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Identificação de tendências de segregação residencial socioeconômica a partir da análise de dados censitários com SIG: o caso da sub-região noroeste do município de São Paulo

Identification of residential socioeconomic segregation from the analysis of census data with GIS: the case of the northwest subregion of the São Paulo municipality

Identificación de tendencias en la segregación residencial socioeconómica a partir del análisis de datos censales con SIG: el caso de la subregión noroeste del municipio de São Paulo

Resumo

O objetivo desta pesquisa é avaliar a possibilidade de uso de dados censitários do IBGE (2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GROGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/99/cd_2010_resultados_gerais_amostra.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
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) na identificação de tendências de segregação residencial socioeconômica na região noroeste do município de São Paulo a partir de análises estatísticas e espaciais de diferentes atributos socioeconômicos de determinadas categorias socioprofissionais da população economicamente ativa residente na região. Como resultado, geram-se mapas e tabelas que permitiram identificar essas tendências, mostrando a viabilidade técnica e metodológica do uso dessa base de dados em Sistemas de Informações Geográficas para a identificação de padrões de segregação residencial na escala intraurbana.

Palavras-chave:
Segregação espacial urbana; Categorias socioprofissionais; Tratamento de dados censitários; São Paulo

Abstract

The objective of this research was to evaluate the possibility of using census data from the IBGE (2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GROGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/99/cd_2010_resultados_gerais_amostra.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
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) to identify trends of socioeconomic residential segregation in the Northwest Region of the Municipality of São Paulo-SP, based on statistical and spatial analyzes of different socioeconomic attributes related to certain socio-occupational categories of the economically active population residing in the region. As a result, several maps and tables were generated to identify these trends, thus evidencing the technical and methodological feasibility of using this database in Geographic Information Systems to identify patterns of residential segregation on the intra-urban scale. Planificación corporativa del territorio brasileño: contribución geográfica al análisis crítico de la concesión aeroportuaria.

Keywords:
Socio-spatial segregation; Socio-professional categories; Treatment of census data; Sao Paulo

Resumen

Esta investigación tuvo como objetivo evaluar la posibilidad de utilizar datos del censo del IBGE (2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GROGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/99/cd_2010_resultados_gerais_amostra.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
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) para identificar tendencias en la segregación residencial socioeconómica en la región noroeste del municipio de São Paulo, con base en análisis estadísticos y espaciales de diferentes atributos socioeconómicos relacionados con ciertas categorías socioprofesionales de la población económicamente activa que reside en la región. Como resultado, se generaron varios mapas y tablas que permitieron la identificación de estas tendencias, evidenciando así la viabilidad técnica y metodológica de usar esta base de datos en Sistemas de Información Geográfica para identificar patrones de segregación residencial en la escala intraurbana.

Palabras clave:
Segregación espacial urbana; Categorías socioprofesionales; Procesamiento de datos censales; Sao Paulo

Introdução

As vicissitudes cotidianas das grandes cidades no mundo contemporâneo vêm sendo alvo de grande interesse por parte de especialistas, estudiosos e planejadores de diversas áreas do conhecimento. Essas vicissitudes contemporâneas no município de São Paulo decorrem de processos e transformações urbanas ocorridas principalmente na segunda metade do século XX e início do XXI. Entre esses processos, destaca-se o de segregação, dado seu potencial explicativo para a compreensão da atual configuração da estrutura intraurbana das cidades.

Nessa perspectiva, investigar o processo de segregação é importante não apenas como questão de políticas públicas ou de planejamento, mas também pode ser importante para identificar conflitos cotidianos, bem como para ajudar a compreender a dinâmica atual da sociedade e, consequentemente, refletir e desenvolver uma teoria espacial urbana crítica.

Entretanto, o uso de dados - como os censitários -, e de técnicas estatísticas, para o tratamento e análise dos resultados, são alvos constantes de críticas por parte da comunidade geográfica. Santos (2009SANTOS, M. Pobreza urbana. 3a ed. São Paulo: Edusp , 2009. ) é enfático na crítica à Estatística: considera-a “falida”. É possível distinguir três críticas expressas pelo autor para justificar sua afirmação de “falência”. Uma primeira crítica diz respeito à falta de dados confiáveis de fontes oficiais disponíveis. Entretanto, é necessário contextualizar essa crítica, considerando que ela foi feita antes dos anos 2000, sendo que posteriormente houve uma mudança na política de disponibilização dos dados estatísticos (Luchiari, 2013LUCHIARI, A. Tratamento da informação geográfica: estudo sobre a distribuição espacial de categorias socioprofissionais. Tese (Livre-Docência em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.). Segundo Luchiari (2013LUCHIARI, A. Tratamento da informação geográfica: estudo sobre a distribuição espacial de categorias socioprofissionais. Tese (Livre-Docência em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 115), essas políticas governamentais:

[...] possibilitaram a qualquer cidadão o acesso a uma grande variedade de dados oficiais, inclusive os advindos dos recenseamentos gerais obtidos a cada dez anos. Hoje, tais dados, além de estarem disponíveis a qualquer cidadão, e serem utilizados em pesquisas acadêmicas, também são aproveitados por empresas públicas, privadas e instituições para os mais diversos fins.

Uma segunda crítica de Santos (2009SANTOS, M. Pobreza urbana. 3a ed. São Paulo: Edusp , 2009. ) é à interpretação errônea de material mal selecionado e a aplicação de conceitos europeus e estadunidenses a países subdesenvolvidos. A afirmação relativa ao material mal selecionado se deve a sua impressão do período anterior aos anos 2000 e, portanto, não considera as mudanças que ocorreram posteriormente, como a liberação das estatísticas oficiais. A ocorrência de erros ou não depende dos interesses, dos objetivos e dos procedimentos adotados pelo pesquisador em face do problema apresentado. Nesse estudo específico, só o fato de se usar o conceito de segregação residencial socioeconômica já mostra uma mudança na forma de tratar e analisar os dados, adaptada à realidade brasileira, em relação a países do hemisfério norte como os EUA, que lidam com a questão da segregação centrada principalmente na questão étnico-racial (Feitosa, 2005FEITOSA, F. F. Índices espaciais para mensurar a segregação residencial: o caso de São José dos Campos (SP). Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/ . Acesso em: 12 jan. 2015.
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), como demonstrado em estudos focados na importância dos aspectos multiétnicos da segregação de Emerson, Chai e Yancey (2001EMERSON, M. O.; CHAI, K. J.; YANCEY, G.; Does race matter in residential segregation? Exploring the preferences of white Americans. American Sociological Review, v. 66, n. 6, p. 922-935, 2001. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3088879 . Acesso em: 11 ago. 2016.
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), Massey e Denton (1987MASSEY, D. S.; DENTON, N. A. Trends in the residential segregation of Blacks, Hispanics, and Asians: 1970-1980. American Sociological Review, v. 52, n. 6, p. 802-825, 1987. doi: https://doi.org/10.2307/2095836.
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), Charles (2003CHARLES, C. Z. The dynamics of racial residential segregation. Annual Review of Sociology, v. 29, p. 167-207, 2003. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/30036965 . Acesso em: 11 ago. 2016.
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) e Iceland (2004ICELAND, J. Beyond black and white: metropolitan residential segregation in multi-ethnic America. Social Science Research, v. 33, n. 1, p. 248-271, 2004. Disponível em: Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0049089X03000565 . Acesso em: 11 ago. 2016.
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).

Contudo, ainda que muitas dessas críticas tenham sua razão de existir, um problema dessa visão decorre da consideração implícita ou não percebida de cidade ou região metropolitana como um “ente” único, indivisível e homogêneo, muitas vezes supervalorizando sua função perante o sistema global. Nessa perspectiva, tratam-se questões concernentes à dinâmica interna e ao cotidiano das cidades como uma questão de simplesmente determinar a existência ou não de determinado processo e seu grau de ocorrência generalizada - em que as desigualdades socioeconômicas simplesmente “existem” em maior ou menor grau, que a sociedade é contraditória em maior ou menor grau ou que existe uma maior ou menor heterogeneidade espacial - sem, no entanto, identificá-las, situá-las e caracterizá-las no espaço intraurbano. Por outro lado, Luchiari (2013LUCHIARI, A. Tratamento da informação geográfica: estudo sobre a distribuição espacial de categorias socioprofissionais. Tese (Livre-Docência em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 115) destaca que a identificação, localização e caracterização desses processos são tarefas que podem contar com o subsídio essencial dos dados e microdados estatísticos disponíveis, “primordial para aqueles que têm preocupações voltadas para o entendimento da cidade”.

Em relação ao Sistema de Informações Geográficas (SIG), Câmara e Queiroz (2001CÂMARA, G.; QUEIROZ, G. R. Arquitetura de sistemas de informação geográfica. In: CÂMARA, G.; DAVIS, C.; MONTEIRO, A. M. V. (Ed.). Introdução à ciência da geoinformação. São José dos Campos, SP: Inpe, 2001. cap. 3. Disponível em: Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/introd/cap3-arquitetura.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
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), destacam a importância do seu uso principalmente para produção de mapas, dando suporte para análise espacial de fenômenos e como banco de dados geográfico. Para o estudo de segregação residencial socioeconômica, a importância de um SIG reside justamente na possibilidade de analisar espacialmente os dados socioeconômicos. No caso desta pesquisa, o tratamento de dados secundários provenientes da amostra do Censo Demográfico de 2010 teve o suporte fundamental de um SIG, especialmente no que diz respeito à integração dos dados que resultou na produção de mapas temáticos. Nesse contexto, Luchiari (2013LUCHIARI, A. Tratamento da informação geográfica: estudo sobre a distribuição espacial de categorias socioprofissionais. Tese (Livre-Docência em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.) salienta que a Cartografia Temática tem muito a contribuir para representar a distribuição de pessoas em categorias socioprofissionais no espaço urbano ou em parte dele.

De acordo com tais pressupostos, o presente estudo teve como objetivo avaliar a possibilidade de uso dos dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GROGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/99/cd_2010_resultados_gerais_amostra.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
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) em ambiente de SIG para identificar padrões de segregação residencial socioeconômica no espaço intraurbano, tomando como exemplo o caso da sub-região noroeste do município de São Paulo.

Dessa maneira, a identificação de padrões de segregação, permite indicar possibilidades técnicas e metodológicas para o desenvolvimento de pesquisas referentes ao estudo de diferenciações socioeconômicas em escalas sub-regionais das cidades que disponham de dados e microdados relativos aos atributos e ao tema de interesse do pesquisador.

Área de estudo

A área de estudo considerada nesta pesquisa é a sub-região noroeste do município de São Paulo, que compreende os distritos de Perus, Anhanguera, Jaraguá, Pirituba, São Domingos, Brasilândia e Freguesia do Ó, pertencentes às subprefeituras de Freguesia do Ó, Pirituba e Perus (Figura 1). Esses distritos fazem divisa com os municípios de Osasco, Barueri, Santana do Parnaíba, Caieiras e Cajamar, bem como com os distritos da Lapa e Casa Verde.

Figura 1
Localização da área de estudo

A sub-região noroeste se caracteriza pelos marcantes contrastes no terreno, com transições bruscas no relevo. No distrito de Freguesia do Ó, por exemplo, passa-se bruscamente das várzeas e de estreitos terraços da margem direita do rio Tietê, para uma área de altas colinas e outeiros vinculados à Serra da Cantareira (Ab’Saber, 2007AB’SABER, A. N. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Cotia, SP: Ateliê, 2007.).

Nas primeiras décadas do século XX, a área além-Tietê, outrora de um tipo de povoamento com pequenos núcleos estabelecidos em topos suaves dos outeiros e colinas localizadas, começou a ser “integrada” à cidade de São Paulo pela melhoria dos sistemas de transporte e da infraestrutura. Nas palavras de Ab’Saber (2007AB’SABER, A. N. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Cotia, SP: Ateliê, 2007., p. 170-171):

A cidade extravasou extensivamente para as colinas e outeiros de além-Tietê, nos últimos trinta ou quarenta anos, a partir do eixo radial de certos caminhos e pontes. Desprezando-se as várzeas, mas cruzando os bairros da cidade atingiram os antigos núcleos isolados de além-Tietê, ampliando desmesuradamente sua área de ocupação urbana e suburbana. Tanto as esplanadas suaves dos outeiros e altas colinas foram ocupadas, de preferência, como também, as encostas e os outeiros circunvizinhos.

Esse “desprezo” pelas áreas de várzea do rio Tietê se modificou apenas a partir da década de 1950, após a construção de vias expressas como a avenida Marginal do Tietê, que, valorizando as áreas adjacentes ao leito do rio, incentivou a ocupação das margens, principalmente com atividades voltadas ao comércio e à circulação de mercadorias (Seabra, 1987SEABRA, O. C. L. Os meandros dos rios nos meandros do poder - Tietê e Pinheiros: valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.; Meyer; Grostein; Biderman, 2004MEYER, R.; GROSTEIN, M.; BIDERMAN, C. São Paulo metrópole. São Paulo: Edusp, 2004. ). Nesse período, as moradias se expandem da área urbana para a periferia, pois, como afirma Feldman (2005FELDMAN, S. Planejamento e Zoneamento: São Paulo, 1947-1972. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2005., p. 15), a ocupação periférica “já se impôs como estratégia de moradia para a população de baixa renda e, direcionada pela indústria, ultrapassa as fronteiras do município”.

A expansão urbana periférica, com a “explosão demográfica” e as migrações, foram características da periferia até a década de 1970 nos países subdesenvolvidos e, consequentemente, em muitos subespaços da sub-região noroeste do município de São Paulo (Feldman, 2005FELDMAN, S. Planejamento e Zoneamento: São Paulo, 1947-1972. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2005.; Santos, 2008bSANTOS, M. Manual de geografia urbana. 3a ed. São Paulo: Edusp , 2008b.). Sachs (1999SACHS, C. São Paulo: política públicas e habitação popular. São Paulo: Edusp , 1999.) ressalta que, durante o período do governo militar no Brasil, entre 1964 e 1985, a questão da habitação em São Paulo foi centralizada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). Apesar de inicialmente voltado para a população de baixa renda, o BNH recebeu muitas críticas durante esse período por, muitas vezes, realizar projetos que favoreciam camadas de renda média, negligenciando a periferia de São Paulo. Após a década de 1970, “esfriou” a expansão urbana extensiva às áreas periféricas e aumentou gradualmente o lançamento de enclaves fortificados.

Marques (2005MARQUES, E. A dinâmica imobiliária de incorporação em período recente. In: MARQUES, E.;TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades. São Paulo: Senac, 2005. p. 214-238. cap. 9.) destaca que, entre 1993 e 2003, na Região Metropolitana de São Paulo, houve uma desconcentração de lançamentos imobiliários. Essa desconcentração espacial dos lançamentos imobiliários, principalmente destinados à classe média, expressa “a busca de novas áreas para lançamentos nas quais possam ser produzidos sobrelucros fundiários pela mudança de uso que faz parte da lógica de incorporação imobiliária” (Marques, 2005MARQUES, E. A dinâmica imobiliária de incorporação em período recente. In: MARQUES, E.;TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades. São Paulo: Senac, 2005. p. 214-238. cap. 9., p. 230). Como consequência dessa disseminação, grupos pertencentes a diferentes estratos sociais passam a morar consideravelmente perto uns dos outros. Entretanto, a proximidade espacial não significa necessariamente que não há segregação, afinal “a proximidade leva ao refinamento das separações para que a percepção de diferença seja mantida” (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 70).

O conceito de segregação e sua evolução no município de São Paulo durante o século XX

Quanto à segregação, primeiramente, é importante reconhecê-la segregação como processo, portanto, como tendência (Villaça, 1998VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1998.). Esse esclarecimento é essencial porque revela seu caráter mutável. Partindo de tal entendimento, Castells (2006CASTELLS, M. A questão urbana. 3a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006., p. 250) define segregação urbana como:

[...] a tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia.

Ribeiro (2003RIBEIRO, L. C. Q. Segregação residencial e políticas públicas: análise do espaço social da cidade na gestão do território. Cidades - Comunidades e Territórios, Lisboa, n. 6, p. 33-50, 2003. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/3406 . Acesso em: 12 jan. 2015.
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, p. 40) se refere à segregação como “separação e exclusão de determinados grupos sociais do conjunto da sociedade, situações nas quais ocorre a ausência de relações que vinculem estes grupos com o conjunto social”. Já para Feitosa (2005FEITOSA, F. F. Índices espaciais para mensurar a segregação residencial: o caso de São José dos Campos (SP). Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/ . Acesso em: 12 jan. 2015.
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, p. 27), a segregação residencial socioeconômica pode ser definida como “a separação entre o local de moradia de famílias pertencentes a diferentes grupos socioeconômicos”. Optou-se nesta pesquisa pela preferência do uso do termo “segregação residencial socioeconômica” por ser mais característico do processo de segregação no Brasil, quando comparado com as pesquisas realizadas nos EUS, que tendem a focar a caracterização étnico-racial como um atributo fundamental para o estabelecimento de um padrão de segregação (Feitosa, 2005FEITOSA, F. F. Índices espaciais para mensurar a segregação residencial: o caso de São José dos Campos (SP). Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/ . Acesso em: 12 jan. 2015.
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).

O caráter mutável da segregação demonstra que, possivelmente, para cada época há um determinado padrão de segregação, relativo a suas respectivas características. Caldeira (2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.) considera a existência de três padrões de segregação em São Paulo durante o século XX.O primeiro, predominante até a década de 1940, se caracterizava pela aglomeração de diferentes grupos sociais numa mesma área urbana reduzida. A segregação desenvolvida nesse período se baseava eminentemente em tipos de habitação. O padrão seguinte é conhecido na literatura como “centro-periferia”, que se desenvolveu principalmente entre os anos 1940-80. O aspecto mais relevante desse momento são as grandes distâncias separando diferentes grupos sociais.Os bairros centrais concentram grupos dos estratos sociais médios e altos, com oferta considerável de infraestrutura de boa qualidade e de equipamentos urbanos. Já os bairros periféricos concentram populações de classe de renda mais baixa, geralmente oferecendo uma situação de infraestrutura muito precária (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.; Feitosa, 2005FEITOSA, F. F. Índices espaciais para mensurar a segregação residencial: o caso de São José dos Campos (SP). Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/ . Acesso em: 12 jan. 2015.
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; Meyer; Grostein; Biderman, 2004MEYER, R.; GROSTEIN, M.; BIDERMAN, C. São Paulo metrópole. São Paulo: Edusp, 2004. ).

O mais recente padrão de segregação residencial se baseia, principalmente, na geração de subespaços “nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns” (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 211). Tal padrão reflete mudanças de paradigma urbanístico nas sociedades chamadas pós-industriais (Dear; Flusty, 1998DEAR, M.; FLUSTY, S. Postmodern urbanism. Annals of the Association of American Geographers, v. 88, n. 1, p. 50-71, 1998. doi: https://doi.org/10.1111/1467-8306.00084.
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). Um elemento de destaque que compõem a paisagem urbana nesse novo período é a criação de um instrumento que Caldeira (2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.) denomina “enclaves fortificados”, semelhante às gated communities de Atkinson e Flint (2004ATKINSON, R.; FLINT, J. Fortress UK? Gated communities, the spatial revolt of the elites and time-space trajectories of segregation. Housing Studies, v. 19, n. 6, p. 875-892, 2004. doi: https://doi.org/10.1080/0267303042000293982.
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) e Le Goix (2005LE GOIX, R. Gated communities: sprawl and social segregation in Southern California. Housing Studies, v. 20, n. 2, p. 323-343, 2005. doi: https://doi.org/10.1080/026730303042000331808.
https://doi.org/10.1080/0267303030420003...
). A autora os caracteriza da seguinte forma:

Os enclaves fortificados são espaços privatizados, fechados e monitorados, destinados a residência, lazer, trabalho e consumo. Podem ser shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais. Eles atraem aqueles que temem a heterogeneidade social dos bairros urbanos mais antigos e preferem abandoná-los para os pobres, os “marginais”, os sem-teto (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 11).

Caldeira (2000CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.) ressalta que o padrão recente de segregação espacial resultou, entre outros aspectos, da mudança demográfica e da mudança dos padrões residenciais. Tal situação configurou a tendência de moradores dos estratos sociais médios e altos em deixar as áreas centrais do município de São Paulo, para habitarem regiões mais distantes, em enclaves fortificados. Essa disseminação de condomínios fechados - principalmente a partir da década de 1970 - distantes de bairros centrais tem como motivação a busca por grandes lotes que estão pouco disponíveis nas áreas centrais.

Contudo, é fundamental considerar que tanto a periodização da segregação quanto a caracterização dos tipos de segregação não são objetos consenso entre os pesquisadores. Villaça (2011VILLAÇA, F. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 25, n. 71, p. 37-58, 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-40142011000100004.
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), por exemplo, questiona a validade do padrão “centro-periferia” para descrever o processo de segregação, citando o desenvolvimento do Rio de Janeiro (zona sul) e da Região Metropolitana de São Paulo (Alphaville, Aldeia da Serra e Tamboré), como exemplos que não se enquadram na teoria dos círculos concêntricos da Escola de Chicago - em que os pobres estão na periferia e os ricos, mais ao centro -, teoria esta que subsidia o padrão centro versus periferia. Alguns autores ainda destacam a dificuldade de se definir um padrão de segregação específico em determinada época, devido à possibilidade de diferentes tipos de processos de segregação transcorrerem simultaneamente. Essas questões revelam a necessidade de se investigar possibilidades de identificação do tipo de tendência de segregação que diz respeito à área de estudo que está sendo pesquisada.

Material e método

Os materiais utilizados neste trabalho dizem respeito ao uso de uma base de dados e de programas computacionais. Mais especificamente, a base de dados utilizada para a realização da classificação e descrição tipológica foi a do Censo de 2010 (IBGE, 2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GROGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/99/cd_2010_resultados_gerais_amostra.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
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). Os programas computacionais utilizados foram o Excel 2007 (Microsoft Corporation) e o ArcMap GIS 10.1 (Environmental Systems Research Institute, Inc.).

De acordo com Ribeiro (2003RIBEIRO, L. C. Q. Segregação residencial e políticas públicas: análise do espaço social da cidade na gestão do território. Cidades - Comunidades e Territórios, Lisboa, n. 6, p. 33-50, 2003. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/3406 . Acesso em: 12 jan. 2015.
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), os procedimentos metodológicos para objetivar e quantificar a segregação residencial por tipologia demandam a definição de aspectos fundamentais como a escolha da unidade espacial e da unidade social de análise e dos atributos pelos quais será verificada a distribuição das pessoas no espaço. Os procedimentos foram desenvolvidos em três etapas: (1) levantamento, (2) tratamento e (3) integração dos dados.

Dessa maneira, na etapa de levantamento de dados, procurou-se fazer um levantamento bibliográfico sondando fontes que tratavam, direta ou indiretamente, o tema de segregação, bem como de estrutura intraurbana e da dinâmica socioeconômica recente.Os dados estatísticos foram coletados indiretamente, ou seja, por meio de consulta a documentos existentes, nesse caso, o da amostra do Censo de 2010 que, por ser um questionário ampliado, tem mais variáveis disponíveis para análise. Nessa etapa, também se definiram as unidades espaciais de análise, que foram as áreas de ponderação componentes da área de estudo selecionada. O IBGE (2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GROGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/99/cd_2010_resultados_gerais_amostra.pdf . Acesso em: 26 fev. 2015.
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
, p. 40) define área de ponderação como:

[...] uma unidade geográfica, formada por um agrupamento de setores censitários, para a aplicação dos procedimentos de calibração das estimativas com as informações conhecidas para a população como um todo.

Nesta pesquisa, foram definidas 26 áreas de ponderação relativas à sub-região noroeste do município de São Paulo (Figura 2). A escolha das áreas de ponderação como unidade espacial de análise se justifica pela importância da escala de análise em trabalhos deste tipo, afinal, pode-se estar falando de diferentes tipos de segregação, dependendo da escala considerada, e também pela disponibilidade dos microdados brutos, com pouco ou nenhum tratamento prévio. Como o objetivo é identificar tendências de padrões de segregação espacial na escala intraurbana, as áreas de ponderação consistiram nas unidades espaciais de análise que melhor se enquadraram nesse objetivo.

Figura 2
Mapa da sub-região noroeste do município de São Paulo com as áreas de ponderação (AP) identificadas

Com relação à unidade social de análise, optou-se pelas categorias socioprofissionais.A escolha se deve ao fato de que “indivíduos com ocupações similares na hierarquia laboral tendem a residir, no interior da cidade, nos mesmos espaços” (Luchiari, 2013LUCHIARI, A. Tratamento da informação geográfica: estudo sobre a distribuição espacial de categorias socioprofissionais. Tese (Livre-Docência em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 10). Foram classificadas três categorias a partir da classificação de ocupações para pesquisas domiciliares produzida pelo IBGE. Essas três categorias foram denominadas letrados, serviços e ocupações elementares, baseados na classificação do IBGE, respectivamente, “Profissionais das ciências e intelectuais”, “Trabalhadores dos serviços, vendedores dos comércios e mercados” e “Ocupações elementares”.

Os indivíduos pertencentes à categoria socioprofissional letrados se caracterizam por exercerem atividades referentes às ciências, sendo em geral descritas como intelectuais. Dessa classe fazem parte os profissionais que exercem atividades de engenharia, matemáticos, biólogos, físicos, químicos, arquitetos, professores, médicos, veterinários e outros profissionais ligados à saúde.A categoria serviços agrupa profissionais que prestam serviços ditos pessoais como garçons e atendentes de bar, cozinheiros, cabeleireiros e especialistas em tratamento de beleza, supervisores de manutenção e limpeza de edifícios, comerciantes e vendedores de lojas, vendedores de rua, trabalhadores relacionados a atividades de cuidados pessoais e os que prestam serviços de proteção e segurança. Por fim, a categoria ocupações elementares inclui trabalhadores domésticos, trabalhadores de limpeza de interior de edifícios e outros relacionados a atividades de limpeza manual, trabalhadores que exercem atividades elementares na mineração, na construção, na indústria de transformação e no transporte, coletores de lixo e trabalhadores ambulantes.

A escolha dessas três categorias socioprofissionais se deve, primeiramente, por estas serem determinadas oficialmente por um órgão do governo, o que legitima socioeconomicamente o uso dessas classificações, mas principalmente, pelas possíveis discrepâncias que podem ser encontradas nos dados relativos aos atributos socioeconômicos.

As variáveis selecionadas para caracterizar a distribuição das pessoas nos subespaços foram idade, cor ou raça, nível de instrução, renda e formalidade, mais detalhadas no Quadro 1. A escolha dessas variáveis respeita não só à importância socioeconômica dessas variáveis na composição da sociedade contemporânea, mas também, em particular, à distribuição dos locais de residência. De acordo com Castells (2006CASTELLS, M. A questão urbana. 3a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006., p. 249-250), essa distribuição:

[...] segue as leis gerais da distribuição dos produtos e, por conseguinte, opera os reagrupamentos em função da capacidade social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, de seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo de vida etc.

Quadro 1
Relação de variáveis disponíveis no Censo 2010

Posteriormente, teve início a etapa de tratamento dos dados. Foram elaboradas no Microsoft Excel, tabelas (planilhas) com o conjunto das variáveis selecionadas para cada área de ponderação totalizando, portanto, 26 tabelas. Em cada uma foram elaboradas planilhas com os dados gerais dos atributos selecionados da área de ponderação, buscando filtrar os dados de ocupação que desconsiderassem resultados em branco ou “0000” - que significa “ocupações mal definidas” - para definir a população economicamente ativa (PEA).

Da planilha da PEA, geraram-se planilhas referentes a cada categoria socioprofissional - uma para letrados, uma para serviços e uma para ocupações elementares - separando apenas as ocorrências de cada categoria na PEA em suas respectivas planilhas, e selecionando, para cada uma, as variáveis relativas aos atributos de interesse.

Em cada planilha referente a uma determinada categoria socioprofissional de cada área de ponderação aplicou-se uma função condicional nas variáveis de cor, nível de instrução e formalidade, para que fosse possível obter resultados discriminados por classe.

No que diz respeito às classes dos atributos cor ou raça, nível de instrução e formalidade, é importante observar ligeiras alterações com relação as classes consideradas nesta pesquisa e as consideradas pelo IBGE. Tanto na variável de cor ou raça quanto na de formalidade (que no IBGE é a variável “Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal”), as classes que não especificam o resultado, que são irrelevantes na área de estudo ou que não se enquadram como população economicamente ativa são descartadas pois não se configuram no propósito da pesquisa. Já na variável de nível de instrução, as classes 1 e 2 definidas pelo IBGE, referentes às classes “sem instrução e fundamental incompleto” e “fundamental completo e médio incompleto”, foram integradas em uma mesma classe nesta pesquisa, a classe de “baixa instrução”; a classe 3 do IBGE, de “médio completo e superior incompleto”, foi definida nesta pesquisa como “média instrução”; e, a classe 4, de “superior completo”, foi denominada “alta instrução”.

Após definir a proporção em porcentagem e as médias dos atributos e classes em relação à PEA de uma categoria socioprofissional - criando uma tabela com os resultados de cada categoria -, foi gerada uma tabela geral com os resultados obtidos de cada categoria para fins de comparação. As tabelas com os resultados finais obtidos para cada categoria socioprofissional permitiu a geração de um mapa temático quantitativo para cada categoria pelo software ArcGIS 10.1, propiciando a integração dos dados das categorias socioprofissionais com as áreas de ponderação correspondentes.

Resultados e discussão

O tratamento de dados relativos aos atributos de renda, formalidade no emprego, nível de instrução e cor ou raça (Tabelas 1, 2, 3 e 4, respectivamente), geraram um conjunto de informações relativas às categorias socioprofissionais que permitem melhor analisá-las e discriminá-las.

Tabela 1
Proporção e renda das categorias socioprofissionais
Tabela 2
Formalidade no emprego
Tabela 3
Nível de instrução
Tabela 4
Cor ou raça das pessoas

Analisando comparativamente os dados dos atributos é possível perceber contrastes evidentes em cada atributo entre as categorias socioprofissionais. Nesse sentido, é inevitável interpretar esses resultados tomando como referência seu significado para cada categoria. Assim, analisaram-se os dados na seguinte ordem das categorias socioprofissionais: letrados, serviços e ocupações elementares.

Letrados

A categoria socioprofissional letrados apresenta resultados superiores aos das outras categorias em atributos como renda média, nível de instrução e proporção de brancos do atributo de cor ou raça, sendo que demonstra uma proporção menor de indivíduos classificados como informal no que diz respeito ao vínculo trabalhista, bem como menor proporção de negros e pardos somados, em relação às categorias serviços e ocupações elementares.

Quanto à proporção de pessoas classificadas como letradas em relação à PEA da sub-região noroeste do município de São Paulo, esta categoria socioprofissional apresenta a menor proporção das três, com 11,04% de participação no total. Esse resultado pode significar uma considerável concentração de riqueza, já que a categoria que apresenta os melhores resultados em atributos como renda média e nível de instrução apresenta também a menor proporção em relação à PEA da sub-região.

Entretanto, o fato de 11,04% das pessoas serem classificadas como letrados não significa que estejam homogeneamente distribuídas na sub-região. A Figura 3 mostra como a distribuição dessa categoria é heterogênea nos subespaços considerados, sendo que as maiores proporções de letrados em relação à PEA se encontram nas áreas de ponderação mais ao sul da sub-região, no caso, em áreas de ponderação referentes principalmente ao sul dos distritos de Freguesia do Ó e São Domingos, e em menor grau, ao sul do distrito de Pirituba. Em algumas destas áreas de ponderação, a proporção de letrados chega a ultrapassar 20% do total da PEA. Já em áreas de ponderação localizadas principalmente no nordeste da sub-região, é possível encontrar algumas em que a proporção de letrados é inferior a 5%, como nas áreas equivalentes ao distrito da Brasilândia.

Figura 3
Categoria socioprofissional letrados

Uma das razões da maior concentração de letrados no sul da sub-região noroeste de São Paulo pode ser a melhor infraestrutura viária, considerando que essa porção fica nas proximidades de grandes vias expressas como a avenida Marginal do rio Tietê, que se conecta a importantes rodovias como a dos Bandeirantes, que segue no sentido norte. Desde a sua construção, as cercanias da avenida Marginal do rio Tietê se tornaram alvo do mercado imobiliário, principalmente a partir da década de 1990, áreas outrora desprezadas em detrimento da preferência pelos outeiros e altas colinas além-Tietê (Marques, 2005MARQUES, E. A dinâmica imobiliária de incorporação em período recente. In: MARQUES, E.;TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades. São Paulo: Senac, 2005. p. 214-238. cap. 9.; Ab’Saber, 2007AB’SABER, A. N. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo. Cotia, SP: Ateliê, 2007.; Seabra, 1987SEABRA, O. C. L. Os meandros dos rios nos meandros do poder - Tietê e Pinheiros: valorização dos rios e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.).

Outra razão pode estar associada à proximidade dos bairros centrais. O fato de haver essa concentração de letrados ao sul da sub-região noroeste revela a possibilidade de existir ainda uma forte tendência de segregação residencial socioeconômica de “centro-periferia”.

Entretanto, analisando mais detalhadamente as Figuras 2 e 3, é possível notar que, entre as áreas de ponderação ao sul do distrito de São Domingos e ao sul de Freguesia do Ó, há uma “depressão” - no caso, alguns distritos ao sul de Pirituba -, que apresenta uma proporção de letrados sensivelmente menor. Contudo, para tecer uma consideração mais profunda a esse respeito, é recomendável verificar e interpretar os dados referentes às outras categorias socioprofissionais discutidas neste estudo.

Pelos resultados obtidos com o tratamento dos dados dos atributos como um todo, foi possível classificar a categoria socioprofissional letrados como pertencente ao circuito superior da economia. De acordo com Santos (2008aSANTOS, M. O Espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2a ed. São Paulo: Edusp , 2008a.), os indivíduos pertencentes ao circuito superior precisam de um alto nível de instrução para exercer seu trabalho, bem como apresentam uma renda considerável para garantir um alto poder de consumo.

Serviços

A análise dos atributos referentes à categoria socioprofissional serviços apresenta resultados considerados “intermediários” quando comparados aos das outras duas. Seja no quesito renda média, nível de instrução ou proporção de brancos, a categoria serviços revela resultados inferiores à categoria letrados, mas superiores aos da categoria ocupações elementares. Já no que diz respeito à informalidade e proporção de negros e pardos somados, a categoria de serviços apresenta resultados superiores aos letrados, mas inferiores às ocupações elementares, evidenciando seu caráter mais “mediano” entre as três categorias analisadas.

Um dado que a princípio pode chamar atenção é a alta proporção de indivíduos pertencentes à categoria de serviços que trabalham por conta própria, no caso, 20,15%. Essa constatação pode significar uma tendência da categoria serviços a pertencer ao circuito inferior da economia, já que, para Santos (2008aSANTOS, M. O Espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2a ed. São Paulo: Edusp , 2008a., p. 221), com o êxodo rural maciço em países subdesenvolvidos e a baixa relativa de oferta de trabalho para essas pessoas de renda mais baixa, “a instalação em atividades de tamanho reduzido, por conta própria, torna-se uma solução”.

É interessante notar que, no que diz respeito à proporção de pessoas classificadas em serviços, a amplitude dos resultados dessa categoria perante as outras é consideravelmente menor (Figura 4). Entre a área de ponderação de menor proporção de pessoas classificadas como serviços e a área de maior proporção, a diferença é inferior a 16%, sendo que todas as áreas de ponderação analisadas obtiveram proporções acima dos 10%. O fato revela que a categoria socioprofissional serviços não só é relativamente mais bem distribuída na sub-região noroeste como sua importância em termos de diferenciação do espaço é menor.

Figura 4
Categoria socioprofissional serviços

Quanto à distribuição, apesar de ser menos heterogênea do que as outras duas, a categoria serviços na sub-região (Figura 4) apresenta uma maior concentração justamente nas áreas de ponderação em que a categoria letrados apresenta as menores proporções, ou seja, nas áreas de ponderação relativas ao distrito da Brasilândia. Nestas, a proporção ultrapassa os 20% do total da PEA, enquanto nas áreas de ponderação mais ao sul da sub-região, os resultados se encontram abaixo dos 20%.

Ocupações elementares

Tratados, os dados censitários que concernem à categoria socioprofissional ocupações elementares se dispõem como os que apresentam os menores resultados relativos às variáveis de renda média, nível de instrução e proporção de brancos, sendo que nas classes da variável de formalidade no emprego, apresentam um alto grau de informalidade, uma baixa proporção de trabalhadores por conta própria e sem registro ou com um registro desprezável de empregadores.

A distribuição da proporção de indivíduos dentro desta categoria socioprofissional apresenta um caráter mais diversificado, pois os maiores resultados estão dispostos nos subespaços relativos às áreas de ponderação localizadas em distritos como Perus, Anhanguera e Brasilândia, no norte da sub-região paulistana em estudo (Figura 5). Consequentemente, os menores resultados proporcionais se verificam em áreas de ponderação mais ao sul, próximos à avenida Marginal do Tietê.

Figura 5
Categoria socioprofissional ocupações elementares

Entretanto, como visto na análise da categoria letrados, a categoria socioprofissional ocupações elementares apresenta consideráveis diferenças entre as áreas de ponderação mais ao sul da sub-região noroeste. Por exemplo, a área de ponderação AP310, que corresponde ao sudoeste do distrito de Pirituba, apresenta uma proporção de pessoas classificadas na categoria ocupações elementares (Gráfico 2), de apenas 5,60%, a menor entre as 26 áreas de ponderação selecionadas. No entanto, a área de ponderação imediatamente a leste, denominada AP112, correspondendo ao sudeste do distrito de Pirituba, demonstra uma proporção de 12,98%, mais que duas vezes maior que a área adjacente a oeste, e a que tem a maior proporção de ocupações elementares entre as cinco áreas de ponderação mais ao sul da sub-região considerada.

Tais resultados, de forma complementar à categoria letrados, podem significar a existência de diferentes grupos sociais habitando próximos uns dos outros, o que pode simbolizar a existência de uma tendência de segregação residencial socioeconômica de tipo “local”, com a presença de conjuntos residenciais destinados à classe média, os “enclaves fortificados”, somada à presença de shopping centers e outras infraestruturas destinadas ao uso e consumo de determinada classe, sustentados por um sistema de identificação e controle de acesso cujo intuito é manter isolados grupos sociais distintos. Portanto, com a diminuição da distância espacial entre grupos, pode aumentar sua distância “sociocultural”, na tentativa de restringir ao máximo as relações entre eles.

De acordo com os dados obtidos para essa categoria, em especial no que tange aos níveis de renda média, nível de instrução e informalidade, ela pertencente ao circuito inferior da economia.

Considerações finais

De acordo com os resultados apresentados, é possível concluir que os microdados censitários do IBGE podem ser utilizados com considerável eficácia para identificar padrões de segregação residencial socioeconômica na escala intraurbana com o auxílio de SIG.

Na sub-região noroeste do município de São Paulo, as categorias socioprofissionais evidenciaram a possibilidade de duas tendências de segregação em curso, atuando de simultaneamente nos subespaços considerados. Nesse sentido, o uso de categorias socioprofissionais para estudar a segregação se mostram essenciais para identificar diferenças espaciais socioeconômicas e subsidiar uma análise tanto quantitativa como qualitativa do objeto de estudo.

Como vimos aqui, a atual tendência de segregação “local” não substituiu completamente a tendência resultante do modelo anterior, de “centro-periferia”, mas sim que ambos atuam concomitantemente no espaço intraurbano.

O uso de bases de dados estatísticos da amostra censitária e de SIG como suporte para a pesquisa provou-se fundamental para encontrar diferenças entre subespaços, bem como para analisar tais diferenças, ao possibilitar o tratamento de dados censitários, a filtragem de dados referentes aos atributos selecionados e a distribuição das categorias socioprofissionais nessa sub-região, representadas em mapas temáticos, tabelas e gráficos que subsidiaram estas considerações. Quanto à potencialidade do tratamento inicial dos dados censitários, estes podem servir de base e permitir a aplicação de técnicas estatísticas específicas para o estudo da segregação, como o de análise fatorial e o de análise de agrupamento, o que pode concorrer para o desenvolvimento teórico e para a análise espacial do tema.

No entanto, há que considerar algumas limitações da pesquisa, como a necessidade de se analisar mais detalhadamente a distribuição dos atributos em cada área de ponderação. A pesquisa também mostrou que, para uma maior confiabilidade de algumas considerações, o mais indicado seria desmembrar categorias muito genéricas em subcategorias e analisá-las separadamente, reduzindo a possibilidade de generalização.

Com relação às tendências de segregação residencial socioeconômica, ressalte-se que, apesar de os resultados terem permitido identificar as tendências, este estudo revela também a necessidade de um levantamento de informações sobre a localização dos “enclaves fortificados”, tendo como possibilidades técnicas e metodológicas o uso de fotografias aéreas e de imagens obtidas por sensoriamento remoto para identificar setores residenciais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2018
  • Aceito
    17 Nov 2020
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