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Entre "artes" e "ciências": a noção de performance e drama no campo das ciências socias

Resumos

Propõe-se neste artigo desenvolver uma reflexão teórica que está relacionada com as preocupações e propostas da área de estudos antropológicos das formas expressivas, focalizando, centralmente, a noção de performance e drama no campo das ciências sociais. Nesse sentido é que se busca, no momento, dialogar com os autores considerados representantes principais da discussão teórica em torno da noção de performance, drama e ritual no campo antropológico: Victor Turner, Clifford Geertz, Michael Taussig, Richard Schechner, John Dawsey - entre outros.

drama; performance; ritual; teatro


This article attempts to develop a theoretical reflection on the aims and proposals in the area of the anthropological studies about the expressive forms, dealing with the concept of performance and drama in the social sciences. Taking this into consideration, this work intends to discuss the ideas of the most important authors in the theoretical debate concerning the concept of performance, drama and ritual in the anthropological field: Victor Turner, Clifford Geertz, Michael Taussig, Richard Schechner, John Dawsey - and others.

drama; performance; ritual; theatre


ARTIGOS

Entre "artes" e "ciências": a noção de performance e drama no campo das ciências socias* * Este artigo é uma readaptação do Capítulo 1 da tese de doutorado por mim defendida, recentemente, junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, sob orientação do antropólogo, professor doutor John Cowart Dawsey, com auxílio de bolsa de doutorado concedida pela Capes. Ver Silva (2005).

Rubens Alves da Silva

Universidade de São Paulo – Brasil

RESUMO

Propõe-se neste artigo desenvolver uma reflexão teórica que está relacionada com as preocupações e propostas da área de estudos antropológicos das formas expressivas, focalizando, centralmente, a noção de performance e drama no campo das ciências sociais. Nesse sentido é que se busca, no momento, dialogar com os autores considerados representantes principais da discussão teórica em torno da noção de performance, drama e ritual no campo antropológico: Victor Turner, Clifford Geertz, Michael Taussig, Richard Schechner, John Dawsey – entre outros.

Palavras-chave: drama, performance, ritual, teatro.

ABSTRACT

This article attempts to develop a theoretical reflection on the aims and proposals in the area of the anthropological studies about the expressive forms, dealing with the concept of performance and drama in the social sciences. Taking this into consideration, this work intends to discuss the ideas of the most important authors in the theoretical debate concerning the concept of performance, drama and ritual in the anthropological field: Victor Turner, Clifford Geertz, Michael Taussig, Richard Schechner, John Dawsey – and others.

Keywords: drama, performance, ritual, theatre.

No presente artigo o assunto em foco gira em torno da temática dos "paradigmas do teatro na antropologia". Consiste numa reflexão teórica que está relacionada com as preocupações e propostas concernentes à área de estudos antropológicos das formas expressivas, nomeadamente, a discussão sobre a noção de performance e drama no campo das ciências sociais. A ressaltar que o meu propósito aqui é dialogar com os autores representantes principais dessa discussão teórica no campo antropológico: Victor Turner (1982, 1987), Victor Turner e Edward Bruner (1986), Clifford Geertz (1978, 2001), Michael Taussig (1993), Richard Schechner (1985, 1988) e John Dawsey (1999), entre outros.

O enfoque dos "gêneros de performances" é uma das tendências recentes que parece ganhar força entre as perspectivas antropológicas que têm priorizado os eventos rituais e o teatro como suporte para análise da realidade social. Uma das referências pioneiras nesse campo é o antropólogo Victor Turner que, em seus últimos estudos, passou a dedicar esforços no empreendimento de fundação da vertente antropológica denominada "antropologia da performance" (Turner, 1987). Essa fase do autor foi influenciada pela experiência que ele teve com o fecundo trabalho de campo que realizou entre os povos Ndembu da África Central. A investigação de Turner foi centrada nos rituais ndembu.

O etnólogo e folclorista Van Gennep (1977) foi uma referência importante para os trabalhos de Turner, que desenvolveu um modelo de estudo dos "ritos de transição" ("ritos de passagens"), cuja interpretação desses eventos era feita em analogia ao teatro grego, o que justifica os motivos pelos quais Turner definiu os rituais ndembu nos termos de "drama social".

Os dramas sociais e a idéia de ritual

Os "dramas sociais", segundo esclarecimentos de Turner (1987, p. 74), correspondem a "units of aharmonic or disharmonic social process, arising in conflicts situations". Portanto, entendido como unidade constitutiva do processo social, os "dramas sociais", segundo o modelo de Turner, se caracterizam por quatro fases: 1) separação ou ruptura; 2) crise e intensificação da crise; 3) ação remediadora; e 4) reintegração, (desfecho final, que pode ser trágico [levar à cisão social], ou fortalecer a estrutura). 1 1 Os lingüistas formalistas, principalmente os russos, esboçaram uma noção de narrativa nos moldes dessas fases. Como esclarece Jonh Dawsey (1999, f. 18, grifo do autor), a primeira etapa (separação) define-se pela "'quebra' de algum relacionamento considerado crucial por parte do grupo social significativo"; a segunda (intensificação da crise) aponta para a "clivagem social"; a terceira (ação remediadora) consiste na tentativa de "reconciliação ou ajustes entre os grupos envolvidos"; e, finalmente, a quarta etapa caracteriza-se pela "reintegração do grupo social 'ofendido' ou reconhecimento social de cisão irreparável".

Por meio desse tipo de análise processual, Turner procurou demonstrar como nos momentos mais críticos da sociedade os "dramas sociais" tendiam a aparecer com mais freqüência. Desse modo, deixou clara a intrínseca relação entre ritual e conflito. Esse autor parece sugerir que, no processo da vida social, os dramas emergem demarcando a relação dialética entre "estrutura" (que representa a realidade cotidiana) e antiestrutura (momentos extraordinários, definidos pelos "dramas sociais"). Nessa dialética social, o que evidenciou Turner é que em um determinado momento a estrutura institui a antiestrutura, de modo a produzir um efeito de distanciamento reflexivo sobre si mesma; em um segundo momento, a "antiestrutura" tende a contribuir para revitalização da própria estrutura social. Pelo menos, é isso que se deixa entrever nestas linhas em que Turner (1974, p. 5) reconhece, com surpresa, o interesse despertado pela leitura de O Processo Ritual no meio acadêmico e intelectual:

É possível que sua ênfase sobre a sociedade como processo vital em que episódios marcados por considerações sócio-estruturais foram seguidos de fases caracterizadas por antiestrutura social (liminaridade e "communitas") provou ser mais fácil a esses especialistas do que a tradição dada pelas tradicionais escolas de Sociologia que persistem em equiparar o social com o sócio-estrutural.

Como sabemos, a formação antropológica de Turner foi, inicialmente, de base britânica e, posteriormente, norte-americana (Geertz, 2001, p. 45; Turner, 1974, p. 160); dessa forma, a noção de "estrutura" presente em seus trabalhos corresponde ao modelo empregado por aquelas escolas e diz respeito à forma de organização social, conforme ele esclareceu (Turner, 1974, p. 201-202):

Quero significar por "estrutura", tal como antes, a "estrutura social", conforme tem sido usada pela maioria dos antropólogos sociais britânicos, isto é, como uma disposição mais ou menos característica de instituições especializadas mutuamente dependentes e a organização institucional de posições e de atores que elas implicam.

Por sua vez, a "antiestrutura" configura um espaço "liminar", por excelência do "drama social", um momento especial, instituído pela própria sociedade, visando lidar com as próprias contradições, conflitos, crises e/ou problemas não resolvidos que ameaçam sempre ruir as bases da estrutura social. A antiestrutura, portanto, remete a duas noções centrais no modelo estabelecido por Turner (1974), que são liminaridade e communitas.

Os conceitos de liminaridade e communitas, no referido trabalho de Turner, são tomados de empréstimo, respectivamente, de Van Gennep e Martin Buber. Em Van Gennep, o conceito de liminaridade está associado à noção de "margem", termo empregado pelo autor para se referir a indivíduos "transitantes" ou de "passagem" de uma posição de status ou lugar para outro, no sentido social e espaço-ritual: "Qualquer pessoa [ ] que flutua entre dois mundos. É esta situação que designo pelo nome de margem [ ]", escreveu Van Gennep (1978, p. 36, grifo do autor). Sendo assim, a liminaridade ou "ritos liminares", segundo a definição deste mesmo autor, correspondem aos: "ritos executados durante o estágio de margem" (Van Gennep, 1978, p. 37, grifo meu). Ao esclarecer a noção de liminaridade, Turner (1974, p. 116-117) escreve:

Os atributos de liminaridade,[ ] são necessariamente ambíguos esta condição e estas pessoas furtam-se ou escapam à rede e classificações que normalmente determinam a localização de estados e posições num espaço cultural. [ ] exprimem-se por uma rica variedade de símbolos [ ] que ritualizam as transições sociais e culturais [ ] As entidades liminares [ ] podem ser representadas como se nada possuíssem [ ] não possuem "status".

É sob esse ponto de vista que os "dramas sociais" são classificados por Turner como "liminares"; eles emergem nos "interstícios da estrutura social", propiciando aos atores sociais a experiência concreta de estarem às margens da sociedade e criando ocasião para pessoas ou grupos representarem, simbolicamente, papéis que correspondem a uma posição invertida em relação ao status ou condição que ordinariamente possuem no quadro hierárquico da "estrutura social". Nas palavras de Turner (1974, p. 119): "[ ] a liminaridade implica que o alto não poderia ser alto sem que o baixo existisse, e quem está no alto deve experimentar o que significa estar em baixo".

Entre os modelos de liminaridade apresentados por Turner destaca-se o sentimento da communitas. A noção de communitas foi cunhada por Turner e foi baseada em Martin Buber:

Essencialmente, a "communitas" consiste em uma relação entre indivíduos concretos, históricos, idiossincráticos. Estes indivíduos não estão segmentados em função e posições sociais, porém, defrontam-se uns com os outros, mais propriamente à maneira do "Eu e Tu" de Martin Buber. (Turner, 1974, p. 161).

Desse modo, a communitas surge espontaneamente motivada por valores, crenças ou ideais coletivos, configurando-se numa "antiestrutura". Sendo que na definição de Turner a "antiestrutura" não configura ausência de estrutura, mas um modelo alternativo e espontâneo de organização social que emerge momentaneamente nos interstícios da sociedade. A "antiestrutura", pois, dialoga com a "estrutura social", contribuindo, inclusive, para a própria revitalização desta última. Conforme os argumentos de Turner (1974, p. 154):

[a communitas] surge onde não existe estrutura social [ ] [e] só se torna evidente ou acessível, por assim dizer, por sua justaposição a aspectos da estrutura social ou pela hibridização com estes [e acrescenta]. A communitas unicamente pode ser apreendida por alguma de suas relações com a estrutura [ ].

Isso é o que explica a situação de liminaridade da communitas. Ela se situa às margens da estrutura social e consiste em "momentos extraordinários", como os "dramas rituais", "ritos de passagens", etc., que vêm interromper o fluxo "normal" da vida cotidiana. Sendo assim, a communitas, de acordo com Turner, tende a caracterizar-se pela efemeridade; uma vez que este sentimento torna-se permanente ele poderá culminar na transformação radical da sociedade ou, o que Turner constatou ser mais freqüente, a communitas poderá ser absorvida pela "estrutura social", no processo orientado para a institucionalização.

Outro exemplo da condição de liminaridade destacada por Turner é o "poder do fraco", que se refere a indivíduos ou grupos marginalizados no cotidiano e a quem se atribui, com crença pia, poderes extraordinários. Portanto, a liminaridade impõe-se como elemento constitutivo dos "dramas sociais", sentimento de communitas nas figuras marginais e anônimas, do ponto de vista estrutural. Ao discutir essas diferentes situações de liminaridade, Turner a concebe como uma categoria analítica que estava associada, essencialmente, à idéia do "sagrado", tendo sido pensada, pois, com base num contexto sociocultural específico, a sociedade ndembu, um tipo de sociedade de pequena escala, estruturada em rede de parentesco e na qual se tinha como valor preponderante, nos termos de Durkheim, um tipo de "solidariedade mecânica" (Turner, 1982, p. 41-44).

Desse modo, a experiência da liminaridade vivenciada pelos atores sociais ao participarem, temporariamente, dos "dramas sociais" e/ou "ritos de passagens", no contexto da sociedade ndembu, era, "como manda a tradição", algo que os mesmos estavam obrigados a se submeter.

Sobre o continuum ritual-teatro

Esta particularidade do fenômeno da liminaridade nas sociedades tradicionais (tribais e/ou agrárias) é o que Turner (1982) apontou como um dos elementos que diferenciava os "dramas sociais" e os "ritos de passagens", nesses contextos socioculturais particulares, dos fenômenos culturais semelhantes, bem como das atividades ligadas ao campo das artes e do esporte, nas "sociedades complexas" ocidentais. Assim, no esforço classificatório e analítico dos fenômenos culturais nas "sociedades complexas" (assunto sobre o qual ele se debruçou nas fases finais de trajetória de vida), Turner, a partir da noção de liminaridade, desenvolveu o conceito de "liminóide". A intenção de Turner ao escolher este termo não foi outra senão explicitar, teoricamente, tanto os aspectos da diferença quanto aqueles que apontavam para similaridade existente entre esses dois fenômenos. Concernente às diferenças entre os dois "fenômenos", Turner destacou, sob a orientação de Durkheim, as particularidades contextuais que distinguem as "sociedades complexas" das sociedades tradicionais, ou seja, o fenômeno da "divisão social do trabalho" e a "solidariedade orgânica" (Turner, 1982).

Assim, no caso de sociedades como a ndembu, onde a noção do "sagrado" compreende a esfera da totalidade, a inserção dos "dramas" e os "ritos de passagens" configuram momentos de "efervescência" e revitalização da ordem social e, portanto, estando ligados ao problema do funcionamento da sociedade. Por sua vez, nas sociedades ocidentais as atividades como o teatro, a dança ou a música, entre outras práticas culturais, tendem a configurar acontecimentos à parte do todo social e muito mais voltados para as expectativas individuais ou interesses particulares da diversão e/ou entretenimento.

Nesse sentido é que Turner (1982, p. 55) salienta o fato de nas "sociedades complexas" os fenômenos das artes, dos esportes, etc., devido ao processo histórico de imposição de uma visão de mundo e lógica capitalista, terem se transformado, também, em uma espécie de produto de consumo, envolvidos pela sedução persistente da "indústria cultural". Interpretação que também se aproxima das questões do pluralismo e da secularização discutidos por Weber (1971) em seus estudos sobre o fenômeno das religiões nas sociedades ocidentais modernas.

Conforme Turner (1982, p. 43, 52-55) diferenciou, nas "sociedades complexas" os atores sociais desfrutam do livre arbítrio para decidirem, por si mesmos, a participação ou não em determinado tipo de atividade cultural – a escolha é uma questão de "consciência individual" e não, como nas sociedades tradicionais, imperativo da ordem das "representações coletivas". No caso das atividades culturais (teatro, música, pintura, esporte, etc.), nas "sociedades complexas", de um lado, o destaque se dá para a autoria do criador, sendo esta nomeada e individualizada (mesmo quando a produção é em equipe); de outro lado, considera-se a questão da pluralidade de ofertas que se tem, de eventos variados, que tornam possível, de acordo com o "gosto" e o interesse particular, a seleção do tipo de atividade cultural ou estilo singular preferido pelo respectivo sujeito que se pretende no papel de platéia ou público.

Quanto ao aspecto da similaridade entre os "fenômenos liminóides" e os "fenômenos liminares", Turner (1982, p. 39-41) dá ênfase, justamente, na dimensão da criatividade, reflexividade e ruptura temporária do fluxo da vida social demarcados pelos eventos simbólicos e culturais. Nas sociedades de pequena escala, como a ndembu, os "dramas sociais" configuram "momentos extraordinários" instituídos pela própria sociedade e que possibilitam aos atores sociais distanciarem-se da mesma e, de maneira reflexiva, lançarem um olhar mais crítico para realidade social, bem como "tomarem consciência" dos conflitos, das contradições estruturais, dos problemas não resolvidos e suprimidos na realidade social. "Dramas sociais" e "ritos de passagens", portanto, seriam momentos nos quais os atores sociais se arriscam numa aventura "dramática" – de representação de papéis e jogo simbólico – de ruptura e/ou inversão com a ordem estabelecida na vida cotidiana – porém, tendo como perspectiva, segundo o próprio Turner, a resolução dos conflitos a propósito da manutenção do status quo.

Munido desse novo conceito, "liminóide", é que Turner (1982) dedicou esforços no sentido analítico e interpretativo da dimensão simbólica das sociedades complexas. Desse modo, deslocou a ênfase de uma "teoria dos dramas sociais", voltada para exame das "sociedades tradicionais", para a "teoria da performance", mais precisamente a da "performance cultural", expressão utilizada pelo antropólogo, tomada de empréstimo de Singer (Langdon, [s.d.], p. 25).

De acordo com o ponto de vista de Turner (1987, p. 77), performance é um dos temas principais que marca a diferença entre a perspectiva antropológica da "virada pós-moderna" das consideradas tradicionalistas, uma vez que pode ser reconhecida como uma noção interdisciplinar que busca evidenciar as coisas que escapam das classificações e dos paradigmas da ordem. Ele considera que as performances podem ser situadas dentro das situações "extraordinárias", portanto, momentos de interrupção da ordem social. Ao repensar a sua teoria do rito a partir da noção de performance, Turner recorreu à contribuição de diferentes áreas disciplinares, tais como o teatro, a filosofia e a lingüística, particularmente no que diz respeito ao estudo da comunicação não-verbal.

Desse modo, Turner buscou esclarecer os pressupostos da "antropologia da performance" e, ao definir esta vertente como pós-moderna, ele ressaltou o seu ensejo de ruptura com uma perspectiva antropológica mais tradicional que estabelece uma análise interpretativa "dicotômica" da realidade social. Em reforço aos seus argumentos, ele menciona Sally Moore, autora que defende o ponto de vista de que a ordem social não é determinada, sendo as categorias, portanto, flexíveis e manipuláveis. Turner (1987, p. 79) se declara, pois, seguidor deste pensamento.

Particularmente, no campo das ciências sociais, ele abriu-se ao diálogo com teóricos que também empregam a noção de performance – principalmente o sociólogo Erving Goffman e o diretor teatral e antropólogo Richard Schechner. Para elucidar os diferentes usos do conceito de "ritual", presente nos estudos sobre "performances" – no sentido lato do termo – Turner chamou atenção para a produção destes dois cientistas e intelectuais acima. No caso de Erving Goffman (1982), é válido recordar que no modelo de estudo sociológico da realidade social que ele constrói encontramos como referência o teatro, a dramaturgia – em combinação com a teoria dos jogos, como bem observa Clifford Geertz (2001, p. 41-43)para interpretação analítica do comportamento dos indivíduos concretos, em situações face a face, na vida cotidiana. Na definição de Goffman, o "mundo social" é um "palco", onde os indivíduos humanos se destacam como atores que desempenham papéis preestabelecidos socialmente. Esta "representação de papéis sociais" é orientada de acordo com a expectativa da "platéia" (o[s] "outro[s]" – indivíduo ou grupo –, na qualidade de interlocutor), cujo ator em questão se encontra face a face – e envolve interesses em jogo. A noção de performance, portanto, encontra-se presente nos estudos Goffman com sentido exclusivo de referência a "desempenho de papéis" enquanto um tipo de comportamento "ritual" dos atores sociais na vida cotidiana.

Por sua vez, Schechner, como ele próprio explicou, veio a se interessar pelo projeto da "antropologia da performance" motivado pelas suas preocupações como diretor de teatro. Assim, a noção de performance torna-se central no pensamento deste intelectual, sendo apresentada nos seus estudos como uma categoria bem mais ampla do que aparece em Goffman, embora a definição do conceito de "ritual" encontre em ambos afinidades semânticas. Conforme a observação feita por Turner, tanto Goffman quanto Schechner empregam a categoria "ritual" num sentido lato, afastado, pois, da acepção durkheimiana do termo, que estabelece a dicotomia "sagrado"/"profano", enquanto ele, Turner, preferia manter esta distinção ao operacionalizar com a noção de "performance cultural" no estudo dos ritos religiosos, insurreições, teatros, etc., no contexto das "sociedades complexas" ocidentais.

Nesse sentido, Turner (1987, p. 74) estabelece a distinção entre as "performances sociais" (ritos como as peregrinações religiosas e/ou "dramas sociais" – a exemplo das insurreições) e as "performances estéticas", tais como os "dramas estético-teatrais". E, não obstante as diferenças entre o modelo de classificação da performance proposto por Turner e o repensado por Schechner, ambos compartilham do ponto de vista que os eventos rituais e os "dramas sociais" configuram na prática um tipo de "metateatro". Em outras palavras, constituem um espaço simbólico e de representação metafórica da realidade social, através do jogo de inversão e desempenho de papéis figurativos que sugerem criatividade e propiciam uma experiência singular, que é, ao mesmo tempo, "reflexiva" e da "reflexividade".

Assim sendo, de acordo com Turner (1982, 1987), para se conhecer a fundo as contradições inerentes à "estrutura social", torna-se necessário um certo "deslocamento do olhar" para os elementos "antiestruturais", portanto, as situações "liminares" e/ou "liminóides", representadas pelas performances que interrompem o fluxo da vida cotidiana, propiciando aos atores sociais a possibilidade de tomarem distância dos papéis normativos e, numa atitude de reflexividade, repensar a própria "estrutura social" ou mesmo refazê-la.

As noções de "antiestrutura" e de liminaridade, discutidas por Turner, como dissemos antes, estão associadas à idéia do "vazio" – referente à ausência de normas e regras formais controladoras dos desejos e da ação. É o espaço onde aflora a criatividade, os sonhos e os desejos tendem a manifestar-se no comportamento livre – num clima de efervescência geradora de valores, imagens e símbolos referenciais de unidade e/ou coesão social. É nesse sentido que Turner sugere um "deslocamento do olhar" antropológico para os fenômenos marginais, "liminares" ou "liminóides", ou seja, os eventos performáticos ou performances, movimentos que emergem nos interstícios das sociedades – no caso das "sociedades complexas".

De fato, ao discutir sobre as performances, Turner ressaltou que estas ocorrem em momentos marcadamente simbólicos e esclareceu o caráter polissêmico e evocativo dos símbolos. As palavras do próprio antropólogo são esclarecedoras:

Os símbolos possuem as propriedades de condensação, unificação de referentes díspares e polarização de significado. Um único símbolo, de fato, representa muitas coisas ao mesmo tempo, é multívoco e não unívoco [ ] os referentes tendem a aglutinar-se em torno de pólos semânticos opostos. Num pólo, as referentes são feitas a fatos sociais e morais, no outro, a fatos fisiológicos. (Turner, 1982, p. 71, tradução minha).

Sendo assim, os símbolos tendem a se caracterizar pelo seu potencial polissêmico. O trabalho etnográfico consiste justamente, para Turner, no exame da articulação da trama dramatúrgica das relações simbólicas performática, com o jogo das relações sociais na vida cotidiana. É por esse motivo que o conceito de liminaridade, communitas e liminóide se destacam como centrais nas teorias do rito e da performance, inauguradas pelo autor.

As críticas a Turner incidem, por um lado, contra a crença deste antropólogo na universalidade do seu esquema interpretativo para o estudo da dimensão simbólica da realidade social e, por outro lado, à ênfase na perspectiva dos eventos rituais como práticas voltadas para manutenção do status quo. No primeiro caso, é clara a crítica formulada por Geertz, de maneira bem humorada, salientando que Turner pareceu ter pensado o seu modelo interpretativo do rito como "uma fórmula para todas estações " (Geertz, 2001, p. 46).

Ação simbólica e a visão interpretativa das performances e dramas

Como é sabido, Geertz é outra referência significativa para os estudiosos da performance. Sendo assim, pode-se entender que as críticas dele a Turner encaminham-se no sentido de elucidar as limitações do modelo proposto por este último na interpretação das performances, principalmente no que concerne à problemática do "sentido". Essa é a preocupação central de Geertz ao defender a perspectiva antropológica interpretativa. Inspirado nos pressupostos do "círculo hermenêutico" (Azzan Jr., 1993), o interesse desse antropólogo é voltado para a compreensão do significado das ações simbólicas dos atores sociais, uma vez que a noção de "cultura", na concepção de Geertz, é definida, à luz de Weber, como uma complexa "teia de significado" tecida pelos próprios atores sociais, em busca, principalmente, de dar sentido à vida individual e coletiva. (Geertz, 1978, p. 20).

Assim como o estruturalismo de Lévi-Strauss (1970), a inquietação antropológica de Geertz é motivada pela "transmissão de mensagens". Porém, diferentemente do estruturalismo – que tende a se afastar dos acontecimentos e busca detectar o sistema de significação a partir do imperativo da ordem, no inconsciente da mente humana –, do ponto de vista de Geertz é justamente nos acontecimentos, a considerar a experiência sensível, que se inscreve o código do sistema cultural, compreendendo as culturas como uma realidade dinâmica, carregada de elipses e contradições.

Sendo assim, a perspectiva geertziana é importante no estudo das performances ao oferecer subsídios teóricos e metodológicos indispensáveis à compreensão desses fenômenos. Geertz (2001, p. 46) salienta a fecundidade da articulação, no estudo da performance, de vertentes como a de Turner, voltada para o exame da "experiência" do ator através das performances, e a dele próprio, a de Geertz, cuja ênfase se dá no exame do "sentido" das ações performáticas a exemplo do esforço que Geertz (2001, p. 48) salienta ter feito em Negara.

Nesse trabalho, este autor prioriza o contexto da sociedade balinesa na longa duração, delimitando como objeto de estudo a dimensão simbólica do poder. A ênfase, portanto, é no aspecto da política enquanto "drama" e como performance. Sendo assim, Geertz desenvolve uma análise histórica detalhada da dimensão simbólica da sociedade balinesa, através de capítulos relacionados a cargos políticos, sistemas de irrigação, linhagens, funeral do rei morto. Desse modo, ele sugere o jogo de oposições – no contexto histórico da sociedade balinesa –, entre cidade versus campo; centro versus periferia; civilização versus barbárie; seres elevados versus homens.

Geertz percebeu que o Estado balinês possuía um papel muito mais performativo ou "teatral" do que propriamente burocrático-administrativo, conforme ele escreve:

natureza expressiva do Estado balinês [ ] se inclinou [ ] para o espetáculo, para a cerimônia, para a dramatização pública das obsessões dominantes da cultura balineza: a desigualdade social e o orgulho do status. Tratava-se de um Estado-teatro no qual reis e os príncipes eram os empresários, os sacerdotes encenadores, e os camponeses actores, equipe cênica e público. (Geertz, 1978, p. 25).

A partir dessa constatação, Geertz, a partir da releitura da versão de Helmes,2 2 Trata-se de um estrangeiro, europeu, que descreve a cerimônia, que ele assistiu no ano de 1847, da cremação do corpo de um rei morto em Bali, e que Geertz (1991, p. 126-131) cita em Negara. escolheu o rito específico da morte do rei para demonstrar o jogo simbólico das relações políticas na história sociedade bali. Ele dispensa atenção ao cerimonial do Estado, da cremação de um rei falecido, atentando para a seqüência dos acontecimentos, os gestos, e o sentido atribuído a cada comportamento singular, visando trazer à luz, através desse empreendimento hermenêutico, o sentido implícito do evento.

Em suma, para Geertz (2001, p. 33-56), o trabalho etnográfico consiste no esforço de captar o significado, ou melhor, os significados, das "ações simbólicas" – ou performances – em determinado contexto social específico, sendo entendido que estes se inscrevem nos atos, gestos, bem como em acontecimentos aparentemente casuais. E esse empreendimento, segundo Geertz, exige a leitura, "por sobre os ombros dos nativos", de um texto cheio de elipses, incoerências, contradições e emendas suspeitas (Dawsey, 1999, f. 43-44) – trata-se de uma "descrição densa" em que tantos os elementos da subjetividade quanto da intersubjetividade – a relação dialógica do etnógrafo com os seus interlocutores – devem estar presentes (Azzan Jr., 1993).

Enfim, do ponto de vista de Geertz, a cultura é um conjunto de textos cujas performances são exemplares variantes. Portanto, para apreender o significado do texto escolhido, entre outros pré-requisitos, é preciso que o antropólogo vá do texto (a performance) ao contexto (realidade histórica e social) e vice-versa. Estes são os passos da leitura para o etnógrafo, como leitor de "textos com emendas suspeitas": penetrar na cultura do "outro" e tentar compreender a "teia de significados" – tecida pelos próprios sujeitos –, que confere sentido ao texto cultural, lido como guia de orientação para ação e prática dos atores sociais, enfim, na vida cotidiana.

Ritual e (des)ordem social

Outro antropólogo que faz críticas contundentes à teoria do rito de Turner é Michael Taussig (1993). 3 3 Ver Stanley Mitchell (apud Taussig, 1993). A crítica deste antropólogo é apoiada em sua própria experiência empírica como etnógrafo, "em sessões de yagé", referente a performances xamanísticas na região do Putumayo, no médio Amazonas, e inspirada nas reflexões do pensador Walter Benjamim sobre a "noção marxista de imagem dialética" (Taussig, 1993, p. 413) e no pensamento de teatrólogos como Antonin Arthaud (Taussig, 1993, p. 412), com o manifesto no "teatro da crueldade", que sugere a "perspectiva infinita de conflitos". Bertold Brecht (Taussig, 1993, p. 413), com seu teatro épico, cuja ênfase crítica era os "efeitos de alienação" do teatro burguês, é outra referência nos seus trabalhos.

Desse modo, Taussig contrapõe-se ao caráter universal do conceito de communitas, pressuposto por Turner e aceito por muito dos seus seguidores, e, também, à própria vinculação da categoria ritual "ao imaginário da ordem (social)", assim concebida pela perspectiva de Turner. O autor parte do seguinte entendimento:

De modo geral a antropologia atou de mãos e pés o conceito de ritual ao imaginário da ordem, a tal ponto que essa ordem é identificada com o próprio sagrado, relegando assim a desordem às profundezas do mal [ ] (Mitchell apud Taussig, 1993, p. 413).

A crítica contra uma associação exclusiva do ritual à idéia de ordem também pode ser lida nas discussões do antropólogo brasileiro Carlos Alberto Steil (1996). O autor, motivado pelos estudos de sua autoria sobre romarias no sertão da Bahia, volta-se para a noção de communitas. Ele observa, com base em trabalho etnográfico, "que se as peregrinações apontam a experiência da communitas, também comportam uma série de divergências internas" (Steil, 1996, p. 66). Recorrendo a diferentes estudiosos do tema peregrinações religiosas, ele esclarece em pé de página:

Estes autores mostraram que embora communitas seja efetivamente uma dimensão da romaria vivida por muitos peregrinos, ela não esgota o seu sentido, que comporta diferenças múltiplas entre os diferentes grupos que a vivem. Ou seja, a romaria não se faz apenas de idealização das relações sociais, mas também das diferenças e tensões entre romeiros, moradores e clero. (Steil, 1996, p. 66).

Em suma, estas críticas feitas por Taussig, Steil e Dawsey a Turner não pretendem, de maneira alguma, "jogar fora a criança com a água do banho". Elas apontam, com clareza e fundamentação empírica e teórica consistentes, os limites dos conceitos centrais e do enfoque da perspectiva antropológica inaugurada por Turner, bem como são insinuantes quanto à importância e à fecundidade do modelo construído por este antropólogo para os autores que pretendem discutir os ritos ou "gêneros de performances". Essas observações resultam indispensáveis, portanto, para aqueles que se aventuram numa leitura da realidade social à luz dos paradigmas do teatro. Entretanto, fica claro, também, que este empreendimento tende a ser mais produtivo e instigante se pressupõe o diálogo com outros autores – inclusive amplamente com os do campo das artes e das humanidades (Geertz, 2001, p. 33-56), que se mostram envolvidos seriamente com o assunto.

Tais contribuições e heranças servem de baliza para pensarmos a performance das congadas, uma vez que admito o sentido polissêmico desse acontecimento e questiono o que isso sugere a propósito da trama das relações sociais e simbólicas no contexto da sociedade brasileira contemporânea, particularmente no que concerne ao diálogo dessa forma de expressão da cultura dita afro-brasileira, com outros congêneres no palco amplificado da cultura nacional.

Por uma antropologia da performance: proposta teórico-metodológica

Outro autor pode, também, ser mencionado de forma mais detalhada no rol de teóricos até aqui repertoriado e que, ao lado de Turner, deve ser considerado, também, uma referência importante entre os estudiosos do gênero das performances. Trata-se do diretor teatral e antropólogo Richard Schechner, a quem já fizemos menção em páginas anteriores.

A partir da teoria do "rito" elaborada por Van Gennep e num diálogo fecundo e crítico com Victor Turner, Schechner propôs-se a elaborar um modelo original de investigação e análise antropológica de eventos performáticos. O foco principal dos estudos de Schechner é o "teatro", com ênfase principalmente na relação entre performer e "audiência". Em duas importantes obras de sua autoria, Between Antropology and Theater (1985) e Performance Theory (1988), Schechner desenvolve uma análise comparativa entre eventos performáticos teatrais investigados em várias partes do mundo. O objetivo dele era evidenciar a conexão existente entre "rito" e "teatro".

Schechner empenhou-se em demonstrar que, de fato, não existe distinção entre "rito" e "teatro". Na sua concepção, essas duas categorias representam eventos de mesma natureza: são performances. Segundo a definição desse autor, a noção de performance compreende um movimento continuum que vai do "rito" ao "teatro" e vice-versa. (Schechner, 1988, p. 120). Com essa definição de performance, Schechner, ao que parece, rompeu com um certo tipo de interpretação antropológica ainda predominante, cujo predecessor, sabemos todos, foi Durkheim – reconhecido pela concepção de haver uma oposição binária e dicotômica entre categorias de eventos performáticos, classificados no sentido de "sagrado"/"profano", conforme o próprio modelo de Turner.

Turner (1987, p. 75) chegou a reconhecer esta distinção classificatória proposta por Schechner, quando escreveu:

First let me comment on difference between my use of the term "ritual" and definitions of Schechner and Goffman. By and large they seem to mean by ritual a standardized unid act, which may be secular as well sacred, while I mean the performance of a complex sequence of symbolic[ ] What is more interesting to me in this context than the definition of ritual is the connection established by Schechner between social drama and theatre [ ].

Para esclarecer a diferença que deve ser considerada entre eventos performáticos entendidos como "ritos" e aqueles definidos como "teatro", Schechner destacou as noções de "eficácia" e "entretenimento". De acordo com ele, uma performance define-se como "eficácia" quando tem repercussões significativas na sociedade, tais como solucionar conflitos, provocar mudanças radicais, redefinir posições, papéis e/ou o status dos atores sociais. Assim, "ritos de passagens", "dramas sociais", "ritos de iniciação", etc. podem ser tomados como exemplos típicos de performances que envolvem "eficácia". Inversamente, as performances voltadas para o "entretenimento" não alteram de modo efetivo nada na sociedade, conforme seria o caso dos espetáculos teatrais. Portanto, para Schechner, seria esta polaridade, entre "eficácia" e "entretenimento", que consiste na diferenciação considerável do "rito" (ou "ritual") para o "teatro", pois, segundo ele, de fato, nenhuma performance é puramente "entretenimento" ou absolutamente "eficácia", uma vez que dependendo das circunstâncias, ocasião, lugar e, principalmente, o tipo de envolvimento da audiência, "rito" pode ser visto como "teatro" e vice-versa. (Schechner, 1985, p. 130-133, 1988, p. 116).

A propósito dessa relação entre "rito" e "teatro", Schechner também chamou atenção para os processos que ele traduziu pelas categorias transportation e transformation. O primeiro termo faz referência a uma experiência que caracteriza qualquer tipo de evento performático, independentemente dele se apresentar aos olhos do observador como "eficácia" ou "entretenimento". Isso sugere que participar de uma performance implica deslocar-se para determinado local, estar no ambiente exclusivo ou, então, penetrar os espaços reservados, físicos e simbólicos de um "mundo recriado" momentaneamente; envolver-se na experiência singular de "ser levado a algum lugar", quando num estado de "transe", ou o desafio (psicológico) de tornar-se "outro" sem deixar de ser a si mesmo, quando da representação cênica de um personagem qualquer Mas se essas experiências dizem respeito quase exclusivamente ao performer, outras nos fazem lembrar de modo particular a "audiência".

Conforme sugeriu Schechner, durante uma performance também a "audiência" é "transportada", pois o ator social, na posição de platéia, é levado a assumir outros papéis diferentes dos que habitualmente desempenha nas interações sociais da vida cotidiana, de modo a não frustrar as expectativas concernentes à sua "pessoa" e quebrar com o encantamento da "fachada" (Goffman, 1985, p. 31); ele poderá se sentir mais "livre" para explorar com ousadia o repertório variado de papéis sociais e, assim, expressar, sem receio, as suas emoções, chorar, gargalhar, agir com irreverência, gritando, assoviando alto, etc.; ou, ainda, ser instigado a "conversar consigo mesmo", a "parar" e refletir sobre as relações de poder e dominação ou os "problemas não resolvidos" que permeiam a sociedade – então, o despertar para uma "consciência crítica" (Schechner, 1988, p. 142).

O processo de transportation consiste em uma experiência temporária que, às vezes, também implica um status permanente. Essa experiência Schechner denomina de transformation, que se refere ao desdobramento de certos eventos performáticos que instituem um novo papel e/ou condição de status para o performer na sociedade, bem como propiciam ao ator social, na qualidade de performer ou de espectador, desenvolver uma "consciência crítica" de si mesmo e do "mundo lá fora" ou da realidade social em que está inserido. Esta é, por assim dizer, a distinção que Schechner estabelece entre as categorias transportation e transformation, entendidas como processos integrantes do movimento continuum (do ritual ao teatro e vice-versa) que ele define como performance.

Conforme o próprio Schechner esclarece (1985, p. 126):

I call performance where performers are changed 'transformations' and those where performers are returned to their starting places "transportations" – "transportations", because during the performance the performers are "taken somewhere" but at the end, often assisted by others, they are "cooled down" and reenter ordinary life just about where they went in. The performer goes from the "ordinary world" to the "performative world", from one time/space reference to another, from one personality to one or more others.

Schechner comparou diversos tipos de eventos performáticos teatrais e, remetendo ao modelo de Van Gennep, demonstrou que neste processo de transportation e transformation, o performer (e dependo das circunstâncias, também, a "audiência") passa pela experiência singular da liminaridade ou ambigüidade de papéis ora representados. Conforme esclareceu esse estudioso, se durante uma peça teatral ou ritual de transe as pessoas são levadas a incorporar personagens ou "divindades", todavia elas em geral estão preparadas e conscientes dos limites do ato de "representar", e, ao final do evento, reassumem normalmente os papéis sociais que configuram a sua "identidade pessoal e coletiva" na vida cotidiana (Silva, 1999).

Nesse caso, reafirmando Schechner, a ênfase deve ser dada na característica particular do que ele denomina transportation; quando, então, o performer apresenta-se, perante a si e aos olhos da "audiência", como um sujeito "duplo", ou melhor, conforme a expressões que Schechner emprega usualmente, ele (o performer) é, simultaneamente, um "não-eu" e "não não-eu". (Schechner, 1985, p. 110).

Em Taussig, podem-se encontrar afirmações semelhantes a esta. Trata-se da interpretação de Stanley Mitchell a respeito do pensamento de Walter Benjamin, conforme descrito abaixo:

Tendo em vista antecedentes frutíferos, [Walter Benjamin] investigou do barroco alemão aquelas formas de drama onde o princípio da montagem se fez presente pela primeira vez. Ele o encontra sempre que um crítico inteligente intervém a fim de tecer comentários sobre a representação, em outras palavras, sempre que a representação jamais se acha completa em si mesma, mas é contínua e abertamente comparada com a vida representada; sempre que os atores podem, a qualquer momento, permanecer fora de si mesmos e mostrar a si mesmos que são atores. (Mitchell apud Taussig, 1993, p. 415, grifo meu).

A situação da liminaridade do performer pode resultar também no processo de transformation. Como dissemos acima, trata-se da experiência processual de reconfiguração identitária; a exemplo dos "ritos de iniciação" ou "ritos de passagens", como a própria dinâmica dos rituais de casamento em nossa sociedade contemporânea – para lembrar discussão recente de uma antropóloga francesa (Segalen, 2002, p. 117-153). Mas, para ficarmos com os exemplos de Schechner, a proposta teatral de Brecht também se orienta pelo conceito de transformation ao propor para performer e "audiência" o "efeito ruptura", o distanciamento do "espetáculo" para se voltar ao diálogo conscientizador, à reflexão, como bem atestam as palavras de Benjamim (1991, p. 198-199) ao refletir sobre a proposta brechtiana:

A interrupção da ação – por causa da qual Brecht chamou o seu teatro de épico – atua constantemente contra a ilusão do público. Tal ilusão é completamente inútil para um teatro que pretenda trabalhar os elementos do real no sentido de um experimento. Os elementos do real no sentido de um experimento. No fim e não no começo desse experimento é que estão, porém, as situações e circunstâncias. Situações que, nesta ou naquela configuração, sempre são as nossas. Elas não são levadas para mais perto do espectador, mas distanciadas dele. Ele as reconhece como as situações reais, não com auto-suficiência com no teatro do naturalismo, mas com espanto, com estranheza.

Em suma, a proposta do "teatro épico" de Brecht é didática e política, uma vez que é voltada para o esforço da "conscientização" dos atores sociais – no palco e na platéia – quanto aos problemas não resolvidos, as contradições e as tensões da sociedade. O que equivale dizer que se trata de um teatro-político, voltado para uma ação "desalienante" e transformadora da realidade social (Dawsey, 1999, f. 36-34).

Desse modo, é pensando neste processo de transportation e transformation, envolvendo os participantes de eventos performáticos, que Schechner (1985) chama atenção, no item "transformação da consciência e/ou do ser", para outros seis pontos abordados por ele como focais na aproximação entre teatro e antropologia ("intensidade da performance"; "interações entre performers e espectadores"; "seqüência total da performance"; "transmissão do conhecimento performático"; "avaliação de performances"). A intenção aqui é discutir esses pontos tendo em vista esclarecer a contribuição do pensamento de Schechner para a orientação teórico-metodológica deste trabalho.

Por meio da investigação e da análise comparativa entre diferentes tipos de eventos performáticos ligados ao ritual e ao teatro, Schechner empreendeu uma discussão importante, que trata da noção de "comportamento restaurado". Tal comportamento foi entendido por ele como um "modelo" característico dos diferentes tipos de performance. Ou seja, o "comportamento restaurado", diz Schechner, consiste em "seqüências de comportamento [que] não são processos em si, mas coisas, itens, 'material'" que correspondem concretamente a "seqüências organizadas de acontecimentos, roteiro de ações, textos conhecidos, movimentos codificados [ ]" (Schechner, 1985, p. 35-36, tradução minha).

Subsidiado por essa definição, Schechner demonstra empiricamente que toda performance consiste numa atividade cultural dinâmica, refeita, reelaborada, reproduzida criativamente ao longo do tempo, mas que sempre se pretende como uma prática idêntica ao que se acredita ter sido no passado, tanto no presente quanto no futuro. Esse autor observa que a realização de qualquer performance implica um processo permanente de aprendizagem, treinamentos, exercícios práticos e repetitivos. Isso porque, na compreensão dele,

comportamento restaurado [consiste em] uma seqüência de comportamento [que] podem ser rearranjadas ou reconstruídas [uma vez que] elas são independentes dos sistemas causais que as originou (social, psicológico, tecnológico). (Schechner, 1985, p. 36, tradução minha).

Em outras palavras, o "comportamento restaurado" nada mais é do que um "modelo" que instrui o performer como deve, ou deveria, atuar (desempenhar o seu papel), num palco teatral ou em um "terreiro" de candomblé. O "comportamento restaurado", portanto, pode ser entendido no sentido da interpretação de Geertz (1978) relacionada às noções "modelo de" e "modelo para", sendo que o "modelo de" refere-se ao princípio que gera a nossa capacidade de simbolização, que está a priori da realidade social, o que, por conseguinte, possibilita o desenvolvimento do pensamento sistematizado sobre a realidade, ou seja, o advento da teorização. Por sua vez, o "modelo para" é aquele que orienta a prática, ações e comportamentos dos atores sociais. O "comportamento restaurado", em minha interpretação, pode ser referido a este segundo modelo.

A propósito, pareceu ilustrativa a declaração do diretor teatral brasileiro Antunes Filho, no jornal Folha de São Paulo, a respeito da montagem do espetáculo que ele dirigia, Medéia 2, inspirado na tragédia grega de Eurípides. O título da reportagem chamava atenção: "A restauração de Medéia", e era reforçado pelas palavras do diretor, que manifestou preocupação com o papel do encenador:

É o prazer de fazer o texto bom, sempre, de aprofundar a técnica dos atores cada vez mais [ ]. "Medéia 2" não é uma veleidade. Ao contrário, quer exercitar o processo de construção e desconstrução, e vice-versa, que é da natureza do teatro. (Folha de São Paulo, 7 out. 2002, p. E1-7, grifo meu).

Na trilha das observações de Schechner sobre "comportamento restaurado", podemos observar a centralidade que o performer ocupa e, também, a "restauração" de eventos performáticos no contexto dos tempos atuais da pós-modernidade. No primeiro caso, a ênfase da abordagem de Schechner é o processo de preparação e desenvolvimento da habilidade performática do ator – o seu aprimoramento na arte de representar. Assim, as discussões deste teórico estão assentadas na questão das estratégias, dos recursos mobilizados visando aprimorar a técnica e, por conseguinte, na qualidade da "representação" cênica ou atuação performática do ator diante de uma platéia expectativa, vezes seguidas. Portanto, o que Schechner destaca são os treinamentos, ensaios, workshops, etc., no esforço de demonstrar com detalhes que o "comportamento restaurado" consiste em trabalho árduo, intenso e rigoroso, que vai além do esforço físico e intelectual exigido ao performer, mas também traz à tona, a recordar nos gestos, nos movimentos corporais, as experiências guardadas nas profundezas do "ser", internalizadas através de um longo e complexo processo de socialização (Silva, 1999), procurando, desse modo, enfatizar o elo do "comportamento restaurado" como processos da socialização do ator, pois se trata de uma atividade cultural que evoca a memória, instiga à reflexão e remete a experiências que fazem parte da trajetória de vida do sujeito.

Em certo sentido, as discussões acerca do "comportamento restaurado" desenvolvidas por Schechner parecem convergir com as reflexões de Marcel Mauss (1974), quando levamos em conta as "noções de técnicas corporais". Mauss observou que gestos, postura, movimentos corporais, para além dos estímulos biológicos, são modelos culturais resultantes de um longo processo de aprendizagens, que varia de sociedade para sociedade. Desse modo, ao desenvolver sua reflexão, Mauss procurou evidenciar que a aprendizagem dos "usos do corpo" consiste num fenômeno complexo, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos, e implicava o que ele denominou perspectiva do "homem total". Para além do simples fator biológico, Mauss demonstrou, através da comparação entre atividades como "natação", "corrida", "marcha", etc. nas sociedades francesa e inglesa, as marcas das diferenças e predomínio da cultura em atos diversos do comportamento humano: "Em todos esses elementos da arte de utilizar o corpo humano, os fatos de educação dominam [ ]" (Mauss, 1974, p. 215).

Por sua vez, ao discutir sobre o "comportamento restaurado", Schechner observa que o performer dispõe de certa margem de escolha do papel (ou dos papéis) que prefere representar. E se essa possibilidade existe, é pelo fato de o "comportamento restaurado", como disse antes, tratar-se de um "modelo cultural". Nesse sentido é que as discussões de Schechner acerca do "comportamento restaurado" parecem apontar para a complexidade do "homem total", discutida anteriormente por Mauss. É inconteste esta contra-argumentação do primeiro:

[ ] comportamento restaurado implica escolhas [ ] Alguns etologistas e especialistas do cérebro argumentam que não há diferença significativa – nenhuma diferença de qualquer espécie – entre o comportamento animal e humano. Mas pelo menos há uma "ilusão de escolha", uma sensação de que se pode escolher [ ] o ator totalmente treinado cujo texto de representação é uma segunda natureza, mesmo eles desistem ou resistem, e há suspeitas dos que facilmente dizem sim ou prematuramente dizem não. (Schechner, 1995, p. 206).

Schechner atenta para o fato de o "comportamento restaurado" implicar em um "jogo mimético" que se estabelece através das experiências da alteridade e interações sociais do performer. Segundo a passagem abaixo:

[ ] O comportamento restaurado é simbólico e reflexivo: não comportamento vazio, mas pleno, que irradia pluralidade de significados. Esses termos expressão um princípio simples: a pessoa pode agir como outra; a pessoa social ou transindividual é um papel ou conjunto de papéis [ ] transformando em teatro o processo social, religioso, estético, médico e educacional. Comportamento simbólico significa fixar, transformando em teatro o processo social, religioso, estético, médico e educacional. A representação significa: nunca pela primeira vez, Isso significa: da segunda até n vezes. A representação é o "comportamento repetitivo". (Schechner, 1985, p. 36, tradução minha).

Ao se fazer menção ao "jogo mimético", considerando esta citação de Schechner, a contribuição de Walter Benjamin torna-se obrigatória. Este autor toma por analogia as brincadeiras de crianças para elucidar a noção de mimese:

Os jogos infantis são impregnados de comportamentos miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação de pessoas. A criança não brinca apenas de ser comerciante ou professor, mas também moinho de vento e trem. (Benjamin apud Dawsey, 1999, f. 53).

John Dawsey (1999, f. 54), numa interpretação da noção benjaminiana de mimese, diz que:

Trata-se em Benjamin [a noção de mimese] de um modo de conhecimento corporal do mundo ao redor, sensível a uma realidade em constante transformação, receptivo à estranheza, e capaz de provocar, através dessa capacidade verdadeiramente lúdica de ser "outro", um efeito brechtiano: o efeito de distanciamento dos atores sociais em relação a papéis a eles atribuídos. Não se trata de "empatia" ou "identificação" com o "outro", mas de uma abertura a estados alterados da percepção capazes de produzir o estranhamento [ ].

Destarte, creio que a reflexão de Schechner concernente à noção de "comportamento restaurado", se, por um lado, possui afinidades com o pensamento de Marcel Mauss, por outro lado, pode ser aproximada das considerações de Benjamin no que tange à noção de mimese, sobretudo quando ele enfatiza o aspecto "simbólico e reflexivo", característico do modelo de restauração das performances.

Porém, como a referência explícita de Schechner é Van Gennep, conforme aqui já assinalado, este diretor teatral salienta que a "restauração do comportamento" tende a ocorrer na "fase preliminar" da performance, entendida no sentido processual: ensaios, oficinas, etc. Por isso, na opinião desse intelectual, é durante ensaios e oficinas que, de fato, ocorrem os momentos mais seguros para se estabelecer o vínculo entre as performances ritual e estético-teatral. (Schechner, 1985, p. 36). Esse argumento é enfatizado pelo autor para reforçar a sua posição contrária à dicotomia entre dramas rituais (ou sociais) e dramas estético-teatrais, conforme sugerido por Turner em seu modelo de estudo antropológico da performance.

Nessa discussão sobre "comportamento restaurado", Schechner salienta que toda performance consiste numa atividade cultural e, enquanto tal, "não é livre, nem fácil". Pressupõe, como já dito, um complexo e dedicado esforço de transmissão e aprendizado. Entre os processos de transmissão do saber performático esse autor destaca, principalmente, o recurso da oralidade. Conforme ele salienta:

Comportamento de performance é comportamento aprendido e/ou praticado – ou duplamente, comportamento treinado, comportado: comportamento restaurado. Então, ensaio prévio, aprendido por osmose desde a infância, revelado durante a performance pelos mestres, guias, gurus ou, generalizando, pelas regras que governam de fora, como em esporte ou teatro improvisado [ ]. (Schechner, 1988, p. 118, tradução minha).

Conforme salientado anteriormente, ao discutir a noção de "comportamento restaurado", Schechner discute, também, sobre a dinâmica da recriação dos eventos performáticos na atualidade. Nesse sentido, as observações feitas por ele convergem, em certo sentido, com o que Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1997) classificaram como "invenção das tradições".

Schechner (1985) analisa a tendência num passado recente ao estímulo à "restauração" de eventos performáticos, sendo, inclusive, motivado por interesses ligados à indústria do turismo. Não apenas os eventos que ainda eram praticados tornaram-se alvo de interesse dos empreendedores, mas também o "resgate" de práticas rituais desaparecidas passa a ser reivindicado.

De acordo com Schechner (1985), esses tipos de "comportamento restaurado" (restauração de eventos performáticos) possibilitam, também, compreender que as performances são atividades culturais criativamente reproduzidas ao longo do tempo, num processo que tende a envolver interesses diversos e sugerir pluralidade de significados. Quero com isso dizer, parafraseando Schechner, que o "comportamento restaurado" é "comportamento simbólico" e, enquanto tal, também o é potencialmente polissêmico. Portanto, é sob esse ponto de vista que a noção de "comportamento restaurado" torna-se instigante para se pensar sobre os grupos de congadas que, tanto no interior de Minas Gerais quanto nos arredores de São Paulo, continuam a ser mantidos desde sempre ou recriados em nome da "tradição", espontaneamente ou através do incentivo de folcloristas, secretarias municipais de culturas e artistas – nestes tempos recentes de novas linguagens, tecnologias e formas alternativas de transmissões culturais e artísticas, como o CD e o vídeo (DVD e congêneres).

Ao refletir sobre a noção da performance, Schechner abordou seis questões-chave que ele sugeriu como "pontos de contatos entre a antropologia e o teatro". No primeiro deles, o foco principal da atenção é o performer. A problemática em questão é o que acontece com a "consciência" do performer durante e depois da sua atuação performática. Com referência aos "ritos de passagens de Van Gennep", compreende-se que durante uma performance o ator social, ao representar uma ou várias personagens, assume um papel "liminar" e a condição inerente de ambigüidade – ele torna-se "não-ele" e, simultaneamente, "não não-ele". Situação da qual ele deve estar consciente e que se supõe não fugidio, também, ao senso crítico da platéia. Tal situação pode ser exemplificada com as palavras de Benjamim (1991, p. 217), no que diz respeito às diferenças entre o "teatro épico", de Brecht, e o teatro dramático aristotélico:

No que tange o modo de representar, a tarefa do ator no teatro épico consiste em demonstrar em sua atuação que ele mantém a cabeça fria. Mesmo para ele, a identificação com o personagem é bem pouco aplicável. Para esse modo de atuar, o "ator" do teatro dramático nem sempre está bem preparado. Portanto, desde a sua concepção está claro no palco do "teatro épico" que o ator deve estar consciente do seu papel, qual seja, que ele é "não-ele", sem deixar de ser "não não-ele".

No segundo ponto de contato, a problemática que ganha relevo refere-se à intensidade da performance. Esta diz respeito particularmente à observação rigorosa do "fluxo" da performance. A noção de "fluxo" foi elucidada por Turner (1982, p. 56), segundo as definições dos introdutores desta categoria no estudo dos eventos esportivos e jogos, Csikszentmihalyi e MacAloon, ou seja: "Flow denotes the holistic sensation present when we act with total involvemente."

Ao que parece, é nesse sentido que Schechner sugeriu o exame detalhado da "intensidade da performance", atentando para os momentos "energizantes" que encontram correspondência com a seqüência ritual do modelo turneriano. Trata-se de considerar, nessa observação investigativa, igualmente, tanto o trabalho do ator (onde está em jogo também a sua preparação para o ato de representar) quanto o comportamento da audiência durante o curso de determinado evento performático.

Desse modo, assim como as ressalvas feitas por Benjamim (2002, p. 58) ao chamar a atenção para os "restos de materiais residuais" que tanto atrai as crianças, Geertz (1978, p. 65) que atenta para "descer aos detalhes" ou, ainda, conforme a observação crítica de John Dawsey (1999, f. 34) a propósito das "vítimas sacrificiais do círculo hermenêutico", referindo-se ao que escapou à atenção de Geertz (1991) ao descrever a queda das viúvas, ao lançarem-se à fogueira; Schechner ressalta a importância do pesquisador atentar para os "fragmentos" ou "detalhes" que se insinuam no contexto da performance, uma vez que estes também merecem ser considerados como dados significativos ao empreendimento interpretativo dos fenômenos performáticos, na sua dinâmica e desdobramentos imprevisíveis.

Schechner propõe como terceiro ponto de contato e como tema pertinente à investigação dos eventos performáticos a problemática da interação entre performer e espectadores. A propósito da exploração desse tema, ele estabelece a distinção entre o que denominou de "públicos integrais" e "públicos acidentais". Os "integrais" se definem pelo perfil de público que possui algum tipo de afinidade eletiva com o(s) performer(s) e/ou compartilham da mesma rede de relação social. Entre outras modalidades de drama estético, Schechner nos reporta ao teatro nô para exemplificar a peculiaridade do tipo de público desse gênero de performance.

O público que assiste a esse teatro geralmente possui um conhecimento amplo desse tipo de performance. Isso devido ao longo tempo de convívio, experiência de assistir de perto e ao envolvimento com o acontecimento. Se quisermos ilustrar essa definição de Schechner com exemplos de performances de congadas que temos pesquisado há algum tempo, talvez seja válido considerar a posição dos espectadores dessa prática ritual que se autodenominam como "acompanhantes" ou, ainda, aqueles que "andam atrás dos ternos", sendo estes, em geral, pessoas ou grupos que – para usar uma categoria proposta por Magnani (1984) – pertencem ao mesmo "pedaço" que os membros dos grupos de congados, ou seja, categoria de pessoas que possuem relações de vizinhança com os performers das congadas ("dançantes"), ou ainda, fazem parte da rede familiar ou de parentesco. Situações diversas que foram verificadas em trabalho de campo tanto no interior quanto na capital de Minas Gerais.

Segundo analisa Schechner, ao assistir à performance, o "espectador" é, também, levado a evocar da memória muitas coisas "suprimidas", fazendo aflorar os elementos residuais e significativos ao movimento gerador da consciência crítica. Essa análise aproxima-se, em parte, da noção de "espelho mágico", discutida por Turner (1982, 1987) a propósito do sentido metafórico do "drama social". O "espelho mágico" não apenas reflete o "real", mas também provoca a reflexão sobre este "real", sendo, portanto, o "espelho mágico", uma reconfiguração do "real". Nesse sentido é que a noção de "espelho mágico", em Turner, compreende, simultaneamente, ambas as categorias de "reflexão" e "reflexividade".

Quanto aos "acidentais", a referência descrita por Schechner é o tipo mediano de público que costuma freqüentar os teatros ocidentais. Portanto, sujeitos que, normalmente, não possuem qualquer tipo de afinidade eletiva com performer, nem está interessada em criar laços de relações sociais no métier artístico. São pessoas comuns que gostam de ir ao teatro com relativa freqüência, motivadas simplesmente pela busca do entretenimento e diversão. Portanto, terminado o espetáculo pouco interesse têm de recorrer aos bastidores e camarins para prestarem cumprimentos ao performer ou "discutirem sobre a peça", com amigos e em meio ao "elenco do espetáculo", ou em bares nos arredores do teatro.

Esse perfil de público descrito por Schechner também lança luz na variedade tipológica de "espectadores" dos ritos de congadas. Em pesquisas realizadas nos anos de 1980 e 1990, sobre o congado no Centro-Oeste mineiro, os meus interlocutores costumavam usar com freqüência a expressão "de fora" para se referir às pessoas que estavam na cidade para conhecer de perto (como era o caso daqueles que se identificavam como pesquisadores) ou simplesmente assistir à festa de Nossa Senhora do Rosário (no papel de "turista"). Observei que os congadeiros sempre se referiam aos "de fora" como aqueles que "não sabem direito o que é o congado, [e por isso] acham que é folclore" ou "carnaval"; pois, para eles, congadeiros, não havia dúvida de que o congado era "festa religiosa".

Essa versão congadeira sobre os "de fora" aponta, desse modo, para o perfil do "público acidental" descrita por Schechner. Eles não são vistos – ou aceitos – como "pertencentes ao pedaço", e a relação com o evento é distanciada e esporádica. Indo um pouco mais a fundo neste relato, verifiquei que eles não demonstram ter uma relação mais próxima com as congadas enquanto, digamos, no sentido weberiano, que parte do pressuposto de uma motivação por "valores tradicionais" ou algum tipo de "afinidade eletiva" com o grupo; eles simplesmente são turistas ou curiosos em busca de entretenimento. Portanto, além do exemplo acima, penso aqui, também, no público mais diverso que assiste a apresentações de congadas promovidas pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), na Semana do Folclore, em Minas Gerais, no meio do ano ou, ainda, no evento promovido pela Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo, o Revelando São Paulo, na capital do estado. Evocando Lévi-Strauss, esses acontecimentos são algo "bom para pensar".

Em síntese, a observação feita por Schechner é que existem diferentes tipos de públicos e diferentes tipos de performances que merecem ser investigadas a propósito da produção de um conhecimento mais ampliado desses fenômenos e suas particularidades contextuais. Ele avalia que a leitura e (re)interpretação dessas realidades pode contribuir para a reflexão dos significados e relevância dos eventos performáticos, nos dizeres de Turner, como uma espécie de "metateatro", portanto, expressivos das contradições e tensões inerentes à própria realidade social em que se inserem.

Portanto, pode-se afirmar que Schechner, ao orientar a sua discussão na perspectiva da "antropologia da performance", demonstra interesse e posição em defesa da relevância do estudo de diferentes tipos de performance em, igualmente, diferentes situações particulares, a propósito inclusive da comprovação do ponto de vista de que espaços diferenciados de performance tendem a se articular a outros elementos contextuais e revitalizar outros espaços marginais. É nesse sentido, pois, que o exame da relação entre performer e público ganha importância na teoria da performance de Schechner, uma vez que ele compreende que esse empreendimento é fundamental para o esclarecimento do que realmente está em jogo no contexto social que envolve determinado evento performático.

Com base nas três fases do modelo de análise do "rito de passagem", sugeridas por Van Gennep (separação, transição e incorporação [ou reintegração]), Schechner desenvolveu uma proposta de exame da seqüência total da performance e que compreende sete fases distintas, ou seja: "treinamento"; workshops (oficinas); "ensaios"; "aquecimentos"; performance propriamente dita; "esfriamento"; e, finalmente, "desdobramento". Próximos ao modelo descrito por Van Gennep, "treinamento", "oficinas", "ensaios" e "aquecimentos", corresponderiam à "fase preliminar", como os "ritos de separação". A performance propriamente dita é "liminar", como "ritos de transição", e o "esfriamento" e "desdobramentos" correspondem à fase "pós-liminar", tais como "ritos de incorporação" (ou "reintegração").

Ao apresentar esse modelo teórico-metodológico de investigação da performance, Schechner demonstrou que essas fases seqüenciais tendem a variar de um tipo de evento performático para outro, em conformidade com o contexto cultural específico. Por exemplo, no caso de "treinamentos", ele considerou que há performances em que esta atividade corresponde a um processo de longa duração, informal e algo do cotidiano – semelhante ao que Mauss (1974) sugere ao explorar a noção de habitus. No caso do "esfriamento", Schechner também observou o fato de existir muitas vezes diferenças entre o que acontece nesses momentos no caso dos teatros ocidentais e, em comparação, o que muitas vezes ocorre nos teatros não-ocidentais. Assim, se conversas informais, comes e bebes e, às vezes, celebrações tendem a marcar momentos de "esfriamento", durante ou ao término de alguma "peça" do teatro ocidental, procedimentos para "sair do estado de transe" são exemplos que "contribuem" para o "esfriamento" do teatro balinês (Schechner, 1985, p. 18).

Por fim, este diretor teatral também buscou esclarecer a fase que ele denominou de "desdobramento". Ele observa as transformações sociais para atores e espectadores, bem como o papel da crítica, produção de textos, comentários e suas repercussões, inclusive na repetição futura das performances.

Em síntese, ao estabelecer esse modelo, a preocupação de Schechner, ao que parece, foi delinear os passos metodológicos para uma investigação detalhada dos eventos performáticos de uma maneira geral, porém sem perder de vista as particularidades e nuanças do fenômeno de acordo com as suas diferenças e particularidades contextuais. De fato, como apontado na discussão sobre a "restauração do comportamento", o ponto de partida sugerido por Schechner para compreensão da performance e os significado contextual são o ensaio e treinamentos.

Outro "ponto de contato entre o teatro e a antropologia", abordado por Schechner, diz respeito à problemática da "transmissão do conhecimento performático". Esta "transmissão" consiste, pois, num processo de ensino e aprendizagem que tende a variar de acordo com a modalidade particular da performance, associada ao contexto cultural específico em que se insere.

Ao discutir esse aspecto, um dos recursos que este autor considerou de fundamental importância na transmissão do conhecimento performático foi a "oralidade". Segundo ele: "Performance knowledge belongs to oral traditions. How such traditions are passed on in various cultures and in different genres is of great importance." (Schechner, 1985, p. 23).

Em último lugar, Schechner chama atenção para a questão da avaliação das performances como outro aspecto relevante enquanto "ponto de contato entre teatro e a antropologia". Para ele, os tipos de avaliação dos gêneros de performances tendem a variar de acordo com a modalidade e o contexto cultural específico em que as mesmas se inserem, podendo ser entendidos tanto no que diz respeito ao papel exercido por uma "comissão julgadora" quanto aos comentários e críticas tecidas por pesquisadores, intelectuais e/ou artistas. Esses tipos de avaliação são expostos reservadamente aos atores ou amplamente divulgados pela mídia, bem como feitos pela opinião de um tipo de "púbico integral" em relação ao desempenho dos atores em determinado tipo de performance. Todas estas posições representam tipos diversos de avaliações das performances. E, enquanto tal, segundo Schechner, tendem a ter efeitos posteriores à "restauração [de tais] comportamentos".

Resumidamente, posso arriscar que as preocupações de Schechner incidem sobre os diferentes tipos de performances, estético-teatrais: como são "construídas" pelos seus participantes, em diferentes situações e contextos culturais diversos, que efeitos tais experiências tendem a produzir nos atores e platéia.

Talvez o desafio da presente pesquisa sobre o fenômeno das congadas, pensada a partir da noção de performance, seja articular ambas as perspectivas de modo proveitoso para a produção do conhecimento. Nesse sentido, creio que os "pontos de contatos entre o teatro e a antropologia", sugeridos por Schechner, são, inclusive, trilhas (metodológicas) que se abrem e, talvez, valha a pena tentar segui-las.

E, pensando assim, ao encerrar este artigo quero evocar, ainda, as palavras de Walter Benjamim (1991, p. 156):

Articular historicamente algo passado não significa reconhecê-lo "como ele efetivamente foi". Significa captar uma lembrança como ela fulgura num instante de perigo. Para o materialista histórico, trata-se de fixar uma imagem do passado como ela inesperadamente se articula para o sujeito histórico num instante de perigo. O perigo ameaça tanto os componentes da tradição quanto os seus receptores. Para ambos ele é um só: sujeitar-se a ser um instrumento da classe dominante. A cada época é preciso sempre de novo tentar o que foi transmitido do conformismo que ameaça subjugá-lo. Pois o Messias não vem apenas como o Salvador; ele vem como o vencedor do anticristo. Captar no pretérito a centelha da esperança só é dado ao historiador que estiver convicto do seguinte: se o inimigo vencer, nem mesmo os mortos estarão a salvo dele. E esse inimigo ainda não parou de vencer.

Para esclarecer: essa citação situa o lugar de fala da tese de doutorado que defendi recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo. Foi com referência a este pensador que também busquei dispensar atenção para o fenômeno das manifestações de congadas, pondo em cena a questão da tensão entre "eficácia" e "entretenimento" que parece insinuar essa modalidade de prática ritual. Desse modo, procurei apontar para situações de conflito, para questões "não resolvidas" e elementos suprimidos, histórica e culturalmente, das relações sociais e raciais na sociedade brasileira, por meio daquilo que é dado a mostrar sobre o fenômeno das congadas na contemporaneidade.

Recebido em 31/05/2005

Aprovado em 04/07/2005

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  • *
    Este artigo é uma readaptação do Capítulo 1 da tese de doutorado por mim defendida, recentemente, junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, sob orientação do antropólogo, professor doutor John Cowart Dawsey, com auxílio de bolsa de doutorado concedida pela Capes. Ver Silva (2005).
  • 1
    Os lingüistas formalistas, principalmente os russos, esboçaram uma noção de narrativa nos moldes dessas fases.
  • 2
    Trata-se de um estrangeiro, europeu, que descreve a cerimônia, que ele assistiu no ano de 1847, da cremação do corpo de um rei morto em Bali, e que Geertz (1991, p. 126-131) cita em
    Negara.
  • 3
    Ver Stanley Mitchell (apud Taussig, 1993).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Jul 2005
    • Recebido
      31 Maio 2005
    Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
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