Acessibilidade / Reportar erro

Morfometria e enchentes urbanas na bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe, Salvador-BA

Morfometría e inundaciones urbanas en la cuenca del Río Jaguaribe, Salvador-BA

Resumo

O objetivo desta pesquisa foi analisar os índices morfométricos e suas correlações com os episódios de enchentes na bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe. A paisagem na bacia hidrográfica encontra-se modificada pela urbanização que resultou na impermeabilização dos solos e na alteração dos canais fluviais. A utilização das técnicas de geoprocessamento aliadas à análise de diversos trabalhos técnicos sobre o tema resultaram no Mapa da Rede de Drenagem. Os estudos no referido mapa associado ao emprego de metodologias de cálculo, indicaram que a morfometria contribuiria para o rápido escoamento das águas devido o formato alongado da bacia. Porém, com as intensas modificações antropogênicas a BHRJ detém atualmente forte propensão às enchentes urbanas.

Palavras-chave
Índices Morfométricos; Geoprocessamento; Bacia Hidrográfica; Escoamento das Águas; Enchentes Urbanas.

Resumen

El objetivo de esta investigación fue analizar los índices morfométricos y sus correlaciones con los episodios de inundaciones en la cuenca del río Jaguaribe. El paisaje en la cuenca del río se ve modificado por la urbanización que dio lugar a la impermeabilización de los suelos y la alteración de los cauces de los ríos. El uso de técnicas de geoprocesamiento combinado con el análisis de varios trabajos técnicos sobre el tema dio como resultado el Mapa de la Red de Drenaje. Los estudios en este mapa asociados con el uso de metodologías de cálculo indicaron que la morfometría contribuiría al rápido flujo de agua debido a la forma alargada de la cuenca. Sin embargo, con los intensos cambios antropogénicos, BHRJ actualmente tiene una fuerte propensión a las inundaciones urbanas.

Palabras clave
Índices morfométricos; Geoprocesamiento; Cuenca Hidrográfica; Flujo de agua; Inundaciones urbanas.

Abstract

The aim of this research was to analyze the morphometric indices and their correlations with the episodes of floods in the Jaguaribe River basin. The landscape in the river basin is modified by the urbanization that resulted in the waterproofing of soils and the alteration of river channels. The use of geoprocessing techniques combined with the analysis of several technical works on the subject resulted in the Drainage Network Map. The studies in this map associated with the use of calculation methodologies indicated that morphometry would contribute to the rapid flow of water due to the elongated shape of the basin. However, with the intense anthropogenic changes, BHRJ currently has a strong propensity for urban floods.

Keywords
Morphometric Indices; Geoprocessing; Hydrographic Basin; Water flow; Urban Floods.

Introdução

Considerando a bacia hidrográfica como sistema estratégico ao planejamento rural e urbano. É relevante determinar seus parâmetros morfométricos para o diagnóstico dos potenciais ambientais e suas limitações de usos dos seus recursos naturais. Essa condição é essencial para o respeito aos quesitos ambientais estabelecidos no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano no que tange a conservação dos recursos água e vegetação, nos sítios urbanos. Neste contexto, esta pesquisa detém extrema importância para o diagnóstico fisiográfico e seus impactos para o potencial de enchentes urbanas na hidrográfica do Rio Jaguaribe.

O objetivo principal desta investigação foi analisar os parâmetros morfométricos da BHRJ e estabelecer correlações com sua vulnerabilidade às enchentes urbanas.

Os índices morfométricos estudados corresponderam às caracterísitcas geométricas decompostas nos parâmetros de Área (A), Perímetro (P), Coeficiente de Compacidade (Kc), Índice de Circularidade (Ic), Fator de Forma (Kf), Padrão de Drenagem (Pd).

Também foram analisadas as caracterísiticas espaciais da rede de drenagem constituídas pelos índices de Comprimento do curso principal (L), Comprimento total dos cursos d’água (Lt), Comprimento do Eixo (Le), Índice de Sinuosidade (Is) , Densidade de Drenagem (Dd), Coeficiente de Manutenção (Cm), Ordem da Bacia (Ob).

Análise da literatura: estudos morfométricos em bacias hidrográficas

O conceito essencial da bacia hidrográfica corresponde à uma área drenada pelo seu rio principal e seus afluentes. O volume de água que entra no sistema hidrográfico depende diretamente do tamanho da bacia de drenagem, da precipitação total, do seu regime e das perdas por evapotranspiração e infiltração. Neste contexto, o escoamento global das bacias podem ser classificadas em exorreicas, arreicas e criptorreicas (CHRISTOFOLETTI, 1980CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2a ed. São Paulo: Edgard Blücher. 1980., p.102).

Venturi (2005VENTURI, L. A. B. (org.) Praticando Geografia: técnicas de campo e laboratório em Geografia e análise ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2005. Cap. 9, p. 147148., p. 147-148) define a bacia hidrográfica como sendo um sistema que abarca volume de materiais de natureza sólida e líquida com delimitação interna e externamente constituída por um conjunto de processos através da entrada de água da atmosfera que repercute sobre o fluxo de matéria e energia dos seus sistemas de drenagem.

Lima e Zakia (2000LIMA, W.P.; ZAKIA M.J.B. Hidrologia de matas ciliares. In: RODRIGUES; R.R.; LEITÃO FILHO; H.F. (Ed.) Matas ciliares: conservação e recuperação. 2aed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. p. 33-43. 2000., p. 33-43), para além dos conceitos geomorfológicos discutem a relevância da bacia hidrográfica numa perspectiva de sistema aberto, que recebe energia dos agentes climáticos e perde energia através do deflúvio. As bacias são descritas através de variáveis interdependentes que oscilam em torno de um determinado padrão, mesmo quando sofrem algum tipo de interferência via ações antrópicas, encontram-se em equilíbrio dinâmico.

Lanna et al. (2001, p.121-126) enfatiza que as bacias de drenagem constituem os arquivos da evolução do relevo terrestre. Sendo assim as análises morfométricas revelaram-se através de parâmetros significativos ao estudo das formas e dos processos geomorfológicos.

Seguindo essa lógica (Rodrigues e Adami, 2005RODRIGUES, C.; ADAMI, S. Técnicas Fundamentais para o Estudo de Bacias Hidrográficas. In: VENTURI, L. A. B. (orgs). Praticando Geografia: Técnicas de Campo e Laboratório em Geografia e Análise Ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2005, p. 147 a 166., p.144-166) reforçam que os indicadores morfométricos constituem excelentes subsídios para compreender os fenômenos geomorfológicos nas mais diversas escalas espaciais e temporais. O cálculo do Índice de circularidade, Coeficiente de compacidade, Densidade de drenagem e SL-Index, possibilitam entender a dinâmica erosiva ao longo dos canais fluviais das bacias hidrográficas.

O Índice de circularidade corresponde à um dos parâmetros morfométricos da bacia hidrográfica de maior relevância. Este índice demonstra o quanto uma bacia aproxima-se da forma circular. Quanto maior a circularidade da bacia hidrográfica maior é a probabilidade de enchentes, devido à área estar apta a receber em sua extensão maior volume de precipitações o que concentraria maior volume de água no canal principal. Situação que não ocorre nas bacias de formato alongado, o que reduz a probabilidade de enchentes (CARDOSO et al. 2006CARDOSO, C. A.; DIAS, H. C. T.; SOARES, C. P. B.; MARTINS, S. V. Caracterização morfométrica da Bacia Hidrográfica do Rio Debossan, Nova Friburgo, RJ. Revista Árvore, Viçosa, v. 30, n. 2, p. 241-248.2006., p. 241-248).

Castro e Alves (2003) em estudos morfométricos realizados na bacia hidrográfica do Rio do Tanque (MG) obtiveram densidade de drenagem 2,61 canais/km2. Esses resultados indicaram que a bacia possuia riqueza de canais fluviais. Enquanto que o coeficiente de manutenção da bacia indicou 406,5m2.

Em pesquisa realizada na bacia hidrográfica no ribeirão do Apertado (ES), os autores obtiveram Índice de sinuosidade 1,28. Este resultado demonstrou a tendência do canal principal ser retilíneo. Seguindo os conceitos de Lanna et al. (2001, p. 121126), valores de Índice de sinuosidade próximos à 1,0 indicam canais retilíneos, enquanto Is>2,0 apontam para rios tortuosos.

Os cálculos efetuados no Ribeirão do Arrependido (ES) por Calçavara et al. (2012CALÇAVARA, A. R. Usos de Sistema de Informação Geográfica e Modelo Digital de Elevação para obtenção de variáveis morfométricas da bacia hidrográfica do Córrego São Vicente, Cachoeiro de Itapemirim (ES). Revista Geonorte. Edição Especial, V. 2. N°4.p.1788-1800. 2012., p.1788-1800), indicaram valor da Densidade de drenagem que reultou em 2,46 Km/Km2. Esses pesquisadores ao confrontar esse dado com os parâmetros estabelecidos por Villela e Mattos (1975)VILLELA, S. M.; MATTOS, “A. Hidrologia aplicada.” In: Hidrologia aplicada. McGraw-Hill. 1975. 214 p., que indicam variação de pobre (0,50 Km/Km2) a bem drenada (> 3,5 Km/Km2). Concluíram que a sub-bacia em estudo se inseria na classe de bacia medianamente drenada.

Os referidos autores associaram ao cálculo do Índice de circularidade (Ic) caracterísitca esta, que demonstrou que a bacia detém um formato alongado. Constitui-se numa bacia facilitadora ao escoamento com a possibilidade reduzida de enchentes.

A orientação das vertentes indica quais os segmentos que abrigarão durante o ano maior incidência de radiação solar, maior umidade decorrente das precipitações e conforme as características geográficas da área, podendo indicar também as tendências da circulação atmosférica reinantes na bacia.

A orientação das vertentes tem influência direta no ciclo hidrológico da bacia hidrográfica, tendo em vista que influenciam na temperatura do ar, do solo, na evapotranspiração e na quantidade de radiação que incidiu na área da bacia, (GUERRA; CUNHA 2006GUERRA, A. J. T.; MARÇAL, M. dos S. Geomorfologia Ambiental. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2006., p.57).

Localização geográfica e caracterísiticas ambientais da BHRJ

A bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe está totalmente localizada na zona urbana de Salvador, tem suas nascentes nos bairros de Pirajá, Águas Claras, Valéria e Castelo Branco. Compreende área de 51, 65 km2, drenando 17 % do município. Recebe a contribuição das sub-bacias dos Rios Trobogy e Mangabeira. A bacia encontra-se localizada sob as coordenadas 12⁰52ʼ33ʼʼ a 12⁰57ʼ49ʼʼS e 38⁰20ʼ17ʼʼ a 38⁰25ʼ14ʼʼ W, (mapa 1).

Mapa 1
Localização da bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe, Salvador

Quanto aos seus aspectos geológicos a BHRJ drena os terrenos sedimentares do Grupo Barreiras (depósitos areno-argilosos de idade Tércio-Quaternária) A bacia é abarcada também pelo Cinturão Salvador-Esplanada-Boquim que é composto por rochas granulíticas ácidas e intermediárias e pelos depósitos marinhos costeiros quaternários.

Os canais fluviais da BHRJ obedecem um padrão de drenagem dendrítico ou paralelo ramificado e drenam uma área fortemente controlada por estruturas de falhas geológicas com forte componente estrutural. Os vales foram esculpidos ao longo do controle estrutural o que gerou a desembocadura de seu rio principal no Oceano Atlântico em vale afogado com forte penetração das marés (SEI, 2003; SODRÉ, 2018SODRÉ, J. S. Impacto socioambiental urbano: a canalização do rio Jaguaribe, Salvador- Ba. Trabalho de Conclusão de Curso - Instituto de Geociências, Departamento de Geografia. Universidade Federal da Bahia, Salvador.2018. p.12-57.).

O relevo do muncípio de Salvador é caracterizado por mares de morro e pelo Planalto Costeiro que é constituído de relevos com topos tabulares capeados por sedimentos arenosos e areno-argilosos.

O clima do município de Salvador é classificado com Tropical Chuvoso de Floresta (Af), conforme classificação (Köeppen, 1936). Úmido (B2rÁá). Segundo (Thornthwaite, 1948THORNTHWAITE, C.W.An Approach toward a Rational Classification of Climate. Geographical Review, 38, 55-94. 1948.) Salvador detém clima Úmido (B2rÁá). Os dados de precipitações da 4ª DISME (Instituto Nacional de Meteorologia/Salvador/ Bairro de Ondina) indica índice hídrico de 48,4, com excedente 694,62 mm/ano com evapotranspiração em torno de 1.417 mm/ano.

Conforme os estudos de Gonçalves (2003GONÇALVES, N. M. S. G. Impactos pluviais e desorganização do espaço urbano em Salvador. In: MONTEIRO, C., A., F. de; MENDONÇA, F. (orgs).Clima Urbano, São Paulo: Contexto, 2003, pp.69-91., p. 71), o clima de Salvador está associado aos mecanismos atmosféricos que atuam no litoral oriental do território nordestino. Tal posição geográfica, segundo a autora, promovem chuvas concentradas no outono-inverno, sob a ação de mecanismos frontais mais ativos e sem a individualização do período seco.

Quanto aos principais aspectos pedológicos de acordo com RADAMBRASIL (1981PROJETO RADAMBRASIL. Levantamento de Recursos Naturais. Rio de Janeiro. Ministério das Minas e Energia. Folha SD 24 Salvador/Aracajú. 660.p 1981.) as principais classes de solos presentes na BHRJ correspondem às seguintes unidades:

  1. a) LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO Distrófico típico, textura média e argilosa Hz superficial A moderado, relevo ondulado e suave ondulado. Classe de solo predominante nos topos dos morros.

  2. b) ARGISSOLO VERMELHO - AMARELO Distrófico típico, textura média/argilosa, Hz superficial A moderado, relevo ondulado e forte ondulado. Classe de solo predominante nas encostas.

  3. c) ESPODOSSOLO HUMILÚVICO Hidromórfico, textura arenosa, HZ superficial A moderado, relevo suave ondulado e ondulado. Classe de solo predominante nos fundos de vale e nas plancies aluviais.

A cobertura vegetal nativa é o bioma Mata Atlântica composta pela Floresta Ombrófila Densa, restinga e manguezal. Apesar de intensamente desmatada, resguarda remanescentes florestais importantes no entorno do Rio Jaguaribe e na porção média da bacia, em estágios médios e iniciais de regeneração (SODRÉ, 2018SODRÉ, J. S. Impacto socioambiental urbano: a canalização do rio Jaguaribe, Salvador- Ba. Trabalho de Conclusão de Curso - Instituto de Geociências, Departamento de Geografia. Universidade Federal da Bahia, Salvador.2018. p.12-57.).

Metodologia e procedimentos

Para analisar a susceptibilidade a ocorrência de enchentes da BHRJ foi necessário gerar mapa da bacia hidrográfica utilizando a imagem de radar do sensor ALOS PALSAR-FBS e o programa de Sistema de Informação Geográfica ArcGIS e seus módulos (Spatial analyst Tools) para processar e mapear os dados geográficos.

A delimitação da BHRJ foi realizada utilizando o MDE gerado pela imagem ALOS PALSAR-FBS, o procedimento utilizado seguiu as concepções indicadas por Marques (2017)MARQUES, P. H. G. Estudo da Bacia do Ribeirão João Leite (GO, Brasil): uma análise morfométrica e das ações humanas. Dissertação (Mestrado). Urutaí, GO: IFGoiano, 2017.. A imagem de radar do sensor ALOS PALSAR-FBS possui resolução espacial de 12,5 m utilizada para a construção do Modelo de Elevação do Terreno (MDE). A mesma imagem norteou a produção da gama dos parâmetros morfométricos. Tais informações foram adquiridas no sistema Alaska Satellite Facility operado e distribuído pelo EarthData/National Aeronautics and Space Administration - NASA (ESA, 2020).

Neste sentido, foram geradas informações morfométricas para BHRJ a partir das proposições de Horton (1945)HORTON, R.E. Erosional development of streams and their drenaige basins: hydrophysical approach quantitative morphology to quantitative morphology. Boletim of the Geological Society of America. V. 56. P. 275-370. 1945., Strahler (1952), Shumm (1963)SCHUMM, S. Sinuosity of Alluvial Rivers on the Great Plains. Geological Society of America Bulletin. p. 1089-1100. 1963. Vilela e Matos (1975), Christofoletti (1980)CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2a ed. São Paulo: Edgard Blücher. 1980. e Tonello (2005) conforme sumarizadas no Quadro 1. A determinação dos aspectos paramétricos que associada à análise das interferências estruturais no tecido urbano permitiu investigar a susceptibilidade às enchentes urbanas.

Quadro 1
Parâmetros morfométricos de uma bacia hidrográfica

Indicadores morfométricos da bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe

Entende-se os índices morfométricos como parâmetros interativos que não podem ser analisados de forma dissociadas no processo de compreensão da dinâmica hidrológica da bacia hidrográfica. Os índices morfométricos conferem informações importantes ao diagnóstico ambiental e para compreensão dos fatores de natureza antrópica ou natural que resultam em enchentes no interior de uma bacia hidrográfica.

Geometria e rede de drenagem

A bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe detém uma Área (A) de 52,58 km2 e Perímetro de 88,07 km compreendendo 7,44% do município. Constitui-se numa bacia de médio porte com forte pressão do processo de urbanização e desconfiguração total de suas características naturais provenientes das intervenções do poder público estadual e municipal.

Como pode ser observado no mapa 2, a bacia do Rio Jaguaribe é composta pelo sistema interligado de sub-bacias do Rio Trobogy, do Rio Mangabeira, Rio Cambunas e o sistema do rio principal. O conjunto hidrográfico do Rio Jaguaribe compreende 160 cursos de 1ª ordem, 65 cursos de 2ª ordem, 36 cursos de 3ª ordem, 48 cursos de 4ª ordem, o curso do rio principal é de 5ª ordem, (STRAHLER, p.913-920).

Mapa 2
Rede de drenagem da bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe e hierarquia fluvial

A bacia detém o total de 310 canais ativos e altamente antropizados e transfigurados para canais retilíneos devido ao processo generalizado de canalização. Os canais de 1ª ordem detém alto potencial de produção de água devido aos pontos de nascentes localizados nas descontinuidades litológicas e à sua interligação com as lagoas na planície fluviomarinha e do alto curso da bacia.

O comprimento do rio principal é de 19,2 Km. O comprimento total de todos os cursos d´água da bacia é de 85.70 km A bacia do rio principal detém maior quantidade de canais resultando em 35.331 metros. A sub-bacia do Rio Trobogy detém maior quantidade de canais de primeira ordem resultando total de 11.409 metros. O canal de 5ª ordem detém comprimento de 2.234 metros e exibe intenso grau de impermeabilização nas suas planícies aluviais.

Os comprimentos de todos os canais indicam uma bacia de médio porte com canais pouco extensos. O comprimento dos canais é muito utilizado nas fórmulas de modelos hidrológicos, sobretudo o Comprimento do rio principal (L). Influenciam diretamente na redução ou aumento do tempo de concentração (tc) de uma dada bacia.

O padrão de drenagem da bacia hidrográfica do Rio Jaguaribe é predominantemente dendrítico. Em alguns segmentos no médio curso tanto o Rio Jaguaribe quanto seus tributários exibem padrão de drenagem retangular em decorrência do forte controle estrutural das rochas granulíticas em decorrência da superimposição estrutural. Essa situação é observada no Mapa da BHRJ com a hierarquia fluvial exposto no mapa 1.

A extensiva canalização imposta pelas intervenções nos cursos fluviais do Rio Jaguaribe e nas suas sub-bacias dos Rios Trobogy, Rio Cambunas e Rio Mangabeira produziu com o tempo a retilinearização de trechos significativos que interligam a orla atlântica à Avenida Luiz Viana Filho, seguindo em paralelo ao trecho da Avenida Orlando Gomes. Os canais de drenagem com destaque para os Rios Jaguaribe, Trobogy e Mangabeira apresentam longos trechos em padrão retilíneo devido a canalização para contenção das águas das planícies aluviais e viabilidade da urbanização ao longo das margens dos rios.

A bacia em tela detém ordenamento hierárquico 5 de acordo com a metodologia de Strahler (1957STRAHLER, A. N. Quantitative analysis of watershed geomorphology. Transaction of American Geophysical Union, v.38, p.913-920, 1957., p.913-920). A bacia do Rio Jaguaribe com seu quantitativo de canais de 1ª ordem e 2ª ordem recepcionam descargas fluviais significativas e transmite o fluxo de água para canais de 3ª, 4ª e 5ª altamente canalizados numa zona impermeabilizada elevando o risco de enchentes no transcorrer da estação chuvosa sobretudo no seu baixo curso onde está localizado o bairro de Piatã.

O Índice de circularidade (Ic) é utilizado como forma de eliminar a subjetividade no processo de caracterização de uma bacia. Para a bacia do Rio Jaguaribe foi determinado o valor de 0,30 (valores inferiores à 0,51 indicam bacias de formato alongado que favorecem o escoamento). O formato alongado está em consonância com o mergulho das estruturas de falhas do interior continental para o leste em direção ao Oceano Atlântico, o que é um indicativo do forte controle estrutural a bacia.

O Coeficiente de Compacidade (Kc) ou índice de Gravelius é utilizado para determinação da forma das bacias hidrográficas. Detém valor mínimo de 1,0 o que corresponde as bacias perfeitamente circulares. Quanto mais próximo da unidade maior é a tendência da ocorrência de cheias. Representa a relação entre o perímetro e a área da bacia. A bacia em estudo detém Kc = 1,79 m.m2. Enquadrando-se numa bacia com tendência mediana às enchentes (Quadro 2).

Quadro 2
Resultados dos parâmetros morfométricos para BHRJ

Como pode ser observado no Quadro 2, Fator de forma (Kf) segundo Villela e Mattos (1975VILLELA, S. M.; MATTOS, “A. Hidrologia aplicada.” In: Hidrologia aplicada. McGraw-Hill. 1975. 214 p., 214p.) traz a relação da forma da bacia com um retângulo. Na bacia do Rio Jaguaribe foi encontrado valor de 0,56 (valores entre 0,50 e 0,75 indicam tendência mediana a ocorrência de inundações). A frequência hidrográfica (Dh) representa a relação entre o números de canais fluviais e a área da bacia hidrográfica. Este parâmetro é forte indicativo da capacidade de uma bacia produzir maior ou menor quantidade de água. Sua finalidade é a comparação da frequência do número de canais existentes em determinada área com tamanho padrão (HORTON, 1945HORTON, R.E. Erosional development of streams and their drenaige basins: hydrophysical approach quantitative morphology to quantitative morphology. Boletim of the Geological Society of America. V. 56. P. 275-370. 1945.). A bacia em análise apresenta Dh = 6,19 canais/Km2. Este dado indica baixa quantidade de canais da bacia e suas sub-bacias.

De acordo com Villela e Mattos (1975VILLELA, S. M.; MATTOS, “A. Hidrologia aplicada.” In: Hidrologia aplicada. McGraw-Hill. 1975. 214 p., 214p.) a densidade de drenagem varia de forma inversamente com à extensão do escoamento superficial. Fornece uma boa visão sobre a drenagem da bacia. Neste sentido, o índice pode oscilar entre 0,5km/km2 para bacias com drenagens reduzidas à 3,5 ou mais, para bacias excepcionalmente bem drenadas. Como pode ser analisado no Quadro 2.

A Densidade de drenagem da bacia do Rio Jaguaribe apresentou índice de 2,67 km/km2 o que caracteriza esta bacia como excepcionalmente bem drenada, portando teria boa disposição de originar novos canais de escoamento. Esse resultado pode estar associado aos solos impermeáveis e outros diversos aspectos como a intensidade das precipitações, as características da topografia, infiltração de água nos solos.

Essa variável representa o grau de dissecação topográfica e/ou a quantidade disponível de canais para o escoamento. Conclui-se que há um elevado escoamento superficial associado a alta dissecação devido aos processos mais acelerados de entalhamento dos talvegues sobretudo no alto curso da bacia hidrográfica, (CHRISTOFOLETTI,1981, p. 131).

A canalização dos Rios Jaguaribe e Trobogy implementadas no ano de 2019 pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER) promoveu a substituição dos seus meandros naturais por canais retilíneos e artificializados como pode ser observado na Foto1 e Foto 2.

Foto 1
Segmento do Rio Jaguaribe ao longo da Avenida Octávio Mangabeira. Orla Atlântica de Salvador.

Foto 2
Trecho do Rio Trobogy, afluente do Rio Jaguaribe. Observa-se o leito canalizado e inexistência de mata ciliar e abandono pelo poder público.

Como pode ser analisado no Quadro 2 o Indice de sinuosidade (Is) apresentou valor 2 Km.km-1 indicando que o Rio Jaguaribe e afluentes não detém sinuosidade no seu baixo curso da bacia; é sabido que a sinuosidade é influenciada pela carga de sedimentos, pela compartimentação litológica, estruturação geológica e pela declividade dos canais (LANA et al., 2001LANA, Cláudio Eduardo; ALVES, Júlia Maria de Paula; CASTRO, Paulo de Tarso Amorim. Análise morfométrica da bacia do Rio do Tanque, MG - Brasil. Rem: Rev. Esc. Minas, Ouro Preto, v. 54, n. 2, p. 121-126. 2001., p.121-126).

O Coeficiente de manutenção corrobora com a discussão acima indicando que a área imprescindível para manutenção perene dos canais de escoamento da bacia do Rio Jaguaribe é de 373,16 km2/km (Quadro 2). Na bacia hidrográfica em tela esse escoamento é intensificado pelo forte processo de urbanização que interfere na capacidade de produção de água da bacia com lançamento de esgotos e dos canais de macro e micro drenagem das avenidas

Considerações finais

A bacia hidrográfica urbana do rio Jaguaribe abrange uma área total de 52,58 km2 com perímetro de 88,07 km e compreende 7,44% do município de Salvador. Trata-se da segunda maior em tamanho de área do total de 15 bacias hidrográficas que drenam o sítio urbano da metrópole. A BHRJ é constituída pelas sub-bacias do rio Trobogy, Mangabeira e Cambunas. De acordo com os estudos morfométricos e hierarquia fluvial é identificada como bacia de Ordem 5 e possui o formato alongado.

Os rios que drenam a BHRJ escoam sobre diversas unidades geoambientais ricas em biodiversidade. Circulam sobre terrenos recobertos por remanescentes importantes da floresta ombrófila densa de alto e médio porte. Drenam as planícies fluviomarinhas da fachada pré-litorânea de Salvador e abarcam relevante patrimônio da geodiversidade, tais como o Parque das Dunas e Lagoas do Abaeté com suas dunas internas e externas.

A caracterização morfométrica e sua hierarquização associada aos estudos sobre aos aspectos fisiográficos como forma e comprimento dos canais conferiram informações que à define como uma bacia alongada de baixo potencial à ocorrência de enchentes urbanas, considerando-se o cenário de suas condições paisagísticas naturais. As diversas interferências nos seus sistemas de drenagem e em toda área banhada resultaram numa paisagem artificializada.

A canalização de segmentos do curso principal Rio Jaguaribe a partir da Avenida Luís Viana Filho até a orla atlântica promoveu sua retilinearização. Ou seja, os rios perderam sua configuração natural do padrão de drenagem meândrico ao longo da planície. Essa nova configuração dos canais interferiram na sua capacidade natural de atenuação da velocidade de escoamento que ocorreriam naturalmente devido a rugosidade do leito e dos impedimentos naturais que as curvas côncavas e convexas dos meandros ofereciam originalmente ao escoamento fluvial.

A bacia objeto desta investigação possuia condições condições favoráveis ao escoamento. Porém, com as diversas alteraçãoes trasnformou-se num sistema altamente favorável às inundações. Neste sentido, são necessárias medidas hidrológicas estruturais que favorecem a infiltração da água no solo e propiciem a redução dos picos de vazão. Essas condições minimizariam as ocorrências de episódios de inundações conferindo às comunidades dos bairros banhados pela bacia a segurança e o conforto urbano necessário à qualidade de vida.

Agradecimentos

Ao Programa de Programa de Apoio à Capacitação de Docentes - PAC-PÓS-DOUTORADOUNEB

Referências

  • CALÇAVARA, A. R. Usos de Sistema de Informação Geográfica e Modelo Digital de Elevação para obtenção de variáveis morfométricas da bacia hidrográfica do Córrego São Vicente, Cachoeiro de Itapemirim (ES) Revista Geonorte. Edição Especial, V. 2. N°4.p.1788-1800. 2012.
  • CARDOSO, C. A.; DIAS, H. C. T.; SOARES, C. P. B.; MARTINS, S. V. Caracterização morfométrica da Bacia Hidrográfica do Rio Debossan, Nova Friburgo, RJ. Revista Árvore, Viçosa, v. 30, n. 2, p. 241-248.2006.
  • CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia 2a ed. São Paulo: Edgard Blücher. 1980.
  • CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia fluvial: o canal fluvial. São Paulo: Edgard Blücher, 1981. 313 p.
  • GUERRA, A. J. T.; MARÇAL, M. dos S. Geomorfologia Ambiental. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2006.
  • CASTRO. P. T. A.; ALVES, J. M. P.; LANA, C. E.; Análise morfométrica da bacia do rio do Tanque, MG, Brasil Revista da Escola de Minas. Volume 2. 2001.
  • ESA (European Space Agency). Sentinel-2 User Handbook, 2015, 64 p.
  • GONÇALVES, N. M. S. G. Impactos pluviais e desorganização do espaço urbano em Salvador In: MONTEIRO, C., A., F. de; MENDONÇA, F. (orgs).Clima Urbano, São Paulo: Contexto, 2003, pp.69-91.
  • HORTON, R.E. Erosional development of streams and their drenaige basins: hydrophysical approach quantitative morphology to quantitative morphology Boletim of the Geological Society of America. V. 56. P. 275-370. 1945.
  • INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS - INEMA. Decreto n. 2540 de 18 de outubro de 1993 Altera a delimitação da Área de Proteção Ambiental - APA das Lagoas e Dunas do Abaeté, no Município de Salvador, estabelece zoneamento e normas de proteção ambiental e dá outras providências.
  • LANA, Cláudio Eduardo; ALVES, Júlia Maria de Paula; CASTRO, Paulo de Tarso Amorim. Análise morfométrica da bacia do Rio do Tanque, MG - Brasil Rem: Rev. Esc. Minas, Ouro Preto, v. 54, n. 2, p. 121-126. 2001.
  • LANNA, Antônio Eduardo. Gestão dos recursos hídricos. In: Hidrologia: ciência e aplicação, 3 ed., primeira reimpressão. Porto Alegre, Editora da UFRGS/ABRH. 2004.
  • Lei Nº 9.069/2016, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador - PDDU 2016 - Prefeitura Municipal de Salvador, Ba.
  • LIMA, W.P.; ZAKIA M.J.B. Hidrologia de matas ciliares. In: RODRIGUES; R.R.; LEITÃO FILHO; H.F. (Ed.) Matas ciliares: conservação e recuperação. 2aed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. p. 33-43. 2000.
  • MARQUES, P. H. G. Estudo da Bacia do Ribeirão João Leite (GO, Brasil): uma análise morfométrica e das ações humanas Dissertação (Mestrado). Urutaí, GO: IFGoiano, 2017.
  • PROJETO RADAMBRASIL. Levantamento de Recursos Naturais. Rio de Janeiro. Ministério das Minas e Energia. Folha SD 24 Salvador/Aracajú. 660.p 1981.
  • RODRIGUES, C.; ADAMI, S. Técnicas Fundamentais para o Estudo de Bacias Hidrográficas In: VENTURI, L. A. B. (orgs). Praticando Geografia: Técnicas de Campo e Laboratório em Geografia e Análise Ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2005, p. 147 a 166.
  • SODRÉ, J. S. Impacto socioambiental urbano: a canalização do rio Jaguaribe, Salvador- Ba Trabalho de Conclusão de Curso - Instituto de Geociências, Departamento de Geografia. Universidade Federal da Bahia, Salvador.2018. p.12-57.
  • SCHUMM, S. A. Evolution of drainage systems and slopes in badlands of Perth Amboy. Geological Society of America Bulletin, New York. v. 67, n. 5, p. 597-646, May 1956.
  • SCHUMM, S. Sinuosity of Alluvial Rivers on the Great Plains Geological Society of America Bulletin. p. 1089-1100. 1963.
  • STRAHLER, A. N. Quantitative analysis of watershed geomorphology Transaction of American Geophysical Union, v.38, p.913-920, 1957.
  • TONELLO, K. C.; Dias, H. C. T.; Souza, A. L.; Alvares, C. A.; Ribeiro, S.; Leite, F. P. Morfometria da Bacia Hidrográfica da Cachoeira das Pombas, Guanhães - MG Revista Árvore, v.30, n.5, p.849-857, 2006.
  • THORNTHWAITE, C.W.An Approach toward a Rational Classification of Climate Geographical Review, 38, 55-94. 1948.
  • VENTURI, L. A. B. (org.) Praticando Geografia: técnicas de campo e laboratório em Geografia e análise ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2005. Cap. 9, p. 147148.
  • VILLELA, S. M.; MATTOS, “A. Hidrologia aplicada.” In: Hidrologia aplicada. McGraw-Hill. 1975. 214 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2022
  • Aceito
    30 Out 2022
UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia ESTRADA DO BEM QUERER KM 4, Vitória da Conquista - Bahia / Brasil, CEP 45083-900 Caixa postal 95, Tel: +55 (77) 3242-8741 - Vitória da Conquista - BA - Brazil
E-mail: geopauta@uesb.edu.br