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O nu e o vestido (por ocasião da descoberta do Brasil)

The nude and the dressed (on the occasion of the discovery of Brazil)

Resumo

O presente artigo apresenta uma compreensão do modernismo brasileiro com base em suas relações possíveis com a moda. Desde a suposta inspiração da Semana de Arte Moderna em uma fashion week francesa até o new look que Flávio de Carvalho desenvolve para uma performance já nos anos 1950, o artigo passa ainda pelas obras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral. Dessa forma, interpreta um conjunto de textos literários, quadros, polêmicas e até mesmo certas performances ocorridas, expostas e publicadas ao longo do período modernista, que se orientaram pela moda em seus dois principais aspectos: o tempo e o vestuário. E conclui, por meio de uma sugestão etimológica, que, para os modernistas, a própria ideia de descoberta, como ato do conhecimento, se associaria à condição da nudez.

Palavras-chave
modernismo brasileiro; Semana de Arte Moderna; moda; nudez

Abstract

This paper seeks to approach Brazilian modernism stemming from its possible connections with fashion. From the alleged inspiration of the Brazilian Modern Art Week in a French fashion week to the new look that Flávio de Carvalho developed for a performance in the 1950s, the article also goes through the works of Oswald de Andrade, Mário de Andrade and Tarsila do Amaral. In this way, it interprets a set of literary texts, paintings, controversies and even a certain number of performances that were exhibited and published throughout the modernist period, which were guided by fashion in its two main aspects: time and clothing. The article also concludes, through an etymological suggestion, that for the modernists the very idea of discovery, as an act of knowledge, would be associated with the condition of nudity.

Keywords
Brazilian modernism; Modern Art Week; fashion; nude

Introdução (a Semana de 22 como uma fashion week)

Reza a lenda, entre outras lendas em torno dos preparativos da Semana de Arte Moderna, que o evento teria sido, em parte, inspirado em uma fashion week francesa por sugestão de Marinette Prado, esposa de Paulo Prado, durante uma das reuniões que antecederam a Semana em sua casa na avenida Higienópolis. Salvo engano, foi Di Cavalcanti quem relatou pela primeira vez, em entrevista quarenta anos depois do evento, a menção que Marinette fez aos desfiles franceses de moda: “Conversa vai, conversa vem, a senhora de Paulo Prado falou na semana de modas de Deauville. Foi então que a ideia me ocorreu: por que não se fazer também uma semana de arte moderna?”, relembrou o pintor em 1962, sem dar maiores detalhes da conversa (CAVALCANTI, 1962CAVALCANTI, D. Quarenta anos depois. In: Suplemento Literário do Estado de São Paulo, 17 fev. 1962, p. 1-4. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=098116x&Pesq=%22di%20cavalcanti%22&pagfis=1639>. Acesso em: 27 maio 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader...
, p. 1).

Tal referência passou a ser lembrada, com diferentes pesos e medidas, em memórias e histórias do modernismo publicadas após o depoimento de Di Cavalcanti. Outro artista plástico, Yan de Almeida Prado, que também participou da Semana de 22 e que depois se tornou um dos seus detratores, chegou a atribuir à esposa de Paulo Prado, em avaliação evidentemente exagerada, a própria ideia do evento, conforme a dedicatória de seu livro sobre a Semana: “A Marinette Prado, que teve a ideia da Semana de Arte Moderna” (PRADO, 1976PRADO, Y. A. A grande Semana de Arte Moderna. São Paulo: Edart, 1976.). Sobre as reuniões, no entanto, diz apenas que Marinette sugeriu que o evento modernista “tivesse aspectos dos desfiles de modas femininas em Deauville”, sem detalhar quais seriam esses aspectos, proposta que teria sido aplaudida e adaptada às manifestações de letras e artes (PRADO, 1976PRADO, Y. A. A grande Semana de Arte Moderna. São Paulo: Edart, 1976., p. 11). Por sua vez, Rubens Borba de Moraes em Testemunha ocular, livro de memórias publicado recentemente, após a morte do seu autor, também lembrou da sugestão da mulher de Paulo Prado durante as primeiras reuniões do grupo, que teria solucionado um problema àquela altura de difícil resolução: o tempo do evento.

Alguém propôs que a manifestação durasse um mês. Outros, mais realistas, acharam que era muito; não tínhamos tanta munição para uma guerra tão longa. Reduzimos o tempo de combate a uma semana. A sugestão partiu de d. Marinette, mulher de Paulo Prado. Lembrou a semaine de Deauville na França, onde se lançavam as modas e à qual comparecia não só a gente elegante, mas escritores e artistas modernos. Unânimes aceitamos reduzir a manifestação a uma semana. Não me lembro quem propôs, na hora de arranjar um título para a manifestação (a ideia de salon já estava superada), que a chamássemos Semana de Arte Moderna

(MORAES, 2011MORAES, R. B. de. Testemunha ocular (recordações). Organização e notas de Antonio Agenor Briquet de Lemos. Brasília: Briquet de Lemos, 2011., p. 135).

Mais do que referência mundana, e apesar da lembrança talvez trivial de um evento de moda que, inclusive, entre o grupo modernista, apenas Marinette Prado parecia conhecer, a comparação faz pensar em uma série de relações que se podem propor entre a Semana de 22, a estética modernista e o tempo. Em oposição à ideia de que o evento, seja como fosse, devia ter a duração de um mês, optou-se por uma opção reduzida e rápida, que a Semana pudesse passar pela cidade de forma efêmera, mais ou menos de surpresa, como um desfile ou um raio — ou um terremoto, que à época atingiu certas regiões de São Paulo, conforme o noticiário e alguns relatos dos próprios modernistas (MORAES, 2011MORAES, R. B. de. Testemunha ocular (recordações). Organização e notas de Antonio Agenor Briquet de Lemos. Brasília: Briquet de Lemos, 2011., p. 140). Nesse sentido, a respeito da poesia de Oswald de Andrade, Haroldo de Campos também faz referência a uma estética redutora, e lembra de uma curiosa expressão de um crítico da época, João Ribeiro, segundo o qual a poesia oswaldiana “reduziu a complicação do vestuário retórico à folha de parreira simples e primitiva [...]” (RIBEIRO apud CAMPOS, 2003, p. 18). Por sua vez, em um dos recortes sobre moda que Walter Benjamin reuniu para as Passagens, uma jornalista alemã, Helen Grund, chamava a atenção para o efeito-surpresa que uma mulher podia causar “ao apresentar-se à sociedade vestindo [...] roupas novas”, a ponto de ser vedada a publicação de qualquer documento das coleções antes do lançamento (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 111).

O evento modernista, em suma, livremente inspirado pela fashion week de Deauville, encarnaria a própria temporalidade moderna — o efeito-surpresa, a busca pelo novo, condição imprescindível da moda que a Semana revive em sua manifestação rápida e reduzida. Mais do que isso, com base na intuição de Marinette Prato, o presente artigo apresenta uma compreensão do modernismo brasileiro ao analisar suas relações possíveis com a moda. Desde a inspiração da Semana de Arte Moderna em uma fashion week francesa até o new look que Flávio de Carvalho desenvolve para uma performance já nos anos 1950, o artigo passa ainda pelas obras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral. Dessa forma, interpreta um conjunto de textos literários, quadros, polêmicas e até mesmo certas performances ocorridas, expostas e publicadas ao longo do período, que se orientaram pela moda em seus dois principais aspectos: o tempo e o vestuário. E conclui, por meio de uma sugestão etimológica, que, para os modernistas, a própria ideia de descoberta, como ato do conhecimento, se associaria à condição da nudez.

Modernismo: por uma história anacrônica

O crítico de arte Boris Groys, em Du nouveau, dedica um belo fragmento à moda que, com base no conceito que propõe, ajuda a esclarecer a maneira como o modernismo — e em especial, neste caso, a fashion week de 22 — se opõe aos valores do passado. Em Le nouveau et la mode, Groys argumenta que, apesar das condenações que a moda sofreu ao longo da modernidade, ela também tem um traço revolucionário, sobretudo pela sua dinâmica de alteração contínua da história e de busca pelo novo. “Com efeito” — diz Groys — “a moda é radicalmente anti-utópica e antitotalitária, pois sua transformação incessante testemunha que o futuro não é previsível, que ele não pode escapar à mudança histórica, e que não existe verdade suscetível de determiná-la integralmente” (GROYS, 1995, p. 47). Para o crítico, a condenação que se faz à moda parte da crença em uma verdade universal, ou seja, uma verdade capaz de determinar o presente e o futuro em sua integralidade, e, nessa perspectiva, o dever do pensamento seria se preservar da mudança histórica. Pelo contrário, a moda — seja na arte do traje, nos costumes ou nos modelos de temporalidade — se conjuga de forma provisória e intempestiva. Como descoberta ou busca pelo novo, a noção de moda representa para Groys o meio pelo qual seria possível “se liberar do poder do passado” (GROYS, 1995, p. 47).

Por outro lado, em paradoxo próprio ao modernismo, o movimento parece emergir do interior das formas mais antigas — dinâmica de mão dupla a que Walter Benjamin se refere como “o verdadeiro espetáculo dialético da moda”. Diz Benjamin que se o valor do novo é sempre o que confere certo tom à moda, isso ocorre apenas quando surge entre as coisas mais passadas e habituais. Interrogar de que maneira aquilo “que é totalmente novo se forma a partir daquilo que se passou”, segundo o crítico, consistiria no verdadeiro desafio da modernidade (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 103). No caso da Semana de 22, como se sabe, além de ocorrer nas dependências do Teatro Municipal — tanto no palco e no saguão quanto nas escadarias, pois Mário de Andrade chegou a dar uma palestra fora da programação, de improviso1 1 Na palestra proferida em 1942, O movimento modernista, o próprio autor lembrou de sua conferência sobre artes plásticas realizada na escadaria do Teatro, “cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer” (ANDRADE, 1942, p. 15). —, o evento contou com programação mesclada e repleta de apresentações consideradas passadistas, em crítica feita inclusive por alguns modernistas. Rubens Borba de Moraes, por exemplo, fez restrições à inclusão de artistas que não eram do grupo moderno, como relata em suas memórias. Disse que a Semana incluiu “uma porção de gente sem importância”, como a pianista Guiomar Novaes, apenas “com a intenção de atrair público”; considerou que se tratava de uma “concessão inadmissível”; e acusou Mário de Andrade “de ter cedido, de ter sido fraco, deixando-se envolver pelos jeitosos politiqueiros passadistas que procuravam notoriedade”. Para Moraes, a programação musical do evento, com Guiomar Novaes tocando Debussy — e não Satie ou Stravinsky —, foi como “um sarau lítero-musical de cidade de interior” (MORAES, 2011MORAES, R. B. de. Testemunha ocular (recordações). Organização e notas de Antonio Agenor Briquet de Lemos. Brasília: Briquet de Lemos, 2011., p. 140-141).

A presença de uma pianista clássica na Semana despertou controvérsias, mas às avessas, e até mesmo certo escândalo, não apenas ao longo de todo o mês de fevereiro, mas também ao longo do século.2 2 O livro que mais bem analisa a questão da música na Semana, no qual inclui as discussões em torno da presença de Guiomar de Novaes na programação, ainda é O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22, de José Miguel Wisnik. No entanto, se é possível pensá-la como uma concessão ou mesmo um lance astuto de propaganda dos modernistas, conforme o comentário de Rubens Borba, a apresentação de Guiomar Novaes, e não apenas ela, também inscreve na Semana uma espécie de anacronismo — dinâmica singular do tempo em que convivem no mesmo espaço temporalidades distintas. Quer dizer, se a Semana ocorreu em espaço tão suntuoso, justamente no teatro construído com objetivo de abrigar óperas francesas, cuja arquitetura foi inspirada na Ópera de Paris, e mesmo se a programação do evento abrigou um conjunto de expressões convencionais, seria possível conceber tal paradoxo não como uma falha do programa ou uma espécie de atraso do modernismo nacional, e sim como o conflito central do movimento que a Semana, dessa maneira, formaliza. Em tal perspectiva, a presença de Guiomar Novaes — assim como, em geral, a predominância da música erudita e das belas artes no programa — é ainda mais ambígua do que parece: não seria apenas uma estratégia dos modernistas para atrair público ou conferir legitimidade ao evento, mas também a representação do poder do passado e da tradição que se faz atual no palco e no saguão do teatro.

Talvez tenha sido Mário de Andrade o primeiro a conceber, entre os modernistas da linha de frente, tais paradoxos inerentes ao movimento — que em grande medida tiraria sua força de uma tensão permanente, com resoluções variadas, entre o novo e o velho. Na atuação e na literatura de Mário, são inúmeros os testemunhos que demonstram sensibilidade e lucidez do escritor sobre a questão. A primeira polêmica que trava com Oswald, por exemplo, ainda em meados de 1921, da qual se confessaria depois passadista,3 3 A confissão se dá no “Prefácio interessantíssimo”, de Paulicéia Desvairada: “E desculpe-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar de uma só vez das teorias-avós que bebeu” (ANDRADE, 1987, p. 60). poderia ser entendida dessa forma. Ao se afastar e repudiar o rótulo de futurista, do qual Oswald se vale para apresentar a poesia do autor de Paulicéia desvairada, Mário descreve “os muitos erros que o futurismo europeu apresenta”, entre os quais se encontra “o abandono das noções de pátria e principalmente de tradição”. A réplica de Mário não deixa de ser um pretexto para a defesa das “nossas tradições, poucas, mas áureas” — e desconhecê-las, diz ele, mais do que quimera, é leviandade (ANDRADE apud BRITO, 1974BRITO, M. S. História do modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974., p. 236-237). Duas décadas depois, na conferência de 1942 sobre o movimento modernista, Mário também lembra que, diante da revelação que foi a primeira exposição de Anita Malfatti, com seus quadros expressionistas e cubistas estranhos ao contexto artístico da cidade de São Paulo, o poeta, até então desconhecido, dedicou a ela “um soneto de forma parnasianíssima”. “Éramos assim”, conclui Mário (ANDRADE, 1942ANDRADE, M. de. O movimento modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942., p. 17).

Ou seja, éramos contraditórios, paradoxais e anacrônicos. Não são ocorrências ocasionais no pensamento de Mário que, em correspondência trocada com Drummond em 1925, em meio aos principais embates modernistas, faz raciocínio semelhante quando o poeta mineiro reclama que a própria revista recém-lançada em Belo Horizonte era “comprometida pelo inevitável passadismo de alguns colaboradores”. O autor de Paulicéia responde taxativo: “[...] botem bem misturado o modernismo bonito de vocês com o passadismo dos outros. Misturem o mais possível”. Mário argumenta com Drummond que o problema não era o passadismo, e sim a revista “ficar igrejinha como Klaxon”, primeira revista modernista lançada logo depois da Semana de 22. E termina por afirmar que o público, dessa forma, ainda firme no passadismo, seria pego de supetão, e “vai indo de cambulhada” (ANDRADE, 2003______. Oswald de Andrade: Pau Brasil, Sans Pareil, Paris, 1925. In: ANDRADE, O. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003., p. 142). Como formulação de uma imagem dialética do tempo, ao longo do movimento modernista, o que se inventa é um futuro que emerge necessariamente do passado, cujo regime de temporalidade próprio uma teoria da moda poderia explicar. Em uma de suas teses sobre o conceito de história, Benjamin já comparava a moda — que tem “um faro para o atual, onde quer que ele esteja na folhagem do antigamente” — com o “salto dialético da Revolução, como o concebeu Marx”. E lembra que a Revolução Francesa se via como uma Roma ressurgida, que era citada pelos revolucionários franceses da mesma forma como a moda cita um vestuário antigo. Pois a moda é também, na bela síntese de Benjamin, “um salto de tigre em direção ao passado” (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 130).

Para compreender o que ocorreu na Semana de 22 seria preciso, portanto, considerá-la não exatamente com base no puro abandono das formas do passado, conforme o legado eucrônico de uma concepção do tempo, e sim em sua dimensão anacrônica. Na tentativa de esclarecer sobre os usos do tempo que a estética modernista pressupõe, deveríamos nos perguntar, seguindo a pista de Georges Didi-Huberman, sobre outro tipo de relação da história com o tempo. Afinal, ao lembrar de Bataille na epígrafe de Diante do tempo, Didi-Huberman argumenta que todo problema, em certo sentido, é um problema de uso do tempo. E fazer a história do modernismo com base em seus usos anacrônicos do tempo implica em captar os modos como as imagens modernistas se sobrepõem em camadas e em movimentos opostos — ou seja, em captar os modos como passado, presente e futuro chegam a conviver na mesma imagem, em paradoxos.

Tal concepção, de saída, já nos afasta das categorias fixas, das representações idealistas. Em alguma medida, o que se realiza na Semana é um trabalho de memória que, segundo a expressão de Didi-Huberman, decanta o passado no presente (DIDI-HUBERMAN, 2015DIDI-HUBERMAN, G. Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens. Trad. Vera Casa Nova e Márcia Arbex. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015., p. 14). Sendo psíquica em seu processo de construção, a memória tem ancoragem no inconsciente, não em lógicas causais, daí que se realize por meio de irrupções repentinas do passado — de supetão, de cambulhada, para lembrar da carta de Mário a Drummond. Analisar certos momentos do modernismo brasileiro em seu modo sintomal, cujas imagens e procedimentos fazem ver a longa duração de uma memória latente ou de um passado que não passa, se apresenta como desafio para uma leitura mais complexa, inclusive, das melhores obras produzidas no período. Afinal, qual o trabalho de memória que o modernismo realiza? O que sobrevive do passado na Semana de 22?

Com as suas montagens, a poesia de Oswald de Andrade respondeu de modo complexo e exuberante ao problema do tempo. Em grande parte, o que faz a sua poesia ready-made, segundo a expressão usada por Haroldo de Campos para definir as montagens oswaldianas, consiste em sobrepor camadas temporais heterogêneas de maneira a formar anacronismos. Didi-Huberman viu na técnica da montagem a forma por excelência do método anacrônico. Para ele, a memória realiza uma espécie de montagem do tempo, enquanto a poética, uma montagem do saber (DIDI-HUBERMAN, 2015DIDI-HUBERMAN, G. Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens. Trad. Vera Casa Nova e Márcia Arbex. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015., p. 40). No caso de Oswald, não por acaso ele se apropria, sobretudo, de textos da história colonial, a exemplo das cartas de viajantes europeus. A série de poemas que compõe com base em recortes de textos coloniais, mais do que isso, apresenta uma espécie de desmentido mais ou menos violento da história, que então retorna no presente não como um mistério, e sim como um mal-estar. No mais conhecido da série, “As meninas da gare”, a simples inserção do título, ao provocar um deslocamento desconcertante do sentido, dá a ver um conteúdo que a carta não diz — afinal, as gares eram os lugares onde, em outro contexto, as meninas do poema se prostituíam.4 4 Diz o poema: “Eram tres ou quatro moças bem moças e bem gentis / Com cabellos mui pretos pelas espadoas/ E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas / Que de nós as muito bem olharmos / não tinhamos nenhuma vergonha”. (ANDRADE, 2003, p. 108.) Quando Haroldo identifica as situações aparentemente desconexas da poesia de Oswald, “cuja sintaxe nasce não do ordenamento lógico do discurso, mas da montagem de peças que parecem soltas”, o que se desconecta também é o tempo (CAMPOS, 2003, p. 22). O crítico descreve a técnica de montagem oswaldiana como anti-ilusionista à medida que apela ao nível de compreensão crítica do leitor. Em suma, ao invés de embalar o leitor na cadeia de soluções previstas, a poesia de Oswald, por meio das tomadas e dos cortes rápidos no tempo, subverte a morosa expectativa desse leitor, forçando-o a participar do processo criativo.

Além de Haroldo, Brito Broca talvez tenha sido quem melhor captou esse anacronismo ao tratar da viagem que os modernistas empreendem a Minas Gerais em 1924, na companhia do poeta francês Blaise Cendrars — anacronismo que é traduzido, nas palavras de Broca, como uma “atitude paradoxal dos viajantes”. Em fragmento que poderia ter sido escrito por Walter Benjamin, o historiador brasileiro se questiona como é possível que os nossos homens do futuro, ao receber um poeta de vanguarda em visita ao país, vão mostrar a ele justamente as velhas cidades mineiras, com suas igrejas do século 18, seus casarões coloniais e imperiais, uma “paisagem tristonha, onde tudo é evocação do passado” e onde tudo sugere ruínas? Se a atitude, por um lado, parece um contrassenso, Brito Broca argumenta que havia uma lógica interior no caso, pois a paisagem barroca de Minas surgia aos olhos dos modernistas “como qualquer coisa de novo e original, dentro, portanto, do quadro de novidade e originalidade que eles procuravam”. Os modernistas, ao buscar um filão que conduzia a uma arte genuinamente brasileira, segundo diz o historiador, haviam de encontrar “nas ruínas mineiras [...] as sugestões dessa arte” (BROCABROCA, B. Blaise Cendrars no Brasil, em 1924. In: EULALIO, A. A aventura brasileira de Blaise Cendrars. 2a ed., rev. e ampl. por Carlos Augusto Calil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial, 2001. apud EULÁLIO, 2001, p. 449). O mais importante para os modernistas, porém, não consistia tanto na expectativa de encontrar uma arte nacional genuína que pudesse ser cristalizada em uma imagem única, e sim nos resultados surpreendentes dessa investigação que Brito Broca descreve, muito precisamente, como a própria sugestão da ruína. Talvez a viagem a Minas seja o momento em que se reconhece que a tradição, na verdade, é uma ruína — reconhecimento a que Oswald deu o nome de Pau Brasil, livro em grande parte construído sobre as ruínas de textos coloniais.

Em suma, embora esses não sejam tipos de liberações e conflitos inaugurados no modernismo brasileiro, as relações que podem ser feitas entre a moda e o nosso modernismo têm contornos particulares para uma releitura do movimento, além de consequências imprevistas. Mesmo o artigo de Monteiro Lobato sobre a exposição de Anita Malfatti poderia ser relido por meio de um mal-estar que é expresso, a rigor, em duas diferentes concepções do tempo. Ao contrapor as artes “regidas por princípios imutáveis” (ou seja, leis estéticas “que não dependem do tempo nem da latitude”) às “teorias efêmeras” da arte moderna, que por sua vez orientam artistas que “brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento”, Lobato antecipa o incômodo que também ocorreu diante da Semana e que marcou a sua recepção não apenas no período de sua realização quanto também ao longo das décadas posteriores (LOBATO apud BRITO, 1974BRITO, M. S. História do modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974., p. 52-56).

Boris Groys, por sua vez, faz raciocínio oposto ao de Lobato ao argumentar que é o contrário que costuma ocorrer: o que está na moda, para o crítico, tem mais chances de ser preservado como memória cultural (GROYS, 1995, p. 48). Seja como for, e lembrando de outra anotação de Benjamin sobre a moda: “Nenhum tipo de imortalização é tão perturbador quanto o do efêmero e das formas da moda que nos reservam os museus de cera” (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 107). Entre outras coisas, o que parece incomodar na Semana é que se trata da própria imortalização do efêmero. Quer dizer, é pela exposição e os termos de um conflito entre diferentes noções de tempo que se pode compreender de outro modo a concepção singular da Semana de Arte Moderna, e acima de tudo levar a sério o tipo de crítica que, com maior ou menor frequência, foi dirigido contra os modernistas desde o artigo de Monteiro Lobato até certas avaliações mais recentes, embora de modo residual — a crítica segundo a qual o modernismo não passaria de uma moda.

Talvez esteja aí, nas relações que podem ser alinhadas entre o modernismo e a moda, oriundas em alguma medida da intuição de Marinette Prado, uma chave para compreender não apenas a Semana de 22, mas todo um conjunto de obras, polêmicas e mesmo certas performances ocorridas e publicadas ao longo do período modernista. Alguns desses escritores e artistas, sobretudo Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e mais tarde Flávio de Carvalho, foram atentos e às vezes até mesmo se orientaram na moda em seus dois principais aspectos: o tempo e o vestuário. A rigor, em um primeiro momento, os modernistas parecem compreender que é necessário estar na moda para ser moderno. Tal raciocínio explica um poema como “Atelier”, que Oswald compõe para Tarsila. Mas essa compreensão logo se modifica, como no “Manifesto Antropófago”, em abordagem mais complexa do problema, e com efeitos e consequências variadas, como se verá a seguir. Em outro recorte das Passagens, de Benjamin, o escritor Henri Pollès dizia que é “o comércio de vestuário e não mais a arte, como outrora, que criou o protótipo do homem e da mulher modernos”, e prossegue: “Imitam-se os manequins, e a alma se faz à imagem do corpo” (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 116).

Em defesa da moda

No primeiro número de A Revista, publicado em meados de 1925 em Belo Horizonte, um pequeno artigo não assinado fazia uma curiosa defesa da moda. Como se respondesse de modo subliminar a uma crítica que o movimento modernista já sofria na ocasião, mas concentrando os argumentos em uma suposta controvérsia em torno do vestuário feminino, o artigo atacava um argumento difuso: de que a moda seria uma espécie de atentado à moral. Diz o artigo que tais críticos da moda (“beatos de fancaria”) “dormem à luz do século 20”, apegados ainda à “cartilha das escolas de antanhos seculares”, e daí resumem o problema da moral “a uma quantidade maior ou menor de vestuário, assim como um pouco mais ou um pouco menos de cabelos na cabeça”. Ao contrário, segundo defende o artigo, as mulheres (“o sexo bonito”) são pioneiras de uma nova moral, combatentes desassombradas do velho vestuário, à medida que fazem

ruir por terra o regime das couraças, das baetas, das cercas e das crinolinas, para a restauração, à luz dos tempos hodiernos e aos olhos das modernas gerações, da Moda que fez do mundo inteiro o império das suas fagueiras expansões e de seu domínio avassalador eterno e absoluto...

(A REVISTA, “Em defeza da moda”, 1925A REVISTA. Em defeza da moda. 1925. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/720143/per720143_1925_00001.pdf>. Acesso em: 27 maio 2022.
http://memoria.bn.br/pdf/720143/per72014...
, p. 42)

Como se vê, o argumento não chega a ser sutil, mas sugere que tal discussão, em especial entre os modernistas, estava na ordem do dia. Poucas semanas depois, em setembro do mesmo ano de 1925, Mário de Andrade escreveu um comentário sobre Pau Brasil que permaneceu inédito por décadas, no qual refere-se a Oswald como um alfaiate. Ao condenar o gosto do poeta pela poesia de efeito, Mário argumenta que é “a cara nova” da poesia oswaldiana que camufla a prática defeituosa, mas anota: “Nem atacar muito porque afinal das contas estas artes é um mudar de roupas e só… Estarei pessimista? Isso é impossível. Muito simples: tenho confiança nas roupas. De bom alfaiate. Oswald é alfaiate bom”. (ANDRADE, 2003______; ANDRADE, C. D. de. Correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade. Organização e notas de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2003., p. 75).

Mário não apenas compara a prática poética com a arte de se vestir, como também intui que a poesia de Oswald, como fazem os bons alfaiates, se torna dessa maneira puro valor de exposição, adquirindo, por isso, um fascínio especial. Oswald sabia, como dizia Benjamin, que a roupa é capaz de enobrecer qualquer coisa. E se Mário argumenta, sob desconfiança, que “estas artes é um mudar de roupas e só”, ou seja, uma moda passageira, ele também reafirma sua confiança nas roupas. E a referência vem a propósito, além do mais, porque a moda é assunto de alguns poemas do livro de Oswald. Em “Atelier”, como bom alfaiate, Oswald mostra suas credenciais logo de saída ao vestir Tarsila com o estilista Paul Poiret, um dos mais solicitados modistas dos anos 1920 em Paris — e mais caros, conforme a fatura da maison que pode ser vista na biografia da artista.5 5 Em pesquisa recente, O guarda-roupa modernista (2022), Carolina Casarin estudou em detalhes o guarda-roupa de Tarsila e Oswald, ocupando-se, sobretudo, da relação do casal com os modistas franceses ao longo dos anos 1920, como Paul Poiret. A pesquisadora analisou um conjunto de informações novas sobre o tema, mostrando sua pertinência histórica e a centralidade da moda para os modernistas.

“Caipirinha vestida por Poiret / A preguiça paulista reside nos teus olhos”, dizem os dois primeiros versos do poema que ainda descreve Tarsila “entre brincos” (ANDRADE, 2003______. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003., p. 164). Vestir Paul Poiret não era só um código de elegância, como também de modernidade e, muitas vezes, de audácia. Na primeira exposição individual da artista, na galeria Percier, de Paris, cuja abertura ocorreu em junho de 1926, Tarsila escolheu usar um dos modelos do estilista. Aracy Amaral, sua biógrafa, relata que a artista havia adquirido, além de alguns vestidos de Poiret, também “um pijama d’appartement, em seda vermelha com flores roxas” — “uma audácia para o tempo” (AMARAL, 2010AMARAL, A. do. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Edusp/Editora 34, 2010., p. 227). A peça que Tarsila usa na abertura de sua individual chama a atenção pela extravagância, com suas mangas bufantes e laços de fita, e também por certo aspecto exótico que foi uma espécie de assinatura da artista nos círculos de Paris ao longo dos anos 1920. O mais importante, porém, consiste na alusão que o xadrez faz ao estilo caipira e talvez à própria infância de Tarsila nas fazendas de Capivari, podendo ser lido, nesse sentido, também como uma alegoria do nacional — na Europa, onde foi tendência, o modelo era chamado écossais, em referência à estampa de origem escocesa.

Em um anacronismo flagrante, o xadrez caipira, tendência mais avançada à época, seria também um retorno ao primitivo da artista que chegou a dizer, em uma das cartas à mãe enviada da Europa, que na arte ela queria ser “a caipirinha de São Bernardo” (AMARAL apud AMARAL, 2010AMARAL, A. do. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Edusp/Editora 34, 2010., p. 101). No caso da roupa de seu casamento, conforme se lê na biografia, em outro procedimento de colagem composto por Oswald, Paul Poiret “criou para a ocasião um vestido feito com a cauda do vestido do casamento da mãe do escritor” (AMARAL, 2010AMARAL, A. do. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Edusp/Editora 34, 2010., p. 227). É como se Tarsila, lembrando de outra anotação de Benjamin nas Passagens, fosse “contemporânea de todo mundo”: “[...] eis a satisfação mais apaixonada e mais secreta que a moda oferece à mulher” (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 105).

Com tal vestuário, os brincos sempre enormes e o cabelo puxado para a nuca, em penteado também singular, entendia-se a fascinação e o estranhamento que Tarsila causava — seja em Sevilha, conforme o “Atelier” de Oswald, seja no interior de Minas, por ocasião da viagem dos modernistas às cidades históricas. Entre diversos relatos de espanto sobre a aparência da artista, René Thiollier lembrou de um chefe de trem em Barbacena que, sob a visão de Tarsila, apresentava “o beiço descaído”. “Intimamente devia de achá-la linda — relata o cronista —, pois os seus olhos, de contínuo, fugiam do papel para se demorarem extasiados sobre ela” (THIOLLIERTHIOLLIER, R. De S. Paulo a S. João del Rei. In: EULALIO, A. A aventura brasileira de Blaise Cendrars. 2a ed., rev. e ampl. por Carlos Augusto Calil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial, 2001. apud EULÁLIO, 2001, p. 396).

Como “eterna suplente do Surrealismo”, segundo a definição de Benjamin, há algo fascinante na moda, que o próprio entendimento parece não acompanhar (BENJAMIN, 2007BENJAMIN, W. Passagens. Trad. Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/ Imprensa Oficial, 2007., p. 103). Daí que o artigo em defesa da moda publicado n’A Revista, além de também chamar a atenção para seu aspecto inebriante, capta ainda um tipo de mudança que vinha ocorrendo no vestuário feminino do qual Tarsila era representante exemplar. Diz o artigo que a novidade do vestuário garantia, sobretudo, maior liberdade de movimento à mulher. Quanto a isso, o artigo é claro e até incisivo: a mudança no vestuário consistia no abandono, por exemplo, dos espartilhos e das “desengonçadas saias de balão” que “oprimiam o corpo”, assim como “da coação e do pavor paterno ou marital”. Embora não explicite em detalhes as características dessa nova forma de se vestir, embora possamos tirar certas conclusões do próprio guarda-roupa de Tarsila, o artigo faz referência ao tipo de vestuário que então se abandonava:

A queda dos véus, dos coletes de ferro, dos “manteaux” calorentos e insuportáveis, dos “coques” ridículos e parecendo não sei que, das tranças inestéticas, dos abafos de toda sorte, foi nesta capital o que se operou, felizmente, surgindo, consequentemente, silhuetas aligeiradas e graciocíssimas, dos casulos que lhe martirizavam o corpo de irrepreensível escultura e de plástica irrepreensível…

(A REVISTA. “Em defeza da moda”, 1925, p. 42)

Em sintonia com tal concepção, mais de trinta anos depois, Flávio de Carvalho publica uma série de artigos sobre vestuário no Diário de São Paulo, em uma coluna que intitulou “A moda e o novo homem”. Entre todos os modernistas, sem dúvida trata-se do artista mais sensível e atento ao problema da moda, pois fez dela não apenas um assunto de suas obras, mas também um sistema de pensamento e mesmo um instrumento de composição, a exemplo da célebre performance de 1956 conhecida como Experiência nº 3. Das conclusões que apresenta em seus artigos, uma delas destaca a noção de movimento que integra o conceito de moda que o autor propõe, e que se relaciona intimamente com o look que desenvolve para o seu passeio pela cidade. De acordo com Flávio, as grandes mutações que ocorrem na história da moda advêm da necessidade que o corpo tem de se movimentar, em especial para o exercício do trabalho, mas não só – por isso tais mutações são geradas nas classes sociais mais baixas, sendo depois adotadas pelas classes dirigentes. “A etnografia da moda nos mostra que os renovadores eram aqueles que trabalhavam na paz e na guerra; o povo, o escravo, o soldado”, argumenta (CARVALHO, 2010, p. 47). Ou seja, quanto mais o homem se paramenta, quanto mais roupas e acessórios ele empilha sobre o corpo, e quanto menos exibe as próprias pernas, maior é sua hierarquia, pois menor a capacidade de se movimentar. Ao contrário do empilhamento do vestuário e dos acessórios, portanto, Flávio valoriza o farrapo, para ele uma espécie de modelo das modas mais estranhas e mais requintadas na história da elegância humana.6 6 Em outro artigo publicado na Revista XXX, analisei a presença do farrapo na moda de Flávio de Carvalho. Ver em: XXX. Em seu pensamento, qualquer pesquisa sobre o corpo precisaria levar em consideração as suas relações intrínsecas com a própria vestimenta.

Em textos e performances, Flávio de Carvalho procurou articular uma conexão entre moda, corpo e mobilidade. Tal conexão é desenvolvida — e acrescida da noção de nudez — em outro pequeno artigo que o autor apresenta em um congresso de arquitetura em 1930, intitulado A cidade do homem nu. Em uma análise do modernismo em retrospectiva, tal artigo também aponta para uma importante virada no interior do movimento. Seria possível compreender tal virada com base em todo um debate sobre a vestimenta (e sobre a falta dela) que a crítica sobre o modernismo ainda parece ignorar, embora seja central para compreender inclusive o “Manifesto Antropófago”. Inspirado pela noção de antropofagia, Flávio defende nesse ensaio uma tese curiosa, segundo a qual “as cidades futuras terão que abordar problemas opostos aos trazidos até hoje pelas concepções cristãs da família e da propriedade privada”. Este problema seria o do homem nu, que é o homem do futuro: “sem deus, sem propriedade e sem matrimônio”. A nossa vantagem neste caso, diz o autor, é que nascemos fora do peso das tradições seculares. Pois o homem perseguido pelo ciclo cristão, “embrutecido pela filosofia escolástica”, por outro lado, não passaria de uma espécie de máquina cansada. Daí então que, atacado pela fadiga, o homem moderno precisa despir-se, apresentar-se nu, sem tabus e livre para o raciocínio e o pensamento. Eis, nesse sentido, uma consequência do ato de se despir: a produção do movimento. O homem nu, diz Flávio, é “o deus mutável, o deus em movimento contínuo” (CARVALHO, 2010b______. A moda e o novo homem. (org.) Sérgio Cohn e Heyk Pimenta. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010b., p. 27).

O ponto central é que Flávio de Carvalho sintetiza o significado dessa pesada tradição em debate sobre a vestimenta, que assume assim posição central em sua reflexão. E não se trata de uma ocorrência casual. Para o autor, entre todas as modas, como os costumes e as formas do mobiliário e da casa, é a vestimenta que mais forte influência exerce sobre o homem por um motivo simples, mas não banal: “porque é aquilo que está mais perto de seu corpo e seu corpo continua sempre sendo a parte do mundo que mais interessa ao homem” (CARVALHO, 2010CARVALHO, F. A cidade do homem nu. In: Catálogo da exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo: MAM-SP, 2010a., p. 16). Daí que o autor escolha duas imagens antagônicas ligadas à roupa (o homem despido e o homem vestido) para tratar de uma imaginação poética antropofágica — “centro de reanimação de desejos exaustos”, como propõe (CARVALHO, 2010b______. A moda e o novo homem. (org.) Sérgio Cohn e Heyk Pimenta. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010b., p. 27). Com base na imagem do homem nu estampada no título de seu artigo, Flávio usa outras duas expressões ligadas à nudez que dão também uma ideia do alcance que sua reflexão almeja: alma nua e civilização nua. Quer dizer, não se trata apenas de fazer uma crítica esporádica da moda, mas de situar a roupa como um resquício ontológico de uma forma opressora da conquista colonial.

Por ocasião da descoberta do Brasil

A crer no que escreve Giorgio Agamben sobre o tema, Flávio de Carvalho tinha razão. Em belo texto, Agamben mostra como, em nossa cultura, a nudez é marcada por uma pesada herança teológica (AGAMBEN, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 100). Com base em uma releitura do Gênesis, quando Adão e Eva, após o pecado original, percebem pela primeira vez estarem nus, o filósofo mostra que não há, no cristianismo, uma teologia da nudez, que é vista negativamente, mas apenas uma teologia da veste — e argumenta que uma nudez plena, portanto, só se realizaria no próprio inferno, no corpo dos danados atormentados pela justiça divina. Se antes do pecado original, os dois personagens, mesmo sem estarem cobertos por nenhuma veste humana, não tinham qualquer consciência da própria nudez, isso ocorre porque eles estavam cobertos por outro tipo de traje, espécie de veste gloriosa que, em versão hebraica, chamou-se veste de luz, zohar. “É dessa veste sobrenatural que o pecado os despe” — argumenta Agamben —, “e eles, desnudados, são forçados, em primeiro lugar, a se cobrirem, confeccionando, antes, com suas mãos uma tanga de folhas de figueira [...] e, mais tarde, no momento da expulsão do Paraíso, usando vestes feitas com peles de animais, que Deus preparou para eles” (AGAMBEN, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 92).

Com base em um pequeno tratado sobre a veste escrito pelo teólogo alemão Erik Peterson, Agamben esclarece então que a nudez nasce necessariamente associada ao pecado. “A nudez só se dá depois do pecado. Antes do pecado havia ausência de vestes, mas esta ainda não era nudez”, escreve Peterson (PETERSON apud AGAMBEN, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 94). E esse pecado estaria ligado a uma alteração profunda, de ordem metafísica, pela qual Adão e Eva passam depois da queda e que poderia ser resumida, conforme o teólogo, pela própria descoberta do corpo, que dá a ver os signos da sexualidade e certa natureza particular daqueles corpos — uma natureza imperfeita, potencialmente corrupta e, sobretudo, carente de graça. Mediante o pecado e sem acesso às vestes gloriosas de Deus, passa a se tornar visível em Adão e Eva, finalmente, um “corpo sem glória: o nu da própria corporeidade, o desnudamento da pura funcionalidade, um corpo ao qual falta toda nobreza, porque a dignidade última do corpo estava encerrada na glória divina perdida” (AGAMBEN, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 94). Diz então Agamben que é nesse momento que começa a delinear-se o dispositivo teológico que, ao relacionar nudez e veste, situa nessa relação a própria possibilidade do pecado.

Não apenas Flávio de Carvalho intuiu e captou em sua obra essa teologia da veste, como também Oswald e Tarsila. O esforço da antropofagia, como hipótese, vai no sentido de libertar a nudez desse esquema teológico, ao mesmo tempo compreendendo e neutralizando o dispositivo que a produziu. Com Abaporu, Tarsila imagina um corpo que é uma mistura do humano com o natural, pondo em crise o primado da cabeça nas representações das figuras humanas ao longo da história da arte. Gonzalo Aguilar percebeu muito bem, em um pequeno e precioso texto sobre Abaporu, que ele pensa com os pés. Partindo, como diz, de duas questões óbvias e tradicionais das artes plásticas — Abaporu é um retrato e, ao mesmo tempo, um nu —, Aguilar analisa como o quadro estabelece, por exemplo, uma continuidade entre a cabeça e o sol, ou o braço e o cacto, ou seja, o propriamente humano e o natural se conjugam como um mesmo elemento pictórico (AGUILAR, 2010AGUILAR, G. Por una ciencia del vestigio errático (ensayos sobre la antropofagia de Oswald de Andrade). Buenos Aires: Grumo, 2010., p. 35-48). Com Abaporu, Tarsila parece mostrar que, neste caso, o pé é mais importante do que a cabeça. Por outro lado, Agamben lembra que, em nossa cultura, a relação do rosto com o corpo “é marcada por uma assimetria fundamental, que quer que o rosto permaneça sempre mais nu, enquanto o corpo está por norma coberto” (AGAMBEN, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 126). Ou seja, tanto nas artes plásticas quanto em todos os âmbitos do saber e da política, tal assimetria corresponde a um primado da cabeça. Se a cabeça pode ser representada sem o corpo, diz Agamben, o contrário quase não ocorre.

Ora, é justamente o que acontece com a pintura de Tarsila. A artista inverte radicalmente essa fórmula identificada por Agamben, como Gonzalo Aguilar também percebe: “Por medio de esta inversión, la figura de Tarsila parece atacar tanto el privilegio dado a la cabeza en la tradición occidental como al rostro en tanto elemento de identificación” (AGUILAR, 2010AGUILAR, G. Por una ciencia del vestigio errático (ensayos sobre la antropofagia de Oswald de Andrade). Buenos Aires: Grumo, 2010., p. 37). Em Abaporu, o rosto não é o lugar mais expressivo, e sim o corpo, mais exatamente o pé, e nesse aspecto ele apresenta a mesma inversão que se nota no reino animal, cujos signos mais vivos estão quase sempre no corpo: a plumagem do pavão, as asas da borboleta, as cores flamejantes das partes sexuais do mandril. Além disso, como demonstra Aguilar, Abaporu é também um pensador. A posição da figura no quadro talvez não seja acidental e parece fazer alusão à célebre escultura de Rodin, que também é um nu, mas que se organiza, neste caso, ao redor da cabeça. E se o corpo do pensador do Rodin, demasiado humano, está contraído e concentrado, Abaporu mostra-se jogado diretamente sobre a terra, e não sentado em uma cadeira. No caso da figura de Tarsila, trata-se não apenas de um pensador, mas nu e sem cabeça. No quadro, não existe uma cabeça que domina e modula o corpo, mas o contrário. “El hecho plástico por excelencia en las vanguardias, consiste en la descomposición de la organización convencional del cuerpo con el fin de diagramar nuevos agenciamientos”, argumenta Aguilar (2010, p. 42)AGUILAR, G. Por una ciencia del vestigio errático (ensayos sobre la antropofagia de Oswald de Andrade). Buenos Aires: Grumo, 2010.. Se a antropofagia recria as condições para o deslocamento e a imaginação de novos roteiros e novos corpos, talvez a principal contribuição de Tarsila para esse pensamento esteja na ideia de que, para caminhar melhor, é preciso estar nu.

No caso do desfile de Flávio, pode-se concluir que ele também se apresenta nu pelas ruas de São Paulo, ao transgredir e expor a artificialidade das normas que regem determinados sistemas de moda, que o artista evoca e ao mesmo tempo põe em questão. Nesse sentido, se a moda é uma herdeira da teologia da veste, como diz Agamben, trata-se de uma herdeira profana. A obscenidade (ou a ausência de graça) e o escândalo do desfile de Flávio se explicam, nesse sentido, pelo vislumbre da nudez, sugerida por exemplo na exibição das pernas, objeto de longa reflexão em seus ensaios. O artista realiza essa operação, na verdade, por meio da uma indecisão entre veste e nudez. Afinal, conforme Agamben procura mostrar, nudez e veste são categorias intercambiáveis, que não devem ser pensadas em sentido literal ou natural, nem separadas uma da outra. Se o raciocínio de Flávio em A cidade do homem nu ainda parece se ressentir de uma abordagem dualista, ao separar o homem nu do homem vestido, o mesmo não se pode dizer de suas performances, que torna essas categorias indiscerníveis. Ou seja, pode-se estar nu mesmo vestido por um traje humano, como é o caso da Experiência nº 3, e também o contrário pode ocorrer.

Quando Pero Vaz de Caminha descreve a primeira visão dos indígenas sem vestes, com suas vergonhas descobertas e mesmo assim sem qualquer vergonha, o que ele parece projetar sobre aqueles povos é a própria inocência edênica perdida, pois se trata da mesma ausência de vergonha de Adão e Eva antes da queda, com quem, aliás, o fidalgo português chega a compará-los. “O homem e a mulher estavam nus e não sentiam vergonha”, diz o Gênesis. “Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha”, diz Caminha (CAMINHA, s/d)CAMINHA, P. V. Carta. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf>. Acesso em: 27 maio 2022.
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Em vários momentos da carta, associa-se nudez e falta de vergonha, como neste caso: “Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto” (ibidem). Em outro trecho, Caminha associa nudez e estado de graça, tornando o trabalho analítico quase desnecessário: “e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa”(ibidem). Em outro contexto, finalmente, em pleno estado de graça, as indígenas não podem ter qualquer tipo de vergonha: “e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia nenhuma vergonha” (ibidem). Trata-se de um clássico do pensamento colonial, sobre o qual Sérgio Buarque de HolandaHOLANDA, S. B. de. Visão do paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. estudou em detalhes em Visão do paraíso. Quer dizer, Caminha nem estava sendo, neste caso, propriamente original. A metáfora teológica do estado de graça como veste influencia o olhar do fidalgo e impede que ele tenha a percepção da nudez.

O deslocamento que Oswald opera em “As meninas da gare” consiste precisamente em liberar os corpos daquelas mulheres, bruscamente, da graça edênica vista por Caminha, dando a eles uma corporeidade nua por meio da sugestão do componente sexual. Ou seja, Oswald expõe tal nudez para além de todo mistério gracioso, descobrindo o corpo do prestígio divino e desativando assim os seus dispositivos teológicos. Nota-se operação semelhante em outros dois poemas de Pau Brasil, menos notados pelos leitores da obra de Oswald, que se intitulam “A moda” e “Cá e lá”. Trata-se também de duas montagens que o poeta retira de outro relato de viagem, dessa vez de um viajante francês, o capuchinho Claude D’Abbeville. Em “A moda”, nos sete versos recortados por Oswald, Abbeville compara desde a prática das indígenas maranhenses que fazem grandes furos nas orelhas (da grossura de um dedo) ao adorno das damas francesas que vestem suas grandes pérolas e diamantes. Além de esvaziar o relato de certo predicado exótico que D’Abbeville atribui às práticas e aos costumes indígenas, Oswald estabelece uma espécie de simetria entre as duas culturas ao explicar aquele hábito das indígenas com um vocabulário moderno e anacrônico: a moda. Já o segundo poema, “Cá e lá”, retirado do capítulo que trata “Da nudez dos índios tupinambás e dos seus adornos”, deve ser lido na esteira do primeiro, por meio da aproximação de duas temporalidades distintas, cuja conclusão mais uma vez é influenciada, como no caso da carta de Caminha, por uma teologia da graça: o costume das indígenas de andar nuas, apesar de desvirtuado, é menos perigoso do que os atrativos lúbricos das damas francesas — les nouvelles inventions, ausentes de toda graça, que por isso dão origem a pecados de toda sorte (ANDRADE, 2003______. Pau Brasil. São Paulo: Globo, 2003., p. 113-114).

Finalmente, em “Erro de português”, datado de 1925, o poeta atribui o erro histórico da colonização também a um problema de vestimenta e nudez. Nesse caso, é como se sugerisse reescrever a história do Brasil a começar pela invenção de outra moda: “Quando o português chegou / Debaixo de uma bruta chuva / Vestiu o índio / Que pena! / Fosse uma manhã de sol / O índio tinha despido / O português” (ANDRADE, 1974ANDRADE, O. de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974., p. 177). Essa é também uma questão, como escreveu Mário, de confiança nas roupas. Oswald sabe que vestir o índio com roupas e paramentos europeus não é apenas uma economia de troca simbólica ou uma questão meramente cultural, mas diz respeito a uma conexão mais profunda — daí que nasce dessa opção de vesti-lo, em oposição a despir o português, todas as nossas mazelas e, sobretudo, todos os nossos recalques. Uma pena, exclama Oswald, mas também um acaso, uma ocasião, quer dizer, uma oportunidade histórica, que poderia ser trocada por outra como se troca de roupa. A própria epígrafe de Pau Brasil (“Por ocasião da descoberta do Brasil”) apontaria para uma ambiguidade reveladora dos anseios e do projeto de Oswald e da antropofagia como um todo: a ocasião da descoberta do Brasil que o livro anuncia passaria então pelo ato de despir o país – em sentido literal, descobrir é tornar nu. Nesse raciocínio, a própria possibilidade do conhecimento, como descoberta de algo, se associa à condição da nudez. Pois a nudez não chega a ser um conteúdo, como mostra Agamben, mas apenas “uma ausência de véus” que aponta, então, para a possibilidade do conhecimento. A nudez que marca o pecado original, nesse sentido, consiste em uma abertura para a verdade — a ausência de ocultação de um corpo — que por si mesma torna possível o ato de conhecer. “Não estarem mais cobertos pela veste de graça não revela a obscuridade da carne e do pecado, mas a luz da cognoscibilidade”, diz Agamben (AGAMBEN, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Trad. Davi Pessoa. Belo Horizonte: Autêntica, 2014., p. 118). Ou seja, ver um corpo nu significa notar a sua pura presença além de qualquer segredo e de qualquer predicado. E Oswald entende que a nudez, como também pontua Agamben, não é uma forma, e sim um estado. Como diz Oswald, a descoberta é uma ocasião. Um instante, um momento propício, um tempo oportuno. Uma moda.

  • 1
    Na palestra proferida em 1942, O movimento modernista, o próprio autor lembrou de sua conferência sobre artes plásticas realizada na escadaria do Teatro, “cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer” (ANDRADE, 1942ANDRADE, M. de. O movimento modernista. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942., p. 15).
  • 2
    O livro que mais bem analisa a questão da música na Semana, no qual inclui as discussões em torno da presença de Guiomar de Novaes na programação, ainda é O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22, de José Miguel WisnikWISNIK, J. M. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22. São Paulo: Duas Cidades, 1977..
  • 3
    A confissão se dá no “Prefácio interessantíssimo”, de Paulicéia Desvairada: “E desculpe-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar de uma só vez das teorias-avós que bebeu” (ANDRADE, 1987______. Poesias completas. Edição crítica de Dilea Zanotto Manfio. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo, 1987., p. 60).
  • 4
    Diz o poema: “Eram tres ou quatro moças bem moças e bem gentis / Com cabellos mui pretos pelas espadoas/ E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas / Que de nós as muito bem olharmos / não tinhamos nenhuma vergonha”. (ANDRADE, 2003______; ANDRADE, C. D. de. Correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade. Organização e notas de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2003., p. 108.)
  • 5
    Em pesquisa recente, O guarda-roupa modernista (2022), Carolina CasarinCASARIN, C. O guarda-roupa modernista: o casal Tarsila e Oswald e a moda. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. estudou em detalhes o guarda-roupa de Tarsila e Oswald, ocupando-se, sobretudo, da relação do casal com os modistas franceses ao longo dos anos 1920, como Paul Poiret. A pesquisadora analisou um conjunto de informações novas sobre o tema, mostrando sua pertinência histórica e a centralidade da moda para os modernistas.
  • 6
    Em outro artigo publicado na Revista XXX, analisei a presença do farrapo na moda de Flávio de Carvalho. Ver em: XXX.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2022
  • Aceito
    24 Maio 2022
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