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In Conexione: a imaginação do sagrado na ciberarte de Diana Domingues

Resumos

Tendo como referência os trabalhos da artista plástica Diana Domingues será apresentada uma reflexão sobre a imaginação do sagrado nas artes visuais a partir da interpretação de temas, imagens, materiais e categorias formais que sustentam a linguagem contemporânea quando se trata do corpo em sua relação com as novas tecnologias comunicacionais. O foco da interpretação oferecida recairá sobre o sentido de sagrado (ou daquilo que é espiritual) na "arte interativa" dessa artista. Tal sentido refere-se a um estado de comunicação e conectividade ampliada responsável pela expansão da consciência humana, a partir da experimentação pelo corpo da desestabilização de mundos fixos e acabados propiciada pelas novas tecnologias. O que é espiritual e sagrado para essa vertente artística é a "não essencialidade" da vida e do ser humano ou vida como "pura conectividade". É justo isso que se torna aparente através de suas "obras-dispositivos". Por meio delas, a artista explora ritual, performática e esteticamente a capacidade interativa das novas tecnologias na criação de ambientes vivos e na visualização da vida não como ela é, mas como ela pode ser. O que é sagrado é esse poder recebido das tecnologias que, ao serem acionadas por meio da conectividade, fazem aparecer a própria potência humana de intervir no mundo real e de alterar o ambiente. Não é a tecnologia em si mesma que é sagrada, mas a expansão do universo paralela à expansão da consciência por ela possibilitada, através da ampliação das conexões entre sistemas diferentes. O que é espiritual é, então, esse estado constante de transformação da consciência e da criatividade humana para além da subjetividade individual, porque, segundo essa vertente artística, os poderes recebidos pelas novas tecnologias são eles mesmos da ordem do "ultra-humano", de um "sujeito impessoal ultra-subjetivo".

artes visuais; ciberarte; interatividade; sagrado


Based on the work of the Brazilian plastic artist Diana Domingues we will present a reflexion on the imagination of the sacred in visual arts from the interpretation of themes, images, materials and formal categories which sustain contemporary language when dealing with the body in its relationship with the new communication technologies. The focus of the interpretation we offer will relate to the sense of sacred (or of that which is spiritual) in the interactive art of Diana Domingues. This sense refers to a state of widened communication and connectivity which is responsible for the expansion of the human conscience, by means of the body's experimenting the destabilization of fixed and complete worlds that is made possible by the new technologies. What is spiritual and sacred for this artistic movement is the non-essentialness of life and of human beings or life as pure connectivity. It is exactly this that becomes apparent through Domingues' device-works. Through them, this artist explores, in terms of ritual, performance and aesthetics, the interactive capacity of the new technologies in the creation of live environments and the visualization of life not as it is, but as what it can be like. What is sacred is this power gained from technology which, when activated by means of connectivity, makes human power itself to intervene in the real world and modify the environment appear. It is not the technology itself that is sacred, but the expansion of the universe parallel to the expansion of the conscience that is made possible by it, by means of widening connections between different systems. What is spiritual, then, is this constant state of transformation of conscience and human creativity to something beyond individual subjectivity, because the powers received by new technology are of an "ultra-human" order, of an "impersonal, ultra-subjective subject".

cyberart; interactivity; sacred; visual arts


ARTIGOS

IN CONEXIONE: a imaginação do sagrado na ciberarte de Diana Domingues* * Versão traduzida e modificada do paper "The sacred in the cyberart of Diana Domingues and her shamanistic network", apresentado no congresso Altered States: Transformations of Perception, Place and Performance, promovido pelo Planetary Collegium da Universidade de Plymouth, Inglaterra, e dirigido por Roy Ascott, 2005. Trata-se de um texto seminal, primeiro resultado de uma pesquisa sobre essa vertente da arte contemporânea, a ciberarte, e parte de uma pesquisa mais ampla que envolve mais duas vertentes: a arte do informe e a bioarte.

Leila Amaral

Universidade Federal de Juiz de Fora _ Brasil

RESUMO

Tendo como referência os trabalhos da artista plástica Diana Domingues será apresentada uma reflexão sobre a imaginação do sagrado nas artes visuais a partir da interpretação de temas, imagens, materiais e categorias formais que sustentam a linguagem contemporânea quando se trata do corpo em sua relação com as novas tecnologias comunicacionais. O foco da interpretação oferecida recairá sobre o sentido de sagrado (ou daquilo que é espiritual) na "arte interativa" dessa artista. Tal sentido refere-se a um estado de comunicação e conectividade ampliada responsável pela expansão da consciência humana, a partir da experimentação pelo corpo da desestabilização de mundos fixos e acabados propiciada pelas novas tecnologias. O que é espiritual e sagrado para essa vertente artística é a "não essencialidade" da vida e do ser humano ou vida como "pura conectividade". É justo isso que se torna aparente através de suas "obras-dispositivos". Por meio delas, a artista explora ritual, performática e esteticamente a capacidade interativa das novas tecnologias na criação de ambientes vivos e na visualização da vida não como ela é, mas como ela pode ser. O que é sagrado é esse poder recebido das tecnologias que, ao serem acionadas por meio da conectividade, fazem aparecer a própria potência humana de intervir no mundo real e de alterar o ambiente. Não é a tecnologia em si mesma que é sagrada, mas a expansão do universo paralela à expansão da consciência por ela possibilitada, através da ampliação das conexões entre sistemas diferentes. O que é espiritual é, então, esse estado constante de transformação da consciência e da criatividade humana para além da subjetividade individual, porque, segundo essa vertente artística, os poderes recebidos pelas novas tecnologias são eles mesmos da ordem do "ultra-humano", de um "sujeito impessoal ultra-subjetivo".

Palavras-chave: artes visuais, ciberarte, interatividade, sagrado.

ABSTRACT

Based on the work of the Brazilian plastic artist Diana Domingues we will present a reflexion on the imagination of the sacred in visual arts from the interpretation of themes, images, materials and formal categories which sustain contemporary language when dealing with the body in its relationship with the new communication technologies. The focus of the interpretation we offer will relate to the sense of sacred (or of that which is spiritual) in the interactive art of Diana Domingues. This sense refers to a state of widened communication and connectivity which is responsible for the expansion of the human conscience, by means of the body's experimenting the destabilization of fixed and complete worlds that is made possible by the new technologies. What is spiritual and sacred for this artistic movement is the non-essentialness of life and of human beings or life as pure connectivity. It is exactly this that becomes apparent through Domingues' device-works. Through them, this artist explores, in terms of ritual, performance and aesthetics, the interactive capacity of the new technologies in the creation of live environments and the visualization of life not as it is, but as what it can be like. What is sacred is this power gained from technology which, when activated by means of connectivity, makes human power itself to intervene in the real world and modify the environment appear. It is not the technology itself that is sacred, but the expansion of the universe parallel to the expansion of the conscience that is made possible by it, by means of widening connections between different systems. What is spiritual, then, is this constant state of transformation of conscience and human creativity to something beyond individual subjectivity, because the powers received by new technology are of an "ultra-human" order, of an "impersonal, ultra-subjective subject".

Keywords: cyberart, interactivity, sacred, visual arts.

Tendo como referência os trabalhos da artista plástica multimídia, a brasileira Diana Domingues, apresento uma reflexão preliminar relativa à imaginação do sagrado na ciberarte a partir da interpretação de temas, imagens, materiais e categorias formais que sustentam a linguagem contemporânea quando se trata do corpo humano em sua relação com o corpo artificial das tecnologias numéricas. Será focalizado o trabalho de Diana Domingues a partir do que ela denomina de "os poderes xamânicos" das tecnologias interativas, para oferecer uma interpretação, a partir do ponto de vista explorado pela artista, da forma como ela lança mão das operações tecnológicas e de seus efeitos performáticos para sugerir um sentido de "espiritual".

A presente interpretação é parte de uma pesquisa mais ampla, na qual busco formular uma hipótese que apresente a "arte" e o "religioso" (a experiência do sagrado e do espiritual) como práticas constitutivas da vida moderna. Não só emanam dela, de sua própria condição de existência, como apresentam efeitos concretos na dinâmica de sua constituição e reordenação. Parto da premissa de que a dúvida em relação à possibilidade de reconciliação da existência com o significado _ ou, melhor, a experiência muito viva da "desconstrução" _ vem se apresentando para a modernidade como uma questão epistemológica central, impulsionando e colocando desafios para a ordem do sentido em uma configuração social que se instaura na esfera do "questionável virtual" _ na e pela instabilidade e mobilidade, por meio de abalos, ajustamentos e deslocamentos. Em minha pesquisa, venho tentando apresentar algumas reações a esse paradoxo propriamente moderno que provêm da arte, especialmente da arte contemporânea, no campo das artes plásticas. Como a imaginação do sagrado sempre se apresentou como uma das condições para a emergência do sentido, venho observando como essa experiência muito viva da "desconstrução" vem ativando diferentes imaginações do sagrado na experiência artística mais recente e impelindo-a para a expressão em suas obras de tipos distintos de espiritualidade fora do campo das religiões estrito senso e/ou em confluência com ele.1 1 Ver, especialmente, Amaral (2003a, 2007, 2008).

O conteúdo dessa interpretação encontra-se em sintonia com questões teóricas mais abrangentes com as quais venho me dedicando no estudo sobre as novas espiritualidades no mundo contemporâneo, tendo como foco central as buscas atuais por novas concepções de subjetividade e de (in)dividualidade.

É por meio desse recorte que busco ler a poética de Diana Domingues. Através da descrição do efeito estético e performático de suas instalações e da apreensão do esforço discursivo que a artista empreende para dar inteligibilidade à sua obra, tornando-se parte inseparável dela, busco captar, por trás de sua proposta estética, sentidos alternativos em relação às concepções de subjetividade e de individualidade. Alternativa que, se não se faz em contraposição à visão "humanista" e "racional" do pensamento ocidental, da qual a concepção de sua arte mostra-se devedora, apresenta-se ao menos como desestabilizadora de alguns de seus pressupostos correntes.

A partir da segunda metade do século XX, a questão em relação à possibilidade de reconciliação da existência com o significado coloca-se da seguinte maneira: em meio a uma confusão de sentidos, após a explosão das tecnologias comunicacionais, responsável pela inflação de imagens e de sons que mergulha a sociedade num turbilhão de signos, como operar, no domínio reservado da arte, uma reunificação simbólica. As soluções, tanto as formais quanto as conceituais, têm sido diversas, apesar de se darem numa mesma direção: a de uma abertura do campo do sentido e do significado, fazendo emergir propostas estéticas cada vez mais embasadas em uma lógica da polissemia (Couchot, 2003, p. 145-146).

Focalizando nossa atenção nas instalações interativas criadas por Diana Domingues,2 2 Para acompanhar os trabalhos de Diana Domingues, acesse o site http://artecno.ucs.br/indexport.html. a partir do emprego dos novos recursos tecnológicos baseados em algoritmos genéticos e em redes neurais, observa-se que o que se vem enfatizando por meio delas é a desestabilização de mundos fixos e acabados e de significados definitivos. Não pressupondo a reconciliação da existência com o significado, Diana Domingues cria suas instalações como ambientes vivos, em estado de constante metamorfose. Nelas, o corpo dos participantes é chamado a agir como um ativador do sistema, modificando todo o ambiente, quando se está hiperconectado às memórias invisíveis do computador e em diálogo com elas, numa simbiose entre o sistema biológico e o sistema tecnológico. Neste caso, "ação" é igual a "interação", e as instalações são "obras-dispositivos".3 3 Conceito apresentado por Costa (1995). Isto é, são obras que desencadeiam ações transformadoras. A obra não é um "dado", mas o que pode "vir a ser"; é um "processo"; uma "aparição". A obra é um evento comunicativo; uma "vivência", ou melhor, uma "convivência".

Para gerar tal efeito, Diana Domingues utiliza-se de recursos computacionais e multimídia; de dispositivos de aquisição e comunicação de dados em ambientes sensorizados; de algoritmos genéticos e de redes neurais para interpretar os movimentos humanos. Durante as visitas a esses ambientes sensorizados, os visitantes têm seus corpos conectados aos recursos tecnológicos disponíveis para tornar possível uma simbiose entre o sistema biológico e o sistema tecnológico e, dessa forma, a convivência dos visitantes com as memórias computacionais. Com esses recursos, pretende-se chamar o corpo dos participantes à ação, como um ativador do funcionamento das instalações. Ele torna-se o transformador das imagens em tempo real, realizando a modificação física do próprio tecido eletrônico das imagens.

Para a finalidade desta apresentação, destaco a obra mais importante da série TRANS-E, Meu Corpo, Meu Sangue.4 4 Obra exposta no Isea/97, Chicago, no The Eight International Symposium on Eletronic Art, e na Galeria de Arte da Universidade de Caxias do Sul. Essa instalação recebeu o prêmio Unesco 2000 para a promoção das Artes, na 7 a Bienal de Havana, Cuba. Para ver imagens desse trabalho, acesse o site http://artecno.ucs.br/indexport.html. Trata-se de uma instalação interativa, porque, segundo Diana Domingues (1998a), é para as pessoas experimentarem propagações de consciência numa simbiose da vida orgânica e inorgânica.

A instalação é dividida em três ambientes que simulam estágios diferentes do transe xamânico. São ambientes sensorizados que permitem aos corpos dos visitantes dialogar com dispositivos eletrônicos. É a partir desse diálogo entre o corpo e as memórias eletrônicas do computador, entre um sistema biológico e um sistema artificial, que as imagens são projetadas nas paredes de uma sala escura que simula uma caverna; faz-se emergir sons de batidas de coração na pista sonora e dá-se o movimento de um líquido vermelho em uma bacia, que, segundo Diana Domingues (1998a), significa a oferta do sangue como uma oferenda à vida.

Tais imagens, sons e movimentos são alterados pelas pessoas e pelas máquinas simultaneamente. O movimento errático dos visitantes é capturado pelos sensores infravermelhos e é enviado às máquinas. Algoritmos de redes neurais interpretam os movimentos humanos e modificam os dados apresentados aos visitantes. Aos poucos, compreendendo o que as máquinas estão "comunicando", os visitantes mudam de posição ou provocam movimentos deliberados para ver como o computador vai reagir. Depois de algum tempo de mútua "aprendizagem", ambos entram numa situação de simbiose e comunicação.

Segundo a interpretação da própria artista, essa instalação pretende fazer aparecer a apropriação pelo homem de poderes das tecnologias interativas, porque, ao colocarem as pessoas em diálogo com seus dados invisíveis, permitem-lhes transformar e determinar vida no ambiente e aumentar seu campo de percepção ao experimentarem estados alterados de consciência guiados pelas tecnologias, isto é, ao experimentarem um "trans-e eletrônico".5 5 Ver Domingues (1998a) e "Interactivity and Ritual: Body Dialogues with Artificial Systems". Disponível no site http://www.siggraph.org/artdesign/gallery/S99/essays/diana.html. Isso acontece, porque, conectados, os participantes têm visões, entram em contato com mundos irreais e dão vida ao ambiente. Seus corpos experimentam um processo complexo de mutações, imprevisibilidades e dissipações, portanto, de desestabilização de mundos fixos e acabados.

Instalações desse tipo, cujo ambiente gráfico se auto-regenera pelos dados enviados pelo ambiente físico, devem, ou melhor, têm o poder de provocar no participante um arrebatamento, incitando nele o desejo de criação de mundos ainda não experimentados _ um "outro mundo" _ alterando-lhe o campo de percepção para que ele possa "viver além" dos limites habituais _ ou existir fora de si mesmo. A artista propõe-se a criar, enfim, situações rituais ou permitir momentos espirituais, pois, segundo ela, todo ritual está ligado ao desejo humano de aderir a um mundo espiritual, o que, para ela, significa "ganhar forças e aumentar a capacidade de sentir e de modificar a condição humana" (Domingues, 2003, p. 100).

Em suas instalações, é a interação do corpo inteiro da pessoa com os dados invisíveis das memórias eletrônicas que concede poderes especiais aos participantes, para que eles, em estado de extrema sensibilidade, possam imaginar situações que excedem os limites do mundo físico, explorar sonhos e delírios, gerar ambientes em mutação e dar-lhes vida. É, a partir daí, que se pode fazer a aproximação dessa arte interativa de Diana Domingues com os poderes xamânicos. Alguns elementos "xamânicos", pinçados das sociedades indígenas brasileiras, são usados como recurso estético-ritual para permitir _ no momento de uma interação multidimensional que visa ampliar a comunicação humana desencadeada pela obra-dispositivo _ o vôo da consciência para além dos limites da subjetividade, de uma única civilização, cultura ou sociedade, ao possibilitar a sua movimentação, simultaneamente, por entre diferentes domínios.6 6 Os trabalhos de Gilbertto Prado, artista plástico e professor da Universidade de Campinas (Brasil), e os de Roy Ascott, da Universidade de Plymouth (Inglaterra), tornam explícitos esses aspectos da ampliação da comunicação humana e o da expansão da consciência humana ao salientarem os efeitos propiciados pelas obras-dispositivos, em ambientes virtuais multiusuário. Ver Prado (2003a, 2003b) e Ascott (1997). Ver, especialmente, o projeto "Desertesejo", de Gilbertto Prado, um ambiente virtual multiusuário que coloca 50 participantes on-line simultaneamente ( http://www.itaucultural.org.br/desertesejo/). Especificamente, nas obras-dispositivos de Diana Domingues é a comunicação entre o humano e as memórias invisíveis do computador que seria capaz de apresentar o humano não como um sujeito individual, mas como um feixe de relações.7 7 Todavia, é preciso ressaltar, como faz Magnani (1999, p. 119) em relação às terapias espirituais xamânicas no universo neo-esotérico urbano, que "o qualificativo xamânico é mais evocativo do que realmente constitutivo de uma prática clara e especificamente demarcada". A metáfora e o uso de símbolos xamânicos são tomados de empréstimo das sociedades que praticam o xamanismo, mas não se trata, aqui, de uma variante do xamanismo tal como este tem sido apresentado por antropólogos, no contexto sociológico e cosmológico dos grupos estudados.

Esse é o efeito pretendido pela artista, através de suas instalações: gerar zonas de interação, que envolvem relações para além da dimensão do sujeito subjetivo e individual. Nessas zonas de interação, o visitante-participante experimenta a manifestação de uma "força" da qual ele participa, mas que se faz e se desfaz constantemente para além do sujeito individual. Isso porque é uma "força" que se manifesta via conectividades, múltiplas e indeterminadas, entre sistemas, os mais diferentes e heterogêneos, sejam eles cósmicos, orgânicos e inorgânicos, socioculturais e tecnológicos, especialmente os numéricos. Participando dessa força, o visitante experimenta ritual, performática e esteticamente uma espécie de vôo da consciência, isto é, sua movimentação para uma realidade imaginal, além da subjetividade do sujeito individual, quando, então, todas as transformações podem emergir, graças a uma conectividade ampliada, propiciada pelas novas tecnologias, e, por conseqüência, na visão de Diana Domingues, provocar mudanças ambientais.

Partindo da própria interpretação da artista, ela diria que espiritualidade é esse estado de comunicação ou de conectividade ampliada responsável pela expansão da consciência humana, a partir da experimentação pelo corpo da desestabilização de mundos fixos e acabados, propiciada pelas novas tecnologias. Para ela, espiritualidade é, nesse caso, um estado propiciado por "rituais eletrônicos" que permitem a experimentação de um processo complexo de mutações, imprevisibilidades e dissipações que alimentam o desejo humano de alcançar outros estágios de vida, perceber novas identidades e imaginar novas construções de mundo. Através desses rituais eletrônicos interativos, a transformação constante do mundo, da vida, do humano e do sujeito é chamada à consciência dos participantes.

Pode-se compreender melhor a posição de Diana Domingues quando a associamos à noção contemporânea de um "sagrado sem lugar" como a que se apresenta, por exemplo, nas espiritualidades nova-era.8 8 Para essa concepção de "sagrado sem lugar", ver, especialmente, Amaral (2000, 2003b). O que é percebido como sendo da ordem do sagrado não é nenhuma essência inexorável ou indivisível da vida ou da existência, possível de ser detectada em algum lugar específico ou dimensão determinada do tempo. Ao contrário, o que é da ordem do sagrado é a não essencialidade da vida humana e do mundo; é a vida como pura conectividade.

Essa não essencialidade sagrada da vida torna-se aparente nas "obras-dispositivo", ao serem exploradas ritual, performática e esteticamente pela artista as características dos objetos numéricos que são, por definição, "diamórficos (entre duas formas), utópicos (sem lugar próprio), ucrônicos (sem tempo próprio, portanto não apresentáveis), sem identidade fixa nem permanente, sem autor único nem definitivo" (Couchot, 2003, p. 268). Por meio delas, dão-se as condições rituais para a criação e transformação de ambientes e para a visualização da vida não como ela é, mas no seu imprevisível devir. O que é sagrado não é, portanto, a tecnologia em si, mas o que elas fazem aparecer quando são acionadas via conectividade: a própria potência humana, força impessoal entendida como o caráter criativo, perceptivo, cognitivo e transformador das conexões. O sagrado é, pois, da ordem de uma interação trans-subjetiva.9 9 A ênfase na metáfora xamânica, dada por essa arte que explora o caráter sagrado da potência humana na esfera do trans-subjetivo, encontra inspiração mais em trabalhos de antropólogos, como Lévi-Strauss e E. J. Langdon, aos quais Diana Domingues faz referências em seus artigos, do que em práticas terapêutico-espirituais da psicologia transpessoal, particularmente incorporadas nos rituais de cura do tipo xamânico, no universo neo-esotérico urbano. Não se trata, aqui, de fazer aparecer o valor terapêutico do xamanismo, para utilizá-lo como técnica ou instrumento de cura, mesmo que no seu sentido mais amplo de "cura espiritual", mas de fazer manifestar, através da performance e da interatividade, uma "força impessoal" relativa a essa idéia de "potência humana". Diz Diana Domingues (1998b, grifo meu):

Conectados [...] cultivamos o espírito humano em efêmeras conexões. Conectando mundos virtuais experimentamos identidades mutantes. Vivemos o vazio do real e o excitante mundo virtual das memórias eletrônicas.

Para artistas contemporâneos como Diana Domingues, se "vivemos o vazio do real" não é porque ele é "absurdo". O real é vazio porque é desprovido de um fundamento, isto é de uma essência fixa indivisível e acabada.10 10 Diana Domingues utiliza-se da metáfora do deserto, do deserto das paixões, para se referir ao vazio das paixões (públicas e políticas, dos grandes ídolos e das grandes narrativas, dos textos lineares e das verdades acabadas), à instabilidade de identidades em flutuações, às contaminações do "eu", etc. (Domingues, 1998a). Sendo assim, a realidade ou o sentido da vida só existe como expansão do universo e das condições da vida humana em seu movimento incessante de construção-desconstrução, em sintonia com a própria expansão da consciência em sua conexão ampliada.

Para descrever os efeitos pretendidos nesse processo interativo, Diana Domingues recorre freqüentemente às seguintes categorias: imprevisibilidade e caos; transformação, metamorfose e mutabilidade; fluxo, processo e devir; regeneração e reordenação; emergência ou comportamentos emergentes; totalidade; conectividade, troca, interatividade, diálogo, comunicação e conversação. Destaco, entre essas, a noção de "totalidade", compreendendo que nos significados por ela veiculados os sentidos das demais encontram-se condensados. Fruto de uma tentativa para romper com noções correntes de diferença e de identidade, num sentido dualista, "totalidade" é entendida como abertura, quando o valor é colocado sobre o "devir" mais do que sobre o "ser"; sobre a transformação ou criação contínua e permanente de um todo que não se funde jamais, porque as diferentes esferas da realidade são transformáveis umas nas outras. Totalidade só pode ser entendida, então, como conexões, como combinações provisórias que não se repetem, não formam uma síntese, mas totalidades movediças, porque dependentes de múltiplas inter-relações. O que se quer tornar aparente, nesses rituais eletrônicos, ao invés da separação ou disjunção, é "a intersecção de perspectivas opostas, a encruzilhada dos inconciliáveis" (Silva, 2002, p. 97),11 11 Tomo emprestada essa expressão de Juremir Machado da Silva ao referir-se ao conceito de "complexidade" de Edgar Morin, conceito, aliás, muito utilizado pela corrente artística em questão, na interpretação de seus próprios trabalhos. tornando impossível, portanto, qualquer síntese acabada. A totalidade experimentada por meio deles é precária, porque insiste-se no permanente intercâmbio das partes em ação umas sobre as outras como feixes de relações e em constante movimento. Assim, devido às múltiplas e imprevisíveis conexões que apontam para uma realidade múltipla e sempre transformável, essa noção de totalidade está em correspondência com a idéia de um "fundamentalmente aberto", como imensidão do futuro e do passado.12 12 Recorro-me, aqui, a um conceito apresentado por Deleuze (1983, p. 69-76) em seu trabalho sobre cinema.

Como conseqüência desse significado de totalidade como o "fundamentalmente aberto" encontra-se o valor aqui colocado não mais no sujeito individual do "humanismo moderno", mas, no decréscimo progressivo da idéia de subjetividade, na atual constituição de um sujeito trans-subjetivo.13 13 Mário Costa, teórico da estética da comunicação contemporânea, oferece-nos um conceito semelhante ao que estou usando com o termo trans-subjetivo. Para Costa, o sujeito que se manifesta na arte tecnológica é um sujeito impessoal, segundo ele, ultra-subjetivo, porque da ordem do "ultra-humano". O que ela faz aparecer é essa idéia de potência humana que, para Costa, está relacionada com a estrutura e o funcionamento lógico matemático do intelecto. Segundo Costa, o que é oferecido pela arte tecnológica à nossa extasiada contemplação é nada menos que a realização do funcionamento do intelecto humano. Ela é capaz de por em obra uma objetividade sublime _ a razão humana _ que sem pertencer a ninguém auxilia como acréscimo na vida espiritual de todos (Costa, 1995).

O que é espiritual ou sagrado (isto é, "poderoso") não é, pois, o "in-divíduo", isto é, aquele que não pode ser dividido. De acordo com essa proposta poética, se cada sujeito é específico ele está, ao mesmo tempo, indestrutivelmente conectado com todas as outras esferas do "ser" que, agindo umas sobre as outras, o tornam um ser em expansão, porque aquilo que ele é está disperso, não sendo encontrado senão como transformação.14 14 Essa interpretação inspira-se nos conceitos de "in-divíduo" _ relativo a uma noção de pessoa que não pode ser dividida, porque se credita valor à sua pretensa consistência interna _ e de "divíduo" _ relativo a uma noção de pessoa que não é considerada em si mesma ou por si mesma, porque o que ela é está disperso na expansão das relações sociais proporcionada pela disseminação das dádivas _ oferecidos por Marilyn Strathern para distinguir a visão melanésia (e de outras culturas) da imaginação moderna ocidental que unifica a identidade da pessoa como "in-divíduo" (Strathern, 1999).

O termo de Diana Domingues para expressar essa natureza multiperspectivista do mundo e da condição humana é o de "propagações da consciência". Com a ajuda de suas obras-dispositivo, o que se busca é a exacerbação, nos agentes interativos, de uma sensação de participar de uma força criação _ de um "poder xamânico", na terminologia de Domingues _ sem lugar fixo ou determinado, porque se encontra disperso como potencialidade ou virtualidade. Força invisível capaz de fazer com que coisas, seres, sistemas e fenômenos diferentes se inter-relacionem e interajam; capaz de proporcionar a comunicação e o trânsito entre eles e oferecer encontros que não podem ser estabelecidos a não ser como transformações.

Entrar em transe, por meio dessas obras-dispositivos é, nesse caso, "viver" intelectual e emocionalmente essa sensação de participar de uma força criadora que se faz e se desfaz constantemente, para além do sujeito individual, porque se faz por meio de conectividades múltiplas e indeterminadas. O que é sagrado (ou espiritual) não é o "in-divíduo", mas essa força criativa da qual o sujeito participa como "divíduo", em suas múltiplas, dispersas e imprevisíveis relações.

Trata-se, enfim, de uma espiritualidade atéia que, sem se vincular a qualquer religião e sem se caracterizar, ao menos, como religiosa, deixa-se permear por experiências provenientes de campos ambíguos de ritualização, para trazer à consciência dos participantes uma "verdade" a ser contemplada por eles, depois de a terem experimentado pelos sentidos _ uma idéia sobre a natureza fluida das fronteiras entre o humano e o sagrado. Convém observar aqui, aproveitando a sugestão de Couchot, que é esse apelo à emoção e à vida que faz com que a arte virtual, no caso a de Diana Domingues, não seja reduzida a uma simples abstração lógico-matemática. Nessa perspectiva, a função da arte permanece fundamentalmente anagógica, provocadora de êxtase e arrebatamento, para elevar a alma na contemplação das coisas divinas (Couchot, 2003, p. 283).

De modo semelhante aos novos movimentos religiosos e à espiritualidade nova-era, as obras-dispositivo de Diana Domingues parecem sugerir a existência, senão de deus, de algo percebido como divino: a incomensurabilidade sagrada da vida como um ser incompleto. Segundo essa vertente artístico-espiritual, o processo de reorganização contínua e incessante da vida, interpretado como "propagações da consciência", dá-se, assim, através de sujeitos "dividuais" e do grande jogo das transformações.15 15 A ênfase dada ao caráter espiritual da expansão do universo em correspondência com a expansão da consciência humana (ou "propagações da consciência", nos termos de Domingues), clamando por uma redefinição da concepção de sujeito como feixe de relações, parece colocar essa vertente artística em sintonia com certas propostas das chamadas self religiosities contemporâneas; uma espiritualidade que nega e afirma duas dimensões diferentes do self, quando se está à procura da transformação do "ego" in-dividual (pólo das identidades fixas, das categorias sócio-culturais substantivas) em self dividual (pólo da abertura, do alargamento, do enriquecimento, do desenvolvimento, das aproximações e das relações), na busca do eterno tornar-se ou perpétua transformação do ser. (Amaral, 2000, 2003b).

Fica afastada dessa concepção artístico-espiritual qualquer conotação de onipotência, seja dos homens, do espírito ou do divino. Ao contrário de onipotência, o que fica evidenciado na provocação desencadeada por meio dos trabalhos interativos de Domingues é a idéia de uma criação não essencialista da vida, demandando uma postura de incessante interatividade, conectividade e transformabilidade.

Ao contrário de onipotência, eles acabam por realçar uma dependência radical de todas as partes envolvidas na criação, do natural ao artificial, do orgânico ao tecnológico, do arcaico ao moderno, do subjetivo ao trans-subjetivo, do humano ao ultra-humano, para, enfim, tornar evidente, visível e vivenciada, a interdependência entre o humano e o espiritual, entre o humano e o sagrado (ou divino).

Não se concretizaria, nesse caso, as sombrias profecias do século XX que previam que, através da técno-ciência, o homem, concentrado sobre si próprio e conduzido pelo mito da razão humanista e pelo mito da purificação do real pela formulação lógico-matemática, tornar-se-ia um deus para si mesmo.16 16 Opinião compartilhada com Paulo Afonso Araújo (2004) ao defender seu argumento sobre o interesse pela mística no mundo contemporâneo. Arrisco-me a dizer que a poética de Diana Domingues apresenta sintonias com tal interesse pela mística, apesar de guardar, contudo, características não religiosas. Através do virtual, procurar-se-ia impor uma "guerra contra a fragilidade, a dor, o desgaste" (Lévi, 1996, p. 79), para além dos perigos e impurezas ordinários, fazendo-se ressaltar as características do "in-divíduo". O paradoxo da arte virtual interativa de Diana Domingues está na sua capacidade de "virtualizar a virtualização",17 17 Expressão usada do Pierre Lévi referindo-se à arte como virtualização da virtualização (Lévi,1996, p. 79). porque ela acaba por produzir um descaminho na atualização da verdade sobre a pureza e a indivisibilidade do real, ao introduzir em sua obra aquilo que os algoritmos não oferecem _ a complexidade do real através da reintrodução da emoção, da ambigüidade e da impureza na ordem do cálculo. Diana Domingues denuncia, à sua maneira, sem retrair-se dos avanços da tecnologia numérica, o motor da virtualização. Ela problematiza, para usar uma expressão de Pierre Lévi, "o esforço incansável, às vezes fecundo e sempre fadado ao fracasso, que empreendemos para escapar da morte" (Lévi, 1996, p. 79).

O caráter sacrificial de suas instalações, como fora sugerido pela metáfora xamânica da oferta do sangue como uma oferenda à vida, na instalação TRANS-E: Meu Corpo, Meu Sangue, adquire, enfim, em minha interpretação, seu significado mais amplo. O que nelas se sacrifica é o "in-divíduo" da imaginação ocidental para fazer manifestar, via conectividades e transformabilidades, o "divíduo" como dádivas, dispersas no modo dialógico desencadeado pelas obras-dispositivos, isto é, pelo incessante devir, tanto da obra como de seus co-autores sob o constante vaivém do olhar e da ação de um frente ao outro.

Recebido em 31/10/2007

Aprovado em 03/03/2008

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  • AMARAL, Leila. De que Deus que se brinca na arte biotecnológica?. 2007. Paper apresentado no Seminário Temático "Imagética e religião: mediações tecnológicas e fluxos de sentido na contemporaneidade" (ST19), durante o 31. Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 2007, Caxambu. Disponível em: <http://201.48.149.89/anpocs/arquivos/15_10_2007_12_15_0.pdf>. Acesso em: 30 out. 2007.
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  • DOMINGUES, Diana. A arte interativa e o transe eletrônico 1998b. Texto apresentado no Instituto Cultural Itaú. Disponível em: <http://artecno.ucs.br/livros_textos/textos_site_artecno/7_outras_publicacoes/palestra_itau_1998.rtf>. Acesso em: 28 mar. 2008.
  • DOMINGUES, Diana. Interactivity and ritual: body dialogues with artificial systems. 1999. Disponível em: <http://www.siggraph.org/artdesign/gallery/S99/essays/dianafull.html> Acesso em: 29 mar 2008.
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  • STRATHERN, Marilyn. Property, substance, and effect: anthropological essays on person and thinks. London: The Athlone Press, 1999.
  • *
    Versão traduzida e modificada do paper "The sacred in the cyberart of Diana Domingues and her shamanistic network", apresentado no congresso Altered States: Transformations of Perception, Place and Performance, promovido pelo Planetary Collegium da Universidade de Plymouth, Inglaterra, e dirigido por Roy Ascott, 2005. Trata-se de um texto seminal, primeiro resultado de uma pesquisa sobre essa vertente da arte contemporânea, a ciberarte, e parte de uma pesquisa mais ampla que envolve mais duas vertentes: a arte do informe e a bioarte.
  • 1
    Ver, especialmente, Amaral (2003a, 2007, 2008).
  • 2
    Para acompanhar os trabalhos de Diana Domingues, acesse o
    site
  • 3
    Conceito apresentado por Costa (1995).
  • 4
    Obra exposta no Isea/97, Chicago, no
    The Eight International Symposium on Eletronic Art, e na Galeria de Arte da Universidade de Caxias do Sul. Essa instalação recebeu o prêmio Unesco 2000 para a promoção das Artes, na 7
    a Bienal de Havana, Cuba. Para ver imagens desse trabalho, acesse o
    site
  • 5
    Ver Domingues (1998a) e "Interactivity and Ritual: Body Dialogues with Artificial Systems". Disponível no site
  • 6
    Os trabalhos de Gilbertto Prado, artista plástico e professor da Universidade de Campinas (Brasil), e os de Roy Ascott, da Universidade de Plymouth (Inglaterra), tornam explícitos esses aspectos da ampliação da comunicação humana e o da expansão da consciência humana ao salientarem os efeitos propiciados pelas obras-dispositivos, em ambientes virtuais multiusuário. Ver Prado (2003a, 2003b) e Ascott (1997). Ver, especialmente, o projeto "Desertesejo", de Gilbertto Prado, um ambiente virtual multiusuário que coloca 50 participantes
    on-line simultaneamente (
  • 7
    Todavia, é preciso ressaltar, como faz Magnani (1999, p. 119) em relação às terapias espirituais xamânicas no universo neo-esotérico urbano, que "o qualificativo xamânico é mais evocativo do que realmente constitutivo de uma prática clara e especificamente demarcada". A metáfora e o uso de símbolos xamânicos são tomados de empréstimo das sociedades que praticam o xamanismo, mas não se trata, aqui, de uma variante do xamanismo tal como este tem sido apresentado por antropólogos, no contexto sociológico e cosmológico dos grupos estudados.
  • 8
    Para essa concepção de "sagrado sem lugar", ver, especialmente, Amaral (2000, 2003b).
  • 9
    A ênfase na metáfora xamânica, dada por essa arte que explora o caráter sagrado da potência humana na esfera do trans-subjetivo, encontra inspiração mais em trabalhos de antropólogos, como Lévi-Strauss e E. J. Langdon, aos quais Diana Domingues faz referências em seus artigos, do que em práticas terapêutico-espirituais da psicologia transpessoal, particularmente incorporadas nos rituais de cura do tipo xamânico, no universo neo-esotérico urbano. Não se trata, aqui, de fazer aparecer o valor terapêutico do xamanismo, para utilizá-lo como técnica ou instrumento de cura, mesmo que no seu sentido mais amplo de "cura espiritual", mas de fazer manifestar, através da
    performance e da interatividade, uma "força impessoal" relativa a essa idéia de "potência humana".
  • 10
    Diana Domingues utiliza-se da metáfora do deserto, do deserto das paixões, para se referir ao vazio das paixões (públicas e políticas, dos grandes ídolos e das grandes narrativas, dos textos lineares e das verdades acabadas), à instabilidade de identidades em flutuações, às contaminações do "eu", etc. (Domingues, 1998a).
  • 11
    Tomo emprestada essa expressão de Juremir Machado da Silva ao referir-se ao conceito de "complexidade" de Edgar Morin, conceito, aliás, muito utilizado pela corrente artística em questão, na interpretação de seus próprios trabalhos.
  • 12
    Recorro-me, aqui, a um conceito apresentado por Deleuze (1983, p. 69-76) em seu trabalho sobre cinema.
  • 13
    Mário Costa, teórico da estética da comunicação contemporânea, oferece-nos um conceito semelhante ao que estou usando com o termo trans-subjetivo. Para Costa, o sujeito que se manifesta na arte tecnológica é um sujeito impessoal, segundo ele, ultra-subjetivo, porque da ordem do "ultra-humano". O que ela faz aparecer é essa idéia de potência humana que, para Costa, está relacionada com a estrutura e o funcionamento lógico matemático do intelecto. Segundo Costa, o que é oferecido pela arte tecnológica à nossa extasiada contemplação é nada menos que a realização do funcionamento do intelecto humano. Ela é capaz de por em obra uma objetividade sublime _ a razão humana _ que sem pertencer a ninguém auxilia como acréscimo na vida espiritual de todos (Costa, 1995).
  • 14
    Essa interpretação inspira-se nos conceitos de "in-divíduo" _ relativo a uma noção de pessoa que não pode ser dividida, porque se credita valor à sua pretensa consistência interna _ e de "divíduo" _ relativo a uma noção de pessoa que não é considerada em si mesma ou por si mesma, porque o que ela é está disperso na expansão das relações sociais proporcionada pela disseminação das dádivas _ oferecidos por Marilyn Strathern para distinguir a visão melanésia (e de outras culturas) da imaginação moderna ocidental que unifica a identidade da pessoa como "in-divíduo" (Strathern, 1999).
  • 15
    A ênfase dada ao caráter espiritual da expansão do universo em correspondência com a expansão da consciência humana (ou "propagações da consciência", nos termos de Domingues), clamando por uma redefinição da concepção de sujeito como feixe de relações, parece colocar essa vertente artística em sintonia com certas propostas das chamadas
    self religiosities contemporâneas; uma espiritualidade que nega e afirma duas dimensões diferentes do
    self, quando se está à procura da transformação do "ego" in-dividual (pólo das identidades fixas, das categorias sócio-culturais substantivas) em
    self dividual (pólo da abertura, do alargamento, do enriquecimento, do desenvolvimento, das aproximações e das relações), na busca do eterno tornar-se ou perpétua transformação do ser. (Amaral, 2000, 2003b).
  • 16
    Opinião compartilhada com Paulo Afonso Araújo (2004) ao defender seu argumento sobre o interesse pela mística no mundo contemporâneo. Arrisco-me a dizer que a poética de Diana Domingues apresenta sintonias com tal interesse pela mística, apesar de guardar, contudo, características não religiosas.
  • 17
    Expressão usada do Pierre Lévi referindo-se à arte como virtualização da virtualização (Lévi,1996, p. 79).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      03 Mar 2008
    • Recebido
      31 Out 2007
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