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O Ceticismo de David Hume na Leitura de Thomas Reid1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Agradeço a Carlota Salgadinho Ferreira pelos valiosos comentários à primeira versão desse artigo.

David Hume’s skepticism in Thomas Reid’s reading

RESUMO

O artigo avança a hipótese de que, na leitura de Thomas Reid, o ceticismo de David Hume apresentado no Tratado da natureza humana não é devido apenas à sua adoção da ‘hipótese ideal’ - o princípio de que as ideias são objetos imediatos das operações da mente -, mas também deriva de outra fonte: a dúvida sobre a fiabilidade das faculdades mentais, em específico, dos sentidos, da memória e da razão. Ademais, argumenta-se que essa distinção entre duas raízes para o ceticismo humiano permite uma avaliação mais precisa da leitura reidiana de Hume e soluciona alguns equívocos interpretativos.

Palavras-chave:
História da filosofia; ceticismo; Thomas Reid; David Hume

ABSTRACT

The paper advances the hypothesis that, in Thomas Reid’s reading, David Hume’s skepticism of the Treatise on Human Nature is not solely due to his acceptance of the ‘ideal hypothesis’ - the principle according to which ideas are the immediate objects of the mental operations -, but it has another source, namely, that doubt on the reliability of the faculties of the senses, memory, and reason. Moreover, the paper argues that the suggested distinction between two roots for Hume’s skepticism allows a more exact view on Reid’s reading of Hume and solve some misinterpretations.

Keywords:
History of philosophy; skepticism; Thomas Reid; David Hume

A leitura de Thomas Reid (1710-1796) do ceticismo de David Hume (1711-1776), sobretudo, daquele ceticismo do Tratado da natureza humana (2001)1 1 Publicado originalmente em 1739 (Livros I e II) e 1740 (Livro III e ‘Apêndice’). Doravante, apenas Tratado. As citações à obra seguirão o modelo (T livro, parte, seção, parágrafo). , é conhecida por difundir a ideia de que Hume seria o mais radical dos céticos do século XVIII. Em uma visão bastante difundida, que chamarei doravante de ‘história tradicional’ da recepção de Hume, seu ceticismo seria tão somente uma ‘consequência lógica’ dos sistemas empiristas de John Locke (1632-1704) e George Berkeley (1685-1753):

[...] A leitura cética de Hume desfrutou do estatuto de ortodoxia por mais de cem anos. James Beattie, Thomas Reid, Immanuel Kant, John Stuart Mill e outros entenderam Hume principalmente como um pensador negativo que mostrou, grosso modo, como o embarque no navio do empirismo construído por Locke e Berkeley inevitavelmente conduz a pessoa à tempestade do ceticismo destrutivo. Com a ascensão do hegelianismo/idealismo, essa visão do furacão David que destruiu o vaso do empirismo tornou-se padrão (Meeker, 2013MEEKER, K. 2013. Hume’s Radical Scepticism and the Fate of Naturalized Epistemology. New York, Palgrave MacMillan., p. 02).

Reid, nessa história tradicional, teria sido o primeiro a reconhecer Hume como o resultado justo e natural de um pensamento que se desenvolve desde o início da modernidade. Como observa Barry Stroud (1977STROUD, B. 1977. Hume. London and New York, Routledge.), Hume seria - nessa história tradicional - apenas “o terceiro e último passo na queda do empirismo clássico britânico” (1977, p. 01).

O objetivo do artigo é justamente discutir essa recepção reidiana do ceticismo de Hume. A hipótese avançada estabelece, a partir dos textos de Uma investigação sobre a mente humana a partir dos princípios do senso comum (1997)2 2 Publicada originalmente em 1764. Doravante, apenas Investigação. e dos Ensaios sobre os poderes intelectuais do homem (2002)3 3 Publicado originalmente em 1785. Doravante, apenas Poderes intelectuais. , que o ceticismo humiano, para Reid, tem duas raízes distintas. Em primeiro lugar, como conta a história tradicional, o ataque cético do autor do Tratado é devido à adoção da hipótese ideal, o princípio de que as ideias são os objetos imediatos das operações mentais. Em segundo lugar, Reid considera - o que parece ter sido negligenciado pelos intérpretes - uma outra raiz para esse ceticismo, a saber, a dúvida sobre a fiabilidade das faculdades mentais. Se estou certo em minha leitura, é possível compreender a interpretação de Reid do texto do Tratado à luz dessa distinção não sistematizada por Reid e, tanto quanto sei, não observada pelos intérpretes.

Na primeira seção, discuto um aspecto da compreensão reidiana do ceticismo de Hume a partir da hipótese ideal não notado na literatura secundária: o autor do Tratado é o mais cético dos autores dos séculos XVII e XVIII não apenas por desenvolver seus compromissos negativos / destrutivos para além de Locke e Berkeley, mas por levar a sua dúvida além daquela proposta pela ‘Seita dos egoístas de Paris’. Na segunda seção, procuro reunir as evidências textuais que permitem compreender a razão de Reid supor que Hume é um cético sobre a fiabilidade das faculdades mentais, em específico, dos sentidos, da memória e da razão. Na terceira seção, desenvolvo as implicações da distinção que proponho entre duas raízes para o ceticismo de Hume na leitura reidiana. Em primeiro lugar, ela permite compreender que, apesar de Reid ter colaborado para essa história tradicional da recepção do ceticismo humiano, sua leitura não se limita à compreensão de que Hume apenas leva a hipótese ideal às suas consequências lógicas. Em segundo lugar, ela permite também evitar erros interpretativos como, por exemplo, o de supor, como fazem alguns intérpretes, que responder ao ceticismo, para Reid, é tão somente atacar a hipótese ideal. Em terceiro lugar, essa distinção permite uma apreciação mais exata da compreensão reidiana do ceticismo de Hume. Ao chamar a atenção para o ataque à fiabilidade das faculdades mentais, Reid mostra que o autor do Tratado é apenas - em suas próprias palavras - um ‘cético parcial’ (half-skeptic), visto que, apesar de suspender seu assentimento à fiabilidade das faculdades mentais, Hume não duvida da consciência. Reid parece sugerir a possibilidade de um ceticismo ainda mais radical do que o de Hume. O autor do Tratado seria o mais radical século da modernidade, mas não sustentaria a mais radical forma de ceticismo possível.

1. O ceticismo a partir da hipótese ideal: Hume além do egoísmo

Reid concebe a história da filosofia moderna, de René Descartes (1596-1650) a Hume, à maneira de uma ‘ladeira escorregadia’ (slippery slope): a aceitação de determinado princípio filosófico leva os autores a descerem uma ladeira rumo ao ceticismo à medida em que seus raciocínios são desenvolvidos a partir dele4 4 Sobre a leitura da ladeira escorregadia de Reid, ver Philip de Bary (2002, pp. 90-104). . Se os filósofos modernos são conduzidos às conclusões céticas como as humianas, isso ocorre em virtude de eles aceitarem a hipótese ideal como princípio de seus raciocínios:

Todos eles [os filósofos modernos] supõem que percebemos os objetos externos não imediatamente e que os objetos imediatos da percepção são apenas certas sombras de objetos externos. Estas sombras ou imagens que percebemos imediatamente foram chamadas pelos antigos de ‘espécies’, ‘formas’, ‘fantasmas’. Desde os tempos de Descartes, no entanto, elas são comumente chamadas ‘ideias’ e, pelo Sr. Hume, ‘impressões’. Contudo, todos os filósofos, [...], concordam nisso: que nós não percebemos os objetos externos imediatamente e que os objetos imediatos da percepção devem ser alguma imagem presente à mente ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 105).

A noção de ‘ideia’ apontada por Reid não é a de uma operação mental, um ato da mente de perceber, pensar ou sentir. Na leitura reidiana, a ideia - para os modernos - é uma ‘entidade’ distinta das operações mentais, uma ‘coisa’ que medeia o conhecimento dos objetos do mundo externo e o conhecimento da própria mente5 5 Greco discute em detalhes as teses que Reid associa para conceber uma noção de ‘sistema ideal’. Em um sentido mais amplo, a teoria das ideias envolveria teses que, de modo rigoroso, não poderiam ser atribuídas a todos os filósofos modernos. Contudo, o coração da teoria das ideias seria a tese sobre a existência de ideias como entidades distintas das operações da mente (Greco, 1995, pp. 281-285). .

Essa questão, acredito, merece um breve parêntese. Há um considerável volume de literatura secundária acerca do problema de saber se Reid está certo ao afirmar que os filósofos dos séculos XVII e XVIII assumem a noção de ‘ideia’ no sentido de entidade. Os intérpretes se dividem a esse respeito. Entre os que o acusam de ter-se equivocado na maior parte dos casos, estão, por exemplo, Joseph Priestley6 6 Ver De Bary (2002, pp. 105-106). (1733-1804), Thomas Ebenezer Webb7 7 Ver De Bary (2002, pp. 105-106). (1821-1903), John YoltonYOLTON, J. 1984. Perceptual Acquaintance from Descartes to Hume. Minneapolis, University of Minnesota Press.(1984)8 8 “Encontraremos razões para lançar consideráveis dúvidas sobre a exatidão histórica de Reid” (1984, p. 05). e Steven Nadler(1989NADLER, S. 1989. Arnauld and the Cartesian Philosophy of Ideas. Manchester, Manchester University Press.)9 9 “Uma das teses deste estudo sobre Arnauld é que tal leitura do pensamento do século XVII sobre as ideias e o conhecimento está errada. Poucos dos filósofos indicados por Reid, Rorty, et al. mantiveram a visão da mente humana que Rorty [influenciado pela visão de Reid] sugeriu” (1989, p. 09). . Entre os que se revelam mais simpáticos à interpretação reidiana, estão autores como Nicolas Wolterstorff (2001)WOLTERSTORFF, N. 2001. Thomas Reid and the Story of Epistemology. New York, Cambridge University Press.10 10 Wolterstorff não discute a questão detalhadamente, contudo, ele observa: “[...] Reid de fato capturou o movimento fundamental de suas linhas de pensamento, concedendo também que ele tendeu a ignorar os desacordos entre aqueles que a ele aderem [ao sistema ideal]” (2001, p. 24). , Philip De Bary11 11 Todo o sétimo capítulo de sua obra é dedicado à discussão do modo como os autores do período são ambíguos sobre a noção de ‘ideia’ e, consequentemente, como Reid estaria justificado em atribuir à maior parte deles a compreensão de ideia como entidade (2002, pp. 105-129). (2002) e Lorne Falkenstein (2002FALKENSTEIN, L. 2002. Hume and Reid on the Perception of Hardness. Hume Studies, XXVIII(1): 27-48.)12 12 Falkenstein defende que Reid está certo em sua leitura da teoria humiana das ideias, apesar de ela precisar de algumas alterações: “contudo, essas modificações não são tão extensivas a ponto de desafiarem a adequação de se considerar Hume como um teórico da ‘via das ideias’” (2002, p. 30) . Muito embora não pretenda defender aqui a adequação da leitura reidiana sobre esse ponto, gostaria de observar, no que se segue, duas razões que podem explicar por que ele é levado a interpretar as impressões e ideias de Hume como entidades.

Em primeiro lugar, Reid entende que o autor do Tratado não admite a existência de uma mente como sujeito, um substractum das percepções e, portanto, que as impressões e ideias poderiam existir por si só como ‘entidades’. A leitura das seções ‘Da imaterialidade da alma’ e ‘Da identidade pessoal’ parecem fundamentais para que Reid chegue a essa conclusão. Na primeira delas, Hume explica a razão de a filosofia não ser capaz de falar sobre a mente como uma ‘substância de inerência’ (T 1.4.5§§2-4) e o modo como a noção tradicional de ‘substância’ não auxilia na descoberta de uma ‘substância de inerência’ - a partir dessa noção, toda e qualquer percepção poderia ser uma substância por si (T 1.4.5§§5-6). Em ‘Da identidade pessoal’, essa compreensão é novamente reforçada com a teoria do feixe: a verdadeira noção de mente não é senão a de um conjunto de percepções conectadas por princípios associativos (T 1.4.6§4).

Em segundo lugar, Hume não parece admitir que a mente esteja consciente de suas próprias operações. Isto é, não é possível conhecer ‘as faculdades’ que operariam com as impressões e ideias. A interpretação de John Wright (1991WRIGHT, J. 1991. Hume’s Rejection of the Theory of Ideas. History of Philosophy Quarterly, VIII(2): 149-162.) de um argumento apresentado por Hume em ‘Da imaterialidade da alma’ é, a meu ver, decisivo a esse respeito. O objetivo do intérprete não é defender a intepretação reidiana. Contudo, entendo que sua leitura contribui para isso. Hume, a partir da filosofia de Espinosa, questiona os teólogos que defendem a imaterialidade da alma (T 1.4.5§§21-26). Com esse argumento, segundo Wright, ele mostra que as impressões e ideias não poderiam ser ‘modificações’ de uma substância mental, tal como os objetos materiais não poderiam - como quer Espinosa - ser modificações de uma única substância, Deus:

A volta mais explícita de Hume para [a natureza das] próprias ideias está na seção ‘Da imaterialidade da alma’, onde ele afirma que o mesmo argumento que os ‘teólogos’ usaram para mostrar o absurdo da visão de Espinosa - de que objetos extensos são inerentes a Deus - deve igualmente aplicar-se às suas próprias alegações de que as ideias desses objetos são inerentes a uma substância anímica distinta. Aqui, novamente, Hume estava tirando uma conclusão sobre a natureza de nossas ideias [...] ‘A conclusão é que as próprias ideias que representam os objetos devem ser genuinamente distintas umas das outras e não podem ser modificações de uma alma simples’ [destaque meu] ( Wright, 1991 WRIGHT, J. 1991. Hume’s Rejection of the Theory of Ideas. History of Philosophy Quarterly, VIII(2): 149-162. , p. 158).

Hume não pode considerar as ideias e impressões como modos de uma substância, isto é, como operações. Por isso, elas devem ser coisas distintas da própria mente: entidades por si próprias. Se ambos os aspectos apontados acima não constituem um argumento definitivo em favor do acerto de Reid em sua interpretação das impressões e ideias como entidades13 13 Não considero um argumento definitivo em favor da leitura de Reid na medida em que, para defendê-la completamente, seria preciso responder aos intérpretes que dela discordam, o que não faço nesse artigo. , eles servem ao menos para explicar a razão de o filósofo ter sido levado a compreender que Hume ‘reifica’ esses estados mentais.

Retorno à questão principal da seção. Para Reid, desde Descartes, os autores do ‘sistema ideal’ raciocinam a partir desse princípio que é fundamentalmente cético:

Estes fatos inegáveis, em verdade, dão-nos motivo para compreender que o sistema do entendimento humano de Descartes, que peço permissão para chamar ‘o sistema ideal’, com algumas melhorias realizadas mais tarde pelos autores, e que agora é geralmente aceito, possui um defeito original: o ceticismo está incrustrado nele e com ele se desenvolve ( Reid, 1997 REID, T. 1997. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. D. BROOKES (ed.). Edinburgh: Edinburgh University Press. , p. 23).

Reid aponta, entre os méritos da filosofia de Hume, a sua capacidade de levar esta hipótese às suas últimas consequências:

O ceticismo moderno, quero dizer aquele de Hume, é construído sobre princípios que foram geralmente mantidos pelos Filósofos, embora eles não tenham visto que eles conduziriam ao ceticismo. O Sr. Hume, delineando com grande agudeza e engenhosidade as consequências dos princípios comumente recebidos, mostrou que eles derrubam todo o conhecimento e finalmente derrubam a si mesmos, e ‘deixam a mente em perfeita suspenção’ [destaque meu] ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , pp. 461-462).

Hume é quem conduz o sistema ideal ao ‘dilúvio universal’, à mais radical forma de ceticismo no século XVIII, deixando a mente em ‘perfeita suspenção’. Essa compreensão é a contribuição de Reid para a história tradicional da recepção do ceticismo humiano. Contudo, como argumento na próxima seção, a leitura de Reid vai além da visão de Hume como um cético do sistema ideal. Ele compreende, se estou certo em minha interpretação, outra raiz para o ceticismo de Hume.

Hume parece ser, para Reid, um solipsista, uma posição denominada à época de ‘egoísmo’. Sua filosofia não deixa evidência para existência de nenhuma outra realidade senão a de seus próprios estados mentais: “[...] desde que os homens começaram a raciocinar clara e distintamente sobre as ideias, elas suplantaram gradualmente seus constituintes, minando a existência de todas as coisas menos a delas próprias” (1997, pp. 33-34). A partir do momento em que Descartes começa a raciocinar sobre a hipótese ideal, a filosofia inicia um processo que conduzirá a investigação, natural e justamente, a um ceticismo radical como o dos egoístas. Primeiramente, na Europa continental: “logo depois de Descartes surgiu uma seita na França, chamada ‘Egoístas’, que defendia que não há evidência para existência de nada senão nós mesmos” (2002, p. 518). Na sequência, em países britânicos, por meio das filosofias de Berkeley e Hume.

Na leitura reidiana, Berkeley é um egoísta, muito embora o seja de modo involuntário e acidental14 14 “Não consigo encontrar nenhum princípio no sistema de Berkeley que me garanta ao menos um fundamento provável para concluir que há outros seres inteligentes, como eu mesmo, em relação aos pais, irmãos, amigos e concidadãos. Sou deixado sozinho, como a única criatura de Deus, naquele desamparado estado de ‘egoísmo’ a que, diz-se, alguns dos discípulos de Descartes foram levados por sua filosofia” (2002, pp. 147-148). . Hume também parece adotar uma posição egoísta. Reid diz na Investigação: “[...] o triunfo das ideias foi completo com o Tratado da natureza humana, ‘que rejeitou também os espíritos, deixando as impressões e ideias como as únicas existências no universo’ [destaque meu] (1997, p. 34). Nos Poderes intelectuais, o filósofo coloca Hume ao lado dos egoístas quando exalta o caráter exato de seus raciocínios a partir da hipótese ideal: “parece-me que aqueles egoístas e o Sr. Hume, raciocinaram mais consequentemente a partir do princípio de Descartes do que ele próprio” (2002, p. 518).

Não obstante essas sugestões, não há menção de Hume como um filósofo egoísta. A meu ver, isso não é acidental. Muito embora Reid não tenha se detido demoradamente sobre esse ponto, ele faz algumas menções sobre a filosofia do Tratado ser mais cética do que a dos egoístas15 15 Em um trabalho recente (Freitas, 2022), defendi que, para Reid, os egoístas de Paris não seriam uma ameaça para a filosofia moderna justamente pela radicalidade de suas conclusões céticas. Contudo, ao me dedicar ao estudo do texto reidiano e de seus comentários sobre a filosofia de Hume, vejo que, na verdade, para Reid, a filosofia do Tratado é ainda mais radical, do ponto de vista de seu ceticismo, do que a supostamente proposta pelos egoístas de Paris. :

Eu não aprendi se esses egoístas, como o Sr. Hume, acreditam que eles não são senão uma cadeia de ideias e impressões ou se eles [acreditam] ter uma existência mais permanente, pois nunca vi nenhum de seus escritos. Tampouco sei se algum dessa seita escreveu em favor de seus princípios ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 518).

Tanto quanto é do conhecimento de Reid - que para falar sobre os egoístas, fia-se no testemunho de autores do período16 16 “Não há dúvidas acerca da existência de tal seita, visto que eles são mencionados por muitos autores e refutados por alguns [...]” (2002, p. 518). -, os egoístas não vão além da descoberta da própria existência, isto é, do cogito: “alguns de seus discípulos [de Descartes], foi dito, permaneceram nesse estado de seu sistema, e receberam o nome de Egoístas. Eles não puderam encontrar nenhuma evidência nos estágios subsequentes de seu progresso” (2002, p. 116). Nesse caso, os egoístas, assim como Descartes, aceitam a própria existência enquanto um sujeito a que as percepções diriam respeito. Para eles, existe um substrato que opera com as ideias. Na leitura de Reid, ao apresentar a teoria do feixe, o autor do Tratado estaria ressignificando - de maneira cética - a noção de ‘mente’:

Devemos nos distanciar do Sr. Hume, que concebe ser um erro vulgar, para além do pensamento de que estamos conscientes, a existência de uma mente que é um sujeito destes pensamentos. Se a palavra mente é algo mais que impressões e ideias, ela não teria significado. A palavra mente, portanto, de acordo com este filósofo, significa um feixe de percepções ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 473).

Nesse ato de ressignificação da noção de ‘mente’, Hume vai além da posição cética dos egoístas de Paris:

Os egoístas de que falamos antes foram deixados muito para trás pelo Sr. Hume, visto que eles acreditavam em sua própria existência e talvez na existência de uma divindade. Contudo, o sistema do Sr. Hume não deixa sequer um eu [self] que reclamasse a propriedade de suas impressões e ideias ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 163).

O Tratado, por isso, inovaria no tocante à radicalidade de seu ceticismo:

Isso [que há um sujeito para as percepções] poderia ser dito sem nenhuma reserva ‘antes do Tratado da natureza humana ‘aparecer ao mundo’ [destaque meu]. Pois, até aquele tempo, nenhum homem, tanto quanto eu saiba, jamais pensou em colocar em questão aquele princípio ou oferecer alguma razão para nele se acreditar ( Reid, 1997 REID, T. 1997. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. D. BROOKES (ed.). Edinburgh: Edinburgh University Press. , p. 32).

Intérpretes como Lorne Falkenstein (1995FALKENSTEIN, L. 1995. Hume and Reid on the Simplicity of the Soul. Hume Studies, XXI(1): 25-45.), por exemplo, notam que Reid está especialmente interessado, em sua leitura do Tratado, pela questão da existência mente (1995, p. 34). A meu ver, isso se explica na medida em que é justamente esse ceticismo sobre a mente que tornaria os argumentos do filósofo tão radicais na modernidade. Para Reid, a conclusão sobre a impossibilidade de conhecer a mente para além das percepções é o que torna o mais cético filósofo dos séculos XVII e XVIII.

2. O ceticismo sobre a fiabilidade das faculdades mentais: sentidos, memória e razão em questão

O autor do Tratado não é cético, aos olhos de Reid, apenas por adotar um princípio cético de filosofias anteriores. Reid está consciente de outras facetas do ataque cético de Hume ao conhecimento. Seu ceticismo decorre também da aceitação de um ‘método de filosofar’ herdado, assim como a hipótese ideal, do pensamento cartesiano: “esse método de filosofar é comum a Descartes, Malebranche, Arnauld, Locke, Norris, Collier, Berkeley e Hume. Como ele foi introduzido por Descartes, chamo-o de sistema cartesiano, e aqueles que o seguiram, cartesianos [...]” (2002, p. 525). A investigação, no método cartesiano de filosofar, deve se iniciar pela dúvida sobre a fiabilidade das faculdades mentais. Descartes assim o faz em suas Meditações sobre filosofia primeira: a partir da hipótese de um supremo enganador, o filósofo duvida dos sentidos e da razão como fonte fiável de conhecimento.

Para Reid, esse modo de filosofar implica uma forma insuperável de ceticismo: é impossível provar que as faculdades não são falaciosas. Para que essa prova seja oferecida, seria preciso que o filósofo agisse ‘arbitrariamente’ - para escolher uma faculdade dentre todas as outras a partir da qual a fiabilidade das outras pudesse ser avaliada - ou que incorresse em um ‘processo circular’ - não se pode provar a fiabilidade das faculdades sem apelar às próprias faculdades cuja fiabilidade está em questão17 17 Discuti essas dificuldades relativas à tentativa de se provar a fiabilidade das faculdades mentais em dois artigos, a saber, Freitas (2020) e Freitas (2021). . Esse modo de proceder é insuperavelmente cético, de modo que, segundo Reid, “não posso evitar de pensar que todos aqueles que seguiram o método de Descartes de exigir prova mediante argumento de todas as coisas, [....], escaparam ao ceticismo mais por frágeis raciocínios ou por fé do que por qualquer outro meio” (2002, p. 518).

Há, na literatura secundária, quem entenda que Hume nunca coloca em questão a fiabilidade das faculdades mentais. Keith Lehrer (1998LEHRER, K. 1998. Reid, Hume and Common Sense. Reid Studies, II(1):15-26.), por exemplo, sugere que “ambos [Hume e Reid] concordam que devemos acreditar em nossas faculdades” (1998, p. 15). O próprio Hume parece recusar explicitamente que ele tenha duvidado das faculdades ao criticar o método cartesiano de filosofar. Isso acontece na primeira parte da seção ‘Da filosofia acadêmica ou cética’ da Investigação sobre o entendimento humano (2004):

Ele [Descartes] prega uma dúvida universal não apenas sobre nossos anteriores princípios e opiniões, mas também sobre nossas próprias faculdades, de cuja veracidade, dizem, devemos nos assegurar por meio de uma cadeia argumentativa deduzida de algum princípio original que não tenha a menor possibilidade de ser fraudulento ou enganoso. Mas nem existe qualquer princípio original desse tipo, dotado de uma prerrogativa sobre outros que são autoevidentes e convincentes; nem, se existisse, poderíamos avançar um passo além dele, a não ser pelo uso daquelas próprias faculdades das quais se supõe que já desconfiamos ( Hume, 2004 HUME, D. 2004. Investigações sobre a mente humana e sobre os princípios da moral. José Oscar de A. MARQUES (Tradutor). São Paulo, UNESP . , p. 204).

As compreensões de Hume e Reid sobre a ‘insuperabilidade’ da dúvida sobre a fiabilidade das faculdades mentais estão muito próximas. O segundo parece apresentar os mesmos argumentos - a circularidade e a arbitrariedade - que o segundo para questionar o modo de investigar de Descartes. Não obstante, Reid entende, a partir de sua leitura do Tratado, que Hume adotaria o método cartesiano de filosofar. Afirmações a esse respeito são constantes em sua obra. Por exemplo, Hume mostra que “nenhum crédito é devido aos nossos sentidos, à nossa memória e mesmo à demonstração [razão]” (1997, p. 21). E: “quando consideramos que ele rejeitou todos os princípios do conhecimento humano, [...]” (2002, p. 499). Ademais, assim como Descartes, Hume colocaria em questão a fiabilidade de todas as faculdades mentais exceto uma, a consciência:

Podemos observar que esse grande metafísico, embora tenha se declarado em favor do ceticismo universal, parecia não ter aceitado de modo algum princípios primeiros. Contudo, com Descartes, ele sempre reconhece a realidade daqueles pensamentos e operações da mente de que nós estamos conscientes ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 517).

Doravante, procuro apontar alguns aspectos e teorias do Tratado que podem ter conduzido Reid à compreensão de que Hume é um cético em relação à fiabilidade das faculdades mentais.

1. O ataque cético contra os sentidos: grande parte dos comentários de Reid ao ceticismo sobre os sentidos dizem respeito a Berkeley e Hume. Isso ocorre porque, apesar de Hume ser um cético a esse respeito, é Berkeley quem primeiro avança essa compreensão com a sua proposta imaterialista18 18 Reid observa: “o Bispo Berkeley lançou uma nova luz sobre esse assunto ao mostrar que as qualidades de uma coisa inanimada, tal como se concebe que a matéria seja, não se assemelha a nenhuma sensação e que é impossível conceber qualquer coisa como as sensações de nossas mentes, a não ser as sensações de outras mentes” (1997, p. 74). :

Muitos filósofos eminentes pensam que não é sensato acreditar quando uma razão [para a crença] não é oferecida, esforçando-se para nos oferecer as razões para acreditarmos em nossos sentidos. Suas razões, contudo, são muito insuficientes e não suportariam um exame. Outros filósofos [Berkeley e Hume] mostraram muito claramente a falácia dessas razões e descobriram, como eles imaginam, razões invencíveis contra essa crença ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 230).

Para Reid, a hipótese ideal é o que conduz principalmente Berkeley e Hume a negarem que os sentidos permitam o conhecimento dos objetos do mundo externo19 19 Ver principalmente a seção ‘Da existência de um mundo material’ do capítulo sobre o tato na Investigação (1997, pp. 67-72) e as seções ‘Dos sentimentos do Bispo Berkeley’ (2002, pp. 137-152) e ‘Dos sentimentos do Sr. Hume’ (2002, pp. 161-165) dos Poderes intelectuais. . Contudo, existem outras compreensões presentes no Tratado que, aos olhos de Reid, colocam a fiabilidade dos sentidos em questão. Cito, por exemplo, a teoria da distinção dos estados mentais pelos graus de vivacidade. Para Reid, essa é uma teoria que conduz à dúvida sobre os sentidos: quão paradoxal é “aquela descoberta moderna da filosofia ideal de que a sensação [os sentidos], a memória, a crença e a imaginação, quando têm o mesmo objeto, são apenas graus diferentes de força e vivacidade na ideia” (1997, p. 30). A dificuldade dessa teoria é explicar quando a mente está sentindo, lembrando-se ou imaginando20 20 Reid observa uma dificuldade adicional na teoria da distinção dos estados mentais pelos graus de vivacidade, a saber, Hume não conseguiria explicar satisfatoriamente uma negação: “tomem o exemplo da ‘ideia de um estado futuro após a morte’. Um homem pode nela acreditar firmemente. Isso significa que ele tem dele uma ideia forte e vívida. Outro homem nem acredita nem desacredita, isto é, ele tem uma ideia fraca e apagada. Suponham agora uma terceira pessoa que acredita firmemente [negação] que não há vida após a morte: não sei se sua ideia é apagada ou vívida. Se ela é apagada, então há uma firme crença onde a ideia é apagada. Se a ideia é vívida, então a crença em um estado futuro e a crença de que não há um estado futuro devem ser uma e a mesma crença [one and the same]” (1997, p. 30)! Anthony Nguyen (2017) discute detidamente essa objeção. A seu ver, a filosofia humiana não é capaz de superá-la (2017, p. 73). . Como distinguir com segurança uma lembrança vívida de uma experiência visual fraca? Como distinguir essa mesma experiência visual de uma mera imaginação? Por isso, é “[...] chocante para o senso comum sustentar que a sensação, a memória e a imaginação diferem apenas em grau, não em espécie” (1997, pp. 30-31). Adiante, retornarei ao problema de se distinguir entre os sentidos, a memória e a imaginação.

Outro exemplo de como Hume coloca os sentidos em questão para Reid diz respeito ao fato de que o autor do Tratado não supõe que eles permitam o conhecimento da origem de suas impressões de sensação. Hume revela ao longo do Livro I, com efeito, que seu compromisso é o de explicar apenas a origem das ideias - e, no Livro II, das impressões de reflexão -, de modo que “o estudo de nossas sensações cabe antes aos anatomistas e aos filósofos naturais que aos filósofos morais, e por esse motivo não entraremos nele no momento” (T 1.1.1§2). Em ‘Do ceticismo quanto aos sentidos’, Hume é claro sobre a impossibilidade de se falar sobre a existência desses objetos, de modo que caberia aos filósofos apenas explicar os motivos que levariam a mente a crer em sua existência contínua e distinta (T 1.4.2§1). Do ponto de vista da filosofia experimental - a estrita observação e experimentação dos fatos mentais, as impressões e ideias -, não é possível saber se há ou não objetos externos para além das percepções. Por isso, é preciso suspender o juízo sobre a origem dessas impressões:

Quanto às ‘impressões’ provenientes dos ‘sentidos’, sua causa última é, em minha opinião, inteiramente inexplicável pela razão humana, e será para sempre impossível decidir com certeza se elas surgem imediatamente do objeto, se são produzidas pelo poder criativo da mente, ou ainda se derivam do autor de nosso ser (T 1.3.5§2).

Reid cita integralmente essa passagem nos Poderes intelectuais - no contexto da discussão do ceticismo humiano sobre a causação (2002, p. 502).

Julgo, portanto, que a teoria da distinção dos estados mentais e a suspensão do juízo sobre a origem das impressões sensíveis são alguns dos motivos que, a meu ver, poderiam levar Reid a supor que Hume assume um ceticismo sobre a fiabilidade dos sentidos.

2. O ataque cético contra a memória: para Reid, Hume não ataca explicitamente a memória, apesar de fornecer o ponto de apoio a partir do qual isso poderia ser feito: “o Sr. Hume, tanto quanto me lembro, não colocou o testemunho da memória em questão, contudo, ele estabeleceu as premissas por meio das quais sua autoridade é anulada, deixando que o seu leitor extraísse a conclusão” (2002, p. 475). Assim como no caso do ataque à fiabilidade dos sentidos, a hipótese ideal é uma das raízes do ceticismo sobre a memória:

Há a mesma necessidade de argumentos para provar que as ideias da memória são imagens de coisas que realmente aconteceram como [para provar] que as ideias dos sentidos são imagens dos objetos externos que existem presentemente. Em ambos os casos, será impossível encontrar algum argumento que tenha um peso real ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 290).

Hume seria o primeiro a perceber que os raciocínios a partir de ideias tornam a memória sujeita ao ataque cético: “parece não ter ocorrido a Locke ou Berkeley que os seus sistemas têm a mesma tendência de pôr de ‘pernas para o ar’ o testemunho da memória assim como o testemunho dos sentidos. O Sr. Hume foi mais longe do que ambos” (2002, p. 290).

Contudo, Reid entende que a teoria da distinção dos estados mentais a partir da vivacidade ameaça não apenas os sentidos como fonte de conhecimento como também a memória. A filosofia humiana enfrenta a dificuldade de não permitir uma distinção segura entre o que é uma experiência sensorial presente, uma lembrança e uma fantasia. Hume parece particularmente interessado pelo problema de se distinguir entre as memória e imaginação de uma maneira não problemática - dificuldade discutida em dois momentos distintos do Tratado, em ‘Das ideias da memória e da imaginação’ e em ‘Das impressões dos sentidos e da memória’. Sua investigação revela a insuficiência dos critérios ‘da origem das ideias simples’, ‘da ordem das ideias complexas’ (T 1.3.5§3) e ‘da vivacidade’ das ideias para se distinguir entre ambas (T 1.3.5§§3-6). Os três critérios se mostram insuficientes, e Hume parece entender a impossibilidade de se pensar uma distinção segura entre as operações de ambas as faculdades.

Reid não é o único leitor do Tratado a encontrar dificuldades a esse respeito21 21 D. G. C MacNabb (1966), por exemplo, entende que a mais fraca das explicações humianas do Tratado é justamente aquela relativa à memória (1966, p. 41). James Noxon (1969) enfatiza que Hume não é capaz de distinguir satisfatoriamente entre memória e imaginação no Tratado (1969, p. 377). . Jeffrey McDonough (2002MCDONOUGH, J. 2002. Hume’s Account of Memory. British Journal for the History of Philosophy, X(1): 71-87.) acha mesmo surpreendente que Hume não desenvolva seus argumentos mais detidamente contra a fiabilidade da memória:

Embora nada obrigue Hume a perseguir sua linha cético-naturalista sempre que possível, sugiro que, no entanto, é surpreendente que ele não o faça no caso relativamente simples e óbvio da memória. [...] Por que, depois de abordar o ceticismo em relação a memória, Hume falha em persegui-lo de sua maneira contumaz ( McDonough, 2002 MCDONOUGH, J. 2002. Hume’s Account of Memory. British Journal for the History of Philosophy, X(1): 71-87. , p. 75)?

A meu ver, e aos olhos de Reid, Hume não pretende ser cético em relação a memória. O fato de o filósofo lidar em duas ocasiões distintas com o problema de distinguir entre memória e imaginação parece ser um indício de que o projeto de uma ciência da natureza humana não prevê o ceticismo sobre a memória. Não obstante os esforços de Hume, é possível - ao menos em algumas leituras - que ele não tenha sucesso nessa tarefa, de modo que, no Tratado, tem-se uma forma de ceticismo ‘acidental’ ou ‘involuntário’ sobre a fiabilidade da memória.

3. O ataque cético contra a razão: duas seções do Tratado parecem fundamentais para a compreensão reidiana de que Hume é um cético em relação à razão, a saber, ‘Do ceticismo quanto à razão’ e ‘Conclusão deste livro’ - ambas citadas por Reid nos Poderes intelectuais (2002REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press., pp. 562-572). O autor do Tratado é explícito sobre os limites do conhecimento permitido pelos poderes de raciocinar, que, a seu ver, são todos ‘falíveis e incert[o]s’ (T 1.4.1§). Por isso, todo raciocínio demonstrativo é reduzido à probabilidade e toda probabilidade é reduzida a ‘nada’. Um juízo adquirido por um processo de raciocínio pode ser avaliado por um juízo adicional sobre a sua validade. Esse novo juízo, por sua vez, precisa ser apreciado por um terceiro juízo e assim por diante (T 1.4.1§). O regresso ao infinito, finalmente, reduziria a probabilidade do juízo original, de modo que “[...] por mais forte que seja nossa crença inicial, ela infalivelmente perecerá ao passar por tantos novos exames, cada um dos quais diminui um pouco sua força e vigor” (T 1.4.1§6). Hume, apesar de observar que seu argumento contra a razão conduz a uma forma de ‘ceticismo total’, reconhece que a natureza não permite que nenhum ser humano adote essa forma radical de ceticismo (T 1.4.1§7 / 1.4.7§9).

Intérpretes como Donald Ainslie (2015AINSLIE, D. 2015. Hume’s True Scepticism. Oxford, Oxford University Press., pp. 35-39) e Wendel Campelo (2018CAMPELO, W. 2018. O desafio da razão no ‘ceticismo total’ de Hume e a influência cartesiana. DoisPontos, XV(1): 111-127., pp. 120-123) discutem detidamente os motivos que levam Hume a abandonar esse ceticismo total na seção ‘Do ceticismo quanto à razão’. Reid também reconhece essa concessão humiana em favor da natureza: “isso é certamente uma interposição muito gentil e amigável da natureza, pois os efeitos desse delírio filosófico, se transportado para a vida, devem ter sido muito melancólicos” (2002, p. 563). Contudo, ele observa que, em último caso, se o ceticismo de Hume sobre as operações da razão for mantido, seria impossível convencê-lo do contrário:

Se o cético pode seriamente duvidar da verdade e fidelidade [fidelity] de sua faculdade de julgar quando ela é usada adequadamente, suspendendo seu juízo sobre ela até que se encontre uma prova [de sua fiabilidade], seu ceticismo não admitirá nenhuma cura por meio do raciocínio, [...] ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 570).

A meu ver, na leitura de Reid, portanto, o ceticismo humiano teria duas raízes distintas. Por um lado, Hume é cético porque adota um princípio cético em sua investigação, a hipótese ideal. Por outro, o autor do Tratado é cético por apresentar argumentos que visam minar a fiabilidade de certas faculdades mentais.

3. Implicações teóricas da distinção proposta

Abaixo, apresento o que a meu ver são os ganhos teóricos dessa distinção apresentada acima:

1. Reid apresenta uma leitura mais complexa acerca do ceticismo humiano do que aquela difundida na recepção tradicional de Hume no século XVIII. Como observa Stroud, sobre a história de acordo com a qual a filosofia humiana seria apenas uma mera radicalização de princípios encontrados em Locke e Berkeley:

Esse julgamento do caráter revolucionário de sua filosofia [de Hume] dificilmente poderia basear-se em nada mais do que uma demonstração de certas limitações, ainda que fundamentais, na teoria das ideias. É claro para qualquer leitor de Locke e Berkeley que essa teoria, tomada estritamente, é muito limitada para dar conta de todos os fenômenos que deveria explicar. Se Hume estivesse simplesmente apontando isso - mesmo que explicitamente e em detalhes - ele seria no máximo um filósofo menor e interessante do século XVIII. Mas ele é consideravelmente mais do que isso ( Stroud, 1977 STROUD, B. 1977. Hume. London and New York, Routledge. , p. 09).

Stroud tem em vista nessa passagem a limitação das interpretações que negam o caráter construtivo / positivo da filosofia humiana. Contudo, julgo que ela também é pertinente para se considerar a limitação das interpretações que compreendem que o ceticismo humiano é devido tão somente à sua adoção da hipótese ideal.

Reid, se estou certo em minha leitura, entende que o ceticismo de Hume surge de duas fontes distintas, ambas cartesianas. Em primeiro lugar, Hume é um cético por admitir um princípio que é levado à investigação filosófica na modernidade pelo filósofo francês, o princípio sobre a existência de ideias na mente. Em segundo lugar, Hume é um cético por adotar o método de filosofar presente nas Meditações, aquele método que parte de uma dúvida sobre a fiabilidade das faculdades da mente. Descartes acredita que, ao apelar à figura de Deus, ele é capaz de escapar àquela dúvida universal que o leva, ainda que provisoriamente, a um estado de egoísmo - antes da descoberta do próprio Deus na Meditação III. Hume não pode apelar a essa solução. Ele vê na natureza uma alternativa ao ceticismo. Em verdade, na primeira Investigação, Hume critica explicitamente o método de filosofar de Descartes. Não obstante, a leitura do Tratado revela que não há garantias para a fiabilidade das faculdades mentais - com exceção da consciência. Hume mostra que não é possível saber a origem das impressões sensíveis que afetam a mente, que não é possível distinguir com segurança entre o que é um estado mental presente e um estado mental passado e, por fim, torna probabilidade a demonstração e reduz o raciocínio probabilístico a nada. Esse é o resultado da investigação do Tratado para Reid: a suspensão do assentimento aos sentidos, à memória e à razão.

2. A proposta de distinção entre duas formas de ceticismo no Tratado de acordo com a leitura de Reid parece evitar alguns equívocos interpretativos. Por exemplo, Paul Vernier (1976VERNIER, P. 1976. Thomas Reid on the Foundations of Knowledge and His Answer to Skepticism. In: S. BARKER; T. BEAUCHAMP (eds.), Thomas Reid Critical Interpretations. Philadelphia, Philosophical Monographs.) supõem, em sua leitura da resposta de Reid ao ceticismo moderno, que a estratégia do filósofo se limita a um ataque à hipótese ideal:

O ceticismo de Hume foi impressionante porque ele estava apoiado sobre princípios da filosofia que eram quase inquestionáveis desde os tempos de Descartes e porque ele considerou as deduções de Hume, a partir destes princípios, como sendo inquestionáveis. Por esta razão, ele começou por provar que as premissas do ceticismo de Hume, que ele encontrou na teoria das ideias, estavam erradas. ‘Por esta via, ele acreditou que poderia minar o ceticismo humiano’ [destaque meu] ( Vernier, 1976 VERNIER, P. 1976. Thomas Reid on the Foundations of Knowledge and His Answer to Skepticism. In: S. BARKER; T. BEAUCHAMP (eds.), Thomas Reid Critical Interpretations. Philadelphia, Philosophical Monographs. , p. 20).

Yves Michaud (1989MICHAUD, Y. 1989. Reid’s Attack on the Theory of Ideas. In: M. DALGARNO; E. MATTHEWS (eds.), The Philosophy of Thomas Reid. Dordrecht, Kluwer Academic Publishers, pp. 09-34. ), por sua vez, critica a resposta de Reid ao ceticismo humiano por supor ela desconsidera outras formas possíveis de ceticismo:

A teoria das ideias não é a única premissa possível para conclusões céticas. Está claro, à luz da história do ceticismo, que argumentos retirados a partir das contradições de opiniões, do relativismo, da possibilidade de uma dúvida universal e radical têm sido certamente mais frequentes do que o argumento retirado a partir [da compreensão] de ideias na mente. [...] Quanto a Hume, seu ceticismo é multiforme e multifacetado [...] Seu ceticismo quanto à razão é ao menos tão importante quanto seu ceticismo sobre os sentidos ( Michaud, 1989 MICHAUD, Y. 1989. Reid’s Attack on the Theory of Ideas. In: M. DALGARNO; E. MATTHEWS (eds.), The Philosophy of Thomas Reid. Dordrecht, Kluwer Academic Publishers, pp. 09-34. , p. 15).

Como argumentado, há uma outra forma de ceticismo na filosofia humiana que se desenvolve independentemente da hipótese ideal e Reid a considera em sua avaliação de Hume. Para responder ao ceticismo do sistema ideal, Reid pretende atacar o fundamento deste sistema, a hipótese ideal22 22 Ver, por exemplo, a seção ‘Cinco reflexões sobre a teoria comum das ideias’ nos Poderes intelectuais, (2002, pp. 171-187). . Para responder ao ceticismo sobre a fiabilidade das faculdades, por sua vez, ele apresenta um conjunto de três argumentos que, quando concatenados, mostram em que medida a filosofia pode pressupor a fiabilidade das faculdades23 23 Ver Freitas (2020). .

3. Não considerarei detidamente a questão de saber se Reid, em algum momento de sua obra, reconhece o esforço construtivo / positivo de Hume - o aspecto não cético de sua filosofia que é considerado a partir de NormanKEMP SMITH, N. 1905. The Naturalism of David Hume (I). Mind, XIV(54): 149-173. KempKEMP SMITH, N. 1905. The Naturalism of David Hume (II). Mind, XIV(55): 335-347. SmithKEMP SMITH, N. 2005. The Philosophy of David Hume: With a New Introduction by Don Garrett. London, Palgrave MacMillan. 24 24 Os artigos ‘O naturalismo de David Hume’ (I) e ‘O naturalismo de David Hume’ (II) (1905) e a obra, publicada originalmente em 1941, A filosofia de David Hume (2005). Stroud (1977, pp. 01-16) e David Pears (1990) são exemplos mais recentes de interpretações naturalistas de Hume. Para este último, Hume sequer é um ‘mero cético’. Ele seria interpretado mais adequadamente como um ‘naturalista cauteloso’ (1990, p. 64). (1872-1958) -, isto é, se ele entende as concessões de Hume diante da natureza como tendo algum valor epistêmico positivo. Provisoriamente, minha visão a esse respeito é a de que Reid não compreende esse caráter não cético no Tratado: Hume é completamente cético. Em defesa de Reid, no entanto, observo que mesmo intérpretes que não compartilham de uma leitura cética da obra humiana, como, por exemplo, o professor João Paulo Monteiro (2011MONTEIRO, J. P. 2011. Sobre a interpretação da epistemologia de Hume. Kriterion, 52(124): 279-291.), reconhecem a sua plausibilidade a partir do exame exclusivo do Tratado. Existem passagens, em específico, as da última seção do Livro I, que podem induzir leitoras e leitores, segundo Monteiro, a pensarem dessa forma25 25 Monteiro cita a seguinte passagem: “a visão ‘intensa’ dessas variadas contradições e imperfeições da razão humana me afetou de tal maneira, e inflamou minha mente a tal ponto, que estou prestes a rejeitar toda crença e raciocínio, e não consigo considerar uma só opinião como mais provável ou verossímil que as outras” (T 1.4.7§8). :

O problema de definir o tipo particular de ceticismo que podemos encontrar em Hume é difícil de compreender a partir do Tratado, não tanto por causa de quaisquer negligências propriamente ditas, mas devido simplesmente a uma certa imprecisão no enunciado da descrição da posição do filósofo relativamente ao pirronismo ou outras formas de ceticismo. A inspiração da atribuição a Hume de um ceticismo pirrônico deriva de certas frases vagas e imprecisas dessa obra juvenil, [...] ( Monteiro, 2011 MONTEIRO, J. P. 2011. Sobre a interpretação da epistemologia de Hume. Kriterion, 52(124): 279-291. , p. 286).

A seu ver, “o espírito do Tratado parece ambiguamente autorizar interpretações como esta [mais radicais do ponto de vista do ceticismo]” (Monteiro, 2011MONTEIRO, J. P. 2011. Sobre a interpretação da epistemologia de Hume. Kriterion, 52(124): 279-291., p. 286).

A partir da distinção proposta, acredito que seja possível avaliar de forma mais precisa a compreensão reidiana do ceticismo de Hume. Uma de suas críticas a Hume diz respeito a uma suposta inconsistência sobre os alvos de seu ataque cético. A seu ver, o autor do Tratado preserva - arbitrariamente26 26 No contexto em que não se pode provar a fiabilidade de nenhuma das faculdades sem incorrer em circularidade, não se pode, do mesmo modo, escolher uma única faculdade como fonte fiável de crenças verdadeiras, preterindo todas as demais. Ver Freitas (2020). - a consciência de seu ataque. Hume admitiria a fiabilidade da consciência27 27 Na seção ‘Do ceticismo quanto aos sentidos’, Hume observa, com efeito: “[...] todas as ações e sensações da mente ‘nos são conhecidas pela consciência’ [destaque meu], elas devem necessariamente, em todos os pormenores, parecer o que são, e ser o que parecem. Como tudo que entra na mente é na ‘realidade’ uma percepção, é impossível que alguma coisa pareça diferente em sua ‘sensação’ [feeling]. Afirmar isso seria’ supor que poderíamos estar enganados mesmo sobre aquilo de que estamos mais intimamente conscientes’ [destaque meu]” (T 1.4.2§7). . Se do ponto de vista do princípio, Hume é possivelmente mais radical do que os egoístas, do ponto de vista do modo de filosofar, ele seria apenas um cético parcial:

O autor do Tratado da natureza humana parece-me ser antes um ‘cético parcial’ [destaque meu]. Ele não seguiu o seu princípio [cético] tão longe quanto ele poderia levá-lo. Depois de ter combatido, com intrepidez e sucesso sem precedentes, os preconceitos vulgares, quando ele tinha apenas um golpe a desferir, a sua coragem falhou, de modo que ele depôs justamente suas armas, tornando-se cativo do mais comum de todos os preconceitos vulgares, quero dizer, a crença na existência de suas próprias impressões e ideias ( Reid, 1997 REID, T. 1997. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. D. BROOKES (ed.). Edinburgh: Edinburgh University Press. , p. 71).

Hume não adere à mais radical das formas de ceticismo, aquela que colocaria em questão igualmente todas as faculdades mentais. Reid o questiona a esse respeito:

O que há nas impressões e ideias de tão formidável​​ que esta filosofia que tudo conquista, depois de triunfar sobre todas as outras existências, deve prestar-lhes homenagem? [...]. Um ‘cético completo e consistente’ [destaque meu] nunca se renderá, portanto, a isso; e enquanto ele se mantiver, você nunca poderá obrigá-lo a ceder a qualquer outra coisa ( Reid, 1997 REID, T. 1997. Inquiry into the Human Mind on the Principles of Common Sense. D. BROOKES (ed.). Edinburgh: Edinburgh University Press. , p. 71).

Portanto, Hume não é um ‘cético completo e consistente’. O autor do Tratado decide suspender seu assentimento a crenças que são devidas aos sentidos, à memória e à razão. Contudo, a consciência mantém-se - arbitrariamente - como uma fonte fiável de conhecimento.

Essa interpretação de Hume como um ‘cético parcial’ permite uma nova possibilidade interpretativa na compreensão reidiana do ceticismo: a existência de uma forma ainda mais radical de ceticismo do que a apresentada no Tratado. Nesse caso, as menções reidianas de Hume como o responsável pelo ‘dilúvio universal’, aquele cuja filosofia deixa a mente em ‘perfeita suspensão’, não são tão exatas, pois haveria um cético completo e consistente que nega o seu assentimento igualmente a todas as faculdades mentais. As evidências textuais sobre essa forma de ceticismo, no entanto, são poucas. Na Investigação, Reid refere-se a esse cético: “para este cético não tenho nada a dizer, porém, gostaria de saber daqueles céticos parciais [que aceitam o testemunho da consciência], porque eles acreditam na existência das impressões e ideias” (Reid, 1997, p. 71). Nos Poderes intelectuais, mais uma vez, Reid menciona-o:

Portanto, se fosse encontrado algum homem que de tão estranho não acreditasse em seus próprios olhos, não confiasse nos seus sentidos e não tivesse a menor consideração por seu testemunho, algum homem acharia que ‘vale a pena argumentar seriamente com tal pessoa’ [que nega todas as fontes de conhecimento], e, por meio de argumento, convencê-lo de seu erro? Certamente, nenhum homem sábio o faria ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 39).

Portanto, na visão de Reid, Hume seria o mais cético autor dos séculos XVII e XVIII, contudo, ele não assumiria a forma mais radical de ceticismo possível.

Parece-me que, para Reid, se há na história da filosofia um filósofo que assume essa forma radical de ceticismo, ele seria Pirro de Élis. Reid, em verdade, mostra pouco interesse pelo ceticismo de Pirro, uma vez que sua filosofia não é uma ameaça - como a de Hume - no século XVIII: “esse sistema [de Pirro] era um insulto ao senso comum da humanidade, ele morreu por si mesmo, e seria em vão tentar revivê-lo” (2002, p. 461). Contudo, em pelo menos dois momentos de sua obra, Reid se refere ao cético antigo. Na Investigação, ele observa o quão consistente teria sido Pirro ao levar o seu ceticismo para o âmbito da vida prática: “sua vida correspondia à sua doutrina” (1997, p. 20). Nos Poderes intelectuais, o filósofo observa que a radicalidade dessa filosofia é o que a leva ao esquecimento:

Aquele sistema, do qual Pirro foi considerado o pai, foi transportado através de uma sucessão de épocas por filósofos muitos capazes e agudos que ensinaram os homens a não acreditarem em nada e a estimarem, como o mais alto alcance [the highest pitch] da sabedoria humana, a suspenção do assentimento a toda proposição, qualquer que ela seja. Ele foi defendido com grande sutileza e sabedoria [learning], como vemos dos escritos de Sexto Empírico, o único autor daquela seita cujos escritos chegaram ao nosso tempo. O assalto dos céticos contra todas as ciências parece ter sido administrado com mais arte e habilidade do que a defesa dos dogmáticos ( Reid, 2002 REID, T. 2002. Essays on the Intellectual Powers of Man. D. BROOKES (Ed.). Edinburgh, Edinburgh University Press. , p. 461).

Pirro não teria admitido uma crença sequer como conhecimento, portanto, seria um cético mais completo e consistente do que Hume.

Hume parece aproximar os seus argumentos céticos do pirronismo. Na ‘Sinopse’ (2001HUME, D. 2001. Tratado da Natureza Humana. D. DANOWSKI (tradutora). São Paulo, UNESP.), por exemplo, ele observa que a dúvida sobre os sentidos e a razão tornam pirrônico o ataque cético do Tratado28 28 Sobre a aproximação das observações de Hume na ‘Conclusão deste livro’ e o pirronismo, ver José Raimundo Maia Neto (1991). :

Quando cremos em algo a respeito da existência ‘externa’, ou quando supomos que um objeto continua existindo mesmo um instante após deixar de ser percebido, essa crença é simplesmente um sentimento desse mesmo tipo. Nosso autor insiste em diversos outros tópicos céticos; e conclui, de maneira geral, que só assentimos às nossas faculdades e só empregamos nossa razão porque não podemos evitá-lo. A filosofia nos tornaria inteiramente ‘pirrônicos’, se a natureza não fosse forte demais para ela (Sinopse §27).

Se Pirro é de fato o cético consistente e completo mencionado algumas vezes em sua obra, Hume não poderia ser um pirrônico aos olhos de Reid. O autor do Tratado, ainda que represente a mais radical forma de ceticismo dos séculos XVII e XVIII, é apenas um cético parcial: crê na existência de seus estados mentais.

Há, portanto, em minha visão, um caráter moderado, ou menos radical, na compreensão reidiana do ceticismo de Hume no TratadoHUME, D. 2000. A Treatise on Human Nature. D. F. NORTON; M. J. NORTON (eds.). Oxford, Oxford University Press .. Isso se faz ver, sobretudo, em um cotejo com interpretações mais recentes como, por exemplo, a de Kevin Meeker (1998MEEKER, K. 1998. Hume: Radical Sceptic or Naturalized Epistemologist. Hume Studies, XXIV(1): 31-52., 2007MEEKER, K. 2007. Hume on Knowledge, Certainty and Probability: Anticipating the Disitegration of The Analytic / Synthetic Divide? Pacific Philosophical Quarterly, LXXXVIII: 226-242., 2013MEEKER, K. 2013. Hume’s Radical Scepticism and the Fate of Naturalized Epistemology. New York, Palgrave MacMillan.), que encontra no Tratado uma ‘forma global’ de ceticismo29 29 O intérprete se apoia fundamentalmente sobre o argumento da seção ‘Do ceticismo quanto à razão’. Em seu trabalho mais recente a esse respeito: “Hume reconhece o alcance global [de seu argumento contra a razão] quando ele avalia o seu próprio argumento e conclui que o conhecimento degenera em probabilidade. [...]. Logo, Hume é um cético global no sentido de que ele nega que tenhamos algum conhecimento. Ele é, em nossos termos, um cético global sobre a certeza [global certainty E-sceptic]” (2013, p. 31). . Na leitura reidiana, Hume é o mais cético autor do século XVIII, contudo, ele não manteria a forma mais radical possível de ceticismo. Seu ceticismo não seria global, uma vez que há ao menos uma fonte fiável de conhecimento.

Referências

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  • WRIGHT, J. 1991. Hume’s Rejection of the Theory of Ideas. History of Philosophy Quarterly, VIII(2): 149-162.
  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Agradeço a Carlota Salgadinho Ferreira pelos valiosos comentários à primeira versão desse artigo.
  • 1
    Publicado originalmente em 1739 (Livros I e II) e 1740 (Livro III e ‘Apêndice’). Doravante, apenas Tratado. As citações à obra seguirão o modelo (T livro, parte, seção, parágrafo).
  • 2
    Publicada originalmente em 1764. Doravante, apenas Investigação.
  • 3
    Publicado originalmente em 1785. Doravante, apenas Poderes intelectuais.
  • 4
    Sobre a leitura da ladeira escorregadia de Reid, ver Philip de Bary (2002De BARY, P. 2002. Thomas Reid and Scepticism: His Reliabilist Response. London e New York, Routledge., pp. 90-104).
  • 5
    Greco discute em detalhes as teses que Reid associa para conceber uma noção de ‘sistema ideal’. Em um sentido mais amplo, a teoria das ideias envolveria teses que, de modo rigoroso, não poderiam ser atribuídas a todos os filósofos modernos. Contudo, o coração da teoria das ideias seria a tese sobre a existência de ideias como entidades distintas das operações da mente (Greco, 1995GREGO, J. 1995. Reid’s Critique of Berkeley and Hume: What’s the Big Idea? Philosophy and Phenomenologial Research, LV(2): 279-296. , pp. 281-285).
  • 6
    Ver De Bary (2002De BARY, P. 2002. Thomas Reid and Scepticism: His Reliabilist Response. London e New York, Routledge., pp. 105-106).
  • 7
    Ver De Bary (2002De BARY, P. 2002. Thomas Reid and Scepticism: His Reliabilist Response. London e New York, Routledge., pp. 105-106).
  • 8
    “Encontraremos razões para lançar consideráveis dúvidas sobre a exatidão histórica de Reid” (1984, p. 05).
  • 9
    “Uma das teses deste estudo sobre Arnauld é que tal leitura do pensamento do século XVII sobre as ideias e o conhecimento está errada. Poucos dos filósofos indicados por Reid, Rorty, et al. mantiveram a visão da mente humana que Rorty [influenciado pela visão de Reid] sugeriu” (1989, p. 09).
  • 10
    Wolterstorff não discute a questão detalhadamente, contudo, ele observa: “[...] Reid de fato capturou o movimento fundamental de suas linhas de pensamento, concedendo também que ele tendeu a ignorar os desacordos entre aqueles que a ele aderem [ao sistema ideal]” (2001, p. 24).
  • 11
    Todo o sétimo capítulo de sua obra é dedicado à discussão do modo como os autores do período são ambíguos sobre a noção de ‘ideia’ e, consequentemente, como Reid estaria justificado em atribuir à maior parte deles a compreensão de ideia como entidade (2002, pp. 105-129).
  • 12
    Falkenstein defende que Reid está certo em sua leitura da teoria humiana das ideias, apesar de ela precisar de algumas alterações: “contudo, essas modificações não são tão extensivas a ponto de desafiarem a adequação de se considerar Hume como um teórico da ‘via das ideias’” (2002, p. 30)
  • 13
    Não considero um argumento definitivo em favor da leitura de Reid na medida em que, para defendê-la completamente, seria preciso responder aos intérpretes que dela discordam, o que não faço nesse artigo.
  • 14
    “Não consigo encontrar nenhum princípio no sistema de Berkeley que me garanta ao menos um fundamento provável para concluir que há outros seres inteligentes, como eu mesmo, em relação aos pais, irmãos, amigos e concidadãos. Sou deixado sozinho, como a única criatura de Deus, naquele desamparado estado de ‘egoísmo’ a que, diz-se, alguns dos discípulos de Descartes foram levados por sua filosofia” (2002, pp. 147-148).
  • 15
    Em um trabalho recente (Freitas, 2022FREITAS, V. F. 2022. A moderação da resposta de Thomas Reid ao ceticismo. Síntese(FAJE), XLIX(154): 365-384.), defendi que, para Reid, os egoístas de Paris não seriam uma ameaça para a filosofia moderna justamente pela radicalidade de suas conclusões céticas. Contudo, ao me dedicar ao estudo do texto reidiano e de seus comentários sobre a filosofia de Hume, vejo que, na verdade, para Reid, a filosofia do Tratado é ainda mais radical, do ponto de vista de seu ceticismo, do que a supostamente proposta pelos egoístas de Paris.
  • 16
    “Não há dúvidas acerca da existência de tal seita, visto que eles são mencionados por muitos autores e refutados por alguns [...]” (2002, p. 518).
  • 17
    Discuti essas dificuldades relativas à tentativa de se provar a fiabilidade das faculdades mentais em dois artigos, a saber, Freitas (2020FREITAS, V. F. 2020. A resposta de Thomas Reid ao ceticismo.Síntese(FAJE), XLVII(147): 23-44.) e Freitas (2021FREITAS, V. F. 2021. O ceticismo de René Descartes na leitura de Thomas Reid. O que nos faz pensar(PUC-Rio), XXIX(48): 55-82.).
  • 18
    Reid observa: “o Bispo Berkeley lançou uma nova luz sobre esse assunto ao mostrar que as qualidades de uma coisa inanimada, tal como se concebe que a matéria seja, não se assemelha a nenhuma sensação e que é impossível conceber qualquer coisa como as sensações de nossas mentes, a não ser as sensações de outras mentes” (1997, p. 74).
  • 19
    Ver principalmente a seção ‘Da existência de um mundo material’ do capítulo sobre o tato na Investigação (1997, pp. 67-72) e as seções ‘Dos sentimentos do Bispo Berkeley’ (2002, pp. 137-152) e ‘Dos sentimentos do Sr. Hume’ (2002, pp. 161-165) dos Poderes intelectuais.
  • 20
    Reid observa uma dificuldade adicional na teoria da distinção dos estados mentais pelos graus de vivacidade, a saber, Hume não conseguiria explicar satisfatoriamente uma negação: “tomem o exemplo da ‘ideia de um estado futuro após a morte’. Um homem pode nela acreditar firmemente. Isso significa que ele tem dele uma ideia forte e vívida. Outro homem nem acredita nem desacredita, isto é, ele tem uma ideia fraca e apagada. Suponham agora uma terceira pessoa que acredita firmemente [negação] que não há vida após a morte: não sei se sua ideia é apagada ou vívida. Se ela é apagada, então há uma firme crença onde a ideia é apagada. Se a ideia é vívida, então a crença em um estado futuro e a crença de que não há um estado futuro devem ser uma e a mesma crença [one and the same]” (1997, p. 30)! Anthony Nguyen (2017NGUYEN, A. 2017. Can Hume Deny Reid’s Dilemma? Hume Studies, XLIII(2): 57-78.) discute detidamente essa objeção. A seu ver, a filosofia humiana não é capaz de superá-la (2017, p. 73).
  • 21
    D. G. C MacNabb (1966MacNABB, D. G. C. 1966. David Hume: His Theory of Knowledge and Morality - Second Edition. Hamden, Archon Books.), por exemplo, entende que a mais fraca das explicações humianas do Tratado é justamente aquela relativa à memória (1966, p. 41). James Noxon (1969NOXON, J. 1969. Senses of Identity in Hume’s Treatise. Dialogues, VIII(3): 367-384.) enfatiza que Hume não é capaz de distinguir satisfatoriamente entre memória e imaginação no Tratado (1969, p. 377).
  • 22
    Ver, por exemplo, a seção ‘Cinco reflexões sobre a teoria comum das ideias’ nos Poderes intelectuais, (2002, pp. 171-187).
  • 23
    Ver Freitas (2020FREITAS, V. F. 2020. A resposta de Thomas Reid ao ceticismo.Síntese(FAJE), XLVII(147): 23-44.).
  • 24
    Os artigos ‘O naturalismo de David Hume’ (I) e ‘O naturalismo de David Hume’ (II) (1905) e a obra, publicada originalmente em 1941, A filosofia de David Hume (2005). Stroud (1977, pp. 01-16) e David Pears (1990PEARS, D. 1990. Hume’s System: An Examination of the First Book of his Treatise. New York, Oxford University Press. ) são exemplos mais recentes de interpretações naturalistas de Hume. Para este último, Hume sequer é um ‘mero cético’. Ele seria interpretado mais adequadamente como um ‘naturalista cauteloso’ (1990, p. 64).
  • 25
    Monteiro cita a seguinte passagem: “a visão ‘intensa’ dessas variadas contradições e imperfeições da razão humana me afetou de tal maneira, e inflamou minha mente a tal ponto, que estou prestes a rejeitar toda crença e raciocínio, e não consigo considerar uma só opinião como mais provável ou verossímil que as outras” (T 1.4.7§8).
  • 26
    No contexto em que não se pode provar a fiabilidade de nenhuma das faculdades sem incorrer em circularidade, não se pode, do mesmo modo, escolher uma única faculdade como fonte fiável de crenças verdadeiras, preterindo todas as demais. Ver Freitas (2020FREITAS, V. F. 2020. A resposta de Thomas Reid ao ceticismo.Síntese(FAJE), XLVII(147): 23-44.).
  • 27
    Na seção ‘Do ceticismo quanto aos sentidos’, Hume observa, com efeito: “[...] todas as ações e sensações da mente ‘nos são conhecidas pela consciência’ [destaque meu], elas devem necessariamente, em todos os pormenores, parecer o que são, e ser o que parecem. Como tudo que entra na mente é na ‘realidade’ uma percepção, é impossível que alguma coisa pareça diferente em sua ‘sensação’ [feeling]. Afirmar isso seria’ supor que poderíamos estar enganados mesmo sobre aquilo de que estamos mais intimamente conscientes’ [destaque meu]” (T 1.4.2§7).
  • 28
    Sobre a aproximação das observações de Hume na ‘Conclusão deste livro’ e o pirronismo, ver José Raimundo Maia Neto (1991MAIA NETO, J. 1991. Hume and Pascal: Pyrronism vs. Nature. Hume Studies, XVII(1): 41-49.).
  • 29
    O intérprete se apoia fundamentalmente sobre o argumento da seção ‘Do ceticismo quanto à razão’. Em seu trabalho mais recente a esse respeito: “Hume reconhece o alcance global [de seu argumento contra a razão] quando ele avalia o seu próprio argumento e conclui que o conhecimento degenera em probabilidade. [...]. Logo, Hume é um cético global no sentido de que ele nega que tenhamos algum conhecimento. Ele é, em nossos termos, um cético global sobre a certeza [global certainty E-sceptic]” (2013, p. 31).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2021
  • Aceito
    16 Mar 2022
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