Acessibilidade / Reportar erro

Marcel Mauss e a cumulatividade de saberes

Resumo

A “Série Mauss”, em nove volumes, busca romper com a oposição entre a antropologia estrutural e a sociologia durkheimiana, que marcou as edições francesas anteriores, para estabelecer as condições de uma cumulatividade de conhecimentos nas ciências humanas e sociais. Para além do Ensaio sobre a dádiva, a análise sistemática do contexto triplo da obra - sua concepção, suas diferentes edições, suas sucessivas recepções - mostra sua profunda coerência teórica e suas inflexões ligadas à história intelectual e política, mas também o que hoje percebemos como as idas e vindas entre “aqui” e “lá”. Depois dos especialistas na religião e no simbólico, são agora os especialistas em tecnologia, linguagem, corpo, psique e meio ambiente que retomam seu trabalho. O que nos encoraja a buscar nele os recursos cognitivos e morais para retomar o futuro graças a um diálogo tranquilo entre as ciências sociais e as ciências naturais.

Palavras-chave:
L’année sociologique; epistemologia; interdisciplinaridade; cumulatividade de conhecimento.

Résumé

La « série Mauss » en 9 volumes cherche à rompre avec l’opposition entre anthropologie structurale et sociologie durkheimienne qui a marqué les précédentes éditions françaises pour instaurer les conditions d’une cumulativité des savoirs en sciences humaines et sociales. Au-delà de l’Essai sur le don, l’analyse systématique du triple contexte de l’œuvre - sa conception, ses différentes éditions, ses réceptions successives - donne à voir sa profonde cohérence théorique et ses infléchissements liés à l’histoire intellectuelle et politique, mais aussi ce que nous percevons aujourd’hui comme des allers et retours entre « ici » et « là-bas ». Après les spécialistes de la religion et du symbolique, ce sont les spécialistes des techniques, du langage, du corps, de la psyché et de l’environnement qui s’emparent de son œuvre. Voilà qui encourage à y puiser les ressources cognitives et morales pour réouvrir l’avenir grâce à un dialogue apaisé entre sciences sociales et sciences de la nature.

Mots-clés:
L’année sociologique; épistémologie; interdisciplinarité; cumulativité des savoirs

Abstract

Mauss series’ 9 volumes published by PUF between 2012 and 2021 seek to break with the Great Divide between structural anthropology and durkheimian sociology that marked the previous French editions and to promote the conditions for knowledge accumulation in humanities and social sciences. Beyond The gift, the analysis of maussian works’ triple context - that of their conception, that of their different editions, that of their successive receptions - shows both their theoretical consistency and redirections due to intellectual and political history. The series highlights how Mauss used the back and forth movement between Here and There that characterizes today the ethnographic approach. After specialists of religion and symbolic, new scientific appropriations come from specialists of techniques, language, body, psyché and environnement. This should inspire us to reload Mauss’works in order to acquire cognitive and moral resources while reopening the future thanks to an appeased dialog between social sciences and natural sciences.

Keywords:
L’Année sociologique; epistemology; interdisciplinarity; knowledge accumulation

Introdução

Quando, aceitei, em 2006, a proposta de Serge Paugam para escrever o prefácio da primeira edição francesa do Ensaio sobre a dádiva, num volume em separado (Weber, 2007WEBER, F. Vers une ethnographie des prestations sans marché. In: MAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Paris: PUF, 2007. p. 7-62. (Coll. Quadrige).) para a Presses Universitaires de France (PUF), eu tinha plena consciência da honra que me fora conferida, mas não tinha ideia da aventura humana e editorial em que estava prestes a embarcar. Assumi o desafio graças à etnografia dos trabalhos paralelos que realizara 15 anos antes num meio de operariado rural (Weber, 1989WEBER, F. Le travail à-côté: étude d’ethnographie ouvrière. Paris: EHESS-INRA, 1989.), mas também porque participara durante muitos anos de uma cooperação empírica com uma ciência econômica mais formalizada para analisar a articulação entre a produção de mercado e a produção doméstica de saúde, no caso da assistência profissional e familiar a pessoas dependentes (Gramain; Weber, 2001GRAMAIN, A.; WEBER, F. Ethnographie et économétrie: pour une coopération empirique. Genèses, [s. l.], v. 44, n. 3, p. 127-144, 2001. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.3917/gen.044.0127 . Accès: 30 août 2022.
https://doi.org/10.3917/gen.044.0127...
; Roquebert; Fontaine; Gramain, 2018ROQUEBERT, Q.; FONTAINE, R.; GRAMAIN, A. Aider un parent âgé dépendant. Configurations d’aide et interactions dans les fratries en France. Population, [s. l.], v. 73, n. 2, p. 323-350, 2018.). Também conseguimos construir, com base em dados da Alta Idade Média europeia, uma complementaridade entre as ferramentas da economia, da antropologia e da história, para estudar as relações entre poder e parentesco graças a uma minuciosa descrição do valor das contrapartidas, do quadro das trocas e das relações entre seus protagonistas (Feller; Gramain; Weber, 2005FELLER, L.; GRAMAIN, A.; WEBER, F. La fortune de Karol: marché de la terre et liens personnels dans les Abruzzes au haut Moyen Âge. Roma: École française de Rome, 2005. (Collection de l’École française de Rome 347).). Eu esperava que, ao colocar a etnografia econômica, então em construção (Dufy; Weber, 2023DUFY, C.; WEBER, F. La nouvelle anthropologie économique. Paris: La Découverte, 2023. (Coll. Repères).), a serviço de uma releitura do Ensaio sobre a dádiva, pudesse abalar a separação particularmente forte na França, embora tenha sido instituída lá mais tarde do que em qualquer outro lugar, entre uma sociologia reduzida ao estudo das sociedades “ocidentais modernas”, ou mesmo apenas ao da sociedade francesa, e uma antropologia social que permaneceu em grande parte restrita ao estudo do Lá.1 1 Esta divisão é encontrada de diferentes formas na universidade e no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Em 2022, o Conselho Nacional das Universidades separa a sociologia na seção 19 “Sociologia, demografia”, e a etnologia na seção 20, “Antropologia biológica, etnologia, pré-história”. Em 2022, a sociologia está presente no CNRS nas seções 36, “Sociologia e ciências jurídicas”, e 40, “Política, poder, organização”; a antropologia social na seção 38, “Antropologia e estudo comparativo das sociedades contemporâneas”; e a antropologia biológica não se insere na categoria das ciências humanas e sociais. Em outras palavras, a universidade conserva uma unidade por vezes artificial entre a pré-história e a antropologia do presente, enquanto o CNRS mantém uma separação estrita entre as ciências da natureza (incluindo o homem na natureza) e as ciências das sociedades humanas.

Quando a revista Horizontes Antropológicos me convidou, em 2022, a comemorar o centenário2 2 O princípio da datação da revista L’Année sociologique durante a vida de Durkheim e para os dois números editados por Marcel Mauss após a sua morte é baseado na data das publicações enumeradas e não na data da elaboração de suas resenhas. É por isso que o Ensaio sobre a dádiva, que aparece em um volume datado de 1923-1924 e impresso em 1926, foi escrito em 1925. do Ensaio sobre a dádiva, decidi aproveitar a oportunidade oferecida para colocar esse texto, que se tornou um “clássico europeu”, no contexto editorial, científico e político da sua escrita e da sua recepção cem anos mais tarde, mas também no conjunto denso, mas extraordinariamente rico, desse autor. Tive a sorte, sem dúvida, de coordenar a edição em nove volumes de textos selecionados e comentados na coleção “Quadrige” da PUF, na “Série Mauss”, cujo último volume foi publicado em 2021 (Weber, 2012-2021WEBER, F. (dir.). [Série Mauss]. Paris: PUF, 2012-2021. 9 v. (Coll. Quadrige).).3 3 Neste artigo, o número de cada volume da série será referenciado junto ao nome de autor e data. Pude assim dar continuidade ao trabalho iniciado com o Ensaio sobre a dádiva: romper com a divisão que havia sido construída na França, de 1950 a 1968, entre um “segundo Mauss” plenamente antropólogo e um “primeiro Mauss” próximo de Durkheim e mostrar a coerência de sua obra. Nascida de e para um trabalho de equipe, essa obra sofreu inflexões ligadas à história intelectual mundial, em particular quanto à disponibilidade de novas fontes etnográficas e à emergência de novos debates, bem como à história política europeia, à qual Mauss continuou a consagrar uma intensa atenção. Sua reedição nos permite refletir, sem dúvida pela primeira vez, sobre as idas e vindas sistemáticas entre o “Aqui” e o “Lá” realizadas por Mauss e pelos primeiros durkheimianos, contribuindo para responder a uma questão de método: como nos livrar, na prática, da Grande Divisão entre o Ocidente e o resto do mundo? Para concluir, voltamos à pluridisciplinaridade de fato, de ambos os lados da fronteira entre as ciências da natureza e as ciências das sociedades, que foi imposta para essa reedição. Vamos então propor um método para restaurar uma cumulatividade de saberes (Pumain, 2005PUMAIN, D. Cumulativité des connaissances. Revue européenne des sciences sociales, [s. l.], t. 43, n. 131, p. 5-12, 2005.) a partir do compartilhamento de materiais etnográficos.

Para além da Grande Divisão

Como todos os estudiosos francófonos da minha geração, li e reli Mauss na coletânea Sociologia e antropologia (Mauss, 1950MAUSS, M. Sociologie et anthropologie. Avec une introduction de Claude Lévi-Strauss et un avertissement de George Gurvitch. Paris: PUF, 1950. (Coll. Bibliothèque de sociologie contemporaine).), introduzida por Claude Lévi-Strauss na coleção “Bibliothèque de sociologie contemporaine” da PUF, dirigida por George Gurvitch, e na coletânea Ensaios de sociologia (Mauss, 1971MAUSS, M. Essais de sociologie. Paris: Minuit, 1971. (Folio).) em edição de bolso, sem introdução ou aparato crítico, a partir da edição Karady de três volumes de suas Obras (Mauss, 1968-1969MAUSS, M. Œuvres. Éd. Victor Karady. Paris: Minuit, 1968-1969. 3 v.) na coleção “Le sens commun”, realizada por Pierre Bourdieu na editora Éditions de Minuit. Desse modo, sabia o que a tradição francesa tinha perdido ao desmembrar a obra de Mauss entre o precursor da antropologia estrutural e o sobrinho de Durkheim, este 15 anos mais velho. Eu quis, de algum modo, afastar Marcel Mauss de Claude Lévi-Strauss sem o devolver inteiramente a Pierre Bourdieu, pelo menos ao Bourdieu sociólogo construído pela sua recepção francesa,4 4 Os leitores anglófonos reconheceram Pierre Bourdieu já há muito tempo como antropólogo, algo que continua a ser relativamente raro na academia francesa. para reencontrar o poder conceitual e metodológico da ciência das sociedades fundada pela revista L’Année sociologique, unificada e aberta ao diálogo com as ciências da natureza. É por isso que a “Série Mauss” junta as peças do quebra-cabeça, sempre levando em conta a descoberta dos seus escritos políticos (Mauss, 1998MAUSS, M. Écrits politiques. Textes réunis et présentés par Marcel Fournier. Paris: Fayard, 1998.), pouco citados pelos antropólogos (Copans, 1999COPANS, J. Œuvre secrète ou œuvre publique. Les écrits politiques de Marcel Mauss. L’Homme, [s. l.], v. 39, n. 150, p. 217-220, 1999.), e as condições de seu trabalho intelectual (Bert, 2012BERT, J.-F. L’Atelier de Marcel Mauss: un anthropologue paradoxal. Paris: CNRS Éditions, 2012.).

Apresentar o Ensaio sobre a dádiva, em 2007, permitia participar dos debates dos anos 2000 sobre a seguridade social francesa. Eu estava terminando um longo trabalho de pesquisa coletivo sobre a relação entre a família e o Estado na assistência a pessoas dependentes (Gojard; Gramain; Weber, 2003GOJARD, S.; GRAMAIN, A.; WEBER, F. Charges de famille: dépendance et parenté dans la France contemporaine. Paris: La Découverte, 2003. (Coll. Textes à l’appui/Enquêtes de terrain).). Depois de ter distinguido a gênese do texto e a pluralidade de suas leituras desde 1930, destaquei a concepção maussiana dos benefícios sociais como uma “contradádiva” da sociedade, representada pelo Estado, em resposta à sua dívida para com os membros que asseguram a sua produção e reprodução. Embora ele colocasse esses benefícios ao longo da história do direito no âmbito de toda a humanidade, também os procurava nos recentes avanços do direito social ocidental: “Na realidade, as antigas e novas leis da ‘homestead’ e as leis francesas mais recentes sobre ‘bens de família impenhoráveis’ são uma persistência do antigo Estado e um retorno ao mesmo” (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7)., p. 224; Weber, 1998WEBER, F. L’honneur des jardiniers: les potagers dans la France du XXe siècle. Paris: Belin, 1998. (Coll. Socio-histoire).). Como um etnógrafo que se utiliza de todos os recursos disponíveis, Mauss analisa dados heterogêneos - documentos escritos, sonoros, visuais - com grande precisão contextual (contexto da pesquisa, contexto da sociedade estudada) e permite aos etnógrafos contemporâneos examinar separadamente o quadro das trocas (instituído ou bricolado) e as relações entre parceiros (pessoais ou anônimos). Mauss ajuda a distinguir quatro tipos de prestações: troca mercantil, com uso de moeda (compra e venda, inclusive a crédito, que se baseia em diversas instituições: mercado, moeda, banco, corretores); sem uso de moeda (permuta, gimwali, letra de câmbio, vale, inclusive a crédito); troca maussiana com uma contrapartida adiada (kula do Pacífico, no qual patrimônios e reputações se acumulam; potlatch agonístico, no qual as riquezas são destruídas para acumular poder); e dádiva pura (sem expectativa de contrapartida). Descobrimos, então, que as relações pessoais entre parceiros podem ser compatíveis com todo tipo de troca, desde que sejam estabelecidas fronteiras estanques entre os diversos papéis sociais (no parentesco, no mercado, no universo político, etc.). Acusações e conflitos florescem quando essas fronteiras instituídas perdem a sua eficácia (Weber, 2000WEBER, F. Transactions marchandes, échanges rituels, relations personnelles. Une ethnographie économique après le Grand Partage. Genèses, [s. l.], n. 41, p. 85-107, 2000.).

Nos anos 2000, o “modelo social francês” estava sob ataque, intelectual e político. O universalismo da assistência social - que tinha homogeneizado a variedade de benefícios da classe operária e da família na França - se tornara um engodo para aqueles excluídos do mercado de trabalho e para as famílias monoparentais, que passaram de “sujeitos de direitos” a “beneficiários”, sendo reduzidos a uma forma estatal de caridade. A teoria de troca entre os pobres e o Estado, então em voga, inspirava-se numa concepção de seguridade social inversa à de Mauss, um retorno à caridade humilhante: os benefícios recebidos já não eram um direito, mas uma “dádiva”, e o Estado esperava receber uma “contradádiva” por parte dos pobres, levando-os a uma espiral da dívida. Reler Mauss permitia voltar à concepção mutualista original: os benefícios são, para aqueles que os recebem, um direito e não uma dívida, e, para aqueles que os dão, uma retribuição e não uma doação. Utilizei então o Ensaio sobre a dádiva como argumento contra a doxa da época, brilhantemente formulada pelo cientista político dinamarquês Gøsta Esping-Andersen (1990)ESPING-ANDERSEN, G. Les trois mondes de l’État-providence. Paris: PUF, 1990.. Para ele, o modelo francês representava (ao lado dos modelos espanhol e italiano) a versão familiar de um modelo europeu “continental”, cuja versão profissional era representada pelo modelo alemão. A qualificação do modelo continental como “conservador” satisfazia tanto aos defensores do liberalismo anglo-saxão como aos da socialdemocracia escandinava. Provavelmente, eu não avaliara bem a extensão das transformações desde os anos 1980, assim como suas diferenças nacionais e seus efeitos sobre as relações pessoais e sobre a relação com o Estado social. A troca interpessoal maussiana foi reduzida em algumas situações a formas de permuta ou extorsão (por exemplo, na Argentina: Schijman, 2019SCHIJMAN, E. À qui appartient le droit?: ethnographier une économie de pauvreté. Paris: LGDJ, 2019. (Coll. Droit et société).); o Estado social, confrontado com a mobilidade profissional e residencial dos indivíduos encarregados da produção e reprodução da sociedade, despertava cobiça e rejeição, mas não cabe aqui fazer um balanço das políticas sociais mundiais desde os anos 2000.

Acontece que, em 2007, o público francófono estava pronto para uma leitura não estruturalista do Ensaio sobre a dádiva, que restabelecia tanto o contexto de sua escrita como a história francesa de suas interpretações desde 1930. A partir de 2012, a publicação da “Série Mauss” (Weber, 2012-2021WEBER, F. (dir.). [Série Mauss]. Paris: PUF, 2012-2021. 9 v. (Coll. Quadrige).) me permitiu “liquidar” uma dupla revolta juvenil contra Lévi-Strauss. Desde as aulas de filosofia, eu tinha me insurgido contra a sua teoria sobre a troca de mulheres por homens, o que me conduzira à etnografia do parentesco (Weber, 2003WEBER, F. Pour penser la parenté contemporaine. In: DEBORDEAUX, D.; STROBEL, P. Solidarités familiales en questions: entraide et transmission. Paris: LGDJ, 2003. p. 73-106.). Mais tarde, retomando o trabalho de Hubert e Mauss para escrever uma síntese sobre as análises dos ritos, descobri que de sua reedição de Esboço de uma teoria geral da magia tinha sido suprimido não apenas seu texto preliminar, Sobre o sacrifício, mas até mesmo sua introdução (“algumas páginas preliminares foram referidas em apêndice no final deste estudo”, Mauss, 1950MAUSS, M. Sociologie et anthropologie. Avec une introduction de Claude Lévi-Strauss et un avertissement de George Gurvitch. Paris: PUF, 1950. (Coll. Bibliothèque de sociologie contemporaine)., p. 1, 138-141). Henri Hubert falecera em 1927, Marcel Mauss encontrava-se impossibilitado de trabalhar. Restabelecer a ligação entre esses textos nos volumes 1 e 3 da “Série Mauss” me liberou da indignação com o que tinha sentido como uma indecência contra os leitores e como uma violência contra os autores falecidos ou incapacitados, o que hoje se chamaria violação dos direitos morais do autor. Reeditar Mauss era reafirmar os laços entre a etnografia das sociedades contemporâneas e a história das ciências sociais. Era reafirmar a importância de uma leitura acadêmica - ao mesmo tempo rigorosa e respeitosa -, assumindo plenamente seus usos anacrônicos, sem os quais a cumulatividade das ciências sociais não é possível nem fecunda (Barthelemy; Weber, 1989BARTHELEMY, T.; WEBER, F. Les campagnes à livre ouvert: regards sur la France rurale des années 30. Paris: Presses de l’École normale supérieure, 1989.). Isso me permitiu “fazer as pazes” com Claude Lévi-Strauss e foi provavelmente por isso que aceitei participar, em 2008, da cerimônia do seu 100º aniversário, realizada no Musée du Quai Branly Jacques Chirac.

Em 2012, a Introdução à obra de Marcel Mauss de Claude Lévi-Strauss (2012)LÉVI-STRAUSS, C. Introduction à l’œuvre de Marcel Mauss. Paris: PUF, 2012. (Coll. Quadrige). foi publicada na França em volume separado ao lado dos três primeiros volumes da nova série: o Ensaio sobre a dádiva, inserido no projeto integral (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7). - volume 7), a tradução francesa da coletânea Técnicas, tecnologia e civilização, de Nathan Schlanger (Mauss, 2012bMAUSS, M. Techniques, technologie et civilisation. Édition et présentation de Nathan Schlanger. Paris: PUF, 2012b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 8). - volume 8) e o livro póstumo A nação, reconstituído e contextualizado por Jean Terrier e Marcel Fournier (Mauss, 2018aMAUSS, M. La nation, ou le sens du social. Édition et présentation de Marcel Fournier et Jean Terrier. 2e éd. Paris: PUF, 2018a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 6). - volume 6). Quebrou-se um tabu. A cisão surgida em 1968 entre o Mauss antropólogo, britânico (James, 1998JAMES, W. “One of us”: Marcel Mauss and “English” anthropology. In: JAMES, W.; ALLEN, N. J. Marcel Mauss: a centenary tribute. Washington: Smithsonian Libraries and Archives, 1998.) e estruturalista e o Mauss sociólogo e durkheimiano, destacada na coleção “Le sens commun” de Pierre Bourdieu, estaria finalmente superada?

A série sofreu um atraso - sem dúvida, eu subestimara a dificuldade da tarefa - e a cisão, embora abalada, ressurgiu. Os promotores francófonos de um Mauss durkheimiano, seguindo Philippe Besnard, realçaram o primeiro Mauss ao valorizar seu papel na preparação das Formas elementares da vida religiosa de Durkheim, enquanto os seus detratores criticavam a imagem do jovem Mauss como “eterno discípulo”. O Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais ou M.A.U.S.S., nascido em 1981, tinha reduzido Mauss ao Ensaio sobre a dádiva para fazer dele uma marca política passível de sucessivas leituras no decorrer de conflitos internos da esquerda europeia (Fistetti, 2016FISTETTI, F. Le convivialisme, « contre-mouvement » du xxie siècle. Revue du MAUSS, [s. l.], v. 48, n. 2, p. 247-258, 2016.). Cada edição francesa, querendo ou não, entrava numa lógica de potlatch de ramificações mundiais, e mesmo a possibilidade de uma cooperação em vários níveis bem distintos - um gimwali editorial, um kula pacífico e prestigioso entre intelectuais - parecia extinta.

A complexa sociogênese de uma obra

Não se trata de percorrer aqui todos os nove volumes publicados, mas sim de puxar vários fios de um sistema de textos particularmente complexo. Para começar, retomemos os pontos que nos parecem importantes na gênese da obra: 1) o seu caráter coletivo, inicialmente ligado à sua especialização indianista, depois ao seu duplo interesse pelo Aqui e o Lá; 2) a coerência interna de uma obra profundamente durkheimiana, que põe em evidência a diferença entre o plano da morfologia social (condição de possibilidade de integração de uma sociedade) e o da fisiologia social (as estruturas sociais que asseguram a regulação das relações sociais em sua diversidade, na escala das instituições - incluindo a linguagem - ou na escala dos indivíduos - por exemplo, a relação entre o mágico e seus clientes; 3) o duplo contexto que influenciou a obra, o contexto intelectual que ofereceu a Mauss novas fontes etnográficas a serem analisadas e novas teorias antropológicas a serem discutidas, o contexto político com o qual Mauss foi diretamente confrontado e as ligações entre os dois (Faraco Benthien, 2015FARACO BENTHIEN, R. Les durkheimiens et le Collège de France (1897-1918). Revue européenne des sciences sociales, [s. l.], v. 53, n. 2, p. 191-218, 2015.).

Restabelecer a dimensão coletiva da obra

Com base no modelo do Ensaio sobre a dádiva (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7). - volume 7), cada volume da série contém um ou mais textos reeditados (a escolha dos textos epônimos não sofreu alterações), cuidadosamente revistos, sobretudo para tornar a bibliografia da época a mais explícita possível para os leitores do século XXI, e uma apresentação pedagógica em dois momentos: primeiro, a gênese do texto e seu contexto de escrita; em seguida, a longa história de sua recepção. A ordem dos volumes segue a cronologia da escrita das obras apresentadas e não a da sua reedição.

Sou grata a Michel Prigent por ter incluído na série o volume 5 (Hertz, 2015HERTZ, R. Sociologie religieuse et anthropologie: deux enquêtes de terrain (1912-1915). Postface de Marcel Mauss. Édition et présentation de Stéphane Baciocchi et Nicolas Mariot. Paris: PUF, 2015. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 5).), que reúne os dois textos etnográficos de Robert Hertz, “São Besso, estudo de um culto alpestre (1912)”, então conhecido apenas pelos historiadores, e “Contos e ditados recolhidos junto aos soldados da Primeira Guerra em Mayenne e outros fronts (1914)”, então conhecido apenas pelos folcloristas.5 5 Numa retrospectiva, lamento que o título deste volume não tenha sido simplesmente São Besso, estudo de um culto alpestre. Sou agradecida aos seus sucessores por terem respeitado, em uma série consagrada ao “autor” Marcel Mauss, a ordem alfabética dos seus coautores: Hubert e Mauss por Sobre o sacrifício (Hubert; Mauss, 2016HUBERT, H.; MAUSS, M. Essai sur la nature et la fonction du sacrifice. Présentation de Natacha Gagné. Paris: PUF, 2016. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 1). - volume 1) e por Esboço de uma teoria geral da magia (Hubert; Mauss, 2017HUBERT, H.; MAUSS, M. Esquisse d’une théorie générale de la magie. Présentation de Frédéric Keck et Arnaud Morvan. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 3). - volume 3), Durkheim e Mauss por Algumas formas primitivas de classificação (Durkheim; Mauss, 2017DURKHEIM, É.; MAUSS, M. De quelques formes primitives de classification: contribuition à l’étude des représentations collectives. Présentation de Jules Salomone. Texte établi par Éric Brian et Florence Weber. Paris: PUF, 2017. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 2). - volume 2). A série evidencia assim a autoria coletiva da qual Mauss tinha sido um pilar desde 1899, mas também o sobrevivente de uma equipe dizimada, que assegurou até 1928 as edições póstumas das obras dos falecidos, em gesto de homenagem - como Mallarmé no túmulo de Charles Baudelaire ou Ravel no túmulo de Couperin. Mauss assumiu a dimensão social desse luto, ele que conhecia, pela etnografia, as variações sócio-históricas dos rituais que asseguram o futuro do grupo para além da morte de seus membros, do monumento de pedra à cremação, do discurso ao silêncio. A série recorda igualmente as ligações entre os textos acadêmicos e o seu duplo contexto, familiar e de amizade, político e de amizade, acessível graças às edições dos textos políticos de Mauss (1998)MAUSS, M. Écrits politiques. Textes réunis et présentés par Marcel Fournier. Paris: Fayard, 1998. e de várias correspondências (Durkheim, 1998DURKHEIM, É. Lettres à Marcel Mauss. Présentées par Philippe Besnard et Marcel Fournier. Paris: PUF, 1998. (Coll. Sociologies).; Hubert; Mauss, 2021HUBERT, H.; MAUSS, M. Correspondance (1897-1927). Édition de Rafael Faraco Benthien, Christophe Labaune et Christine Lorre. Paris: Classiques Garnier, 2021. (Coll. Bibliothèque des sciences sociales).).

Na década de 2010, a história da antropologia recém saía de um período em que sua crítica passava pela crítica do “antropólogo como autor” (Geertz, 1988GEERTZ, C. Works and lives: the anthropologist as author. Cambridge: Polity Press, 1988., 1996GEERTZ, C. Ici et là-bas: l’anthropologue comme auteur. Paris: Métailié, 1996.) e pela oposição entre o etnógrafo de campo e o antropólogo de gabinete. Os personagens intermediários, “informantes nativos” ou coautores de textos publicados (Weber, 2014WEBER, F. Brève histoire de l’anthropologie. Paris: Flammarion, 2014., p. 192 et seq.), mal começavam a ser evidenciados, particularmente graças à acessibilidade inédita dos arquivos científicos nas ciências sociais, que permitiu reconstituir o sistema das relações estabelecidas entre o mundo acadêmico e os mundos indígenas, correndo o risco de se perderem nesse campo exuberante ou de ter de queimá-lo para seguir em frente.

A coerência da obra: morfologia e fisiologia

Sem retomar em detalhes a argumentação da série, é possível dar alguns indícios da coerência teórica da obra de Mauss. Desde a estadia em Bordeaux, Mauss, estudando, e Durkheim, iniciando como professor universitário, tinham concordado que o primeiro deveria se especializar no campo do “pensamento religioso”, precedido até então pela filosofia, pelo estudo filológico dos textos religiosos e pela história e arqueologia das tradições religiosas. Este era o caldeirão da antropologia britânica da época. Mauss tornou-se, em acordo com Durkheim, um especialista da Índia antiga sob a autoridade de Sylvain Levi, nove anos mais velho, que considerava como seu “segundo tio” (Fournier, 2007FOURNIER, M. Marcel Mauss et Sylvain Lévi. Une communauté de pensée et de culture. In: BANSAT-BOUDON, L.; LARDINOIS, R. (dir.). Sylvain Lévi (1863-1935): études indiennes, histoire sociale: actes du colloque tenu à Paris les 8-10 octobre 2003. Turnhout: Brepols, 2007. p. 221-236. (Bibliothèque de l’École des Hautes Études, Sciences Religieuses 130). Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.1484/M.BEHE-EB.4.2017125 . Accès: 30 août 2022.
https://doi.org/10.1484/M.BEHE-EB.4.2017...
). As relações entre Mauss e os dois tios são marcadas por uma diferença de gerações - no caso por uma pequena diferença de idade, 15 e 9 anos - sem qualquer autoridade paterna. As cartas de Durkheim a Mauss (Durkheim, 1998DURKHEIM, É. Lettres à Marcel Mauss. Présentées par Philippe Besnard et Marcel Fournier. Paris: PUF, 1998. (Coll. Sociologies).), nas quais o mais velho critica continuamente o comportamento desregrado do sobrinho sem qualquer efeito visível, e as cartas de Mauss a Hubert, nas quais confessa em 1916 preferir a guerra à L’Année sociologique (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9)., p. 37 - volume 9), são geralmente lidas como indícios de paternalismo e revolta, o que poderia ser interpretado como uma relação de brincadeira do tipo agonístico (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9)., p. 223 et seq. - volume 9).

As monografias de Hubert e Mauss sobre sacrifício e magia revelam um método de trabalho em ação que Mauss nunca abandonou, e cuja melhor explicitação se encontra no início de A prece (Mauss, 2019MAUSS, M. La prière. Présentation de Florence Weber et Nicolas Sembel. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 4)., p. 85 et seq. - volume 4): construir um objeto de estudo, dar-lhe uma definição provisória, fazer um estudo crítico das fontes coletadas; depois relacionar sistematicamente as ideias religiosas - graças à sua cultura filológica, lia sânscrito, grego e latim, iconografia para o estudo dos objetos e arqueologia graças a Hubert - e as práticas dos diferentes atores do campo religioso, conforme pode-se reconstituir com a ajuda de documentos heterogêneos; associar ideias e práticas ao sistema de relações que une esses atores, profetas, sacerdotes, padrinhos, fiéis, mágicos.

Quando, nos textos escritos após a guerra, Mauss se afasta da questão do pensamento religioso, ele continua a estabelecer ligações entre os materiais dos quais faz uma crítica sistemática - escritos, objetos, imagens, ocasionalmente suas próprias experiências - e uma análise sociológica sempre organizada de acordo com essas duas dimensões: a morfologia social (as infraestruturas materiais que permitem os contatos entre os membros de uma sociedade mais ou menos integrada) e a fisiologia social (as relações interpessoais, as mentalidades, as crenças, o direito, no que tangem à norma social, ou seja, ao sistema de regras que se aplicam ao comportamento humano).6 6 Se a análise morfológica de Durkheim e Mauss, cuja integração mundial é acompanhada por bolsões de isolamento, continua relevante para o mundo contemporâneo, sua análise fisiológica deve ser retomada com a ajuda de conceitos forjados por alguns dos seus sucessores: as regras diferem de acordo com os “quadros de interação” (Goffman, 1973), e também segundo os “cenários sociais de conhecimento mútuo” (Maget, 2002), que são múltiplos para um determinado indivíduo e cujas fronteiras não coincidem, salvo em casos excepcionais, como as de uma “sociedade” implicitamente nacional. Ao estudar a dimensão mais individual dos fatos sociais - a prece mais íntima, a magia mais secreta, as emoções mais sinceras -, Mauss enfatiza o lugar ocupado pela sociedade - quer dizer, tanto a integração material do grupo quanto a sua regulação moral - no íntimo do indivíduo, no seu foro íntimo.

Os primeiros quatro volumes da série respondem diretamente à missão designada a Mauss no primeiro período da revista L’Année sociologique, a gênese do “pensamento religioso” e suas consequências sociais, emocionais e cognitivas. No nível coletivo, os volumes 1 e 2 se correspondem: por um lado (com Hubert), o estudo do sacrifício no cerne da instituição religiosa, com os “sacrificadores”, por exemplo, os sacerdotes, os “homenageados”, aqueles em nome dos quais os sacerdotes agem, por exemplo, os patrocinadores e os fiéis, e as “vítimas do sacrifício”, que juntos estabelecem uma separação entre o sagrado e o profano; por outro (com Durkheim), o estudo das classificações, sistema cognitivo que permite aos nativos (incluindo nós mesmos) pensar o mundo natural e sobrenatural no modelo da sociedade. No nível individual, em que a sociedade está igualmente presente porém mais difícil de observar, os volumes 3 e 4 se correspondem: por um lado (com Hubert), o estudo da magia, que constitui a contrapartida individual do sacrifício, os mágicos e seus clientes permanecem fora da instituição religiosa, mas a eficácia dos atos mágicos depende tão estreitamente do sistema simbólico como a eficácia do sacrifício depende do sistema institucional; de outro lado (só dessa vez), o estudo da prece, cuja eficácia depende tanto da linguagem como dos gestos, pois as preces mais individuais e mais interiorizadas continuam impregnadas pelas crenças e práticas compartilhadas, mesmo implícitas e solitárias.

Marcador do caráter coletivo e trágico da obra de Mauss, o volume 5 (Hertz, 2015HERTZ, R. Sociologie religieuse et anthropologie: deux enquêtes de terrain (1912-1915). Postface de Marcel Mauss. Édition et présentation de Stéphane Baciocchi et Nicolas Mariot. Paris: PUF, 2015. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 5).), que reúne e comenta as duas pesquisas de campo de Robert Hertz, marca uma dupla ruptura: metodológica, já que o interesse pela etnografia “Aqui” é afirmado como a contraparte legítima da etnografia “Lá”; histórica, com uma primeira visão geral do que a sociologia, a antropologia e a história devem à experiência da guerra.

O restante da série nos permite redescobrir estas chaves analíticas construídas antes de 1914: morfologia e fisiologia; instituição e indivíduo; práticas corporais, práticas cognitivas, crenças e emoções. A nação, inacabado (Mauss, 2018aMAUSS, M. La nation, ou le sens du social. Édition et présentation de Marcel Fournier et Jean Terrier. 2e éd. Paris: PUF, 2018a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 6). - volume 6), e o Ensaio sobre a dádiva (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7). - volume 7), “esse velho texto-fetiche” (Bazin, 2008BAZIN, J. La chose donnée. In: BAZIN, J. Des clous dans la Joconde: l’anthropologie autrement. Toulouse: Anacharsis, 2008. p. 547-568., p. 555), se correspondem, mostrando e escondendo ao mesmo tempo o paralelo entre o estudo das instituições internacionais modernas e o estudo das sociedades arcaicas.

Os volumes 8 (Técnicas, tecnologias e civilização) e 9 (Sociologia, psicologia, fisiologia) assumem ambos uma seleção de textos sobre um campo específico: a arqueologia e a tecnologia por um lado (Mauss, 2012bMAUSS, M. Techniques, technologie et civilisation. Édition et présentation de Nathan Schlanger. Paris: PUF, 2012b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 8). - volume 8), impregnadas de sociologia durkheimiana graças aos grandes mediadores Henri Hubert nos anos 1920 e André Leroi-Gourhan nos anos 1950; a psicologia e a fisiologia do outro (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9). - volume 9), tão reticentes, ao contrário, à sociologia que Mauss teve de pegar caminhos paralelos até 1942 para investir, sem abandonar nenhuma das suas ambições teóricas, em campos reconhecidos da antropologia social e cultural, antropologia do parentesco, técnicas do corpo, emoções e sentimentos, antropologia da pessoa.

Uma dupla inflexão: materiais e teorias, tragédia política

Os primeiros ensinamentos da série dizem respeito à história social das ciências. As leituras retrospectivas que contrapõem o trabalho sociológico de Durkheim e o trabalho antropológico de Mauss construíram uma explicação psicológica das suas diferenças de estilo: Durkheim como líder, sistemático, até mesmo autoritário; Mauss como um gênio inovador, briguento, esbanjador, emancipado de uma tutela quase paternal pela morte de Durkheim em 1917. A sucessão dos volumes, ao contrário, permite dar conta das mudanças na obra de Mauss, de ambos os lados do seu silêncio entre 1909 e 1920, por um duplo processo intelectual: a consideração do avanço da ciência - descoberta de novos materiais, construção de novas teorias -; a confrontação inquietante com as tragédias do início do século XX.

Em primeiro lugar, é claro, a Grande Guerra. Para Mauss, como para muitos intelectuais convocados pelo exército, é a ocasião de uma verdadeira experiência etnográfica. Mauss tem 42 anos de idade em 1914, já não pode ser convocado, então se alista voluntariamente no exército. Destacado para o serviço de interpretação do comando aliado, implementa seus princípios metodológicos: examinar em conjunto as práticas (em “As técnicas do corpo”, expõe as formas como os soldados australianos, ingleses e franceses marcham em relação com a música militar, o ritmo, o canto, e a criação de um coletivo por meio das canções e dos gestos realizados “em uníssono”) e a língua (ela mesma condicionando não só as formas de pensar, mas também as formas de se movimentar e de agir). Mauss também passou algum tempo nas trincheiras. Dessa vez, descobre uma nova relação entre o coletivo e o individual: não mais o peso da instituição (a língua, o exército, etc.) na gênese do corpo e da ação coletiva (através da aprendizagem, da disciplina, etc.), mas o peso da presença física do grupo no cerne da emoção individual. É algo sobre o qual já trabalhava muito antes da guerra, pelo menos em 1909, na linha dos trabalhos sobre religião. Então retoma o assunto a partir de 1920, antes de dedicar páginas impressionantes ao que ele conhece “por experiência violenta” (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9)., p. 139 - volume 9), desejando confiar aos seus colegas psicólogos a tarefa de analisar o pânico coletivo que remove “toda força moral e física” dos indivíduos e a energia coletiva que dá a vitória: aquilo a que chama “o moral” das tropas.

Evidentemente, é impossível ver apenas o efeito das tragédias históricas nas transformações subsequentes da obra. O avanço da ciência desempenha um papel importante na L’Année sociologique, dispositivo editorial construído para relatar rapidamente as publicações mundiais do ano anterior. Sempre que são publicadas monografias originais no volume de um determinado ano, estas foram preparadas por meio dessa atividade de resenha, que se centra simultaneamente na parte documental e teórica das publicações. Constatou-se frequentemente que as monografias de Hubert e Mauss sobre religião se baseavam numa erudição enciclopédica de extrema precisão filológica e material. Esse é um traço da comunidade científica desse período, integrada por numerosas ligações bibliográficas e epistolares e, ao mesmo tempo, regulada por uma ética comum. Hubert domina o antigo Oriente e a pré-história, Mauss domina a cultura indo-europeia (greco-latina, judaico-cristã e sânscrita) e a cultura etnográfica, no tempo dos povos sem escrita. Os primeiros quatro volumes da série são emoldurados por dois grandes eventos etnográficos que colocam as sociedades aborígenes australianas na vanguarda dos debates europeus: a partir de 1899, a publicação dos trabalhos de Spencer e Gillen (Spencer & Gillen, [2011]SPENCER & GILLEN: a journey through Aboriginal Australia. [S. l.]: Museum Victoria: South Australian Museum: Australian National University: Northern Territory Library: Australian Capital Equity: Barr Smith Library: Australian Research Council, [2011]. Disponible sur: Disponible sur: http://spencerandgillen.net/ . Accès: 30 août 2022.
http://spencerandgillen.net/...
), e a partir de 1907, a publicação dos trabalhos de Strehlow (1907-1920)STREHLOW, C. Die Aranda- und Loritja-Stämme in Zentral-Australien. Frankfurt am Main: Joseph Baer & Co., 1907-1920. 5 v. Disponible sur: Disponible sur: https://digital.library.adelaide.edu.au/dspace/handle/2440/61643 . Accès: 30 août 2022.
https://digital.library.adelaide.edu.au/...
. A natureza desses dois documentos é diferente: Spencer (um agente dos telégrafos) e Gillen (um biólogo) estudam os rituais sem dominar as línguas nativas e se baseiam particularmente em uma documentação visual de excelente qualidade; o casal Strehlow, missionários atentos às crenças nativas e aos problemas de tradução que a Bíblia suscita para esse novo público, privilegia a transcrição escrita de uma documentação oral.

Já em 1909, em A prece, definindo o rito como um “ato tradicional eficaz”, Mauss descobre a continuidade entre as ideias e ritos religiosos e os “usos da cordialidade” (Mauss, 2019MAUSS, M. La prière. Présentation de Florence Weber et Nicolas Sembel. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 4)., p. 106 - volume 4; temática central de “Parentesco fictício”, Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9)., p. 230 - volume 9). Em 1925, Mauss retoma o fio dessa inflexão no início do Ensaio sobre a dádiva. Afirma ter passado do estudo do “presente dado aos homens perante os deuses e a natureza” (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7)., p. 100 - volume 7), para a análise dos “contratos e trocas entre homens” (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7)., p. 103 - volume 7), juntando ao mesmo tempo uma referência ao texto de 1899 sobre sacrifício: “Talvez não seja por puro acaso que as duas fórmulas solenes do contrato [em latim, em sânscrito] tenham sido conservadas também por textos religiosos.” A ligação entre o “primeiro” Mauss e o “segundo” é evidente. Está claro que o Ensaio sobre a dádiva faz a síntese, por um lado, entre os trabalhos anteriores da escola durkheimiana sobre o sacrifício, a magia, a prece e aqueles que realizou com Georges Davy sobre o contrato (Besnard, 1985BESNARD, P. Un conflit au sein du groupe durkheimien. La polémique autour de La Foi jurée. Revue française de sociologie, [s. l.], v. 26, n. 2, p. 247-255, 1985.; Davy, 1922DAVY, G. La foi jurée: étude sociologique du problème du contrat: la formation du lien contractuel. Paris: Alcan, 1922.) nas sociedades antigas (Roma, Índia antiga, China antiga) e primitivas (Austrália Central) e, por outro lado, com o trabalho sobre as trocas no âmbito da antropologia social e cultural, o trabalho de Franz Boas sobre o potlatch, a dádiva agonística dos ameríndios da costa noroeste da América, e o de Bronislaw Malinowski sobre o kula, um dom cerimonial que garante a aliança entre os povos do Pacífico Ocidental (Papua Nova Guiné).

No entanto, é igualmente impossível se limitar aos escritos acadêmicos de Mauss. Enquanto o Ensaio sobre a dádiva analisa os contratos e as trocas entre homens ao longo da história da humanidade, sem prejulgar a escala pertinente dessas trocas, A nação (Mauss, 2018aMAUSS, M. La nation, ou le sens du social. Édition et présentation de Marcel Fournier et Jean Terrier. 2e éd. Paris: PUF, 2018a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 6). - volume 6), obra paralela e inacabada, realiza a mesma análise ao longo da história dos séculos XIX e XX, mas dessa vez na escala das relações internacionais, como Mallard (2011)MALLARD, G. The gift revisited: Marcel Mauss on war, debt, and the politics of reparations. Sociological Theory, [s. l.], v. 29, n. 4, p. 225-247, Dec. 2011. demonstrou. Na década de 1920, ambos os textos foram levados pela mesma ambição: evitar a guerra. Mauss, como Durkheim, não imaginava que a sociologia pudesse ser desprovida de aplicação política: para eles, era um pré-requisito para a ação, ou pelo menos para a tomada de uma posição. Parece-me que, no contexto particularmente incerto dos anos 1920, essa é uma das razões pelas quais Mauss publicou tão lentamente, tateando à procura do público certo e ansioso não só quanto ao estado do mundo, mas também quanto às implicações políticas que temia. Logo compreendeu que alguns dos companheiros durkheimianos, bem como alguns dos seus próprios alunos, não estavam imunes a posições que o aterrorizavam (Brian; Weber, 2014BRIAN, É.; WEBER, F. La place de Mauss dans l’anthropologie mondiale et dans la mémoire de la sociologie française. Trivium, n. 17, 2014. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.4000/trivium.4824 . Accès: 30 août 2022.
https://doi.org/10.4000/trivium.4824...
). Mauss tem, também, um olhar crítico sobre a antropologia colonial, particularmente a alemã (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9)., p. 186 - volume 9), agora voltada aos povos europeus na ausência de colônias devido à derrota da Alemanha de 1918, e descobre progressivamente o desvio racial de certos antropólogos britânicos.

Essa dupla síntese - Ensaio sobre a dádiva, A nação - é levada pela preocupação de Mauss com a situação política da Europa desde o fim da guerra: vitória do bolchevismo na Rússia em 1917,7 7 Inicialmente acolhida com esperança por Marcel Mauss e Maurice Halbwachs, a vitória dos bolcheviques foi uma das fontes da grande ansiedade de Mauss, que temia ler nela uma aplicação das teorias durkheimianas por intermédio de Georges Sorel (Mauss, 2021b, p. 215 - volume 9). Ver em particular Marcel Mauss (1924), “Apreciação sociológica do bolchevismo”. criação da Liga das Nações em 1920, emergência do nazismo na Alemanha em 1920 e vitória do fascismo na Itália em 1922. É essa preocupação que leva Mauss a fazer proposições de proteção social no seu Ensaio sobre a dádiva, pensadas como alternativas tanto ao bolchevismo como ao fascismo, e toma como exemplo as leis americanas de homestead e a lei francesa que institui uma “propriedade familiar impenhorável”, diretamente inspirada na corrente do catolicismo social (Weber, 1998WEBER, F. L’honneur des jardiniers: les potagers dans la France du XXe siècle. Paris: Belin, 1998. (Coll. Socio-histoire).).

Como demonstrou Heilbron (1985)HEILBRON, J. Les métamorphoses du durkheimisme, 1920-1940. Revue française de sociologie, [s. l.], v. 26, n. 2, p. 203-237, 1985. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.2307/3321573 . Accès: 30 août 2022.
https://doi.org/10.2307/3321573...
, os conflitos no seio da primeira equipe durkheimiana foram notavelmente raros e estavam ligados à tensão entre o polo dos pesquisadores especializados (cujo trabalho científico é mais reconhecido, e que desempenham um papel internacional) e o polo dos acadêmicos (professores, muitas vezes titulares de uma agrégation ou oriundos da École normale supérieure,8 8 Ambas as titulações são prestigiosas na França, pois sua admissão é altamente seletiva: a agrégation é um concurso para professores de ensino médio ou superior e a École normale supérieure forma doutores em várias áreas do conhecimento. [N. de T.] cujas carreiras são principalmente desenvolvidas na França, onde eram mais administrativas ou mesmo políticas). Além dos casos de durkheimianos que militaram abertamente nas fileiras fascistas desde os anos 1930 - o mais conhecido foi Marcel Déat (Desan; Heilbron, 2015DESAN, M. H.; HEILBRON, J. Young Durkheimians and the temptation of fascism: the case of Marcel Déat. History of the Human Sciences, [s. l.], v. 28, n. 3, p. 22-50, 2015. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.1177/0952695115583193 . Accès: 30 août 2022.
https://doi.org/10.1177/0952695115583193...
) -, a ocupação alemã e a política de Vichy venceram o que restava, se não da equipe, pelo menos do espírito durkheimiano. Em 1942, Marcel Mauss falha na tentativa de pedir a seu ex-aluno Jérôme Carcopino, então ministro da Educação do governo de Vichy, que revogue uma medida de expurgo contra um colega visado pelas leis antissemitas (Corcy-Debray, 2002CORCY-DEBRAY, S. Jérôme Carcopino et les lois d’exception. Revue d’histoire moderne & contemporaine, [s. l.], v. 49, n. 4, p. 91-100, 2002.). Alguns jovens da sua família, que aderiram à Resistência, ridicularizaram então a sua ingenuidade.

Quais são as idas e vindas entre “aqui” e “lá”?

Uma vez restituída a gênese coletiva da obra de Mauss, sua profunda coerência teórica e a importância do contexto tanto científico quanto político na guinada que se desenha a partir de 1909 e se confirma na década de 1920, passemos a uma leitura deliberadamente anacrônica de sua obra: o que ela pode nos oferecer nos dias de hoje?

Os nove volumes da série mostram três formas de se desprender da Grande Divisão entre o Ocidente e o resto do mundo: descrever um objeto sociológico através da sua evolução entre as sociedades primitivas, arcaicas e modernas; partir de observações “aqui e agora” para descrever melhor os fatos observados em outros lugares; ir e vir entre o aqui e o lá. Ultrapassar a oposição entre “nós” e “eles” é, também, romper com a diferença entre a antropologia “de nós mesmos” (que na França nunca foi totalmente legítima após 1945) e a antropologia “dos Outros”. O próprio Mauss joga com o contraste entre sociedades radicalmente diferentes umas das outras e, graças ao seu conhecimento sobre as sociedades “remotas”, conquista a distância necessária para analisar as condições sócio-históricas das quais é observador.

A primeira abordagem é aquela dos primeiros quatro volumes da série. As diferenças entre as sociedades - então chamadas “primitivas” (como os aborígenes australianos), “arcaicas” (termo que engloba a Antiguidade greco-latina e as antigas civilizações do Oriente e do Oriente Médio) e “ocidentais modernas” - estão ligadas às diferenças existentes na divisão do trabalho. Enquanto Durkheim acentua seu caráter “elementar”, Mauss analisa sua complexidade específica. Os prolongamentos das sociedades primitivas na sociedade moderna podem ser considerados positiva ou negativamente. Do lado positivo, a monografia de Durkheim e Mauss sobre as classificações (Durkheim; Mauss, 2017DURKHEIM, É.; MAUSS, M. De quelques formes primitives de classification: contribuition à l’étude des représentations collectives. Présentation de Jules Salomone. Texte établi par Éric Brian et Florence Weber. Paris: PUF, 2017. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 2). - volume 2) - longe de contrapor os desenvolvimentos matemáticos da lógica moderna com uma mentalidade “pré-lógica”, seja esta última diminuída (como no evolucionismo clássico) ou, pelo contrário, valorizada (como em certos desenvolvimentos contemporâneos de uma nova ontologia) - mostra sua origem sociocêntrica comum. Do lado negativo: é para compreender as regressões modernas da ciência no sentido da magia - especialmente por ocasião do caso Dreyfus - que os durkheimianos escrutinam as crenças e práticas mágicas nas sociedades primitivas e arcaicas (Hubert; Mauss, 2017HUBERT, H.; MAUSS, M. Esquisse d’une théorie générale de la magie. Présentation de Frédéric Keck et Arnaud Morvan. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 3). - volume 3). O etnógrafo durkheimiano é então um especialista em outras sociedades e culturas, as quais insere no contexto de uma história universal e de uma sociologia geral.

A segunda abordagem é aquela dos três volumes cuja principal fonte de inspiração é o estudo do presente. Arqueólogos e tecnólogos (Mauss, 2012bMAUSS, M. Techniques, technologie et civilisation. Édition et présentation de Nathan Schlanger. Paris: PUF, 2012b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 8). - volume 8) são gratos a Mauss por ter conseguido fazer observações diretas das “técnicas corporais” em desfiles militares e nas trincheiras e por ter aberto caminhos de análise associando modos de fazer e de dizer no âmbito de uma concepção do Homo sapiens como Homo faber (Leroi-Gourhan, 1964LEROI-GOURHAN, A. Le geste et la parole: tome 1: technique et langage. Paris: Albin Michel, 1964.). Mesmo antes da experiência das trincheiras, Robert Hertz (2015HERTZ, R. Sociologie religieuse et anthropologie: deux enquêtes de terrain (1912-1915). Postface de Marcel Mauss. Édition et présentation de Stéphane Baciocchi et Nicolas Mariot. Paris: PUF, 2015. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 5). - volume 5) demonstra interesse - surpreendente mesmo aos olhos de quem lhe era próximo - por uma investigação direta complementada por uma pesquisa histórica erudita. A completa reconstituição de A nação (Mauss, 2018aMAUSS, M. La nation, ou le sens du social. Édition et présentation de Marcel Fournier et Jean Terrier. 2e éd. Paris: PUF, 2018a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 6). - volume 6) mostra o quanto as preocupações de Mauss em relação à atualidade econômica e política guiaram a sua reflexão sociológica. O etnógrafo maussiano é então um homem de sua própria sociedade - um observador engajado - que extrai de suas observações as chaves para uma tecnologia universal, para uma história universal, para uma sociologia geral.

A terceira e mais bem-sucedida abordagem é a dos volumes 7 e 9. É à luz das reflexões sobre A nação, do medo do bolchevismo, do fascismo e do nazismo, que o Ensaio sobre a dádiva relê os materiais etnográficos sobre as trocas. Hoje em dia podemos complementar esse material com estudos históricos e arqueológicos que em certos casos confirmam e em outros invalidam as análises maussianas. Assim, o kula melanésio está ligado a um poder supranacional a tal ponto que um nativo que se sinta lesado em uma troca cerimonial pode apelar ao governante colonial para obter uma reparação (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7)., p. 59 - volume 7); a coexistência em uma mesma sociedade de trocas do tipo gimwali e do tipo kula abre caminho para uma teoria geral da pluralidade das cenas sociais - cada uma com a sua regulamentação específica - que Mauss reservava ao homem civilizado (Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7)., p. 115 - volume 7). Quanto ao potlatch, Mauss supunha que era anterior ao kula, sendo o conflito um primeiro estágio da sociedade que o comércio permitia pacificar, retomando Hobbes ao invés de Rousseau, ao passo que sabemos hoje que representava uma forma de troca ligada a um súbito enriquecimento das sociedades indígenas, incapazes de consumir a riqueza resultante do comércio colonial de peles.

Finalmente, os antropólogos da cognição, do corpo e das emoções, assim como os especialistas em psicopatologia e fisioterapia, encontrarão na coletânea Sociologia, psicologia, fisiologia (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9). - volume 9) um resumo dessa etnografia comparada, aplicada ao indivíduo sócio-psico-fisiológico, à sua gênese e aos seus distúrbios. Assim como o Ensaio sobre a dádiva procurava na história universal uma resposta a uma questão contemporânea (“acreditamos ter encontrado aqui uma das rochas humanas sobre as quais são construídas nossas sociedades”, Mauss, 2012aMAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7)., p. 79 - volume 7), também os textos reunidos nesse volume testemunham o objetivo que Mauss perseguiu em 1924 - ajudar os psicólogos a trabalhar tanto nas sociedades europeias como nas sociedades colonizadas sem hierarquia - e o seu fracasso. O ano de 1924 constitui, sem dúvida, uma virada mais científica do que política. Presidindo nesse ano a Sociedade de Psicologia, Mauss reata com a psicologia francesa, tal como testemunha a correspondência entre ele e Dumas (Mauss, 2018bMAUSS, M. Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia. Org. M. Consolim, N. P. López e R. Weiss. São Paulo: Edusp, 2018b. 9 9 O volume 9 (Mauss, 2021b) se insere no vivo debate científico atual sobre as relações entre sociologia e psicologia, movidas mais por uma vontade de fazer avançar a ciência contemporânea na interseção da neurociência, da sociologia durkheimiana e da psiquiatria do que pelo interesse de um historiador da ciência. ). Mauss joga e perde uma partida de bilhar entre biólogos, historiadores e sociólogos, com a notável ausência da psicanálise. Ignace Meyerson acusa Mauss de sociologismo e se impõe como o único opositor dos biólogos para os quais o homem é um animal como qualquer outro e que procuram a chave das sociedades humanas nas sociedades de formigas ou abelhas. Esse fracasso convence Mauss a abandonar a psique em favor do corpo, e a biologia em favor da antropologia social britânica.

A recepção da obra: uma promessa de futuro?

Nas duas conferências publicadas em 1924 no Journal de psychologie normale et psychologique, “Relações reais e práticas da psicologia e da sociologia” e “Efeito físico da ideia de morte sugerida pela coletividade (Austrália, Nova Zelândia)”, Mauss esboçara um programa de trabalho que não prosseguiu: o da relação coletiva com o futuro. Enquanto Maurice Halbwachs conseguira, na mesma época, construir a relação coletiva com o passado como uma manifestação evidente da fecundidade da abordagem durkheimiana, como demonstra o sucesso do conceito de “memória coletiva”, Mauss não conseguiu impor “o futuro coletivo” como um processo social do princípio ao fim, mesmo que restem traços desse projeto nos conceitos econômicos de antecipação (Keynes, 2002KEYNES, J. M. La pauvreté dans l’abondance. Paris: Galimard, 2002.; Steiner, 2005STEINER, P. La rencontre des deux programmes. In: STEINER, P. L’école durkheimienne et l’économie: sociologie, religion et connaissance. Paris: Librairie Droz, 2005. p. 199-229.) e de convenções (Salais; Thévenot, 1986SALAIS, R.; THÉVENOT, L. Le travail: marchés, règles, conventions. Paris: Economica, 1986.), no conceito estatístico de “intenção de consumo das famílias” (Institut national de la statistique et des études économiques, [2022]INSTITUT NATIONAL DE LA STATISTIQUE ET DES ÉTUDES ÉCONOMIQUES. Enquête mensuelle de conjoncture auprès des ménages. [S. l.]: Insee, [2022]. Disponible sur: Disponible sur: https://www.insee.fr/fr/metadonnees/source/serie/s1208 . 30 août 2022.
https://www.insee.fr/fr/metadonnees/sour...
) e no conceito histórico de “horizonte de expectativa” (Koselleck, 2016KOSELLECK, R. Le futur passé: contribution à la sémantique des temps historiques. Paris: Éd. EHESS, 2016. (Coll. En temps & lieux).).

O destino de uma obra se define com base na sua recepção. A obra de Mauss deu lugar a todo o tipo de reapropriações, e é, portanto, entre essas reapropriações que o equilíbrio das forças se repete em cada período histórico.

O Ensaio sobre a dádiva captou o essencial do pensamento maussiano. A partir dos anos 2000, o conflito parece ter-se tornado mais editorial e, sem dúvida, também mais político do que científico. As primeiras edições francesas dos textos de Mauss foram digitalizadas a partir de 1993 na biblioteca eletrônica de língua francesa “Les Classiques des sciences sociales”, acessível na internet a partir de 2000. Segundo a legislação francesa, a obra de Mauss entrou em domínio público apenas a partir de 2020 (70 anos após a sua morte). A tradução chinesa do Ensaio sobre a dádiva, em 2012, é acompanhada de uma breve introdução de Alain Caillé; a tradução estoniana, em 2015, é precedida pela introdução de Mary Douglas (1990)DOUGLAS, M. Foreword. No free gifts. In: MAUSS, M. The gift. Translation W. D. Halls. London: Routledge, 1990. p. vi-xviii.; a nova tradução inglesa de Jane Guyer, em 2016, recuperou o uso de notas de rodapé old style, sem as quais o texto de Mauss fica impreciso, e repetiu a velha afirmação “inglesa” de um Mauss one of us (James, 1998JAMES, W. “One of us”: Marcel Mauss and “English” anthropology. In: JAMES, W.; ALLEN, N. J. Marcel Mauss: a centenary tribute. Washington: Smithsonian Libraries and Archives, 1998.). Na França, as edições Payot acabam de publicar uma edição do Ensaio, cujo prefácio preconiza o decrescimento e a renda mínima universal (Mauss, 2021aMAUSS, M. Essai sur le don. Préface Baptiste Mylondo. Paris: Payot, 2021a.).

A partir de 2015, o foco da “Série Mauss” se deslocou para outros textos seus e sua recepção pluridisciplinar, para além da velha oposição entre a sociologia geral (francesa) e a antropologia social (britânica) e cultural (estadunidense). Foram os antropólogos especializados nas sociedades mais estudadas por Mauss (Austrália, Nova Zelândia, Polinésia, China) que apresentaram os volumes 1 e 3, e suas pesquisas contemporâneas, não utilizando as mesmas referências. Natacha Gagné (Hubert; Mauss, 2016HUBERT, H.; MAUSS, M. Essai sur la nature et la fonction du sacrifice. Présentation de Natacha Gagné. Paris: PUF, 2016. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 1). - volume 1) trabalha sobre as novas formas de identidade cultural e sobre a reação moral que tende a reservar aos maoris o monopólio do conhecimento sobre as sociedades maoris. Frédéric Keck e Arnaud Morvan (Hubert; Mauss, 2017HUBERT, H.; MAUSS, M. Esquisse d’une théorie générale de la magie. Présentation de Frédéric Keck et Arnaud Morvan. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 3). - volume 3) trabalham sobre a fronteira entre as ciências da natureza e as ciências das sociedades, um dos pontos mais sensíveis do nosso futuro coletivo mundial. Considerando os desafios da reconstituição dos textos, os sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e historiadores que apresentaram os três volumes amplamente inéditos - Nicolas Sembel e Florence Weber em A prece (Mauss, 2019MAUSS, M. La prière. Présentation de Florence Weber et Nicolas Sembel. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 4). - volume 4), Stéphane Baciocchi e Nicolas Mariot nas pesquisas de Robert Hertz (2015HERTZ, R. Sociologie religieuse et anthropologie: deux enquêtes de terrain (1912-1915). Postface de Marcel Mauss. Édition et présentation de Stéphane Baciocchi et Nicolas Mariot. Paris: PUF, 2015. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 5). - volume 5) e Jean Terrier e Marcel Fournier em A nação (Mauss, 2018aMAUSS, M. La nation, ou le sens du social. Édition et présentation de Marcel Fournier et Jean Terrier. 2e éd. Paris: PUF, 2018a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 6). - volume 6) -, se comportaram mais como historiadores da sociologia do que como especialistas nas sociedades contemporâneas.

A intervenção de especialistas de outras disciplinas testemunha a atualidade científica de Mauss no âmbito de um diálogo entre disciplinas que esqueceram por vezes do seu parentesco original ou de suas antigas controvérsias. Assim, no volume 8 (Mauss, 2012bMAUSS, M. Techniques, technologie et civilisation. Édition et présentation de Nathan Schlanger. Paris: PUF, 2012b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 8).), Nathan Schlanger capta a atualidade de Mauss na história da arqueologia e da tecnologia, recompondo uma proximidade largamente esquecida até há pouco. No volume 2 (Durkheim; Mauss, 2017DURKHEIM, É.; MAUSS, M. De quelques formes primitives de classification: contribuition à l’étude des représentations collectives. Présentation de Jules Salomone. Texte établi par Éric Brian et Florence Weber. Paris: PUF, 2017. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 2).), Jules Salomone descobre a atualidade de Durkheim e Mauss na filosofia da linguagem, renovando um diálogo com a filosofia que tinha cessado - pelo menos na França -, erigindo fronteiras estanques entre a sociologia e a filosofia, que se tornaram mutiladoras na medida em que a filosofia e as artes foram mais rápidas do que as ciências sociais a se ocupar das mais recentes problemáticas técnicas e científicas. Finalmente, no volume 9 (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9).), Astrid Chevance toma a obra de Mauss no âmbito da epidemiologia clínica, empregando suas competências em história social e psiquiatria, e Julien Clément - grande conhecedor das questões internas da ciência do desporto10 10 Na França existe uma disciplina universitária que ensina ciências do desporto: a Staps (Sciences et Techniques des Activités Physiques et Sportives) [Ciências e técnicas das atividades físicas e esportivas]. - a acompanha enquanto antropólogo do corpo dialogando com as neurociências. A mobilização desses pesquisadores no sentido mais forte do termo testemunha o interesse da obra de Mauss no pioneirismo dos objetos que necessitam de colaboração pluridisciplinar: a linguagem, a técnica, a psique, o corpo, mas também as ciências ambientais (Mauss; Beuchat, 1906MAUSS, M.; BEUCHAT, H. Essai sur les variations saisonnières des sociétés eskimo. Étude de morphologie sociale. L’Année sociologique, Paris, tome 9 (1904-1905), p. 39-132, 1906.), mesmo quando elas continuam marcadas, salvo exceção regional (Hubert; Mauss, 2017HUBERT, H.; MAUSS, M. Esquisse d’une théorie générale de la magie. Présentation de Frédéric Keck et Arnaud Morvan. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 3). - volume 3; Saladin d’Anglure, 2004SALADIN D’ANGLURE, B. Mauss et l’anthropologie des Inuit. Sociologie et sociétés, [s. l.], v. 36, n. 2, p. 91-130, 2004.), por correntes distantes do cerne da teoria durkheimiana.

Tendo trabalhado nas bibliografias de cada volume, percebi o contraste impressionante entre as bibliografias dos textos de Mauss e dos seus coautores - hoje em dia em grande parte esquecidas, mas que recorrem todas a um acervo comum - e aquelas das apresentações, que são sistematicamente dissociadas umas das outras. Resta esperar que a descoberta desses parentescos entre as disciplinas e as ciências aplicadas que se desconhecem mutuamente ajude a eliminar os mal-entendidos criados por 70 anos de silêncio mútuo. O leque de disciplinas e profissões passíveis de serem abordadas por qualquer um dos volumes é extremamente aberto: sociólogos, historiadores, antropólogos, arqueólogos, é claro; mas também pré-historiadores, engenheiros e tecnólogos, médicos, psicólogos e fisioterapeutas, teólogos, ecologistas, lógicos e linguistas, gestores e publicitários, designers e desportistas profissionais.

A importância do desafio só pôde se revelar depois de concluída a série. Porque suas pesquisas forneceram respostas - mesmo que hoje possam ser consideradas inadequadas ou ultrapassadas - às suas próprias preocupações sobre o presente e o futuro, Mauss pode nos ajudar a estabelecer o diálogo interdisciplinar indispensável para observar, graças a uma alternância entre engajamento e distanciamento (Elias, 1993ELIAS, N. Engagement et distanciation: contributions à la sociologie de la connaissance. Paris: Fayard, 1993.), as reviravoltas que acompanhamos: poder inigualável da propaganda e do marketing, que se baseiam na neurociência, na teoria das redes e, por fim, na sociologia e na antropologia; mudanças climáticas, secas, conflitos energéticos e hídricos; preocupações com a saúde humana e do planeta; ressurgimento de guerras civis e guerras internacionais; absurda acumulação de riquezas e trágica acumulação de miséria e deficiências. O que justifica os esforços de cada um de nós para melhorar as condições da interdisciplinaridade, quer se trate de debates teóricos ou de trabalho coletivo sobre materiais compartilhados. Por que não disponibilizar a obra de Mauss a um grande público, não só em volumes impressos e edições digitais, mas também restabelecendo as ligações que Mauss fazia - nas suas famosas fichas - entre conceitos cuidadosamente definidos e materiais cuidadosamente criticados, para transformá-los em dados abertos a todos? Uma operação editorial como tal permitiria confrontar caso a caso os pré-requisitos epistemológicos e metodológicos de diferentes disciplinas e evitar contendas inúteis entre a linguagem das “fontes” (Kuchenbuch, 2004KUCHENBUCH, L. Sources ou documents? Contribution à l’histoire d’une évidence méthodologique. Hypothèses, [s. l.], v. 7, n. 1, p. 287-315, 2004.) e a linguagem dos “dados” (Feller; Gramain, 2020FELLER, L.; GRAMAIN, A. (dir.). L’évident et l’invisible: questions de méthodes en économie et en histoire. Paris: Éd. de la Sorbonne, 2020.).

Références

  • BARTHELEMY, T.; WEBER, F. Les campagnes à livre ouvert: regards sur la France rurale des années 30. Paris: Presses de l’École normale supérieure, 1989.
  • BAZIN, J. La chose donnée. In: BAZIN, J. Des clous dans la Joconde: l’anthropologie autrement. Toulouse: Anacharsis, 2008. p. 547-568.
  • BERT, J.-F. L’Atelier de Marcel Mauss: un anthropologue paradoxal. Paris: CNRS Éditions, 2012.
  • BESNARD, P. Un conflit au sein du groupe durkheimien. La polémique autour de La Foi jurée Revue française de sociologie, [s. l.], v. 26, n. 2, p. 247-255, 1985.
  • BRIAN, É.; WEBER, F. La place de Mauss dans l’anthropologie mondiale et dans la mémoire de la sociologie française. Trivium, n. 17, 2014. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.4000/trivium.4824 Accès: 30 août 2022.
    » https://doi.org/10.4000/trivium.4824
  • COPANS, J. Œuvre secrète ou œuvre publique. Les écrits politiques de Marcel Mauss. L’Homme, [s. l.], v. 39, n. 150, p. 217-220, 1999.
  • CORCY-DEBRAY, S. Jérôme Carcopino et les lois d’exception. Revue d’histoire moderne & contemporaine, [s. l.], v. 49, n. 4, p. 91-100, 2002.
  • DAVY, G. La foi jurée: étude sociologique du problème du contrat: la formation du lien contractuel. Paris: Alcan, 1922.
  • DESAN, M. H.; HEILBRON, J. Young Durkheimians and the temptation of fascism: the case of Marcel Déat. History of the Human Sciences, [s. l.], v. 28, n. 3, p. 22-50, 2015. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.1177/0952695115583193 Accès: 30 août 2022.
    » https://doi.org/10.1177/0952695115583193
  • DOUGLAS, M. Foreword. No free gifts. In: MAUSS, M. The gift Translation W. D. Halls. London: Routledge, 1990. p. vi-xviii.
  • DUFY, C.; WEBER, F. La nouvelle anthropologie économique Paris: La Découverte, 2023. (Coll. Repères).
  • DURKHEIM, É. Lettres à Marcel Mauss Présentées par Philippe Besnard et Marcel Fournier. Paris: PUF, 1998. (Coll. Sociologies).
  • DURKHEIM, É.; MAUSS, M. De quelques formes primitives de classification: contribuition à l’étude des représentations collectives. Présentation de Jules Salomone. Texte établi par Éric Brian et Florence Weber. Paris: PUF, 2017. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 2).
  • ELIAS, N. Engagement et distanciation: contributions à la sociologie de la connaissance. Paris: Fayard, 1993.
  • ESPING-ANDERSEN, G. Les trois mondes de l’État-providence Paris: PUF, 1990.
  • FARACO BENTHIEN, R. Les durkheimiens et le Collège de France (1897-1918). Revue européenne des sciences sociales, [s. l.], v. 53, n. 2, p. 191-218, 2015.
  • FELLER, L.; GRAMAIN, A. (dir.). L’évident et l’invisible: questions de méthodes en économie et en histoire. Paris: Éd. de la Sorbonne, 2020.
  • FELLER, L.; GRAMAIN, A.; WEBER, F. La fortune de Karol: marché de la terre et liens personnels dans les Abruzzes au haut Moyen Âge. Roma: École française de Rome, 2005. (Collection de l’École française de Rome 347).
  • FISTETTI, F. Le convivialisme, « contre-mouvement » du xxie siècle. Revue du MAUSS, [s. l.], v. 48, n. 2, p. 247-258, 2016.
  • FOURNIER, M. Marcel Mauss et Sylvain Lévi. Une communauté de pensée et de culture. In: BANSAT-BOUDON, L.; LARDINOIS, R. (dir.). Sylvain Lévi (1863-1935): études indiennes, histoire sociale: actes du colloque tenu à Paris les 8-10 octobre 2003. Turnhout: Brepols, 2007. p. 221-236. (Bibliothèque de l’École des Hautes Études, Sciences Religieuses 130). Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.1484/M.BEHE-EB.4.2017125 Accès: 30 août 2022.
    » https://doi.org/10.1484/M.BEHE-EB.4.2017125
  • GEERTZ, C. Works and lives: the anthropologist as author. Cambridge: Polity Press, 1988.
  • GEERTZ, C. Ici et là-bas: l’anthropologue comme auteur. Paris: Métailié, 1996.
  • GOFFMAN, E. La mise en scène de la vie quotidienne Paris: Minuit, 1973. 2 t.
  • GOJARD, S.; GRAMAIN, A.; WEBER, F. Charges de famille: dépendance et parenté dans la France contemporaine. Paris: La Découverte, 2003. (Coll. Textes à l’appui/Enquêtes de terrain).
  • GRAMAIN, A.; WEBER, F. Ethnographie et économétrie: pour une coopération empirique. Genèses, [s. l.], v. 44, n. 3, p. 127-144, 2001. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.3917/gen.044.0127 Accès: 30 août 2022.
    » https://doi.org/10.3917/gen.044.0127
  • HEILBRON, J. Les métamorphoses du durkheimisme, 1920-1940. Revue française de sociologie, [s. l.], v. 26, n. 2, p. 203-237, 1985. Disponible sur: Disponible sur: https://doi.org/10.2307/3321573 Accès: 30 août 2022.
    » https://doi.org/10.2307/3321573
  • HERTZ, R. Sociologie religieuse et anthropologie: deux enquêtes de terrain (1912-1915). Postface de Marcel Mauss. Édition et présentation de Stéphane Baciocchi et Nicolas Mariot. Paris: PUF, 2015. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 5).
  • HUBERT, H.; MAUSS, M. Essai sur la nature et la fonction du sacrifice Présentation de Natacha Gagné. Paris: PUF, 2016. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 1).
  • HUBERT, H.; MAUSS, M. Esquisse d’une théorie générale de la magie Présentation de Frédéric Keck et Arnaud Morvan. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 3).
  • HUBERT, H.; MAUSS, M. Correspondance (1897-1927) Édition de Rafael Faraco Benthien, Christophe Labaune et Christine Lorre. Paris: Classiques Garnier, 2021. (Coll. Bibliothèque des sciences sociales).
  • INSTITUT NATIONAL DE LA STATISTIQUE ET DES ÉTUDES ÉCONOMIQUES. Enquête mensuelle de conjoncture auprès des ménages [S. l.]: Insee, [2022]. Disponible sur: Disponible sur: https://www.insee.fr/fr/metadonnees/source/serie/s1208 30 août 2022.
    » https://www.insee.fr/fr/metadonnees/source/serie/s1208
  • JAMES, W. “One of us”: Marcel Mauss and “English” anthropology. In: JAMES, W.; ALLEN, N. J. Marcel Mauss: a centenary tribute. Washington: Smithsonian Libraries and Archives, 1998.
  • KEYNES, J. M. La pauvreté dans l’abondance Paris: Galimard, 2002.
  • KOSELLECK, R. Le futur passé: contribution à la sémantique des temps historiques. Paris: Éd. EHESS, 2016. (Coll. En temps & lieux).
  • KUCHENBUCH, L. Sources ou documents? Contribution à l’histoire d’une évidence méthodologique. Hypothèses, [s. l.], v. 7, n. 1, p. 287-315, 2004.
  • LEROI-GOURHAN, A. Le geste et la parole: tome 1: technique et langage. Paris: Albin Michel, 1964.
  • LÉVI-STRAUSS, C. Introduction à l’œuvre de Marcel Mauss Paris: PUF, 2012. (Coll. Quadrige).
  • MAGET, M. Remarques sur le village comme cadre de recherches anthropologiques Envoyé par Florence Weber. Paris: Éd. de la Sorbonne, 2022. (Coll. Tirés à part).
  • MALLARD, G. The gift revisited: Marcel Mauss on war, debt, and the politics of reparations. Sociological Theory, [s. l.], v. 29, n. 4, p. 225-247, Dec. 2011.
  • MAUSS, M. Appréciation sociologique du bolchevisme. Revue de métaphysique et de morale, Paris, t. 31, n. 1, p. 103-132, 1924.
  • MAUSS, M. Sociologie et anthropologie Avec une introduction de Claude Lévi-Strauss et un avertissement de George Gurvitch. Paris: PUF, 1950. (Coll. Bibliothèque de sociologie contemporaine).
  • MAUSS, M. Œuvres Éd. Victor Karady. Paris: Minuit, 1968-1969. 3 v.
  • MAUSS, M. Essais de sociologie Paris: Minuit, 1971. (Folio).
  • MAUSS, M. Écrits politiques Textes réunis et présentés par Marcel Fournier. Paris: Fayard, 1998.
  • MAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Présentation de Florence Weber. 2e éd. Paris: PUF, 2012a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 7).
  • MAUSS, M. Techniques, technologie et civilisation Édition et présentation de Nathan Schlanger. Paris: PUF, 2012b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 8).
  • MAUSS, M. La nation, ou le sens du social Édition et présentation de Marcel Fournier et Jean Terrier. 2e éd. Paris: PUF, 2018a. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 6).
  • MAUSS, M. Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia Org. M. Consolim, N. P. López e R. Weiss. São Paulo: Edusp, 2018b.
  • MAUSS, M. La prière Présentation de Florence Weber et Nicolas Sembel. Paris: PUF, 2019. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 4).
  • MAUSS, M. Essai sur le don Préface Baptiste Mylondo. Paris: Payot, 2021a.
  • MAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9).
  • MAUSS, M.; BEUCHAT, H. Essai sur les variations saisonnières des sociétés eskimo. Étude de morphologie sociale. L’Année sociologique, Paris, tome 9 (1904-1905), p. 39-132, 1906.
  • PUMAIN, D. Cumulativité des connaissances. Revue européenne des sciences sociales, [s. l.], t. 43, n. 131, p. 5-12, 2005.
  • ROQUEBERT, Q.; FONTAINE, R.; GRAMAIN, A. Aider un parent âgé dépendant. Configurations d’aide et interactions dans les fratries en France. Population, [s. l.], v. 73, n. 2, p. 323-350, 2018.
  • SALADIN D’ANGLURE, B. Mauss et l’anthropologie des Inuit. Sociologie et sociétés, [s. l.], v. 36, n. 2, p. 91-130, 2004.
  • SALAIS, R.; THÉVENOT, L. Le travail: marchés, règles, conventions. Paris: Economica, 1986.
  • SCHIJMAN, E. À qui appartient le droit?: ethnographier une économie de pauvreté. Paris: LGDJ, 2019. (Coll. Droit et société).
  • SPENCER & GILLEN: a journey through Aboriginal Australia. [S. l.]: Museum Victoria: South Australian Museum: Australian National University: Northern Territory Library: Australian Capital Equity: Barr Smith Library: Australian Research Council, [2011]. Disponible sur: Disponible sur: http://spencerandgillen.net/ Accès: 30 août 2022.
    » http://spencerandgillen.net/
  • STEINER, P. La rencontre des deux programmes. In: STEINER, P. L’école durkheimienne et l’économie: sociologie, religion et connaissance. Paris: Librairie Droz, 2005. p. 199-229.
  • STREHLOW, C. Die Aranda- und Loritja-Stämme in Zentral-Australien Frankfurt am Main: Joseph Baer & Co., 1907-1920. 5 v. Disponible sur: Disponible sur: https://digital.library.adelaide.edu.au/dspace/handle/2440/61643 Accès: 30 août 2022.
    » https://digital.library.adelaide.edu.au/dspace/handle/2440/61643
  • WEBER, F. Le travail à-côté: étude d’ethnographie ouvrière. Paris: EHESS-INRA, 1989.
  • WEBER, F. L’honneur des jardiniers: les potagers dans la France du XXe siècle. Paris: Belin, 1998. (Coll. Socio-histoire).
  • WEBER, F. Transactions marchandes, échanges rituels, relations personnelles. Une ethnographie économique après le Grand Partage. Genèses, [s. l.], n. 41, p. 85-107, 2000.
  • WEBER, F. Pour penser la parenté contemporaine. In: DEBORDEAUX, D.; STROBEL, P. Solidarités familiales en questions: entraide et transmission. Paris: LGDJ, 2003. p. 73-106.
  • WEBER, F. Vers une ethnographie des prestations sans marché. In: MAUSS, M. Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Paris: PUF, 2007. p. 7-62. (Coll. Quadrige).
  • WEBER, F. (dir.). [Série Mauss]. Paris: PUF, 2012-2021. 9 v. (Coll. Quadrige).
  • WEBER, F. Brève histoire de l’anthropologie Paris: Flammarion, 2014.
  • 1
    Esta divisão é encontrada de diferentes formas na universidade e no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Em 2022, o Conselho Nacional das Universidades separa a sociologia na seção 19 “Sociologia, demografia”, e a etnologia na seção 20, “Antropologia biológica, etnologia, pré-história”. Em 2022, a sociologia está presente no CNRS nas seções 36, “Sociologia e ciências jurídicas”, e 40, “Política, poder, organização”; a antropologia social na seção 38, “Antropologia e estudo comparativo das sociedades contemporâneas”; e a antropologia biológica não se insere na categoria das ciências humanas e sociais. Em outras palavras, a universidade conserva uma unidade por vezes artificial entre a pré-história e a antropologia do presente, enquanto o CNRS mantém uma separação estrita entre as ciências da natureza (incluindo o homem na natureza) e as ciências das sociedades humanas.
  • 2
    O princípio da datação da revista L’Année sociologique durante a vida de Durkheim e para os dois números editados por Marcel Mauss após a sua morte é baseado na data das publicações enumeradas e não na data da elaboração de suas resenhas. É por isso que o Ensaio sobre a dádiva, que aparece em um volume datado de 1923-1924 e impresso em 1926, foi escrito em 1925.
  • 3
    Neste artigo, o número de cada volume da série será referenciado junto ao nome de autor e data.
  • 4
    Os leitores anglófonos reconheceram Pierre Bourdieu já há muito tempo como antropólogo, algo que continua a ser relativamente raro na academia francesa.
  • 5
    Numa retrospectiva, lamento que o título deste volume não tenha sido simplesmente São Besso, estudo de um culto alpestre.
  • 6
    Se a análise morfológica de Durkheim e Mauss, cuja integração mundial é acompanhada por bolsões de isolamento, continua relevante para o mundo contemporâneo, sua análise fisiológica deve ser retomada com a ajuda de conceitos forjados por alguns dos seus sucessores: as regras diferem de acordo com os “quadros de interação” (Goffman, 1973GOFFMAN, E. La mise en scène de la vie quotidienne. Paris: Minuit, 1973. 2 t.), e também segundo os “cenários sociais de conhecimento mútuo” (Maget, 2002MAGET, M. Remarques sur le village comme cadre de recherches anthropologiques. Envoyé par Florence Weber. Paris: Éd. de la Sorbonne, 2022. (Coll. Tirés à part).), que são múltiplos para um determinado indivíduo e cujas fronteiras não coincidem, salvo em casos excepcionais, como as de uma “sociedade” implicitamente nacional.
  • 7
    Inicialmente acolhida com esperança por Marcel Mauss e Maurice Halbwachs, a vitória dos bolcheviques foi uma das fontes da grande ansiedade de Mauss, que temia ler nela uma aplicação das teorias durkheimianas por intermédio de Georges Sorel (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9)., p. 215 - volume 9). Ver em particular Marcel Mauss (1924)MAUSS, M. Appréciation sociologique du bolchevisme. Revue de métaphysique et de morale, Paris, t. 31, n. 1, p. 103-132, 1924., “Apreciação sociológica do bolchevismo”.
  • 8
    Ambas as titulações são prestigiosas na França, pois sua admissão é altamente seletiva: a agrégation é um concurso para professores de ensino médio ou superior e a École normale supérieure forma doutores em várias áreas do conhecimento. [N. de T.]
  • 9
    O volume 9 (Mauss, 2021bMAUSS, M. Sociologie, psychologie, physiologie. Recueil de textes choisis et présentés par Astrid Chevance, Julien Clément et Florence Weber. Paris: PUF, 2021b. (Coll. Quadrige. Série Mauss, v. 9).) se insere no vivo debate científico atual sobre as relações entre sociologia e psicologia, movidas mais por uma vontade de fazer avançar a ciência contemporânea na interseção da neurociência, da sociologia durkheimiana e da psiquiatria do que pelo interesse de um historiador da ciência.
  • 10
    Na França existe uma disciplina universitária que ensina ciências do desporto: a Staps (Sciences et Techniques des Activités Physiques et Sportives) [Ciências e técnicas das atividades físicas e esportivas].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2022
  • Aceito
    20 Set 2022
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: horizontes@ufrgs.br