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Produção do espaço urbano em Marabá (PA): trajetórias e processos

Resumo

São realizadas análises mediadas pelo levantamento de autores e fundamentação teórica acerca do processo de produção do espaço urbano em Marabá, e os processos que concorreram para as configurações espaciais que integram a atualidade. O levantamento efetuado, possibilitou a identificação de uma trajetória que apresenta aproximações, mas também particularidades, quando efetuada a leitura sobre o processo de constituição das cidades na Amazônia, influenciando a produção de um espaço urbano que apresenta organização em Núcleos que possuem características peculiares, contendo também representações da trajetória do processo de constituição da cidade.

Palavras-chave:
Urbano; Amazônia; Marabá (PA)

Abstract

Analyzes are carried out, mediated by the survey of authors and theoretical foundations, about the process of production of urban space in Marabá, and the processes that contributed to the spatial configurations that make up today. The survey carried out made it possible to identify a trajectory that presents similarities, but also particularities, when reading about the process of constitution of cities in the Amazon, influencing the production of an urban space that presents organization in Nuclei that have peculiar characteristics, containing also representations of the trajectory of the city's constitution process.

Keywords:
Urban; Amazon; Marabá (PA)

Resumen

El análisis se realiza a través del relevamiento de autores y bases teóricas, sobre el proceso de producción del espacio urbano en Marabá, y los procesos que concurrieron a las configuraciones espaciales que integran la actualidad. La encuesta posibilitó la identificación de una trayectoria que presenta aproximaciones, pero también particularidades, al hacer la lectura sobre el proceso de constitución de las ciudades en la Amazonia, influyendo en la producción de un espacio urbano que presenta organización en Núcleos que tienen características peculiares, conteniendo también representaciones de la trayectoria del proceso de constitución de la ciudad.

Palabras clave:
Urbano; Amazon; Marabá (PA)

Introdução

Pensar a cidade e o urbano envolve o reconhecimento do lugar onde eles estão inseridos, como caminho para a abordagem das influências recebidas, ao longo da efetivação de processos como a migração e o papel das atividades econômicas realizadas. Nessa proposta, parte-se das leituras que versam sobre as cidades na Amazônia, abrangendo reflexões que remetem aos processos que compõem a cosntituição destas, com destaque para os olhares sobre as dinâmicas urbanas em Marabá (PA).

Do exposto, compreendendo os caminhos da investigação, objetiva-se com o artigo, apresentar reflexões sobre a trajetória da produção do espaço urbano em Marabá, em associação com as leituras sobre os processos recentes. Para tanto, os procedimentos metodológicos foram constituídos por pesquisa em referencial teórico, para a composição de análises sobre os debates realizados em torno dos temas relacionados à produção do espaço urbano, e as observações sobre os processos que integram a dinâmica urbana em Marabá.

Marabá no contexto da cidade e do urbano na Amazônia

Nesse momento, tem-se uma regressão para análise das influências recebidas, pela cidade de Marabá, em uma trajetória de instalação, marcada pelo papel dos ciclos econômicos, mas também, por intervenções provenientes dos projetos governamentais numa aproximação dos processos no contexto amazônico, mas também as influências de dinãmicas que se realizam, externamente, à realidade amazônica.

O olhar para os aspectos da localização de Marabá, revela que, esta integra a região do Sudeste paraense, com uma área de 15.128,058 km2, caracterizando-se como uma capital regional. Os dados do Censo Demográfico de 2010 demonstraram a existência de uma população de 233.669 hab., predominando famílias com três residentes no domicílio, densidade demográfica de 15,45 hab./km2 (IBGE, 2010).

Do ponto de vista político, Marabá ganha existência, no mapa da região Sudeste do Pará, a partir do desmembramento do município de Baião, efetivado no ano de 1913. O referido município incorporava, também, os municípios que, atualmente, são denominados de São João do Araguaia, Conceição do Araguaia e o Distrito de Alcobaça (hoje Tucuruí) (BAIÃO, 2021).

Pensar a formação de Marabá, no contexto dos grupos que constituíram, inicialmente, a população, e da construção de demandas como exemplo a habitação, envolve o reconhecimento dos papéis exercidos, pelos diferentes ciclos econômicos de produção, entre eles, àqueles que assumiram expressividade: a castanha, a madeira e o ouro, responsáveis pelo fortalecimento da economia, mas que, também, contribuíram para a implementação de processos marcados pela dimensão do contingente de imigrações, e que atuaram influenciando a expansão dos processos de ocupação espacial. Nesse enredo, Rodrigues (2010)RODRIGUES, Jovenildo Cardoso. Marabá: centralidade urbana de uma cidade média paraense. 188 f. 2010. Dissertação. (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2010. explicita que a importância comercial, assumida por Marabá, no século XX, implicou na efetivação de ciclos migratórios, além do estímulo à estruturação de uma rede de relações comerciais entre Marabá e outras cidades paraenses.

Retomando-se as leituras sobre o processo de urbanização da Amazônia, como forma de localizar o papel das influências externas e internas, em Marabá, destacamse as observações que versam sobre a configuração das “cidades da floresta”, ao apontarem para a predominância desta configuração, na região, até a década de 1960. Estas eram marcadas pela presença de cidades de pequeno porte e associadas à circulação fluvial, caracterizando-se pela existência de vínculos expressivos com a natureza e à vida rural não moderna. No âmbito dessas cidades, ganha relevo as articulações estabelecidas com os entornos ou localidades próximas compostas por vilas, povoados e comunidades ribeirinhas. Atualmente, verifica-se a tendência à modificação dessas características relacionadas à vida da floresta, porém estas cidades, ainda, constituem subsídios para a caracterização de algumas sub-regiões da Amazônia (TRINDADE JÚNIOR, 2013TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Das “cidades na floresta” às “cidades da floresta”: espaço, ambiente e urbano diversidade na Amazônia brasileira. Papers do NAEA, no 321, dezembro, 2013. Disponível em: http://www.naea.ufpa.br/naea/novosite/paper/215. Acesso em: 25 mar. 2017.
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).

Quando comparadas com as “cidades nas florestas”, o autor, em debate, observa que elas não são excludentes entre si, uma vez que possibilitam pensar a complexidade da vida urbana, na região, revelando a coexistência de diversas temporalidades e espacialidades, que são marcadas por uma e por outra, notadamente em realidades, relativamente, mais transformadas. Dessa forma, é possível constatar que Marabá, apesar das influências externas imponentes, ainda mantém atividades que possibilitam constatar o vínculo com o “natural”, como pode ser visualizado em comunidades que, ainda, utilizam a pesca como importante meio de sobrevivência.

Complementando essas observações, Becker (2009)BECKER, Bertha K. Por que a participação tardia da Amazônia na formação econômica do Brasil? In: ARAÚJO, Tarcísio Patrício de; VIANNA, Salvador Teixeira Werneck Vianna; MACAMBIRA, Júnior. 50 Anos de Formação Econômica do Brasil: ensaios sobre a obra clássica de Celso Furtado. Rio de Janeiro: IPEA, 2009. salienta que as cidades, na Amazônia, exerceram um papel logístico essencial no processo de ocupação. Assim, em 1996, a Amazônia tornou-se uma floresta urbanizada, com 61% da população e 69%, em 2000, que estavam localizadas nos núcleos urbanos. Foi constatado, também, um processo que se deu, por meio da desconcentração urbana, marcado pelo crescimento dos números populacionais nas cidades com menos de 100 mil habitantes.

Na trajetória recente, evidencia-se a análise do período, no qual o padrão de ocupação e povoamento, verificado na Amazônia a partir de 1966, apresentou ênfase nos anos de 1970 e 1980, a partir da interferência de programas governamentais de expansão da fronteira agrícola, associados às estruturas urbanas, sejam aquelas existentes ou, ainda, as que foram planejadas e receberam investimentos públicos, além do fortalecimento das Instituições. Esse momento foi marcado pela concentração de demanda por mão de obra, cuja maioria foi composta por migrantes que constituíram fluxos intensos e crescentes e que, por conseguinte, influenciaram a dinâmica urbana de muitas cidades, na Amazônia, envolvendo, por exemplo, as demandas elementares para vida, tais como habitação e serviços básicos de saúde e educação (CASTRO, 2008CASTRO, Edna. Urbanização, pluralidade e singularidades das cidades amazônicas. In: CASTRO, Edna (org.). Cidades na floresta. São Paulo: Annablume, 2008. p.11-40.).

Especialmente a partir de 1968, foi verificada uma ênfase nos mecanismos fiscais e creditícios que permitiram a efetivação do fluxo de capital do Sudeste. Além disso, foi estimulada a migração, através de mecanismos como os projetos de colonização, que objetivava a efetivação de povoamento, possibilitando a formação de um mercado de mão de obra local (BECKER, 2009BECKER, Bertha K. Por que a participação tardia da Amazônia na formação econômica do Brasil? In: ARAÚJO, Tarcísio Patrício de; VIANNA, Salvador Teixeira Werneck Vianna; MACAMBIRA, Júnior. 50 Anos de Formação Econômica do Brasil: ensaios sobre a obra clássica de Celso Furtado. Rio de Janeiro: IPEA, 2009.).

Associando a realidade existente em Marabá, ao contexto das abrdagens sobre a Amazônia, verifica-se que, as interações entre vilarejos, vilas e cidades possuíam dependência da cadeia de exportação/importação da borracha. A cadeia era formada pela substituição da circulação de dinheiro, pelo fluxo de mercadorias, além da compra e venda a crédito das mercadorias (aviamento). Se, por um lado, tinha-se a facilidade de expansão da atividade comercial, por outro, dificultava a captação do excedente em cada lugar, inibindo a diversificação das atividades produtivas (MACHADO, 1999MACHADO, Lia Osório. Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 109-138. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/322831750. Acesso em: 08 jan. 2020.
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).

Do exposto, verifica-se que as cidades na Amazônia, em um primeiro momento, estavam associadas à dinâmica da vida, marcada pela relação com os elementos como as florestas e rios. No entanto, alterações foram constatadas quando estas começaram a receber as intervenções dos denominados Grandes Projetos Governamentais, que concorreram para a atração de migrantes, que se deslocavam para compor a força de trabalho, auxiliando o aumento populacional. Nesse contexto, Marabá, foi marcada pelo papel dos ciclos econômicos, como a mineração, além de possuir uma acessibilidade espacial que possibilitava chegadas pela estrada ou pelos rios, e que atraiu significativo contingente populacional, gerando, também, as necessidades básicas nem sempre ofertadas na cidade, expondo, ao mesmo tempo, demandas infraestruturais, como aquelas relacionadas à habitação.

O aprofundamento da análise do ponto de vista dos impactos dos ciclos econômicos demonstra que, entre as atividades que assumiram função relevante, no decorrer destes ciclos, destaca-se a borracha, especialmente, associada às exigências internacionais, que foram fundamentais para a promoção de transformações, na rede urbana amazônica, e no percurso de povoamento do território paraense, com a ascensão de áreas que, ainda, possuíam pouca exploração. A conjuntura descrita assevera a associação de fatores que convergiram para que o “Vale do Itacaiúnas”, nas proximidades da confluência entre os rios Tocantins e Itacaiúnas, passasse a exercer função de relevância estratégica (TOURINHO, 1991TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. 482f. 1991. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991.).

Essa reflexão é reiterada por Velho (2009)VELHO, Otávio Guilherme. Frente de expansão e estrutura agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônia. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009., ao observar que, mesmo com o deslocamento dos grupos ligados ao ciclo do caucho, para áreas que não alagavam, a foz do Itacaíúnas passou a compor novo interesse, associado ao fato de que estavam ali localizados, os rios Tocantins e o Itacaiúnas, com seus afluentes, que constituíam as duas principais vias de escoamento da região. Por essa característica, os barracões de comércio passam a ser instalados nesse ponto de confluência dos rios.

As reflexões iniciais possibilitam o reconhecimento das atividades e dinâmicas que compõem a trajetória de ocupação do território, processos estes que concorrerão, entre outros, para a configuração de uma produção espacial composta pela coexistência de núcleos urbanos.

Produção do espaço e múltiplas centralidades urbanas em Marabá

A abordagem do urbano, em Marabá, mediado por um retorno aos debates e práticas que influenciaram a formação de uma cidade dividida em Núcleos, perpassa a retomada das reflexões, sobre o viés da integração nacional e a atratividade de migrantes, em larga escala. Nessa perspectiva, Tourinho (1991)TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. 482f. 1991. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991. observa que o Núcleo Pioneiro, marcado pelas enchentes constantes e as limitações para a instalação de habitações impostas pela presença dos rios, pelas áreas alagadas ou alagáveis, pelas fazendas de criação de gado, e pelo regime de propriedade privada da terra, voltada para a especulação fundiária, passou por pequenas alterações naquilo que envolve equipamentos, serviços e traçado urbano.

As transformações verificadas, no processo de ocupação de Marabá até a atualidade, remetem ao fato de que, como em muitas cidades amazônicas, a concentração de terras surge como uma prática que produz contradições e conflitos. Logo, ao abordar Marabá, a partir dessa realidade, Tourinho (1991)TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. 482f. 1991. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991. aponta que, a década de 1960 foi marcada pelas ações da União, na esfera da concessão de incentivos fiscais e creditício, ganhando ênfase, também, o processo de abertura da fronteira econômica amazônica que concorreu para transformações na estrutura produtiva e para alterações no espaço urbano. Dessa forma, os incentivos fiscais da Superintendência de Desenvolvimento Urbano da Amazônia (SUDAM) e Banco da Amazônia (BASA), para fazendeiros e latifundiários, atraíram capital produtivo e especuladores para a região.

A presença do contingente de migrantes, a partir da década de 1960, é corroborada por Machado (1999)MACHADO, Lia Osório. Urbanização e Mercado de Trabalho na Amazônia Brasileira. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 1, 1999, p. 109-138. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/322831750. Acesso em: 08 jan. 2020.
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, que, durante as análises sobre a Amazônia associadas ao crescimento do número de cidades, aponta que essa atratividade foi exercida por intermédio de processos, como a concentração da propriedade da terra e os investimentos agrários, uma vez que, a alocação de massas de trabalhadores, diante de espaços cada vez mais privatizados, só poderia ser efetivada em espaços “abertos” à socialização, que correspondem, aqui, aos espaços urbanos. Por essa razão, povoados, vilas e cidades amazônicas surgiram ou cresceram em decorrência da existência de um quantitativo de imigrantes “sem-terra”. Além disso, foi comum, também, a realização de extensos desmatamentos, promovidos por grandes proprietários, utilizando a mão de obra assalariada, implicando no fato dos trabalhadores (e suas famílias) estarem instalados nas aglomerações, ao invés das fazendas; dinâmica que caracterizou o sudeste do Pará.

Contribuindo para esse processo, tem-se a acessibilidade, a partir da abertura de estradas, como pode ser verificado no fato de que a articulação, com outras regiões, foi acentuada pela construção do primeiro trecho da PA-70 em 1962 (atualmente BR-222, que liga Marabá à rodovia Belém-Brasília). O conjunto dessas ações auxiliou o aumento da atração de migrantes, para o médio Tocantins paraense, possibilitando, de forma concomitante, a ampliação dos exemplos de usos da terra, marcados pela concentração fundiária.

A construção das estradas atuou como prática capaz de modificar as condições de mobilidade e de ocupação do território. Quando analisado, esse processo, à luz de Marabá, constata-se que a passagem das estradas BR-230 (Transamazônica, principal eixo de articulação estadual no sentido Leste-Oeste) e PA-150 (principal eixo de articulação estadual no sentido Norte-Sul), além da Ferrovia de Carajás, (construída para viabilizar o escoamento do minério de ferro extraído da região) constituíram fatores que potencializaram a adoção de Marabá, como um nó regional (CARDOSO; LIMA, 2009CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; LIMA, José Júlio Ferreira. A influência do governo federal sobre cidades na Amazônia: os casos de Marabá e Medicilândia. Novos Cadernos NAEA. v. 12, n. 1, p. 161-192, jun. 2009, ISSN 1516-6481. Disponível em:https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/285. Acesso em: 13 mar. 2018.
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).

Verifica-se, portanto, a existência de propaganda e incentivos governamentais, que culminaram na transformação do município em uma das principais portas de entrada dos fluxos de trabalhadores e de capital. Isto posto, a cidade passou a ser o principal centro de apoio ao novo padrão de ocupação e acumulação que se implantava, orientado pela atuação do Estado na região amazônica.

Nesse curso das transformações, foi possível examinar que, a escassez das terras, que não eram assoladas pelas enchentes, na Marabá Pioneira, levou ao adensamento populacional, em outras áreas, que constituiriam os Núcleos Amapá e São Félix, além do processo de edificação, em lotes vazios, orientada para o processo de valorização fundiária mediante venda ou aluguel.

Nesse processo, destacava-se a coexistência de contextos marcados pelo agravamento da ocupação de áreas alagadas, dificuldades para gerência e instalação de infraestrutura em três Núcleos dispersos, além das necessidades impostas pela crescente quantidade de imigrantes, compostos, inicialmente, por frentes camponesas que não conseguiam produzir, em outras regiões do país, e eram atraídas pelos incentivos fiscais disponibilizados pela União. Esses fatores levaram a uma série de debates, voltados para a avaliação sobre as direções adequadas para a expansão do Núcleo Pioneiro, cujas características físicas, associadas às concentrações de terras, implicavam na impossibilidade de comportar a quantidade de pessoas que demandavam habitação (TOURINHO, 1991TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. 482f. 1991. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991.).

As constantes enchentes imprimiam à vida, na cidade, um caráter instável, e, em função dos novos projetos, que estavam sendo implantados, e da inadequação do sítio original, implicaram na necessidade de construção de uma “nova cidade”. Com um posicionamento da gestão municipal, influenciado por pessoas que detinham o poder econômico do período, em 1967, a Prefeitura de Marabá reservou uma área para a expansão urbana que beneficiava os donos de castanhais, na medida em que não seriam realizadas intervenções nas terras destes; estes, na época, eram responsáveis pelo controle do poder municipal. Assim, foi elaborado, através de convênio entre Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e Projeto Rondon, um relatório que pronunciava o bairro Amapá, como ideal para o crescimento da cidade, recomendando a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado para o município (TOURINHO, 1991TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. 482f. 1991. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991.).

Nesse momento, retoma-se Becker (2009)BECKER, Bertha K. Por que a participação tardia da Amazônia na formação econômica do Brasil? In: ARAÚJO, Tarcísio Patrício de; VIANNA, Salvador Teixeira Werneck Vianna; MACAMBIRA, Júnior. 50 Anos de Formação Econômica do Brasil: ensaios sobre a obra clássica de Celso Furtado. Rio de Janeiro: IPEA, 2009., para quem a manipulação do território, pela apropriação de terras dos Estados, foi um elemento fundamental da estratégia do Governo Federal, que criou, por decreto, territórios, sobre os quais, exercia jurisdição absoluta e/ou direito de propriedade.

No contexto dos grandes projetos de intervenções, implantados em Marabá, verifica-se o papel do plano para a construção do Núcleo Nova Marabá na década de 1970, que ultrapassou a busca pelo atendimento à demanda, por habitação, para aqueles que residiam em áreas alagadas, no Núcleo Marabá Pioneira, revelando, também, interesses de atendimento às demandas do ciclo econômico da mineração, absorção populacional de outras regiões do país, na medida em que a existência de um núcleo planejado poderia representar indicativos de qualidade de vida, além de atuar sobre questões políticas da época, como a busca pelo combate à ampliação da atuação do PC do B, na composição da Guerrilha do Araguaia, que poderia se fortalecer a partir da atração de imigrantes sem-terra e trabalhadores expropriados de Marabá.

É importante observar que, mesmo com o andamento das providências para a formulação e a implantação do plano da Nova Marabá, os núcleos existentes permaneciam com crescimento acentuado, com destaque para a presença de imigrantes, além de instituições públicas e militares (TOURINHO, 1991TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. 482f. 1991. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 1991.).

Alguns processos ganham destaque, nessa formação socioespacial, a exemplo do aprofundamento das pesquisas minerais, na Serra dos Carajás, e a extração de minérios, na década de 1980, Marabá passa a ser considerada, um amortecedor de fluxos populacionais que se deslocavam para a região, evitando, dessa forma, que estes se instalassem nas áreas de extração mineral.

Além disso, sobressai-se a obstrução do rio Tocantins, realizado após a construção da Usina Hidroelétrica de Tucuruí, na década de 1980, e que impactou, negativamente, o transporte fluvial, uma vez que muitas embarcações, de grande porte, ficaram impossibilitadas de trafegar pelo rio. Por outro lado, a ferrovia da Estrada de Ferro Carajás ganha ênfase, na medida em que atuou, como reforço para atração dos fluxos migratórios do Nordeste, que já se configuravam desde a instalação da cidade. Essa situação de nó, auxiliado pela coexistência de modais de transporte, que permitiam a interligação com outros municípios, além dos ciclos econômicos, que atraíram fluxos populacionais de diferentes regiões, geravam pressões, sobre o processo de expansão urbana, que acompanhou as demandas por habitação, como uma das condições fundamentais para a vida na cidade (CARDOSO; LIMA, 2009CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; LIMA, José Júlio Ferreira. A influência do governo federal sobre cidades na Amazônia: os casos de Marabá e Medicilândia. Novos Cadernos NAEA. v. 12, n. 1, p. 161-192, jun. 2009, ISSN 1516-6481. Disponível em:https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/285. Acesso em: 13 mar. 2018.
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).

Em síntese, é possível constatar que, o processo de formação socioespacial de Marabá é marcado pela presença das oligarquias da borracha e da castanha, portanto, com uma base econômica apoiada no extrativismo vegetal até os anos de 1960. Após esse período, ganha evidência o processo de reestruturação do território, que implicou em mudanças nas relações entre campo e cidade, por isso, as configurações urbanas, recentes, apontam para a coexistência de funcionalidades para o meio rural, que implica na reprodução ampliada do capital, com destaque para a expansão do agronegócio (RODRIGUES, 2010RODRIGUES, Jovenildo Cardoso. Marabá: centralidade urbana de uma cidade média paraense. 188 f. 2010. Dissertação. (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2010.).

Do exposto, verificam-se, inicialmente, os processos que marcaram a constituição de Marabá, e as influências exercidas, pelas dinâmicas de ocupação, e que se desdobravam, na região amazônica, mediada, em sua maior parcela, por influências externas, mas englobando, também, nuances dos processos que compõem o modo de vida, marcado pela presença de elementos, tais como a floresta e os rios.

Essa superposição, quando abordada em Marabá, permite a constatação de dinâmicas diversificadas, marcadas pela presença de pessoas migrantes de diversos Estados do Brasil, ciclos econômicos que assumiram expressividade, na influência sobre a configuração do urbano, além das questões que englobam demandas presentes em outras cidades brasileiras, como a busca pela habitação.

A análise do processo de ocupação e constituição dos Núcleos urbanos que compõem Marabá, na atualidade, associada aos diferentes contextos de agentes internos e externos à cidade, leva ao reconhecimento dos diversos momentos que concorreram para a configuração de uma cidade polinucleada, cujos Núcleos atraíram a instalação de atividades voltadas ao atendimento de demandas básicas dos moradores, gerando particularidades.

Quando observado o perímetro urbano, em Marabá, é possível perceber a prática da concentração de riquezas e os investimentos na cidade. Logo, a trajetória da cidade revela que, esta, se tornou um mosaico de Núcleos, que, quando associados a gestões ineficientes, resultaram em ocupações informais, sem estruturas básicas gerando, entre outros, problemas ambientais (CARDOSO; LIMA, 2009CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; LIMA, José Júlio Ferreira. A influência do governo federal sobre cidades na Amazônia: os casos de Marabá e Medicilândia. Novos Cadernos NAEA. v. 12, n. 1, p. 161-192, jun. 2009, ISSN 1516-6481. Disponível em:https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/285. Acesso em: 13 mar. 2018.
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).

A figura 1 representa o processo de expansão da ocupação do espaço urbano em Marabá, possibilitando a identificação dos recortes espaciais que foram incorporados ao urbano até o ano de 2004. A cidade passou por um processo contínuo de alteração do perímetro urbano, que foi acompanhado por uma série de dinâmicas, tais como: a chegada de imigrantes, a elaboração de projetos e a instalação dos Núcleos urbanos, assim como a ocupação de novas áreas que passam a ser incorporadas aos núcleos urbanos existentes, e a criação de Núcleos decorrentes da necessidade de novas áreas para os contingentes de imigrantes que chegavam à cidade.

Mapa 1
Evolução da ocupação urbana em Marabá.

As dinâmicas que compõem os Núcleos Urbanos, em Marabá, apontam para as análises sobre as centralidades urbanas, na medida em que o olhar, que antecede a abordagem de cada Núcleo individualmente, leva a reflexões teóricas, que auxiliam a leitura desse processo de formação de diferentes centralidades.

No processo de produção do espaço urbano, tem-se o movimento da centralidade, marcada pelos diferentes modos e relações de produção, das diferentes relações de produção, mas também, a policentralidade, que corresponde à ruptura do centro e instaura, na prática, a constituição de centros diferentes e possibilitam a efetivação de processos relacionados à dispersão e, ainda, à segregação (LEFEBVRE, 2008LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Tradução: Margarida Maria de Andrade e Sérgio Martins. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.).

O olhar para as múltiplas centralidades é auxiliado, também, pelas reflexões de Lopes Júnior; Santos (2010)LOPES JÚNIOR. Wilson M.; SANTOS, Regina C. B. dos. Reprodução do espaço urbano e a discussão de novas centralidades. Revista RA’EGA: Curitiba, n.19, p.107-123, 2010. Editora UFPR. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/d0b6/7af492a7c2eff4daf5a36955fb10244dc953.pdf. Acesso em: 01 ago. 2018.
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, ao observarem a constituição de novas áreas, com atividades comerciais, e fluxos que permitem a constatação de novas centralidades. Dessa forma, a concentração de atividades passa a ser efetivada, também, em recortes espaciais que não compreendem aquele que, tradicionalmente, é apontado como área central, possibilitando o atendimento de demandas da população, que passa a não necessitar da efetivação de expressivos deslocamentos.

Considerações finais

O levantamento efetuado, em uma perspectiva de constituição de um caminho com olhares para os processos recentes, possibilitou a identificação de uma trajetória que apresenta aproximações, mas também particularidades, quando efetuada a leitura sobre o processo de constituição das cidades na Amazônia, com mediações que apontam para a coexistência de múltiplas intervenções de diferentes agentes e atividades econômicas, ao longo do processo de configuração da ocupação espacial.

A influência exercida pelos múltiplos processos como os ciclos econômicos, concorreu, entre outros, para a configuração da produção de um espaço urbano que apresenta organização em Núcleos que possuem características peculiares, demandas e representações dos processos que foram efetuados em diferentes recortes temporais, mas que guardam nos dias atuais indicativos da produção o espaço que desconsidera em muitos momentos, as peculiaridades da organização das cidades na Amazônia.

References

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  • CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; LIMA, José Júlio Ferreira. A influência do governo federal sobre cidades na Amazônia: os casos de Marabá e Medicilândia. Novos Cadernos NAEA v. 12, n. 1, p. 161-192, jun. 2009, ISSN 1516-6481. Disponível em:https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/285 Acesso em: 13 mar. 2018.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Dez 2021
  • Aceito
    28 Mar 2022
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