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Gestão da cadeia de suprimentos e a segurança do alimento: uma pesquisa exploratória na cadeia exportadora de carne suína

Supply chain management and food safety: exploratory research into Brazil's pork export supply chain

Resumos

A crescente preocupação com a segurança dos alimentos propõe que as cadeias produtivas tenham maior domínio sobre o processo produtivo. A Gestão da Cadeia de Suprimentos, aqui genericamente tratada de SCM (Supply Chain Management), pode apresentar importante contribuição na obtenção de um processo mais uniforme ao longo da cadeia, facilitando o compartilhamento de informações e práticas produtivas. Este artigo tem como objetivo principal identificar a estrutura, as ligações e o nível de integração da Cadeia de Suprimentos da carne suína brasileira destinada à exportação, seguindo o modelo de Lambert et al. (1998), bem como as relações da SCM com a valorização de atributos da carne suína e a implementação de programas de segurança do alimento. A pesquisa empírica foi baseada em uma amostra de dez agroindústrias que atuam nesse setor, as quais foram responsáveis por aproximadamente 73% da quantidade de suínos abatidos em 2002. Os resultados mostram uma cadeia de suprimentos com forte influência da empresa focal (agroindústrias), cuja maioria das ligações com os demais níveis de fornecedores e compradores são do tipo gerenciadas. Estas constatações, somadas àquelas que revelam a importância da SCM na valorização de certos atributos da carne suína e na implementação de programas de segurança do alimento, colocam as agroindústrias como membros-chave para o direcionamento de políticas de promoção da segurança do alimento da carne suína brasileira.

gestão da cadeia de suprimentos; segurança do alimento; carne suína


Growing concern about food safety indicates that supply chains play a predominant role in the productive process. The concepts of Supply Chain Management (SCM) may contribute substantially toward a more uniform process throughout the chain, facilitating the sharing of information and productive practices. This paper discusses the structure, links and degree of integration of Brazil’s pork export supply chain based on the model of Lambert et al. (1998), and the relation of SCM to the valuation of pork attributes and the implementation of food safety programs. Our empirical research was based on a sample of ten hog breeders whose production volume represented about 73% of the hogs slaughtered in 2002. Our findings reveal a supply chain strongly influenced by the meat processing industry, whose connections with suppliers and buyers are of the managed type. These findings, and the confirmation of the importance of SCM in the valuation of pork meat attributes and the implementation of food safety programs, place the processing industry in the position of key coordinator of policies aimed at promoting the safety of Brazilian pork.

supply chain management; food safety; pork


Gestão da cadeia de suprimentos e a segurança do alimento: uma pesquisa exploratória na cadeia exportadora de carne suína

Supply chain management and food safety: exploratory research into Brazil's pork export supply chain

Edson TalaminiI; Eugenio Avila PedrozoII; Andrea Lago da SilvaIII;

ICEPAN, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. João Pessoa, 31, CEP 90040-000, Porto Alegre, RS, e-mail: edsontalamini@terra.com.br

IIEscola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Washington Luiz, 855, sala 412, CEP 90010-405, Porto Alegre, RS, e-mail: eapedrozo@ea.ufrgs.br

IIIGEPAI, Departamento de Engenharia de Produção, UFSCar, Rod. Washington Luís, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, e-mail: deialago@power.ufscar.br

RESUMO

A crescente preocupação com a segurança dos alimentos propõe que as cadeias produtivas tenham maior domínio sobre o processo produtivo. A Gestão da Cadeia de Suprimentos, aqui genericamente tratada de SCM (Supply Chain Management), pode apresentar importante contribuição na obtenção de um processo mais uniforme ao longo da cadeia, facilitando o compartilhamento de informações e práticas produtivas. Este artigo tem como objetivo principal identificar a estrutura, as ligações e o nível de integração da Cadeia de Suprimentos da carne suína brasileira destinada à exportação, seguindo o modelo de Lambert et al. (1998), bem como as relações da SCM com a valorização de atributos da carne suína e a implementação de programas de segurança do alimento. A pesquisa empírica foi baseada em uma amostra de dez agroindústrias que atuam nesse setor, as quais foram responsáveis por aproximadamente 73% da quantidade de suínos abatidos em 2002. Os resultados mostram uma cadeia de suprimentos com forte influência da empresa focal (agroindústrias), cuja maioria das ligações com os demais níveis de fornecedores e compradores são do tipo gerenciadas. Estas constatações, somadas àquelas que revelam a importância da SCM na valorização de certos atributos da carne suína e na implementação de programas de segurança do alimento, colocam as agroindústrias como membros-chave para o direcionamento de políticas de promoção da segurança do alimento da carne suína brasileira.

Palavras-chave: gestão da cadeia de suprimentos, segurança do alimento, carne suína.

ABSTRACT

Growing concern about food safety indicates that supply chains play a predominant role in the productive process. The concepts of Supply Chain Management (SCM) may contribute substantially toward a more uniform process throughout the chain, facilitating the sharing of information and productive practices. This paper discusses the structure, links and degree of integration of Brazil’s pork export supply chain based on the model of Lambert et al. (1998), and the relation of SCM to the valuation of pork attributes and the implementation of food safety programs. Our empirical research was based on a sample of ten hog breeders whose production volume represented about 73% of the hogs slaughtered in 2002. Our findings reveal a supply chain strongly influenced by the meat processing industry, whose connections with suppliers and buyers are of the managed type. These findings, and the confirmation of the importance of SCM in the valuation of pork meat attributes and the implementation of food safety programs, place the processing industry in the position of key coordinator of policies aimed at promoting the safety of Brazilian pork.

Keywords: supply chain management, food safety, pork.

1. Introdução

O objetivo principal a ser atingido pelas cadeias de suprimentos tem sido ampliar cada vez mais o valor percebido dos produtos que serão entregues ao consumidor final. A percepção do valor pelos consumidores está intimamente ligada aos atributos que estes mais valorizam. Estes atributos variam de produto para produto, podendo variar ao longo do tempo. Um exemplo disso é a crescente preocupação com segurança do alimento após os casos de contaminação de alimentos, principalmente carnes, que causaram vítimas fatais. Esses fatos geraram uma mudança na percepção de valor do atributo "segurança do alimento" quando o consumidor compra alimentos.

Essa mudança no comportamento do consumidor minimizaria os impactos sobre as cadeias produtivas se ao menos duas variáveis correlacionadas estivessem presentes. Primeiro, se houvesse distribuição uniforme ou igualitária de informações ao longo da cadeia produtiva. E, segundo, se houvesse um ator da cadeia, de preferência o mais próximo do consumidor, que estivesse preparado para coordenar todo o processo produtivo.

Na prática, as relações de mercado mostram situações diferentes. As informações entre produtores e consumidores são geralmente assimétricas (Akerlof, 1970) e as cadeias produtivas buscam amenizar seus efeitos por meio do uso de sinais que garantam ao consumidor o atendimento a determinados padrões (Spence, 1973). Por outro lado, coordenar a cadeia produtiva, tornando mais próximas as relações entre os atores, tem sido uma alternativa com crescente implementação em diversas áreas e por diferentes atores ao longo das cadeias, não apenas para o caso de garantir a segurança dos alimentos, mas também para obter outras vantagens que podem advir desse processo, tais como a redução dos custos de transação.

As cadeias produtivas de carnes, especialmente, podem obter essas múltiplas vantagens ao implementar sistemas de gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain Management – SCM), permitindo um processo mais confiável e com resultados previsíveis, dada a proximidade e a troca mais intensas de informações entre os atores. O Brasil tem se caracterizado como um novo entrante no mercado mundial de carne suína, aumentando sua participação em termos de volume produzido e exportado e sendo um dos poucos países com capacidade de ampliar significativamente sua produção. Nos últimos dez anos, o Brasil foi o país que mais aumentou o volume de carne suína exportada, tornando o mercado externo um importante diferencial como fonte de recursos financeiros e de desenvolvimento interno. Contudo, para consolidar uma posição de importante player mundial, deverá estar apto a atender a um mercado comprador extremamente exigente e que requer cuidados especiais no atendimento a atributos como segurança do alimento.

Neste contexto, o uso dos conceitos associados à SCM da carne suína brasileira produzida para exportação pode, além de outros benefícios, facilitar a implementação de programas de segurança do alimento de forma conjunta, gerando produtos que serão entregues ao consumidor com maior valor percebido. O estudo de Talamini (2003) mostra que os conceitos de SCM são amplamente utilizados pela cadeia exportadora de carne suína brasileira, especialmente pelas agroindústrias, e que podem facilitar a implementação de programas de segurança do alimento. Exemplos desses programas são rastreabilidade, transparência e garantia de segurança e qualidade dos alimentos (Liddell e Bailey, 2001). Isso ressalta a importância dos atores da cadeia produtiva em atuar como coordenadores desse processo. As principais questões a serem respondidas são: qual é a estrutura da cadeia de suprimentos da carne suína brasileira destinada à exportação? Qual é o principal ator em um processo de implantação dos conceitos de gestão da cadeia de suprimentos e os principais processos gerenciados por ele? Qual é o nível de integração entre os atores? A SCM facilita a implementação de programas de segurança do alimento? Quais atributos da carne suína exportada são valorizados após a implantação dos conceitos de gestão da cadeia de suprimentos?

Este estudo tem como objetivo identificar a estrutura da cadeia de suprimentos da carne suína brasileira destinada à exportação, seu principal ator no processo de gestão e o nível de integração entre os atores. Além disso, procurou-se avaliar o impacto da gestão da cadeia de suprimentos sobre os atributos da carne suína exportada e na implementação de programas de segurança do alimento. Para tanto, a base teórica utilizada foram os conceitos desenvolvidos por Lambert et al. (1998) para a análise da gestão da cadeia de suprimentos.

Além do presente tópico introdutório, o presente estudo é composto por outros quatro tópicos principais. No tópico a seguir são apresentados aspectos teóricos relacionados ao conceito de segurança do alimento e a Gestão da Cadeia de Suprimentos. No terceiro tópico são apresentados aspectos relativos aos métodos e procedimentos utilizados para desenvolver o presente estudo. Os resultados obtidos são discutidos no quarto tópico, de acordo com a estrutura de análise proposta nos métodos e procedimentos. Finalmente, são feitas algumas considerações acerca dos resultados obtidos.

2. Revisão de literatura

2.1 Segurança alimentar X segurança do alimento - alguns conceitos explicativos

O termo "segurança alimentar" apresenta dupla interpretação. Uma delas está associada ao termo inglês "Food Security", sendo concebida sob uma ótica quantitativa. Segundo a FAO – Food and Agriculture Organization –, é a "segurança de existência de comida para todas as pessoas, a toda hora, terem acesso físico e econômico à comida suficiente, segura e nutritiva (...) para uma vida ativa e saudável" (FAO, 2003). A outra interpretação está associada ao termo "Food Safety", sendo traduzida como "a garantia de o consumidor adquirir um alimento com atributos de qualidade que sejam de seu interesse, entre os quais se destacam os atributos ligados à sua saúde e segurança" (Spers, 2000, p. 286). Neste trabalho o termo "segurança do alimento" é aquele relacionado aos aspectos qualitativos do alimento, uma vez que os programas de Rastreabilidade, Transparência e Garantia utilizados para mensurar o desempenho da cadeia produtiva estão baseados em práticas que levam à qualidade da carne suína.

A segurança do alimento pode apresentar certos riscos associados. Exemplos de atributos e de riscos associados são: nutricional/físico-saúde, valor/gosto, segurança do alimento/saúde, entre outros (Fearne et al., 2001). Com os fatos relacionados à falta de segurança dos alimentos ocorridos nas últimas décadas, o atributo "segurança do alimento" tornou-se ainda mais valorizado, especialmente para carnes. No entanto, nem todos os atributos podem ser avaliados pelos consumidores no momento da compra. O nível de contaminação por microorganismos e/ou resíduos químicos, por exemplo, só poderá ser determinado por meio de testes laboratoriais mais sofisticados. Nesse contexto, como o consumidor poderá saber qual é o nível de segurança presente nos alimentos que está adquirindo? As cadeias agroindustriais estão preocupadas com essa situação e buscam tranqüilizar o consumidor informando-lhe sobre as condições sob as quais um determinado alimento foi produzido. O processo produtivo como um todo, desde as matérias-primas até a entrega do alimento ao consumidor, deve ser realizado sob certos padrões específicos de higiene, limpeza e segurança, e estar em constante avaliação para que possa sinalizar aos consumidores que o alimento é seguro.

As práticas dos processos produtivos de alimentos, no que se referem à segurança do alimento, estão amplamente amparadas em um conjunto de programas e normas que visam garantir as condições adequadas para que isso ocorra. Liddel e Bailey (2001), por exemplo, utilizaram um conjunto de programas de segurança do alimento para comparar o desempenho das cadeias produtivas de carne suína de alguns países. Estes programas estão baseados na rastreabilidade e na transparência do processo produtivo, bem como na garantia da qualidade extrínseca (bem-estar animal, preservação ambiental, etc.) e da segurança do alimento por meio de práticas que podem beneficiar atributos intrínsecos da qualidade, tais como: as Boas Práticas de Manufatura – BPM – e a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC. Eles levaram em conta os níveis de disponibilidade desse conjunto de programas para os diferentes níveis das cadeias produtivas, uma vez que, para um alimento efetivamente seguro, todos os atores devem estar conscientes da necessidade de adotarem tais práticas.

2.2 Gestão da Cadeia de Suprimentos

Os processos produtivos independentes são cada vez mais raros em oposição a uma crescente especialização das atividades inter e intrafirmas que compõem uma cadeia de valor. A divisão cada vez maior das etapas ou atividades que agregam valor aos produtos tem aumentado significativamente a necessidade de transações até chegar ao produto final com o máximo de valor adicionado. Isso implica que, nesta condição, uma simples transação comercial tem reflexos não apenas sobre o vendedor e o comprador, mais diretamente envolvidos, mas sobre todo o sistema de valor. Logo, o impacto será tão abrangente quanto a amplitude e a profundidade do sistema de valor que deu origem ao produto transacionado, devido ao efeito em cascata que ocorre entre os diferentes níveis do sistema.

Diante da complexidade do ambiente, as empresas buscam alternativas para melhorar seu desempenho. De acordo com Al-Mudimgh et al. (2004), a gestão da cadeia de suprimentos é reconhecida como um conceito capaz de agregar benefícios tanto de natureza estratégica quanto operacional. Este conceito envolve a gestão das múltiplas relações existentes ao longo da cadeia de suprimentos, oportunizando ganhos de sinergia na integração intra e interorganizações, isto é, a SCM enfoca a excelência dos processos da atividade como um todo e representa uma nova maneira de gerenciar os negócios e as relações com outros membros da cadeia de suprimentos (Lambert et al., 1998).

Este conceito surgiu na década de 1980 e no princípio, e talvez ainda permaneçam alguns erros de interpretação, foi confundido com logística. Cooper et al. (1997) mostram claramente as diferenças entre os conceitos de logística e SCM. Sem detalhar pormenorizadamente essas diferenças, observa-se que, diferentemente da logística, a gestão da cadeia de suprimentos busca integrar diferentes processos de negócio intra e interorganizações. De acordo com Cooper et al. (1997), existe uma diferença fundamental entre os conceitos de gestão da cadeia de suprimentos e o de gestão da logística integrada. Essa diferença diz respeito aos relacionamentos e mesmo às parcerias entre empresas, uma vez que a gestão da cadeia de suprimentos envolve maior gama de processos e funções do que a gestão da logística integrada. Ou seja, a gestão da cadeia de suprimentos, no entender dos autores, acaba por modificar muitos dos processos organizacionais sob os quais a Logística não teria poder, nem conhecimento para interferir.

A gestão da cadeia de suprimentos tem seu conceito discutido por vários autores. Segundo Batalha e Silva (2001), é a capacidade de coordenação entre as atividades de produção e de distribuição desenvolvidas pelas empresas com o objetivo de reagir mais prontamente às oportunidades de negócios, ou como define Albertin (2000, p. 67), "é o gerenciamento da cadeia produtiva desde o fornecimento da matéria-prima até a rede de distribuição dos produtos". Um conceito de SCM amplamente utilizado na literatura é o utilizado por Lambert e Cooper (2000) com base na definição do Global Supply Chain Forum (GSCF): a gestão da cadeia de suprimentos é a integração dos processos-chave de um negócio partindo do usuário final até os fornecedores iniciais de produtos, serviços e informações que adicionem valor para o comprador e para outros stakeholders. Uma Cadeia de Suprimentos é composta por diversos agentes que atuam ativamente no sentido de atender à demanda do mercado consumidor. Esse conjunto de agentes não está preocupado apenas em disponibilizar produtos e serviços em quantidade, qualidade e preço esperados pelos clientes, mas atuam como estimuladores da demanda dos seus produtos.

De acordo com Hadley (2004), o principal propósito de uma cadeia de suprimentos é dar suporte a todas as estratégias competitivas e às metas de uma empresa, e, por este motivo, ela deve estar alinhada com as estratégias competitivas das empresas. No caso da cadeia de suprimentos da carne suína exportada, como mencionado na introdução, considera-se que o valor a ser criado e entregue ao consumidor é um produto com atributo de segurança do alimento.

Atualmente, com o crescente número de estudos realizados, o conhecimento sobre SCM é amplo devido ao grande número de variáveis presentes numa cadeia de suprimentos. Análises interessantes e usuais na literatura sobre SCM são aquelas desenvolvidas com base no esquema elaborado por Cooper et al. (1997). Segundo esses autores, a SCM seria o meio de ligação entre três elementos básicos como pode ser visto na Figura 1.


Este estudo analisará parcialmente os três elementos propostos neste esquema: a estrutura da cadeia de suprimentos, os tipos de ligações que envolvem os processos de negócios e o nível de integração como componente da SCM. Apesar da importância dos processos chave de gestão das atividades ao longo da Cadeia de Suprimentos, estes não serão analisados neste momento. O foco da revisão de literatura a partir deste ponto será naqueles elementos que servirão de base para atingir os objetivos do estudo proposto.

2.2.1 Estrutura de uma Cadeia de Suprimentos

A estrutura de uma cadeia de suprimentos é composta por todas as empresas que, de alguma forma, participam do processo produtivo. A dimensão de uma cadeia de suprimentos será definida pela quantidade de membros que a complexidade do processo produtivo exigir para ser realizado. Contudo, nem todos os membros de uma cadeia de suprimentos possuem a mesma importância sob o ponto de vista da análise e gerenciamento da cadeia. Os membros de uma cadeia de suprimentos são definidos como primários ou de apoio. Os membros primários são todas aquelas empresas autônomas ou unidades estratégicas de negócios que executam, de fato, atividades operacionais e/ou administrativas nos processos empresariais designadas a produzir um bem específico para um cliente ou um mercado particular. Contrastando como os membros primários da cadeia de suprimentos estão os membros de apoio, que são aquelas empresas cuja função é fornecer recursos, conhecimento, utilidades ou ativos para os membros primários. Apesar de desempenharem atividades relevantes dentro da cadeia de suprimentos, estes membros não participam diretamente na realização de atividades de transformação que adicionem valor para o consumidor final (Lambert et al., 1998). Segundo esses autores, tendo definidos os membros primários e de apoio, é possível definir o ponto de origem e o ponto de consumo da cadeia de suprimentos. O ponto de origem ocorre onde não existirem outros fornecedores primários, ou seja, todos aqueles membros anteriores serão de apoio. O ponto de consumo é onde nenhum valor a mais é adicionado ao produto, ou seja, onde o produto é efetivamente consumido.

A estrutura de uma cadeia de suprimentos, analisada a partir de uma empresa focal, com suas ligações com outros membros da cadeia está representada na Figura 2. A empresa focal é aquela a partir da qual a cadeia de suprimentos é analisada, tanto nas ligações desta com os fornecedores de matérias-primas, quanto com os demais membros posteriores a ela. Dessa forma, cada empresa de uma cadeia de suprimentos, além de pertencer a outras, possui sua própria cadeia de suprimentos, sendo que cada cadeia apresenta uma dimensão estrutural específica.


De acordo com Lambert et al. (1998), as dimensões estruturais de uma cadeia ou rede são essenciais para descrever, analisar e gerenciar uma cadeia de suprimentos. Essas dimensões são: a estrutura horizontal, a estrutura vertical e a posição horizontal da empresa focal dentro da cadeia de suprimentos. A estrutura horizontal se refere ao número de níveis ou camadas existentes ao longo da cadeia. A cadeia de suprimentos representada na Figura 2 seria composta por três níveis de fornecedores e três níveis de compradores em relação à empresa focal. A cadeia de suprimentos pode ter uma estrutura horizontal longa, apresentando vários níveis de fornecedores e/ou compradores, ou curta, quando possui poucos níveis. Ao número de fornecedores/compradores existentes dentro de cada nível denomina-se estrutura vertical. Esta pode ser estreita, quando poucas empresas estão presentes em cada nível, ou ampla, quando muitas empresas estão presentes em cada nível. Uma empresa pode estar posicionada horizontalmente mais próxima ao ponto de origem, ou mais próxima ao ponto de consumo ou em qualquer posição entre o início e fim da cadeia de suprimentos (Lambert et al., 1998).

Segundo Lambert e Cooper (2000), a complexidade exigida para o gerenciamento de todos os fornecedores partindo do ponto de origem, e todos os produtos, processos e serviços até o ponto de consumo, provavelmente seria suficiente para explicar a razão pela qual os executivos deveriam gerenciar suas cadeias de suprimentos a partir do ponto de consumo, pois todo aquele que possui relações com o consumidor final terá poder sobre a cadeia de suprimentos. Entretanto, vale lembrar que Al-Mudimgh et al. (2004) afirmam que o a gestão da cadeia de suprimentos, enquanto conceito, não é ampla suficiente para capturar necessidades futuras dos clientes finais, como estas poderão ser atendidas e nem sempre inclui uma avaliação pós-consumo/entrega e na construção dos relacionamentos com estes clientes finais.

2.2.2 Tipos de ligações entre os membros da Cadeia de Suprimentos

A estrutura da rede de uma cadeia de suprimentos, como visto anteriormente, pode apresentar-se complexa e com diversas ligações entre seus membros a fim de atingir o objetivo final da cadeia e entregar um produto com valor para o consumidor final. Este objetivo é atingido pela confluência de diversas atividades, como: operações de transformação, transporte, troca de informações, fluxo de recursos financeiros, entre outros. Embora existam diversos processos específicos para acompanhar o desenvolvimento destas atividades, tais como o processo de gestão das relações com o consumidor (o uso de ferramentas de CRM - Customer Relationship Management, por exemplo), o processo de gestão do serviço ao consumidor, dentre outros. O interesse aqui está focado em saber quais os tipos de ligações existentes entre os membros de uma cadeia de suprimentos na execução do conjunto de atividades que a levam a atingir seus objetivos.

De acordo com Lambert e Cooper (2000), a integração e o gerenciamento de todas as ligações de todos os processos interorganizacionais ao longo da cadeia de suprimentos são impraticáveis. Como a necessidade de integração depende de situação para situação, os níveis de integração podem variar de um caso para outro e também ao longo do tempo. Como algumas ligações são mais críticas que outras, e, como os recursos são limitados, decidir em quais tarefas concentrar os esforços, parece fundamental. Nesse sentido, foram identificados quatro tipos fundamentais de ligações empresariais entre os membros de uma cadeia de suprimentos:

i) ligações de processos gerenciados (Managed Process Links): são aquelas ligações relativas a processos que a empresa focal acha importante integrá-los e gerenciá-los; representadas na Figura 3 pelas linhas sólidas e de maior espessura; como representado nesta figura, a empresa focal está integrando e gerenciando as ligações de processos realizados com os membros do primeiro nível de fornecedores e compradores, embora mantenha outras ligações com alguns membros de outros níveis;

ii) ligações de processos monitorados (Monitored Process Links): apesar de não serem processos críticos para a empresa focal, são suficientemente importantes para a empresa focal manter algum vínculo, mesmo que eles sejam integrados e gerenciados por outros membros da cadeia de suprimentos; o papel da empresa focal neste caso, passa a ser de monitoração dessas atividades por meio de auditorias, por exemplo; esse tipo de ligação é aquele representado, na Figura 3, pelas linhas tracejadas de maior espessura;

iii) ligações de processos não-gerenciados (Non-managed Process Links): são aquelas ligações nas quais a empresa focal não está diretamente envolvida, ou seja, são processos não críticos ou não importantes o suficiente para que sejam investidos recursos na sua gestão ou monitoração; desta forma, a empresa focal confia a outro membro da cadeia de suprimentos esta tarefa; esse tipo de ligação é representado pelas linhas contínuas de menor espessura na Figura 3; e

iv) ligações de processos com não-membros (Non-member Process Links): são ligações de processos entre membros da cadeia de suprimentos da empresa focal e outros membros que não pertencem única e exclusivamente a esta cadeia de suprimentos, os denominados não-membros; as ligações com não-membros não são consideradas como ligações da estrutura da cadeia de suprimentos da empresa focal, mas tais ligações podem ter implicações sobre o desempenho da cadeia de suprimentos da empresa focal; essas ligações são representadas pelas linhas tracejadas de menor espessura, apresentadas na Figura 3.


Uma cadeia de suprimentos, portanto, pode apresentar diversas configurações no que diz respeito aos tipos de ligações de processos empresarias entre seus membros, cadeias de suprimentos cuja rede de ligações interempresas pode ter maior ou menor densidade. Certamente, a densidade aumenta à medida que um número maior de processos se torna crítico para a empresa focal, tornando-se interessante para ela ter algum controle sobre o processo produtivo, uma vez que isso pode lhe assegurar uma performance positiva sob o ponto de vista de fornecer produtos com valor ao consumidor.

Quando a segurança do alimento é um atributo de valor a ser entregue ao consumidor, por exemplo, a SCM pode ser fundamental para atingir tal objetivo. Em seu estudo, Bogetoft e Olesen (2004) identificaram que a estrutura da cadeia de suprimentos influencia diretamente nos resultados finais do controle de Salmonella pela cadeia produtora de carne suína da Dinamarca. Quanto maior a "distância" existente entre os membros da cadeia, maiores os custos e piores os resultados. Conseqüentemente, menor valor será oferecido ao consumidor final em termos de segurança do alimento.

2.2.3 Nível de integração na Cadeia de Suprimentos

Apesar de o nível de gestão dos processos de negócios fazerem parte dos componentes de uma cadeia de suprimentos, o enfoque que será dado neste trabalho será sobre o nível de integração. Segundo Lambert e Cooper (2000), o nível de integração de uma cadeia de suprimentos é uma função do nível e do número de componentes adicionados a uma ligação, podendo variar de baixo a alto nível de integração. Ou seja, à medida que novos componentes de gestão vão sendo adicionados às ligações entre os membros de uma cadeia de suprimentos, maior tende a ser o nível de integração entre eles. Existem pelo menos nove componentes de gestão que podem e/ou devem ser observados para a gestão de uma cadeia de suprimentos, alguns com maior impacto que outros, mas todos com importância relativa. À medida que estes componentes são implementados, aumenta-se a integração da cadeia de suprimentos. Esses componentes são: planejamento e controle, estrutura de trabalho, estrutura de organização, estrutura para o fluxo de produtos, estrutura para o fluxo de informação, métodos de gestão, estrutura de poder e liderança, estrutura de risco e recompensa e, cultura e atitude (Lambert e Cooper, 2000).

Segundo esses autores, os nove componentes podem ser alocados em dois grupos:

a) Grupo I – Componentes Técnicos e Físicos de Gestão: planejamento e controle, estrutura de trabalho, estrutura de organização, estrutura para o fluxo de produtos, estrutura para o fluxo de informação; e

b) Grupo II – Componentes Gerenciais e Comportamentais de Gestão: métodos de gestão, estrutura de poder e liderança, estrutura de risco e recompensa, e de cultura e atitude.

Os componentes do Grupo I apresentam características mais visíveis, tangíveis, mensuráveis e de fácil mudança, enquanto que os do Grupo II são menos visíveis e tangíveis, além da dificuldade de acessá-los e alterá-los. Contudo, são os componentes do Grupo II que definem o comportamento organizacional e influenciam na forma como os componentes físicos e técnicos serão implementados.

3. Métodos e procedimentos

O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória (Gil, 2002) aplicada à cadeia exportadora de carne suína. A população de estudo possuía 26 agroindústrias exportadoras de carne suína afiliadas a ABIPECS – Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína – no ano de 2003 (ABIPECS, 2003a). O motivo de optar pelas agroindústrias como empresas focais se deve ao conhecimento empírico de que se dispunha sobre a influência destas ao longo da cadeia de suprimentos. A pesquisa de campo foi realizada entre abril e setembro de 2003.

A principal fonte de dados foi um questionário estruturado, enviado por correio eletrônico. Foi realizado um pré-teste do questionário com 5 agroindústrias, das quais 3 responderam. Pequenos ajustes foram feitos na estrutura do questionário – de maneira que os questionários recebidos no pré-teste foram utilizados na análise dos resultados. Na seqüência, o questionário foi enviado para as 21 agroindústrias restantes. Destas, 8 retornaram o questionário respondido, mas apenas 7 deles puderam ser aproveitados. A amostra final para a análise dos resultados foi composta por 10 (dez) agroindústrias, ou seja, 38,5% do conjunto de elementos da população. Contudo, esse valor é significativo se analisada a participação das agroindústrias da amostra na quantidade total de suínos abatidos no Brasil. A quantidade de animais abatidos por essas agroindústrias correspondeu a mais de 72% do total de suínos abatidos no Brasil em 2002 (ABIPECS, 2003b).

Outras fontes para a coleta de dados foram utilizadas, tais como: páginas de empresas e entidades na Internet, correspondências pessoais via correio eletrônico, conversas telefônicas com funcionários das agroindústrias. A análise dos dados foi realizada por meio de um processo de triangulação entre os dados obtidos por meio das diferentes fontes, de maneira a obter resultados mais consistentes. De acordo com a problemática e os objetivos propostos para este trabalho, buscou-se trabalhar com parte do esquema de análise da SCM proposto por Lambert et al. (1998), conforme representado na Figura 4. O questionário contava com questões que possibilitaram identificar variáveis que definem a estrutura da cadeia de suprimentos da carne suína, ou seja, quais são os membros da cadeia de suprimentos e como estão distribuídos a montante e a jusante da empresa focal. Embora a empresa focal seja aquela a partir da qual o estudo da cadeia de suprimentos é realizado, foram introduzidas questões que permitiram confirmar a importância desses membros no gerenciamento da cadeia de suprimentos e identificar alguns processos importantes sobre os quais elas exercem algum controle.


Outras questões objetivaram identificar, junto às agroindústrias, as percepções destas quanto: à influência dos conceitos associados à SCM na implementação de programas de segurança do alimento e sobre quais atributos da carne suína exportada são positivamente influenciados pela SCM. Ou seja, para efeito deste estudo, a segurança do alimento é tida como o valor final a ser fornecido ao consumidor. A mensuração do nível de integração da cadeia de suprimentos baseou-se em componentes técnicos e físicos. Para tanto, assumiu-se como indicador da implementação desses componentes as pontuações obtidas pela cadeia da carne suína para a implementação de programas de segurança do alimento, conforme estudo realizado por Talamini (2003).

Os resultados foram obtidos com base na interpretação dos dados coletados, à luz do referencial teórico escolhido, para cada uma das agroindústrias individualmente, quando comparadas algumas variáveis entre elas no momento da caracterização. Para a análise da cadeia de suprimentos como um todo, levou-se em consideração a participação relativa de cada agroindústria na quantidade total de suínos abatidos, calculando-se, com base nisso, um fator ponderador. Esse fator ponderador pode ser visto na Tabela 1, no tópico dos resultados a seguir.

4. Resultados

Com base na interpretação dos dados e informações obtidas, foram estruturados alguns resultados com relação às características da amostra utilizada, a estrutura da cadeia de suprimentos da carne suína exportada, os tipos de ligações presentes entre alguns membros da cadeia de suprimentos e as impressões das agroindústrias quanto ao papel ou à influência da SCM na promoção de programas de segurança do alimento ao longo da cadeia e na valorização de atributos da carne suína. Tais resultados são apresentados a seguir.

4.1 Caracterização da amostra

Por questões já comentadas anteriormente, a amostra final utilizada para este estudo foi composta por 10 (dez) agroindústrias. Para um melhor entendimento dos resultados e do contexto no qual eles foram obtidos, julgou-se importante apresentar algumas características deste conjunto de agroindústrias. Por solicitação destas, suas razões sociais não serão divulgadas e serão substituídas por denominação de "Agroindústria x" ou "AIx", sem seguir qualquer critério específico para a ordem apresentada na Tabela 1.

De acordo com dados apresentados na Tabela 1 percebe-se que, em termos absolutos, a maioria das agroindústrias pertence a cooperativas, mas a maior participação relativa em termos de quantidade abatida são das S.A.’s, as quais, juntas, abatem mais de 70% da quantidade total da amostra. A localização das agroindústrias da amostra está concentrada na Região Sul do Brasil, especialmente nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Apesar disso, sabe-se que outros Estados também possuem agroindústrias que atuam na exportação de carne suína, mas a concentração maior é nesta região.

Todas as agroindústrias exportaram no ano de 2002 e, em média, cada agroindústria possuía 2 (duas) plantas frigoríficas habilitadas a produzirem carne suína para exportação. Em média, cada agroindústria abateu, naquele ano, 1,2 milhões de animais, ou seja, 638 mil animais/ano/abatedouro. Desse dado, pode-se deduzir uma capacidade média diária de abate e processamento por planta frigorífica superior a 2 mil animais/dia. Contudo, como as agroindústrias atuam apenas em parte do processo produtivo, ou seja, existem outros membros a montante e a jusante, e um dos objetivos é identificar a estrutura da cadeia de suprimentos, os resultados encontrados sobre essa estrutura são apresentados a seguir.

4.2 Estrutura da Cadeia de Suprimentos

Seguindo o modelo de análise citado na revisão de literatura, buscou-se identificar a composição da estrutura da cadeia de suprimentos nas suas extensões horizontal e vertical, detectando alguns membros primários e de apoio, bem como a posição da empresa focal ao longo da cadeia de suprimentos. Na Tabela 2 são apresentadas algumas características dos membros e atividades fundamentais existentes ao longo da cadeia de suprimentos. O objetivo é demonstrar, parcialmente, a representatividade das agroindústrias nos resultados que serão apresentados posteriormente, esquematizando a estrutura da cadeia de suprimentos como um todo, baseada nas características mais freqüentes entre as agroindústrias.

Se cada uma das agroindústrias da amostra for tomada como a empresa focal, haverá uma cadeia de suprimentos específica para cada uma delas, ou seja, poderiam ser esquematizadas dez diferentes estruturas de cadeias de suprimentos. No entanto, não é este o objetivo, mas estruturar uma cadeia de suprimentos que represente o contexto do conjunto de agroindústrias baseada nas características que se destacam entre elas. Essa estrutura pode ser entendida como representativa da cadeia de suprimentos da carne suína brasileira, destinada à exportação, como um todo.

Com base nos dados e informações obtidas, pode-se perceber que as agroindústrias exercem papel fundamental na cadeia de suprimentos, estando presentes em mais que um ponto da estrutura vertical e horizontal da cadeia. Na verdade, a empresa focal executa atividades em diferentes níveis da cadeia: transformando matérias-primas em rações e fornecendo aos produtores rurais, prestando serviço de assistência técnica e fornecendo outros insumos, como reprodutores, por exemplo. A jusante, a empresa focal desempenha atividades de comercialização, estando integrada inclusive ao ambiente comercial internacional, com unidades atacadistas localizadas no exterior.

Assim, a empresa focal encontra-se bastante integrada ao longo da cadeia de suprimentos, gerenciando diversas atividades e não se pode definir um ponto específico no qual a empresa focal esteja localizada ao longo da cadeia. Isso comprova a suposição empírica na qual foi baseada a escolha das agroindústrias como população e amostra de estudo, em vez de um grupo de produtores de suínos, por exemplo. Seguramente, as agroindústrias possuem mais domínio sobre as informações disponíveis ao longo da cadeia.

Com base nos dados da tabela é possível identificar a estrutura com alguns membros a montante e a jusante da empresa focal, mas, logicamente, o conjunto de membros e as suas inter-relações estão cercados por membros de apoio, tais como: bancos, empresas de logística, serviços de transporte, órgãos públicos, instituições, profissionais liberais, empresas de assistência técnica, fornecedores de outros insumos para processo de abate, processamento e industrialização, serviços portuários, alfândegas, entre outros. Todos esses membros de apoio são fundamentais para o processo e certamente estão ligados a diferentes membros da empresa focal.

Se analisada de forma linear, a estrutura horizontal da cadeia de suprimentos da carne suína exportada pode ser considerada razoavelmente longa, uma vez que apresenta diversos níveis de membros, tanto a montante quanto a jusante da empresa focal. Isso ocorre talvez, pelo fato de incluir as atividades de exportação, o que acarreta alguns níveis adicionais em relação ao mercado interno. A estrutura vertical, por sua vez, apresenta níveis amplos como é o caso dos produtores de suínos cuja média de membros presentes é consideravelmente superior aos demais membros, e níveis mais estreitos, como é o caso da produção de alguns dos principais insumos, a qual é realizada pela própria empresa focal, reduzindo o número de membros verticais neste nível da cadeia. A forte presença da empresa focal na realização de diversas atividades ao longo da cadeia pode interferir nas ligações existentes entre os membros, tornando os processos muito mais integrados e, portanto, com possibilidade de gerenciamento e/ou monitoramento pela empresa focal. Os resultados quanto aos tipos de ligações existentes são apresentados a seguir.

4.3 Tipos de ligações de processos

As agroindústrias estão presentes em diversas etapas do processo produtivo da cadeia. Esse posicionamento em diferentes níveis horizontais da cadeia de suprimentos resulta em relações diretas com diversos membros da cadeia. O resultado final é uma densa rede de ligações, a maioria das quais gerenciadas pelas agroindústrias e algumas monitoradas. Certamente outras ligações não-gerenciadas também fazem parte da cadeia de suprimentos.

O modelo de produção integrada, bastante comum entre produtores de suínos e as agroindústrias, contribuiu para que fosse desenvolvida, ao longo do tempo, uma relação bastante próxima entre esses dois níveis da cadeia de suprimentos. É característica da integração vertical, as agroindústrias fornecerem praticamente todos os insumos produtivos. Existem várias razões para isso, entre elas, o gerenciamento da qualidade e da quantidade do produto. Para isso, as agroindústrias possuem a maioria das ligações do tipo gerenciadas, ou seja, as agroindústrias julgam importante gerenciar a maioria dos processos produtivos, desde o ponto de origem até o ponto de comercialização dentro do Brasil e, em alguns casos, gerenciando inclusive atividades fora do país.

Convém ressaltar, porém, que as características da cadeia de suprimentos apresentadas na Tabela 2 abreviam suas ligações. Ou seja, logicamente existem outros níveis de fornecedores e de membros de apoio que não estão representados na tabela. Por exemplo, existem "n" produtores de grãos fornecendo seus produtos para unidades cerealistas, as quais fornecem para as agroindústrias. Esses produtores de grãos estariam num quarto nível de fornecedores e as ligações desses com as agroindústrias seriam do tipo não-gerenciadas. Neste exemplo específico, algumas agroindústrias possuem unidades próprias de recebimento de grãos, neste caso, a empresa focal estaria presente também no terceiro nível de fornecedores, tornando ainda mais destacada sua participação efetiva como agente coordenador ao longo da cadeia de suprimentos.

Entre os membros de apoio, estão: bancos, órgãos públicos, transportes, etc. Com a maioria desses membros as ligações são do tipo não-gerenciadas, mas, especialmente, com membros relacionados aos transportes, nas diferentes etapas do processo produtivo, as ligações são do tipo gerenciadas ou monitoradas, dada a importância desses membros para o fluxo dos produtos e a garantia de boa parcela da qualidade do produto. Existe também, obviamente, uma série de não-membros ao longo da cadeia de suprimentos, ou seja, diversos atores que fornecem ou compram bens de outras cadeias. É o caso exemplificado pelos fornecedores de embalagens diversas, os quais atendem diferentes cadeias de suprimentos, não fazendo parte, portanto, única e exclusivamente da cadeia de carne suína exportada.

A julgar pela quantidade de ligações que as agroindústrias possuem ao longo da cadeia de suprimentos, pode-se esperar que o nível de integração entre os membros seja elevado. A seguir são apresentados os resultados referentes ao nível de integração da cadeia de suprimentos.

4.4 Nível de integração da Cadeia de Suprimentos

Conforme comentado anteriormente, a análise do nível de integração levou em consideração aspectos relacionados a componentes técnicos, tendo como indicador básico o nível de implementação de programas de segurança do alimento ao longo da cadeia. Parece lógico deduzir que: i) havendo uma forte integração entre os membros da cadeia de suprimentos baseada em componentes técnicos e físicos, como: planejamento e controle, estrutura de trabalho e atividade, estrutura de organização, estrutura para informação e estrutura para fluxo do produto, os quais parecem estar presentes devido à proximidade e à interação promovida pelas agroindústrias; ii) esses componentes facilitariam a implementação de programas de segurança do alimento, cuja implementação passa por componentes técnicos e físicos; e iii) assim, as possibilidades de uma ampla implementação de programas de segurança do alimento tenderia a estar presente ao longo da cadeia de suprimentos, demonstrando um elevado nível de integração.

Com base nos resultados obtidos por Talamini (2003), a implementação efetiva de programas de segurança do alimento entre os membros da cadeia de carne suína não apresenta uniformidade, ou seja, alguns membros possuem alguns programas implementados e outros nenhum. Com base nos programas de rastreabilidade, transparência e garantia da qualidade e segurança do alimento, pode-se dizer que, para a cadeia como um todo, os programas de rastreabilidade podem ser considerados inexistentes em todos os níveis da cadeia de suprimentos. A transparência do processo produtivo está presente na empresa focal a sua jusante, sendo que a montante não há evidências que permitam considerar o processo produtivo transparente. Programas de garantia da segurança do alimento e da qualidade estão implementados apenas em nível da empresa focal, sem que outros níveis possuam programas que possam dar continuidade ao processo como um todo.

Percebe-se, portanto, um processo descontinuado na tentativa de adicionar o valor "segurança do alimento" à carne suína, ou seja, as ações são parciais e em pontos específicos ao longo da cadeia de suprimentos. Isso torna o processo falho e ineficiente, não podendo se considerar a carne suína brasileira um alimento seguro, haja vista a falta de uniformidade do processo no que se refere aos cuidados com medidas de segurança do alimento. Se esse indicador representar satisfatoriamente o nível de integração da cadeia de suprimentos, pode-se dizer que, apesar da proximidade entre os principais membros da empresa focal e do forte gerenciamento das ligações que esta executa, a cadeia apresenta um baixo nível de integração.

Com base nos resultados apresentados até aqui, é importante avaliar a percepção que as agroindústrias têm quanto ao papel dos conceitos associados à Gestão da Cadeia de Suprimentos na agregação de valor ao produto. Dado o enfoque do estudo, a abordagem de valor está centrada em atributos que garantam a segurança do alimento entregue ao consumidor.

4.5 SCM, atributos do produto e segurança do alimento

Apesar das evidências que mostram a aplicação de conceitos ligados à Gestão da Cadeia de Suprimentos (SCM), por parte das agroindústrias, nem todas reconhecem o uso da SCM como uma ferramenta ou um programa com denominação e estrutura específica para sua gestão e monitoramento. Sobre este assunto, sete entre as dez agroindústrias responderam ao questionário e, destas, 71,4% identificam os conceitos associados à SCM como algo institucionalizado nas suas empresas, tendo suas funções e objetivos específicos a serem atingidos. Esse resultado é mais significativo se observada a participação relativa dessas empresas com SCM na quantidade de suínos produzidos e abatidos. Analisando por essa ótica, mais de 90% dos suínos abatidos pertencem a estas empresas.

As agroindústrias que realizam a SCM admitem ganhos na adição de valor à carne suína exportada. Dentre os atributos mais valorizados pela SCM estão: segurança do alimento, qualidade da carne e o valor que esse produto tem para o consumidor final. Esses atributos foram igualmente pontuados por 71,4% das sete empresas que responderam a estas questões, o que significa que a SCM é uma importante ferramenta para atingir mercados que valorizem aqueles atributos da carne suína.

A segurança do alimento, sob a ótica da qualidade e não da quantidade, pode ser alcançada por meio da implementação de um conjunto de práticas interligadas e comuns a todos os membros de uma cadeia de suprimentos. Nesse sentido, a utilização de conceitos associados à SCM pode ser um facilitador no processo de divulgação e implementação efetiva dos programas de segurança do alimento entre os membros dos diferentes níveis da cadeia de suprimentos. Das sete agroindústrias que responderam a essa questão específica do questionário, apenas quatro, ou 57%, identificam na SCM, um conjunto de conceitos capazes de facilitar a implementação de programas de segurança do alimento. Sendo que todas admitem que as relações mais beneficiadas por estes conceitos são aquelas mantidas com fornecedores, embora a SCM também sirva para relações a jusante.

Contudo, apesar da razoável utilização dos conceitos associados à SCM, dos níveis da cadeia que o mesmo permite integrar, do poder de gerenciamento que as agroindústrias possuem e da crescente demanda por segurança do alimento pelos consumidores, a cadeia exportadora de carne suína brasileira encontra-se em desvantagem em relação a outros países, sendo que os pontos mais débeis na implementação de programas de segurança do alimento estão em níveis a montante da cadeia de suprimentos (Talamini, 2003).

5. Considerações finais

Os resultados mostram que a cadeia de suprimentos da carne suína exportada possui uma estrutura razoavelmente longa e ampla em alguns níveis (Figura 5). Destacando especialmente o posicionamento da empresa focal, a qual é ao mesmo tempo o principal membro do segundo nível de fornecedores, tornando-o inserido no contexto da empresa focal. Além de atuar como membro em níveis a jusante, as agroindústrias atuam diretamente na comercialização internacional de parte da carne suína, marcando presença física com escritórios atacadistas no exterior.


Pelas características da cadeia de suprimentos, no que se refere à sua estrutura horizontal especialmente, percebe-se que a análise linear no sentido de um fluxo seqüencial do produto por meio das atividades de agregação de valor, não pode ser aplicada para o caso da cadeia da carne suína brasileira, a qual apresenta como característica diferencial a ação da empresa focal em diferentes pontos da cadeia.

Dada essa forte presença das agroindústrias em diversos níveis da cadeia de suprimentos, as ligações mantidas por estas com os demais membros são, em sua grande maioria, do tipo gerenciadas, tanto a montante como a jusante da empresa focal. Tal característica pode ser vista como uma facilitadora nas trocas de informações entre os diferentes níveis da cadeia, agilizando o fluxo dos produtos com um nível superior de controle e resultados em termos de qualidade e performance da cadeia como um todo.

Contudo, os resultados relativos ao nível de integração mostram um processo com rupturas, no que diz respeito à implementação de programas de segurança do alimento, pois, à medida que as agroindústrias possuem esses programas implementados e os demais membros, a montante especialmente, não possuem, é sinal de que as informações e as práticas não estão sendo compartilhadas entre os membros da cadeia. Talvez esse baixo nível de integração seja explicado por outros componentes de ordem gerencial e comportamental, pois, conforme mencionado na revisão de literatura, estes influenciam sobre os componentes técnicos e físicos, os quais servem de base para a implementação dos programas de segurança do alimento.

Essas características, aliadas às evidências da importância dos conceitos associados à SCM na valorização de atributos de valor da carne suína, na promoção da implementação de programas de segurança do alimento e no uso intenso do gerenciamento das relações com membros a montante, facilitariam sobremaneira a adoção de práticas que visem garantir a segurança do alimento da carne suína. Contudo, esse processo deixa a desejar, colocando o Brasil em uma posição inferior às cadeias produtivas de outros importantes países produtores. Parece evidente, pelas características da cadeia de suprimentos descritas ao longo do trabalho, que boa parte das ações para mudar esse quadro encontra-se nas mãos das agroindústrias. Portanto, políticas que visem aumentar o nível de segurança do alimento da carne suína devem levar em consideração o papel das agroindústrias ao longo da cadeia.

Uma última contribuição deste trabalho refere-se à conceituação do termo "segurança do alimento", especialmente para a realidade brasileira na qual tal termo tem sido empregado tanto como referência a aspectos qualitativos quanto quantitativos dos alimentos. Parece mais adequado e, causaria menos confusão, se, para referências a aspectos quantitativos, fosse utilizado o termo "seguridade alimentar" em vez de "segurança do alimento".

Recebido em 30/6/2004

Aceito em 03/3/2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 2005

Histórico

  • Aceito
    03 Mar 2005
  • Recebido
    30 Jun 2004
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