caráter, ou o tipo de pessoa que nós somos, não daria conta dos desafios próprios da filosofia moral, na medida em que é desafiado pela psicologia social experimental. Aceitar “que existem tipos de pessoas e caráter pressupõe que as causas psicológicas que devem constituir o nosso caráter e o tipo de pessoa que somos (...) têm uma estrutura causal específica (...) e são unificadas” (Machery, 2011MACHERY, E. 2011. As desoladoras implicações da psicologia moral. In: N. STRUCHNER (Org.): Ética e Realidade Atual. Implicações da Abordagem Experimental. Rio de Janeiro, Editora PUC Rio, p. 37-60., p. 43). A concepção situacionista acredita que não há tal estrutura unificada das causas psicológicas do nosso comportamento, não de todo, ou seja, há apenas uma “agência parcialmente desunificada” (2011, p. 43-4), pois algumas causas psicológicas poderiam não estar no controle do agente.

A psicologia social situacionista seria, assim, uma solução empiricamente mais consistente do que a da ideia de caráter no que tange a uma concepção mais factível da personalidade moral, além de oferecer algumas teses sobre “a variação comportamental, a natureza dos traços, e a organização dos traços na estrutura da personalidade” (Doris, 1998DORIS, J. M. 1998. Situations, persons, and virtue ethics. Noûs, 32(4): 504-530., p. 507).

Os experimentos situacionistas

A título de explanação dos variados experimentos situacionistas, nos deteremos nos mais populares na literatura, mesmo reconhecendo que existem outros tantos dignos de créditos. O intuito é mostrar esses experimentos de modo econômico, fixando-nos nos mais conhecidos e mencionados.

  1. O experimento da moeda de dez centavos. Este experimento ocorreu nos anos setenta, através de adultos fazendo chamadas telefônicas em telefones públicos. Alguns encontram uma moeda de dez centavos deixada pelos responsáveis pelo experimento, outros não. Após terem realizado uma chamada, ao saírem da cabine, um comparsa do experimento deixavam cair ‘acidentalmente’ uma pasta repleta de papéis no chão. Os que encontraram a moeda na cabine, pararam para ajudar o comparsa a pegar os papéis, mas tão somente um dos 25 participantes que não encontraram a moeda ofereceu ajuda. Os responsáveis pelo experimento, Isen e Leven, levantaram a hipótese que encontrar a moeda levou os indivíduos a se sentirem bem-humorados, e o bom humor - e não um traço de caráter consistente - levou-os a auxiliar o desafortunado que deixou os papéis caírem.

  2. O experimento do Bom Samaritano. Este experimento indaga se quando devemos auxiliar uma pessoa doente, importa que visões religiosas as pessoas têm, ou se elas estão preparando uma apresentação sobre um tema religioso ou secular? Segundo o experimento, não. Se os estudantes do seminário acreditavam que eles estavam a caminho de dar uma palestra sobre a parábola do bom samaritano, ou sobre um tópico prático, isto não teve um impacto significativo sobre parar para ajudar o ‘doente’. Entretanto, os responsáveis pelo experimento, Darley e Batson, descobriram que enquanto 63% dos indivíduos que não consideraram estar com pressa para alcançar o seu destino ofereceram ajuda, somente 10% dos apressados ajudou, o que parece indicar que a situação determinou a reação de cada um dos participantes.

  3. O experimento de MilgramMILGRAM, S. 1974. Obedience to Authority: An Experimental View. New York, Harper and Row Publishers.. O mais famoso dos três, este experimento, que ocorreu nos anos sessenta, focou sobre um teste fictício de aprendizagem - memória no qual os ‘aprendizes’ foram amarrados a cadeiras e supostamente receberam choques elétricos dos ‘professores’ toda vez que cometiam um erro sobre uma tarefa de aprendizagem, o que levou a considerações sobre as noções de controle, autoridade e obediência a partir de forças situacionais importantes.

Eventualmente, podemos nos indagar se não há uma certa bizarria metodológica nos experimentos. No experimento do bom samaritano, os situacionistas que recontam este teste tendem a reinterpretar a parábola no sentido de mostrar que o problema com o sacerdote e o levita, que passaram pelo outro lado, não era que estavam indiferentes, mas sim atrasados: “Até agora não encontrei alguém que leve esta linha de pensamento a sua conclusão lógica, ou seja, que a intenção da parábola não é mostrar que nosso próximo é alguém que necessita nossa ajuda, mas nos imprimir a importância do manejo do tempo (Annas em uma versão não publicada de “Virtue Ethics and Social Psichology”: “um simples caso de estarem atrasados para o seminário” [2003, p. 32, n. 9]).

No caso do experimento da moeda, podemos observar como coisas ordinárias, tais como humores triviais, podem afetar o comportamento. Mas eles afetam o comportamento moralmente importante, tal como ajudar alguém em terrível necessidade? O experimento da moeda demonstra somente que afeta o comportamento moralmente insignificante que não faz parte da rotina diária de alguém: não ajudar um estranho que deixa cair seus papéis dificilmente é uma manifestação importante de falha moral (Kristjánsson, 2008KRISTJÁNSSON, K. 2008. An Aristotelian critique of situationism. Philosophy, 83(1): 55-76., p. 63).

No caso de Milgram, há a comprovação de que as pessoas são capazes de se comportar mal, mas não prova nada sobre a ausência de caráter, como algo oposto a outros modos de agir mal (Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 23).

Retomando possíveis respostas [aristotélicas] aos situacionistas

Importantes comentadores aristotélicos têm buscado responder ao desafio situacionista, de variados modos, indicando a persistência de uma ética aristotélica das virtudes baseada na ideia de caráter.

Julia Annas, por exemplo, parte de uma concepção de virtude, concebida por Aristóteles como uma disposição (1106b36-1107a2), pois se consideramos alguém corajosa, parece derivar daí o fato de que atribuamos, intuitivamente, que dado agente possua uma disposição desse tipo, algo que define o seu caráter, ou seja, uma disposição de agir de certo modo, estando o agente guiado pelo raciocínio prático (Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 24), A virtude, por definição, “é uma concernida com escolha deliberada ou decisão (hexis proairetikê)” (idem), na medida em que o virtuoso se caracteriza por fazer escolhas, pois “quando ou pessoa honesta decide não pegar algo a que não está autorizada, isso não é um reflexo, ou o resultado causal de um hábito, mas uma decisão, uma escolha deliberada” (idem), e não uma concepção de virtude deflacionada como é, em geral, o caso entre os situacionistas, que parecem não captar a robustez própria da virtude associada a Aristóteles. Na realidade, “o menos importante é o hábito” (Annas, 2005ANNAS, J. 2005. Comments on John Doris’s “Lack of Character”. Philosophy and Phenomenological Research, 71(3): 636-642., p. 637), mas raciocinar adequadamente sobre as situações, sendo que quanto “mais virtuoso você seja, mais complexo e dinâmico será o seu caráter” (idem).

Longe disso, pois, como afirma Annas a virtude está conectada com o raciocínio prático13 13 Como vimos, o virtuoso pretensamente sempre age bem, na medida em que está acompanhado pela reta razão, pela razão prática, ou seja, ele agiria sempre na mesma direção, pois possui também as outras virtudes, e uma retidão inquebrantável do desejo e do querer. , que permite ao virtuoso agir bem, mas segundo um critério claro, a saber, fazer a coisa correta pela reta razão, de modo adequado, o que supõe aspectos “afetivos e intelectuais” (Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 25), sendo que o aspecto propriamente intelectual permite, como vimos, ao virtuoso, em cada situação, agir apropriadamente, o que significa agir pela reta razão, ou melhor, acompanhado pela reta razão14 14 A virtude em questão é uma disposição de agir em conformidade com a reta razão, e “correta é a razão conforme à prudência”. Logo, “a virtude é uma tal disposição, a que é conforme à prudência. Mas é preciso fazer uma pequena mudança. Virtude não é apenas a disposição conforme à razão correta (kata ton orthon logon), mas a disposição com a razão correta” (1144b21-23, tradução de Lucas Angioni conservadoramente adaptada). E a razão correta a respeito desses assuntos é a prudência, com que faz com que ocorra o fato de que as virtudes sejam acompanhadas pela razão (meta tou orthou logou, 1144b24-28). , tudo em função da disposição que lhe acompanha, pois “ela possui um caráter tal” que a faz agir desse modo e não de outro. Logo, “a firmeza do caráter do virtuoso é a firmeza na deliberação inteligente”, e a virtude como elemento central no desenvolvimento do raciocínio prático, permitem o desenvolvimento da mesma “através de decisões inteligentes e resulta em mais deliberações inteligentes e decisões” (Annas, 2005ANNAS, J. 2005. Comments on John Doris’s “Lack of Character”. Philosophy and Phenomenological Research, 71(3): 636-642., p. 638).

Uma boa educação moral tem um papel a desempenhar nisso, porque o aprendizado do certo e do errado, através, por exemplo, dos professores, permitirá, a partir das lições e do juízo que vão desenvolver aprender por si mesmos, uma reflexão sobre o que lhes foi ensinado, o que supõe experiência e prática (Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 25), e não de modo mecânico, pois eles compreenderão como agir, não através de um “livro de regras, mas abordando cada novo desafio de um modo informado por uma longa prática, prontos a responder mas sensivelmente às demandas particulares da situação, e prontos a responder de maneira criativa a desafios não familiares” (2003, p. 26), o que torna explícito que o que perpassa a todo o processo é uma noção de razão não semelhante às que tem sido levado a cabo pelas discussões modernas no campo da ética e da psicologia [social]: “Pois isso é, precisamente, razão prática, o raciocínio que é exercitado fazendo” (idem).

Essa concepção não deflacionada de virtude deixa evidente que ela é uma disposição confiável, por estar baseada em escolhas, a partir do raciocínio prático que tomam em consideração o que é demandado pela situação. Para Annas, uma das dificuldades do situacionismo é menosprezar o aspecto intelectual da virtude (2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 28), isto é, o papel do raciocínio prático. Os situacionistas ignoram, ou melhor, não compreendem o tipo de virtude ética que sustenta o pensamento moral de Aristóteles, criticando Aristóteles por uma concepção de virtude que não é a sua. Doris ignora algo absolutamente imprescindível, o fato da virtude ser uma disposição de agir sob razões (Annas, 2005ANNAS, J. 2005. Comments on John Doris’s “Lack of Character”. Philosophy and Phenomenological Research, 71(3): 636-642., p. 637):

A ética das virtudes, pelo menos a do tipo clássico, não é somente uma teoria sobre disposições confiáveis. Ela inclui uma concepção de raciocínio prático, e seu desenvolvimento em sabedoria prática, uma concepção que difere muito das concepções assumidas por filósofos e psicólogos modernos (...) O que Aristóteles, ou qualquer representante da abordagem clássica, sobre firmeza de caráter não pode ser entendido sem uma concepção correspondente do desenvolvimento intelectual do virtuoso e sua similaridade como desenvolvimento de habilidades práticas.

Assim, a tradição aristotélica não se vê afetada pela argumentação de Doris, devido ao fato dele ter como alvo uma versão da virtude absolutamente não intelectual (Annas, 2005ANNAS, J. 2005. Comments on John Doris’s “Lack of Character”. Philosophy and Phenomenological Research, 71(3): 636-642., p. 639), e que os traços globais existem, “a virtude é um traço global, e a integração valorativa é necessitada pra fazer sentido de nós mesmos e dos outros” (2005, p. 641).

Em uma linha distinta de Annas, mas também crítica do situacionismo, Marmodoro retorna à tradição aristotélica como modelo que propõe que as pessoas possuem uma consistência comportamental, são confiáveis do ponto de vista de suas disposições, o que dá espaço para que consigam elaborar juízos adequados em situação, “tendências que são desenvolvidas através da educação e da habituação (p. 2), como, aliás, ressaltou Annas, o que é uma característica saliente da ética das virtudes, uma ética sob pressão situacionista intensa. Exemplos de tais disposições de caráter estáveis e consistentes aparecem em variadas passagens do corpus ético aristotélico (cf. EN 1105b1, 1106b36, EE 1222a6).

Diferentemente da abordagem de Annas, Marmodoro assenta sua reposta aos situacionistas, sobretudo Doris, em uma diferenciação de tipos de coeficientes situacionais, o que terá implicações no comportamento moral do indivíduo (2011MARMODORO, A. 2011. Moral Character versus situations: an Aristotelian contribution to the situationist debate. Journal of Ancient Philosophy, V(2): 1-24., p. 3). A distinção que nos oferece é entre razões para a ação, e facilitadores (enablers) da ação, o que fará que existam casos “nos quais um mesmo fator situacional pode desempenhar papéis diferentes na determinação do comportamento do agente.

Segundo Marmodoro, em geral, os experimentos dos psicólogos cognitivos sobre o caráter não consideram “a diferença entre dois tipos de coeficientes operantes na situação de um agente moral” (2011, p. 16), “o que faz com que seu papel na performance de ações virtuosas é fundamentalmente diferente; por conseguinte, o que eles mostram sobre os traços morais também é diferente. Sempre que o ambiente experimental dá uma razão “para o agente não realizar uma ação virtuosa” (2011, p. 17) em dada situação, inserem-se no âmbito da deliberação moral do agente (idem), o que de forma alguma põe em perigo a teoria aristotélica da deliberação, ou nossa capacidade de raciocínio (1107a2-3). Além disso, não há um conjunto de regras, devido a uma grande indefinição (1104a1-9) no âmbito dos assuntos éticos, e os virtuosos não tem um padrão de ação previsível, pois devem agir em dada situação: “isso não foi levado em consideração pelos filósofos/experimentadores situacionistas, avaliando quão trivial um fator situacional é para o agente” (2011, p. 19).

No caso do segundo coeficiente - os facilitadores [e os não facilitadores] da atividade virtuosa -, Marmodoro reconhece não haver uma construção de algo diretamente semelhante na análise aristotélica do virtuoso, embora ele possa, como afirma a autora, pensá-los “como um subconjunto” dos bens externos, que são causas auxiliares, ou coadjuvantes da atividade virtuosa (2011, p. 20), e não são tratados pelos situacionistas do mesmo modo que Aristóteles os trata, como um fator que auxilia na consecução da virtude: “são ‘bens’ que afetam o equilíbrio psicológico complexo das disposições” (Marmodoro 2011MARMODORO, A. 2011. Moral Character versus situations: an Aristotelian contribution to the situationist debate. Journal of Ancient Philosophy, V(2): 1-24., p. 20), até porque nós poderíamos, sem problema, utilizar componentes físicos e emocionais da constituição do agente como “uma extensão da concepção de Aristóteles sobre os bens externos” (2011, p. 20-21), na medida em que os fatores situacionais envolvidos não poderão ser fixados tão somente pela racionalidade (2011, p. 21). Logo, não parece impossível uma resposta aristotélica aos experimentos da psicologia social15 15 Para este texto, nos detivemos nos três experimentos mais conhecidos do situacionismo no sentido de mostrar a ausência (lack) de caráter. Existem muitos outros experimentos que serão investigados. Uma boa quantidade deles aparece no livro de Mark Alfano (2013). Alfano, na contramão de Aristóteles - inclusive colocando em xeque o modo pelo qual adquiriríamos a virtude, não mais através do hábito como em Aristóteles, ou seja, que nós não nos tornaríamos virtuosos pelo fato de agirmos virtuosamente, e, por conseguinte, toda ética das virtudes baseadas no caráter. Na realidade, bastaria atribuir aos indivíduos - ‘em circunstâncias corretas e de modo correto’ -, virtudes, mesmo que eles não as possuam: para Aristóteles nos tornamos corajosos agindo virtuosamente, enquanto para esta concepção (Alfano) nos tornamos corajosos, ou quase corajosos, a partir do momento em que somos chamados corajosos, ou seja, temos uma construção social da virtude, ou de uma factitious virtue (virtude artificial). , e Marmodoro propõe duas:

a) as razões para a ação [ou inação] podem ser construídas pela teoria aristotélica da deliberação, tendo como pano de fundo o particularismo moral de Aristóteles;

b) os fatores situacionais, internos ou externos, podem ser expandidos em uma teoria facilitados/não facilitadores da atividade virtuosa.16 16 Conforme Alfano, se a crítica situacionista está correta, as virtudes de ‘alta fidelidade’ como a temperança, lealdade e honestidade são raríssimas, mas até mesmo virtudes de ‘baixa fidelidade’ como a generosidade e amabilidade são incomuns, e qualquer apelo a esses traços não assegura explanação ou predição de conduta em uma ampla variedade de contextos: “Desde que as virtudes éticas pressupõem o seu próprio poder explanatório e preditivo, elas repousam sobre uma fundação de areia” (2013, p. 82). Ora, para Alfano, uma resposta apropriada para isso seria rejeitar de pronto a ética das virtudes, substituindo as virtudes entendidas enquanto traços por uma teoria baseada em atos virtuosos (idem). Visando a posição de Alfano, Swanton (2015, p. 203), salienta a posição deste sobre as influências situacionais, onde ele afirma que o problema não é o fato dos agentes não responderem impropriamente às situações, mas sim que eles respondem a “não razões”, como humores e aromas de determinado ambiente (Alfano, 2013, p. 44), o que segundo ele não traz problemas, já que variados comportamentos humores não são necessariamente contrários à virtude, mas estão sujeitos, e respondem adequadamente aos humores, por exemplo.

Acrescentando novos elementos contra o desafio situacionista

a) Situacionismo/particularismo em Aristóteles

Certamente, as circunstâncias não estão ausentes no processo que leva à ação moral, na realidade são inelimináveis, pois o agente - e são várias as evidências textuais em Aristóteles, bastando apenas lembrar do ‘instrumental’ do prudente, quais sejam a percepção (aisthêsis) e a experiência (empeiria), para lembrarmo-nos da importância das mesmas - necessita da compreensão da relevância moral das circunstâncias ou particularidades da ação.

Isso parece claro, mas não aproxima a ética aristotélica da concepção oriunda dos supramencionados estudos da pesquisa social experimental contemporânea, pois as circunstâncias na perspectiva aristotélica não definem quem somos, mas sim o caráter, na medida em que o caráter é o caso, mesmo quando não há a possibilidade de escolher deliberadamente de antemão, nós ainda assim podemos agir corretamente (como é o caso do corajoso) em função do nosso caráter (EN 1117a20-22), nas circunstâncias.

Na ação moral de um ponto de vista aristotélico, é necessário se fazer apelo ao orthos logos, mas não somente, pois é requerido além da, como vimos, experiência e percepção, também o (krisis) (Sherman, 1989SHERMAN, N. 1989. The Fabric of Character. Aristotle’s Theory of Virtue. Oxford, Clarendon Press ., p. 53), pois é nas circunstâncias que a ação se dá. Daí a necessidade incontornável de saber discernir os particulares (idem, p. 4),17 17 Ver David Wiggins (2004, p. 464): “Pode-se dizer que a pretensão de Aristóteles é que aoristos hê hulê tôn praktôn - que o objeto da prática é inesgotávelmente indefinido (...) a prática não pode ser controlada ou subjugada ou formada, no que concerne à eudaimonia ou à aretê, por princípios ou preceitos que são ao mesmo tempo gerais e irrestritamente corretos. Segue-se que para um agente apreender apropriadamente uma coisa prática como a justiça, por exemplo, ele deve seguir por outro caminho, e tentar entrar no espírito de seus requisitos.” pois reta razão diz respeito à discriminação das circunstâncias particulares: “Antes de decidir como agir é necessário observar a situação” (Sherman, 1989, p. 29), especificando quais são as circunstâncias necessárias para a efetivação do fim (idem, p. 33). Esta estrutura da proposição prática, embora desenvolvida no livro VI da Ética Nicomaqueia, pode ser vista na definição da virtude moral, onde há de forma evidente, a partir da ideia de ela ser uma mediedade pros hêmas, ou seja, relativa às circunstâncias nas quais o agente está inserido, mediedade racionalmente determinada pelo prudente (1106b36 - 1107a2), caracterizado, novamente como o que possui experiência e percepção da relevância moral das particularidades. Sendo assim, a resposta ética não pode descartar ou descurar, sob pena de desconstituir a proposição prática, das circunstâncias ou particularidades da ação.

Tal estrutura argumentativa de Aristóteles está em perfeita consonância, no âmbito jurídico, com a figura do equitativo (epieikes), o juiz, aquele que possui a equidade (epieikeia), que deve atuar quando a generalidade da lei não dá resposta para determinados casos particulares: “Delineando os requerimentos da equidade, aprendemos algo sobre requerimentos mais gerais de uma leitura sensível e justa das circunstâncias (...)” (Sherman, 1989SHERMAN, N. 1989. The Fabric of Character. Aristotle’s Theory of Virtue. Oxford, Clarendon Press ., p. 13-14). O equitativo atua, então, como um corretivo da lei geral, que por sua generalidade não alcança a totalidade dos casos particulares e das circunstâncias relacionadas (sobre o particularismo aristotélico, ver McDowell18 18 Conforme McDowell (1999), “o que uma pessoa realmente percebe é somente o que é expresso na premissa menor do silogismo: isto é, um fato direto sobre a situação à mão a qual - como requer a objeção - seria incapaz de realizar a ação por si mesma. (...) Esta imagem convém se a concepção da pessoa sobre como deveria comportar-se em geral é suscetível de codificação. (...) Mas para um olhar imparcial,deveria parecer bem plausível que nenhum ponto de vista moral razoavelmente adulto admite qualquer codificação”. Desse modo, “como Aristóteles afirma consistentemente, as melhores generalizações sobre como se deveria comportar são válidas somente o mais das vezes” (p. 127). Na perspectiva de MacDowell, regras gerais, e sua aplicação mecânica, são o caso no que concerne à virtude em Aristóteles (p. 127): “se à questão ‘Como devemos viver?’ pudesse ser dada uma resposta direta em termos universais, o conceito de virtude teria somente um lugar secundário em filosofia moral. (...) ocasião por ocasião, conhecemos o que fazer (...) não aplicando princípios universais, mas sendo um certo tipo de pessoa: uma que vê as situaçõesde um modo distinto” (p. 140). e Dancy19 19 Qualquer um que leu a EN de Aristóteles verá que ele recusa ver o juízo moral como a submissão de um novo caso sob um princípio moral formulado previamente. Ver Dancy (1993, p. 50). ).

b) Virtude plena contra mero hábito

A psicologia experimental falha pelo fato de que a observação está assentada em uma visão sobre o caráter que faz com que este seja visto como “um hábito não reflexivo” (Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 24), o que certamente não é o caso se lemos com cuidado o texto aristotélico.

Em fazendo isto, percebemos que a virtude não é um hábito rígido, alheio à situação ou circunstâncias, mas uma disposição de agir de certo modo, ou melhor dizendo, de agir segundo razões, fazendo uso do raciocínio prático cuja associação com a virtude é central na ética de Aristóteles, raciocínio que leva o agente a fazer escolhas, decidir (idem). Não é uma concepção simplista, ou simplória de virtude que é o caso, mas de uma virtude que supõe agir em conformidade com a reta razão, de modo apropriado, no momento certo, tendo em vista um fim nobre, ao longo de toda a vida, na medida em que é o correto a fazer (Annas, 2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 25). Por conseguinte, o virtuoso agirá assim em todas as situações, pois está disposicionalmente orientado para isto pelo seu caráter (idem), levando em consideração as particularidades das circunstâncias. Desta maneira, é necessário entender que a “virtude é uma disposição segura, devido ao fato de ser uma disposição construída e exercida através de escolhas, sempre sensível à mudança e às novas demandas de cada situação” (2003, p. 27), e isto é uma característica do virtuoso, do prudente, que para além da boa deliberação prática, possui a empeiria e a aisthêsis, que atuam no sentido de desvelar a relevância moral dos particulares, o que parece fugir a Doris no seu alegado contra a concepção aristotélica de caráter. Lembremo-nos aqui de Tugendhat e sua concepção da prudência enquanto um juízo situacional imediato, ou de McDowell atribuindo ao prudente uma capacidade perceptiva, ou a recusa de Dancy a juízos universais previamente formulados (notas 19 e 20).

Na discussão contemporânea sobre a liberdade da vontade, podemos encontrar isto em van Inwagen (2002van INWAGEN, P. 2002. An Essay on Free Will. Oxford, Clarendon Press ., p. 154): “deliberar é tentar decidir entre vários cursos de ação incompatíveis”, como também afirma Kane (2005KANE, R. 2005. A Contemporary Introduction to Free Will. New York/Oxford, Oxford University Press., p.16), um jardim de caminhos que se bifurcam (a Garden of Forking Paths), isto é, passado idêntico para diferentes futuros possíveis, enfim escolher entre variados cursos de ação. Não precisamos ir tão longe, basta prestarmos atenção no que nos lembra Aristóteles na EN VI 13 ao tratar da kuria aretê, a virtude própria, e plena, onde encontramos a conexão inviolável entre a prudência e a virtude moral, conexão na qual a prudência aparece como a responsável por “pesar razões”, buscar as razões que fundamentam o agir do agente, operando no sentido de aperfeiçoar a virtude moral.

Parece que a argumentação aristotélica foge à compreensão dos situacionistas tais como Doris, ou Harman, ou Nisbet e Ross, pois a concepção da virtude como uma disposição de caráter contra a qual se insurgem é uma visão precária da virtude, e não de uma concepção plena da mesma, a qual é perpassada pela constante capacidade de fazer escolhas em conformidade com a reta razão. O desconhecimento do papel preponderante desempenhado pelo raciocínio prático em Aristóteles é um dos responsáveis pelo fracasso de sua crítica, mas não somente.

c) Não exageremos na rigidez do caráter em Aristóteles: visão limitada do situacionismo

Não poderíamos encontrar alternativas intermediárias, e mais plausíveis, no texto aristotélico acerca do real alcance de sua concepção de caráter? Por mais que os dados empíricos da psicologia social, suas pesquisas, apontem para uma redução das nossas ações à situação, esta concepção não parece coadunar com a sobriedade do “senso comum”, na medida em que dificilmente é razoável, a partir do senso comum, não perceber que certos traços guiam nas nossas ações, e que estes traços - que denotam nossa constituição moral - não parecem ser necessariamente impositivos, devendo ser consideradas as circunstâncias nas quais os agentes têm de agir. Isto atenua a concepção de caráter que os situacionistas e certos comentadores aristotélicos sustentam.

Por isto, é possível aludir a várias passagens que mitigam a rigidez inquebrantável do caráter em Aristóteles, e que permitem uma leitura em termos de uma possibilidade de abertura aos contrários, as chamadas possibilidades alternativas na discussão contemporânea, ou seja, caberia ao agente, sempre, escolher cursos de ação distintos, entre fazer x ou ~x, o que indicaria uma tendência libertarista em Aristóteles, o que atenuaria a força inexorável do caráter, mas não a sua existência. Aliás, tais passagens podem ser utilizadas como um dos mais fortes indícios da não aceitação da parte de Aristóteles de um determinismo fundado no caráter, apontando para a possibilidade de agir contra o seu próprio caráter (Tópicos), assim como para a ideia de uma reforma moral (EN, Cat.) e o poder agir diferentemente (EE).20 20 A esse respeito, ver Hobuss (2010, p. 221-233).

É verdade que hodiernamente uma vaga determinista parece invadir a exegese de Aristóteles, mas existem ao menos indícios no que concerne à possibilidade de agir diferentemente, isto é, à possibilidade de escolher entre distintos cursos de ação, algo semelhante ao denominado o, e apontado por van Inwagen acima. Isso supõe que devemos fugir do extremismo representado tanto pela visão situacionista, quanto pelos comentadores aristotélicos, na medida em que ambos aceitam a ideia da inflexibilidade do caráter adquirido.

As respostas acima mencionadas parecem mostrar as limitações do situacionismo na sua crítica a Aristóteles, pois aparentemente não há uma compreensão clara das lições aristotélicas, sobretudo no que diz respeito ao modo próprio de operar da virtude de caráter, do não reconhecimento do situacionismo mitigado da ética aristotélica e da ideia de que o caráter é estável, mas que esta estabilidade não é absoluta.

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  • ZINGANO, M. 2017. Aristóteles. Ethica Nicomachea V. Tratado da Justiça São Paulo, Odysseus.
  • 1
    Alguns comentadores de AristótelesARISTÓTELES, -. 1942. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts. como, por exemplo, D. J. Furley (1967FURLEY, D. J. 1967. Two Studies in the Greek Atomists. Princeton, Princeton University Press. ), acreditam que, uma vez adquirida uma determinada disposição de caráter, necessariamente o agente agirá em conformidade com esta disposição. As únicas ações que não estariam sujeitas a este determinismo seriam as ações realizadas anteriormente à formação do caráter.
  • 2
    “O agente virtuoso é aquele em que todos os fatores da ação voluntária são realizados de um modo excelente. (i) As disposições de caráter do agente são boas; são virtudes. Elas causam os fins dos agentes, os quais são intermediários relativos a cada dimensão da virtude. Desde que as disposições de caráter são estados da parte desejante da alma, o agente virtuoso deseja - mais precisamente, quer - o que é intermediário com respeito a cada dimensão da virtude. (ii) O intelecto prático do agente opera sem falhas. O agente possui sabedoria prática. (...) Todos os outros desejos do agente estão plenamente alinhados com o que o agente quer” (Bobzien, 2014BOBZIEN, S. 2014. Aristotle’s Nicomachean Ethics 1113b7-8 and Free Choices. In: P. DESTRÉE; R. SALLES; M. ZINGANO (Eds.). What is up to us? Studies on Agency and Responsibility in Ancient Philosophy. Sankt Augustin, Academia Verlag, p. 59-73., p. 101-102).
  • 3
    Atos contrários geram disposições contrárias: uma vez adquirida dada disposição, os atos só poderão se originar desta mesma disposição, e não de uma disposição contrária: “as disposições morais provêm de atos que se lhe assemelham” (EN 1103b21).
  • 4
    Exceto P. Donini (1989DONINI, P. L. 1989. Ethos. Aristotele e il Determinismo. Alessandria, Edizioni dell Orso., 2014ARISTÓTELES, -. 2014. Abitudine e Saggezza. Aristoteles dall’Etica Eudemia all’Etica Nicomachea. Alessandria, Edizioni dell Orso.), que identificou em EN V1 uma demonstração de que houve uma mudança de abordagem em relação à Ética EudemiaARISTÓTELES, -. 1991. Ethica Eudemia (R. R. Walzer e J. M. Mingay, eds.). Oxford, Oxford University Press., que possuiria uma concepção eventualmente mais libertária. Tal concepção não ocorre na ética mais madura de AristótelesARISTÓTELES, -. 1942. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts., onde EN V1 representa a quase impossibilidade de agir contrariamente à disposição de caráter adquirida.
  • 5
    Se o pressuposto inicial considerado pelos situacionistas está em conformidade com as intenções aristotélicas, o que, como veremos, é um ponto crucial de discussão.
  • 6
    Segundo Harman, a queixa dos que renegam a psicologia social como fonte da crítica à ética baseada nas virtudes, e, por conseguinte, na concepção de caráter está mal posta, pois quem deveria se ocupar desse tipo de análise seria a psicologia da personalidade. Harman não aceita a ponderação, pois segundo ele a psicologia da personalidade estaria baseada em concepções populares, do senso comum, a respeito da personalidade, concepções às quais faltariam a acurácia necessária própria à psicologia social, que é o locus da análise do caráter e da personalidade (Harman, 2003HARMAN, G. 2003. Virtue ethics without character traits. In: A. BYRNE; R. STALNAKER; B. HOOKER.; M. LITTLE. O. Moral Particularism. Oxford, Clarendon Press., p. 89). A razão disso é bem simples, pois a psicologia social permitiria que os equívocos desenvolvidos por uma psicologia baseada no senso comum impediriam que incorrêssemos no “erro fundamental de atribuição”, responsável pelo desprezo aos fatores situacionais (Harman, 2003HARMAN, G. 2003. Virtue ethics without character traits. In: A. BYRNE; R. STALNAKER; B. HOOKER.; M. LITTLE. O. Moral Particularism. Oxford, Clarendon Press., p. 90).
  • 7
    “Seres humanos e problemas éticos por eles encontrados são em algum sentido razoavelmente substancial fenômenos naturais que podem ser iluminados pelo recurso à metodologias empíricas com afinidades com as das ciências” (Doris, 2002DORIS, J. M. 2002. Lack of Character. Cambridge, Cambridge University Press., p. 4).
  • 8
    Segundo Doris, os traços de caráter e personalidade são invocados para explanar o que as pessoas são e fazem, o que é, no mais das vezes, inapropriado (2002, p. 15), na medida em que não nos fornece informações suficientes para determinar ou definir quem uma pessoa é, ou permitir desvelar o modo pelo qual vai agir, ou seja, os traços em geral, e em particular as virtudes, são pensadas como delimitadas como disposições de agir de um certo modo. As virtudes pressupõe uma disposição relacionadas com cognição, motivação e emoções, e, como reconhece Doris, envolve aspectos internos e externos (2002, p. 16), não é mera disposição, mas “uma disposição inteligente”, “envolvendo deliberação e decisão” (2002, p. 17), tal como ocorre na ética aristotélica, e nas éticas contemporâneas da virtudes, onde temos uma concepção das virtudes como traços robustos de caráter, externando uma consistência comportamental que permitiria predizer como um indivíduo age, ou, dito de outro modo, quem ele é, ao longo, e em face, de uma multiplicidade de situações (2002, p. 18), o que pressupõe uma visão globalista [equivocada] acerca da disposição de caráter representada pela virtude.
  • 9
    “Estudos empíricos designados para testar se as pessoas comportam-se diferentemente, de modo que pode refletir diferentes traços de caráter falharam em encontrar diferenças relevantes. É verdade que estudos deste tipo são muito difíceis de realizar, e tem havido muito poucos estudos deste tipo. Contudo, os estudos existentes têm tido resultados negativos. Desde que é possível explanar nossa crença ordinária em traços de caráter como derivando de certas ilusões, nós devemos concluir que não há base empírica para a crença na existência de traços de caráter.” (Harman, 2000aHARMAN, G. 2000a. The nonexistence of character traits. Proceedings of the Aristotelian Society, 100(1): 223-226., p. 166; 2000bHARMAN, G. 2000b. Moral philosophy meets social psychology. Virtue ethics and the fundamental attribution error. In: G. HARMAN. Explaining Value and Other Essays in Moral Philosophy. Oxford, Clarendon Press, p. 166-178., p. 223).
  • 10
    Eventualmente, as críticas aos defensores da não existência de traços de caráter globais são acusados de se limitarem “à explanação causal e estatística do comportamento” (Harman, 2003HARMAN, G. 2003. Virtue ethics without character traits. In: A. BYRNE; R. STALNAKER; B. HOOKER.; M. LITTLE. O. Moral Particularism. Oxford, Clarendon Press., p. 93), deixando de lado uma análise que deveria insistir sobre o caráter, agência e responsabilidade, o que não é verdade segundo Harman, e como é visto na posição de Doris.
  • 11
    Doris apresenta um exemplo referente a existência de duas pessoas no trabalho que tiveram um flerte intenso. Em dada situação, com a cônjuge de um deles ausente, ele é convidado para um jantar sumptuoso. Um possível resultado desse jantar é a infidelidade. O que faria um situacionista nesse caso? Fugiria do jantar como o diabo da cruz, pois “você sabe que pode não ser capaz de prever seu comportamento em uma situação problemática com base em seus valores anteriores. Você não tem dúvidas de que valoriza sinceramente a fidelidade; você simplesmente duvida de sua capacidade de agir em conformidade com este valor, uma vez que as velas são acesas e o vinho começa a fluir”, pela simples razão de que ele não pode depender do caráter em tal situação para alcançar um resultado satisfatório em termos éticos, pois “é necessário reconhecer as pressões situacionais” (Doris,1998DORIS, J. M. 1998. Situations, persons, and virtue ethics. Noûs, 32(4): 504-530., p. 516-517). Julia Annas (2003ANNAS, J. 2003. Virtue ethics and social psychology. Aporia, 2: 20-34., p. 28), com uma boa dose de razão, salienta que “Doris não percebe que o virtuoso teria um entendimento inteligente do que é a fidelidade, e faria exatamente o que o situacionista faria” (p. 28), o que mostra que Doris “subestima o componente intelectual da virtude” (idem). Um outro possível exemplo situacionista é elaborado da seguinte maneira: uma esposa conhecida pela amabilidade, afabilidade, gentileza, perde as estribeiras quando descobre que seu marido a está traindo. Para um dado situacionista, isto provaria que não há traços globais trans-situacionais que definem quem alguém é, já que ela reage à situação com rudeza, grosseria, e não com a afabilidade que a definia. Ora, em relação a esse exemplo, sabemos que - para citar Aristóteles em ENARISTÓTELES, -. 1942. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts. II - o adultério é um extremo, é vil em si mesmo, e, por conseguinte, podemos reagir na exata medida em que tamanha ofensa é feita. De forma anedótica, talvez pudéssemos esperar que ela reagisse com gentileza, e oferecesse um chá e um bolo de fubá ao marido e à nova parceira dele.
  • 12
    Um exemplo desta perspectiva é o experimento de Isen e Levin, que citaremos a seguir. Neste experimento, 87,5% das pessoas que encontram em uma cabine telefônica uma moeda, foram mais prestativas com um indivíduo que deixou cair seus papéis do que 4% que não a encontraram (apudMachery, 2011MACHERY, E. 2011. As desoladoras implicações da psicologia moral. In: N. STRUCHNER (Org.): Ética e Realidade Atual. Implicações da Abordagem Experimental. Rio de Janeiro, Editora PUC Rio, p. 37-60., p. 40).
  • 13
    Como vimos, o virtuoso pretensamente sempre age bem, na medida em que está acompanhado pela reta razão, pela razão prática, ou seja, ele agiria sempre na mesma direção, pois possui também as outras virtudes, e uma retidão inquebrantável do desejo e do querer.
  • 14
    A virtude em questão é uma disposição de agir em conformidade com a reta razão, e “correta é a razão conforme à prudência”. Logo, “a virtude é uma tal disposição, a que é conforme à prudência. Mas é preciso fazer uma pequena mudança. Virtude não é apenas a disposição conforme à razão correta (kata ton orthon logon), mas a disposição com a razão correta” (1144b21-23, tradução de Lucas AngioniANGIONI, L. 2011. Aristóteles, Ética a Nicômaco Livro VI (Trad. Lucas Angioni). Dissertatio, 34: 285-300. conservadoramente adaptada). E a razão correta a respeito desses assuntos é a prudência, com que faz com que ocorra o fato de que as virtudes sejam acompanhadas pela razão (meta tou orthou logou, 1144b24-28).
  • 15
    Para este texto, nos detivemos nos três experimentos mais conhecidos do situacionismo no sentido de mostrar a ausência (lack) de caráter. Existem muitos outros experimentos que serão investigados. Uma boa quantidade deles aparece no livro de Mark Alfano (2013ALFANO, M. 2013. Character as Moral Fiction. Cambridge, Cambridge University Press.). Alfano, na contramão de Aristóteles - inclusive colocando em xeque o modo pelo qual adquiriríamos a virtude, não mais através do hábito como em Aristóteles, ou seja, que nós não nos tornaríamos virtuosos pelo fato de agirmos virtuosamente, e, por conseguinte, toda ética das virtudes baseadas no caráter. Na realidade, bastaria atribuir aos indivíduos - ‘em circunstâncias corretas e de modo correto’ -, virtudes, mesmo que eles não as possuam: para Aristóteles nos tornamos corajosos agindo virtuosamente, enquanto para esta concepção (Alfano) nos tornamos corajosos, ou quase corajosos, a partir do momento em que somos chamados corajosos, ou seja, temos uma construção social da virtude, ou de uma factitious virtue (virtude artificial).
  • 16
    Conforme Alfano, se a crítica situacionista está correta, as virtudes de ‘alta fidelidade’ como a temperança, lealdade e honestidade são raríssimas, mas até mesmo virtudes de ‘baixa fidelidade’ como a generosidade e amabilidade são incomuns, e qualquer apelo a esses traços não assegura explanação ou predição de conduta em uma ampla variedade de contextos: “Desde que as virtudes éticas pressupõem o seu próprio poder explanatório e preditivo, elas repousam sobre uma fundação de areia” (2013, p. 82). Ora, para Alfano, uma resposta apropriada para isso seria rejeitar de pronto a ética das virtudes, substituindo as virtudes entendidas enquanto traços por uma teoria baseada em atos virtuosos (idem). Visando a posição de Alfano, Swanton (2015SWANTON, C. 2014. Book Notes of “Character as Moral Fiction”, by Mark Alfano. Australasian Journal of Philosophy, 93: 203., p. 203), salienta a posição deste sobre as influências situacionais, onde ele afirma que o problema não é o fato dos agentes não responderem impropriamente às situações, mas sim que eles respondem a “não razões”, como humores e aromas de determinado ambiente (Alfano, 2013ALFANO, M. 2013. Character as Moral Fiction. Cambridge, Cambridge University Press., p. 44), o que segundo ele não traz problemas, já que variados comportamentos humores não são necessariamente contrários à virtude, mas estão sujeitos, e respondem adequadamente aos humores, por exemplo.
  • 17
    Ver David Wiggins (2004WIGGINS, D. 2004. That which is inherently practical: some brief reflections. In: F. ÉVORA; P. FARIA; A. LOPARIC; L. H. L dos SANTOS; M. ZINGANO (Orgs.) Lógica e Ontologia. Ensaios em homenagem a Balthazar Barbosa Filho. São Paulo, Discurso Editorial., p. 464): “Pode-se dizer que a pretensão de Aristóteles é que aoristos hê hulê tôn praktôn - que o objeto da prática é inesgotávelmente indefinido (...) a prática não pode ser controlada ou subjugada ou formada, no que concerne à eudaimonia ou à aretê, por princípios ou preceitos que são ao mesmo tempo gerais e irrestritamente corretos. Segue-se que para um agente apreender apropriadamente uma coisa prática como a justiça, por exemplo, ele deve seguir por outro caminho, e tentar entrar no espírito de seus requisitos.”
  • 18
    Conforme McDowell (1999MCDOWELL, J. 1999. Virtue and Reason. In: N. SHERMAN (Ed.). Aristotle’s Ethics. Critical Essays. Lanham, Bowman & Littlefield Publishers, p. 121-143.), “o que uma pessoa realmente percebe é somente o que é expresso na premissa menor do silogismo: isto é, um fato direto sobre a situação à mão a qual - como requer a objeção - seria incapaz de realizar a ação por si mesma. (...) Esta imagem convém se a concepção da pessoa sobre como deveria comportar-se em geral é suscetível de codificação. (...) Mas para um olhar imparcial,deveria parecer bem plausível que nenhum ponto de vista moral razoavelmente adulto admite qualquer codificação”. Desse modo, “como Aristóteles afirma consistentemente, as melhores generalizações sobre como se deveria comportar são válidas somente o mais das vezes” (p. 127). Na perspectiva de MacDowell, regras gerais, e sua aplicação mecânica, são o caso no que concerne à virtude em Aristóteles (p. 127): “se à questão ‘Como devemos viver?’ pudesse ser dada uma resposta direta em termos universais, o conceito de virtude teria somente um lugar secundário em filosofia moral. (...) ocasião por ocasião, conhecemos o que fazer (...) não aplicando princípios universais, mas sendo um certo tipo de pessoa: uma que vê as situaçõesde um modo distinto” (p. 140).
  • 19
    Qualquer um que leu a EN de AristótelesARISTÓTELES, -. 1942. Ethica Nicomachea (I. Bywater, ed.). Oxford, Oxford Classical Texts. verá que ele recusa ver o juízo moral como a submissão de um novo caso sob um princípio moral formulado previamente. Ver Dancy (1993DANCY, J. Moral Reasons. Oxford, Blackwell, 1993., p. 50).
  • 20
    A esse respeito, ver Hobuss (2010HOBUSS, J. 2010. Sobre a disposição em Aristóteles: hexis e diathesis”. Dissertatio, 31: 221-233., p. 221-233).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Aceito
    29 Jul 2021
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