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Matabilidade como forma de governo: violências, desigualdades e Estado numa perspectiva comparativa entre Florianópolis e Rio de Janeiro

Killability as a form of government: violence, inequalities and the State in a comparative perspective between Florianópolis and Rio de Janeiro

Resumo

O artigo aborda processos de produção de mortos que acionam novas (in)sensibilidades e modos de expressão sobre o morrer e a morte, alcançando de forma dilatada grupos já ostensivamente expostos ao risco da morte e à naturalização de suas mortes. A partir de dados etnográficos produzidos em pesquisa realizada nas regiões metropolitanas de Florianópolis e do Rio de Janeiro, observa-se como essa dinâmica se atualiza no contexto da pandemia de Covid-19 por uma promoção da expansão de formas de matabilidade que dilataram as instâncias de necropoder no âmbito de uma governamentalidade neoliberal. A análise irá refletir como a matabilidade se inscreve como dispositivo que circunscreve uma economia política e moral para modos de vida específicos, por meio da construção de mortos, a gestão do luto e a naturalização da morte.

Palavras-chave:
mortos; violência de Estado; governamentalidade; etnografia

Abstract

The article addresses processes of production of the dead that trigger new (in)sensitivities and modes of expression about dying and death, reaching in a dilated way groups already ostensibly exposed to the risk of death and the naturalization of their deaths. Based on ethnography research from the contexts of the metropolitan regions of Florianópolis and Rio de Janeiro, it observes how this dynamic is updated in the context of the Covid-19 pandemic by the promotion of forms of killing that have spread the instances of necropower within the scope of neoliberal governmentality in the Brazilian state. The analysis will reflect how killability is inscribed as a device that circumscribes a political and moral economy for specific ways of life, through the construction of the dead, the management of mourning and the naturalization of death.

Keywords:
dead; state violence; governmentality; ethnography

Neste artigo irei abordar processos de produção de mortos que acionam novas (in)sensibilidades e modos de expressão sobre o morrer e a morte, alcançando de forma dilatada grupos já ostensivamente expostos ao risco da morte e à naturalização de suas mortes. A partir de dados etnográficos produzidos em pesquisa realizada nas regiões metropolitanas de Florianópolis e do Rio de Janeiro, proponho pensar desde uma perspectiva antropológica sobre essa dinâmica e como ela se atualiza no contexto da pandemia de Covid-19. Essa perspectiva tem sido descrita e refletida em uma série de trabalhos sobre como se dá a explicitação cada vez maior das desigualdades sociais e raciais, e a distribuição diferencial da violência: sobre a ação de agentes estatais por meio de operações policiais em favelas e periferias urbanas (Hirata; Grillo; Dirk, 2021HIRATA, D.; GRILLO, C.; DIRK, R. Operaciones policiales en Rio de Janeiro (2006-2020). Runa, [s. l.], v. 42, n. 1, p. 65-82, 2021.; Medeiros; Anjos, 2020MEDEIROS, F.; ANJOS, P. dos. Doença, violências e racismo: a pandemia do novo coronavírus em Florianópolis/SC. Ponto Urbe, São Paulo, n. 27, 2020.), e sobre a omissão e ausência de políticas públicas no cuidado de populações socialmente vulnerabilizadas (Grossi; Toniol, 2020GROSSI, M.; TONIOL, R. (org.). Cientistas sociais e o coronavírus. São Paulo: Anpocs; Florianópolis: Tribo da Ilha, 2020.; Pierobon; Lacerda; Rui, 2021PIEROBON, C.; LACERDA, P.; RUI, T. Efeitos da pandemia na vida de famílias de baixa renda: apontamentos preliminares. In: BLOG DA SBS. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Sociologia, 7 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://sbsociologia.com.br/efeitos-da-pandemia-na-vida-de-familias-de-baixa-renda-apontamentos-preliminares/ . Acesso em: 30 out. 2022.
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). Tais enquadramentos evidenciam uma gestão desregulada intencional por parte do governo federal brasileiro durante a pandemia, que promoveu mortes e adoecimento na população, por meio de uma série de normas para a flexibilização das medidas sanitárias recomendadas por cientistas e organismos internacionais, promovendo a exposição ao vírus como forma de controle pandêmico (Ventura; Reis, 2021VENTURA, D. de F. L.; REIS, R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na Pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil, São Paulo, n. 10, p. 6-31, 2021. Disponível em: Disponível em: https://static.poder360.com.br/2021/01/boletim-direitos-na-pandemia.pdf . Acesso em: 11 out. 2022.
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). Correlacionados a essa gestão, estão argumentos que partem da descredibilização da ciência por meio da propagação de discursos antivacina (Camargo, 2022CAMARGO, L. F. Hesitação e recusa vacinal: a pandemia de covid-19 nos discursos antivacina brasileiros. 2022. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022.; Castro, 2021CASTRO, R. Necropolítica e a corrida tecnológica: notas sobre ensaios clínicos com vacinas contra o coronavírus no Brasil. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 27, n. 59, p. 71-90, jan./abr. 2021.) e ausência de medidas que pudessem referenciar as demandas de saúde e de assistência que se expandiram no decorrer da pandemia.

Assim, observa-se uma promoção da expansão de formas de matabilidade que dilataram as instâncias de necropoder (Mbembe, 2006MBEMBE, A. Necropolitics. Raisons politiques, Paris, n. 1, p. 29-60, 2006.) no âmbito da governamentalidade neoliberal (Foucault, 2008aFOUCAULT, M. Segurança, território e população. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008a.) no contexto brasileiro. Uma “necrogovernamentalidade” (Franco, 2021FRANCO, F. L. Governar os mortos: necropolíticas, desaparecimento e subjetividade. São Paulo: Ubu, 2021.), já estabelecida desde a formação do Estado no contexto colonial, aprofundada em regimes políticos de exceção como a escravização da população negra, o genocídio dos povos indígenas e, no último século, a sofisticação de tecnologias de repressão, desaparecimento e morte durante o regime militar entre 1964 e 1985, passou a ser difundida. O estabelecimento de um regime democrático que propunha o reconhecimento de cidadania ao final dos anos 1980 no Brasil expõe a contradição da lógica vigente: uma igualdade formal de direitos num contexto de profunda desigualdade social e jurídica (Caldeira, 1991CALDEIRA, T. P. do R. Direitos humanos ou ‘privilégios de bandidos’? Desventuras da democratização brasileira. Novos Estudos, [s. l.], n. 30, p. 162-174, 1991.; Lima, R., 1989LIMA, R. K. de. Cultura jurídica e práticas policiais: a tradição inquisitorial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 4, n. 10, p. 65-84, 1989.). Por dispositivos estatais que funcionam como um conjunto ordenado e estratificado de formas de governo, tal desigualdade perpassa a burocracia do Estado e suas ações de intervenção, agindo sobre a morte, organizando um processo de construção de mortos (Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.; Medeiros; Hattori, 2020MEDEIROS, F.; HATTORI, M. Dispositivos estatais e construção social dos mortos. Apresentação do dossiê. Revista M., Rio de Janeiro, v. 10, n. 5, p. 188-199, jul./dez. 2020.). Na medida em que fazem parte e integram relações sociais, sujeitos mortos são submetidos a processos de classificação e hierarquização que permitem refletir como tem se produzido e reproduzido a morte como um acontecimento natural, aceitável, tolerável e, até, desejável para determinados sujeitos e grupos (Butler, 2009BUTLER, J. Frames of war: when is life grievable? New York: Verso, 2009.; Mbembe, 2006MBEMBE, A. Necropolitics. Raisons politiques, Paris, n. 1, p. 29-60, 2006.) por dispositivos estatais que atuam na gestão de mortos e reproduzem a naturalização da morte para um conjunto de indivíduos.

Os modos de operação dessa estratégia de controle de corpos por meio da generalização da morte podem ser observados a partir dos sistemas de classificação e controle de corpos sem vida que produzem um lugar social dos mortos (Medeiros, 2018MEDEIROS, F. Linha de investigação: uma etnografia das técnicas e moralidades numa Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2018.) como um “não lugar” (Augé, 1994AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.) e que se identifica ao analisar a gestão dos mortos desde os contextos da burocracia cartorial estatal, do mercado funerário e das representações da morte e dos mortos (Araújo; Medeiros; Mallart, 2020ARAÚJO, F.; MEDEIROS, F.; MALLART, F. As valas comuns: imagens e políticas da morte. Dilemas, Rio de Janeiro, p. 1-12, 2020. [Seção] Reflexões da Pandemia.; Farias, 2020FARIAS, J. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2020.; Ferreira, 2015FERREIRA, L. C. de M. Pessoas desaparecidas: uma etnografia para muitas ausências. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.; Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.; Sanjurjo; Nadai; Azevedo, 2020SANJURJO, L.; NADAI, L.; AZEVEDO, D. Corpos, tempo e instituições: um olhar sobre os cemitérios na pandemia de Covid-19. Dilemas, Rio de Janeiro, p. 1-17, 2020. [Seção] Reflexões da Pandemia.). Desde essa reflexão, a abordagem apresentada neste artigo visa estabelecer uma forma de compreender a relação entre tempo e espaço que torna presente a valoração moral do sujeito morto como pessoa, e visa contrapor-se aos dispositivos necropolíticos que incidem em processos de subjetivação, luto e luta pela vida.

Superando uma análise que aposta no efeito duplo de ordem e transcendência que tem sido usada para registrar a presença do Estado, ora tomando este como ordem e olhar estrito às manifestações locais de burocracias e lei como apropriações e interpretações culturalmente informadas, ora pela relação entre violência e as funções de ordem do governamental marcada pelo Estado moderno-colonial tendo este como qualidade transcendente e correspondente ao monopólio da violência legítima, me inspiro no movimento analítico de atentar às margens do Estado por três caminhos (Das; Poole, 2004DAS, V.; POOLE, D. State and its margins: comparative ethnographies. In: DAS, V.; POOLE, D. Anthropology in the margins of the state. Santa Fe: School of American Research Press, 2004. p. 3-33.). O primeiro diz respeito a olhar para as populações marginalizadas e as tecnologias de poder pelas quais o Estado tenta administrá-las ou pacificá-las, pois são consideradas insuficientemente socializadas na lei, pela forma ou pedagogia da conversão, sendo objeto de demandas jurídicas de inclusão e processos disciplinares de poder. Outra forma é olhar para os processos legibilidade e ilegibilidade: documentos e estatísticas que consolidam o controle do Estado sobre sujeitos, populações, territórios e vidas. Finalmente, podemos olhar para a margem como espaço entre corpos, lei e disciplina, compreendendo a relação de processos biopolíticos (Foucault, 2008bFOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.), que agem por meio da medicina, do direito e de saberes disciplinares em busca da ordem e do normal, e articulam estratégias de cidadania, imaginários tecnológicos e zonas de linguagem como coconstrutoras do Estado e suas margens. Ao olhar o Estado desde e a partir de suas margens, proponho desenvolver uma discussão sobre o estado democrático de direito brasileiro a fim de identificar como os dispositivos estatais que agem na construção dos mortos expressam valores punitivistas, proibicionistas e elitistas, mobilizam suas frestas e inconsistências no controle social da população negra, pobre e marginalizada.

Desse modo, é possível identificar alguns contextos nos quais se expõe a ação intencional de regulação por meio da morte, tais como a violência policial em favelas e as políticas de atenção voltadas para a população em situação de rua. Ambos permitem observar e descrever os efeitos dos avanços de uma governamentalidade neoliberal (Franco, 2021FRANCO, F. L. Governar os mortos: necropolíticas, desaparecimento e subjetividade. São Paulo: Ubu, 2021.) que articula o abuso do monopólio da força física ao “desmonte” de políticas públicas que atinge de forma particular os serviços de saúde e assistência social voltados ao atendimento da população pobre e negra que habita favelas e periferias dos centros urbanos (Freire; Castro, 2022FREIRE, L.; CASTRO, R. Apresentação do dossiê “Entre ‘precariedades’, ‘crises’ e o ‘colapso’: perspectivas antropológicas sobre o ‘desmonte’ do SUS”. Anuário Antropológico, Brasília, v. 47, n. 2, p. 74-92, 2022. Disponível em: Disponível em: https://journals.openedition.org/aa/9695 . Acesso em: 11 out. 2022.
https://journals.openedition.org/aa/9695...
). Logo, no contexto pandêmico, o aprofundamento de tecnologias de vigilância e controle se contrapõe à ausência de respostas institucionais para as demandas urgentes da população em situação de vulnerabilização. E essa, por sua vez, mobilizou uma série de iniciativas como resposta promovida por formas locais de auto-organização (Medeiros; Anjos, 2020MEDEIROS, F.; ANJOS, P. dos. Doença, violências e racismo: a pandemia do novo coronavírus em Florianópolis/SC. Ponto Urbe, São Paulo, n. 27, 2020.) que envolvem instituições do terceiro setor, como organizações não governamentais (ONGs) e organizações sociais, redes de voluntariado, igrejas e movimentos sociais.

A análise empreendida aqui irá refletir sobre como a matabilidade se inscreve como dispositivo que circunscreve uma economia política e moral para modos de vida específicos, por meio da construção de mortos, a gestão do luto e a naturalização da morte. Para tanto, o artigo aciona a descrição etnográfica da morte de dois meninos negros, um de 12 anos assassinado pela Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) na cidade de Florianópolis, e outro de 14 anos assassinado pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), na cidade de São Gonçalo, região metropolitana da capital. Ambos os casos permitirão contrastar os agenciamentos de dispositivos necrogovernamentais e modos de luto, luta e resistência, a fim de explorar especificidades de cada contexto. Por um lado, no Rio de Janeiro se promove uma política explícita de extermínio, cujos debates e repercussões chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da Arguição de Descumprimento de Preceito Federal 635 (ADPF das Favelas) nas tentativas de estabelecimento do controle externo das operações policiais realizadas em favelas do Rio de Janeiro visando a redução da letalidade policial durante a pandemia e que foi diretamente confrontada por forte reação das forças policias ao promoverem uma chacina com mais de 27 mortos na comunidade do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro.

Por outro lado, em Florianópolis, a política de produção de mortos age de forma sutil, se valendo da invisibilidade (Leite, 1991LEITE, I. B. Descendentes de africanos em Santa Catarina: invisibilidade histórica e segregação. Textos e Debates, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 5-42, 1991., 1996LEITE, I. B. (org.). Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996.) sustentada pela lógica da branquitude (Conceição, 2017CONCEIÇÃO, W. L. da. Brancura e branquitude: ausências, presenças e emergências de um campo de debate. 2017. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.) que não identifica a presença da população negra e pobre na cidade, tanto quanto impede que os processos por demandas de direitos e reconhecimento de cidadania por parte dessa população sejam reconhecidos como problema público (Alencar, 2019ALENCAR, A. Cidadão invisível e o direito à cidade negada. In: RAPOSO, P.; RENCK, A.; HEAD, S. (org.). Cidades rebeldes: invisibilidades, silenciamentos, resistências e potências. Florianópolis: Editora da UFSC, 2019. p. 183-193.; Klinkerfus, 2021KLINKERFUS, J. P. A monstruosidade de tudo que é negro: a antinegritude do cinema de horror às páginas dos jornais. Revista Ensaios, Niterói, v. 18, p. 47-69, jan./jul. 2021.). Apesar das persistentes invisibilizações, procuro aprofundar as presenças e condições de existência dessa população em Florianópolis, de modo a expor como agenciamentos de morte e vida se expressam na gestão de um grupo específico: a população em situação de rua. Diante da terceirização das políticas de assistência social e cuidado, evidencia-se como o neoliberalismo tecnocrático, e sua face como capitalismo racial, torna possível que dispositivos que operam de forma cotidiana em favelas e periferias urbanas sejam dilatados ao vincular pobreza, proibicionismo e positivismo, produzindo diferentes formas de matabilidade, vulnerabilização social e negação de acesso a direitos.

“Ele era só uma criança”

Adriano Lima Gregório dos Santos, o Naninho, vivia no bairro da Costeira do Pirajubaé, em Florianópolis. Era o mais novo de oito irmãos: cinco mulheres e três homens, e foi o terceiro filho de Nilda a ser assassinado por policiais militares de Santa Catarina. Um dos irmãos de Naninho atuava no mercado de varejo do Primeiro Grupo da Capital, facção catarinense aliada ao Comando Vermelho carioca, e foi morto também na Costeira, aos 17 anos, em 2017. O outro irmão não tinha atuação regular e aos 15 anos foi assassinado, em 2019. A relação dos jovens com o tráfico é apresentada tanto pela polícia quanto pela família como motivação para suas mortes, que nunca foram investigadas. Ambas as vítimas foram tomadas como responsáveis por seus próprios assassinatos a priori. Como descrito nos canais da mídia alternativa (Moura, 2020MOURA, M. Naninho tinha 12 anos e o sonho de ser MC. Foi visitar um primo e acabou morto com um tiro no pescoço. Ponte Jornalismo, [s. l.], 18 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://ponte.org/naninho-tinha-12-anos-e-o-sonho-de-ser-mc-foi-visitar-um-primo-e-acabou-morto-com-um-tiro-no-pescoco/ . Acesso em: 30 out. 2022.
https://ponte.org/naninho-tinha-12-anos-...
), o sonho de Adriano era ser MC, e, segundo me relatou em entrevista Ane, amiga da família, moradora da residência onde Naninho estava horas antes de ser morto, o menino, que tinha 12 anos, havia sido ameaçado pela polícia dois meses antes por conta da história de vida de seus irmãos já mortos.

Era 11 de novembro de 2020. Ele havia jantado na casa de Ane e depois foi ao encontro de um primo para retornar a sua casa. Naquela noite, os policiais foram até a comunidade, pois dois clientes do varejo foram tomados como reféns pelo não pagamento dos produtos. Um deles conseguiu chamar a polícia, que, ao chegar na comunidade, teria entrado em confronto com os traficantes. Minutos depois do conflito armado, o corpo do menino foi encontrado sob uma árvore numa das escadarias da Servidão Carioca. A versão da polícia é de que seu corpo foi encontrado com uma pistola, versão endossada pelo delegado que ficou responsável pela investigação e que declarou à imprensa, ainda nos primeiros dias no inquérito sem acesso aos laudos periciais, que Naninho estava em confronto com os policiais e que cometia crime, por isso foi morto (Protesto…, 2020PROTESTO fecha rodovia de acesso ao Sul da Ilha, em Florianópolis, nesta sexta. ND+, Florianópolis, 18 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://ndmais.com.br/transito/protesto-fecha-rodovia-em-florianopolis/ . Acesso em: 30 out. 2022.
https://ndmais.com.br/transito/protesto-...
).

Quando chegaram ao local, uma de suas irmãs e sua tia viram um corpo coberto com um plástico preto e puderam reconhecer o garoto pelo tamanho. Adriano teve o corpo removido sem a preservação da cena do crime e a devida realização da perícia de local. Nos dias seguintes, órgãos oficiais da polícia seguiram afirmando na mídia oficial da PMSC e nos canais da imprensa que o menino atuava no tráfico. Essa afirmação acionava um dos principais argumentos da criminalização das drogas, que toma o “tráfico de drogas” como dispositivo para legitimar as mortes promovidas pela polícia tanto na sua forma burocrática, pela manipulação dos documentos que produzem a investigação (Medeiros, 2018MEDEIROS, F. Linha de investigação: uma etnografia das técnicas e moralidades numa Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2018.), quanto pelos enquadramentos morais (Butler, 2009BUTLER, J. Frames of war: when is life grievable? New York: Verso, 2009.; Eilbaum; Medeiros, 2015EILBAUM, L.; MEDEIROS, F. Quando existe violência policial? Direitos, moralidades e ordem pública no Rio de Janeiro. Dilemas, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 407-428, jul/set. 2015.) que visam o impedimento da mobilização de discursos emocionais (Abu Lughod; Lutz, 1990ABU-LUGHOD, L.; LUTZ, C. Introduction: emotion, discourse, and the politics of everyday life. In: ABU-LUGHOD, L.; LUTZ, C. (ed.). Language and the politics of emotion. New York: Cambridge University Press, 1990. p. 1-23.) de luto diante de uma morte moralmente naturalizada.

Apesar das estratégias necrogovernamentais operadas por agentes estatais, após o enterro do garoto, que aconteceu no cemitério do Itacorubi, familiares, amigos e vizinhos da comunidade decidiram protestar contra sua morte e fizeram um ato na rua. No dia seguinte, novamente, ocorreu outra manifestação na avenida que margeia o morro onde está a comunidade da Costeira. Nesse dia, os manifestantes foram fortemente reprimidos pela polícia. Como me descreveu um dos interlocutores da pesquisa que participou das manifestações, “isso aqui virou uma praça de guerra!”. No total, foram três manifestações diferentes, a terceira realizada no domingo para a comunidade do bairro, por aqueles que buscavam, em nome de Adriano, prestar luto e expressar seus sentimentos de dor e sofrimento (Das, 1999DAS, V. Fronteiras, violência e o trabalho do tempo: alguns temas wittgensteinianos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 40, p. 31-42, jun. 1999.; Mauss, 2001MAUSS, M. A expressão obrigatória dos sentimentos (1921). In: MAUSS, M. Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2001.).

A morte de Naninho, cuja naturalização foi argumentada por meio da criminalização de sua existência, justificada materialmente por uma pretensa arma, conforme declarado pelos policiais, foi gradualmente invisibilizada para fora dos limites da comunidade, sobretudo pelos agentes estatais que deveriam investigá-la. Apesar das mobilizações realizadas por familiares e conhecidos, que conduziram três atos nas ruas da cidade de Florianópolis nos dias imediatamente após o ocorrido, e a cobertura da mídia alternativa, a morte do garoto acabou não alcançando comoção pública e nem grande repercussão (Lima; Eilbaum; Medeiros, 2017LIMA, R. K. de; EILBAUM, L.; MEDEIROS, F. (org.). Casos de repercussão: perspectivas antropológicas sobre rotinas burocráticas e moralidades. Rio de Janeiro: Consequência, 2017.). Como “mortos acontecimento”1 1 Marshall Sahlins (1990), em sua análise estrutural e histórica, vai propor uma distinção entre acontecimentos e eventos, na qual os primeiros seriam referentes a um modelo prescritivo que segue a ordem estável dos sistemas simbólicos, enquanto os segundos seriam a relação entre acontecimento e estrutura, um acontecimento de significância que implica um processo de interpretação específico. A partir dessas proposições, tenho articulado a distinção para pensar como podem servir para refletir sobre processos de hierarquização de mortos cujas mortes são naturalizadas ou não. Desse modo, aciono a categoria analítica de “mortos acontecimento” como aqueles identificados como rotineiros, parte da ordem natural, enquanto os “mortos eventos” demandariam um processo de interpretação específico para ser significados como parte da estrutura (Medeiros, 2016). (Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.) que fazem parte da rotina das instituições e que portanto não ganham visibilidade pública de modo a interferir na normalidade do dia a dia, a invisibilidade da existência e da importância da presença de pessoas negras em Florianópolis serve como dispositivo que não apenas esconde como legitima, nas burocracias estatais e na repercussão pública, uma morte de uma criança negra duplamente produzida pelos agentes do estado.

Em contraste com os “mortos acontecimento”, pode-se pensar nos “mortos evento” (Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.), aos quais repercussão, comoção e expressão pública de solidariedade, ainda que pontuais, ressoam nos processos de gestão das mortes e cujos ritmos e efeitos aparecem como significativos para compreender como a matabilidade se confere de modo particular em diferentes contextos.

“Ele estava dentro de casa”2 2 Parte das descrições apresentadas nesta seção já foram compartilhadas previamente em Medeiros (2020) e são retomadas aqui sob um maior aprofundamento analítico.

No final da tarde de 18 de maio de 2020, na cidade de São Gonçalo, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, foi atingido dentro de casa nas costas por um tiro de fuzil 556 disparado por policiais civis que invadiram o imóvel onde ele estava com um primo e quatro amigos (Soares, 2020aSOARES, R. João Pedro foi baleado pelas costas, revela laudo cadavérico. Extra, Rio de Janeiro, 28 maio 2020a. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/joao-pedro-foi-baleado-pelas-costas-revela-laudo-cadaverico-rv1-1-24449505.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). João Pedro tinha bronquite e por isso, no contexto da pandemia de Covid-19, era incluído na “população de risco”, o que reforçava a preocupação de seus pais com a sua proteção. Quando viram os helicópteros sobrevoando a região conhecida como Complexo do Salgueiro, tanto seus pais quanto sua tia alertaram os adolescentes sobre como proceder. Como declarou sua mãe em entrevista ao jornal Extra: “[Eles] ligaram para os responsáveis, perguntaram o que deveriam fazer. A tia do João Pedro disse: ‘Se eles baterem, abre a porta, deixa entrar. Não tem problema nenhum, vocês estão dentro de casa’. Nós achávamos que os policiais iriam protegê-los” (Soares, 2020iSOARES, R. Para mãe, João Pedro foi vítima de racismo: ‘Se fosse na Zona Sul, eles não entrariam atirando’. Extra, Rio de Janeiro, 14 jun. 2020i. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/para-mae-joao-pedro-foi-vitima-de-racismo-se-fosse-na-zona-sul-eles-nao-entrariam-atirando-24478148.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Ao ouvir o barulho dos rasantes do helicóptero da polícia se aproximando da casa, os jovens saíram correndo da área de lazer, uma varanda com mesa de sinuca, jardim e piscina, e se protegeram dentro da casa. A invasão policial se deu durante uma operação da Polícia Federal (PF), e teria como prerrogativa a busca e apreensão em dois endereços, a partir de autorização de mandando do plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) sendo realizada com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Nenhum desses endereços era da casa onde estava João Pedro (Soares, 2020hSOARES, R. Testemunhas contradizem relatos de policiais investigados pelo homicídio de João Pedro. Extra, Rio de Janeiro, 13 jun. 2020h. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/testemunhas-contradizem-relatos-de-policiais-investigados-pelo-homicidio-de-joao-pedro-24477896.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
).

Baleado, o adolescente foi levado no helicóptero da polícia e seus familiares esperavam que fosse oferecido atendimento médico e, portanto, foram procurá-lo nos hospitais da região. Por volta das 21h30 de 18 de maio, via a rede social Twitter, diante do desespero de não saber onde estava João Pedro, um de seus primos tuitou sobre o ocorrido. Compartilhando uma foto do rosto adolescente, exclamou por ajuda:

GENTE PELO AMOR DE DEUS ME AJUDEM! ESSE É O MEU PRIMO JOÃO PEDRO MATOS PINTO TEM 14 ANOS E ESTAVA HOJE POR VOLTA DAS 16h EM CASA NA (PRAIA DA LUZ) SÃO GONÇALO RJ EM UMA OPERAÇÃO DA POLÍCIA […]. (Blaz, 2020aBLAZ. Gente pelo amor de Deus me ajudem […]. Rio de Janeiro, 18 maio 2020a. Twitter: @_danblaz. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/_danblaz/status/1262541077187309569 . Acesso em: 30 out. 2022.
https://twitter.com/_danblaz/status/1262...
).

POR FAVOR ME AJUDEM SEGUNDO OS PRIMOS QUE ESTAVA COM ELE A POLÍCIA PEGOU ELE COLOCOU NO HELICÓPTERO E NÃO DEIXOU NINGUÉM IR ATÉ AGORA NINGUÉM ACHOU O CORPO NEM NOTÍCIAS QUEM PUDER AJUDAR LIGA PARA ESSE NÚMERO (21) […]. (Blaz, 2020bBLAZ. Por favor me ajudem […]. Rio de Janeiro, 18 maio 2020b. Twitter: @_danblaz. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/_danblaz/status/1262546560115716098 . Acesso em: 30 out. 2022.
https://twitter.com/_danblaz/status/1262...
).

Apenas na manhã seguinte, cerca de 18 horas depois do ocorrido, os familiares de João Pedro tiveram notícias do seu corpo: ele estava no Polo Regional de Polícia Técnico Científica (PRPTC) do Colubandê, em São Gonçalo, onde foi submetido ao exame necroscópico efetuado pelo Instituto Médico-Legal (IML), ambos órgãos da mesma Polícia Civil da qual são integrantes os policiais que participaram da operação da Polícia Federal que matou João Pedro. Ao invés de se direcionar ao Hospital Alberto Torres, que fica no bairro do Colubandê e é referência na região para atendimento de urgência de baleados em São Gonçalo, a aeronave da Core tinha levado o corpo de João Pedro ao outro lado da Baía de Guanabara, até o heliporto na Lagoa Rodrigues de Freitas, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Só depois de constatada sua morte, voltou para São Gonçalo.

A repercussão do caso e os desdobramentos da morte de João Pedro, enterrado no dia 19 de maio no Cemitério São Miguel, imediatamente ocuparam espaço na mídia e nas redes sociais. O trabalho conduzido pelo jornalista Rafael Soares sobre a operação e a investigação da morte de João Pedro explicitou uma série de práticas convencionais nas operações policiais e nas investigações de mortes de jovens negros moradores de favela. Como resultado, além da morte do adolescente, a operação logrou a mera apreensão pela PF de 2 contas de gás, 1 celular e 1 automóvel (Soares, 2020fSOARES, R. Contas, celular e carro: o saldo da ação da PF que culminou no homicídio de João Pedro. Extra, Rio de Janeiro, 8 jun. 2020f. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/contas-celular-carro-saldo-da-acao-da-pf-que-culminou-no-homicidio-de-joao-pedro-24467147.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Os elementos da investigação conduzida em inquérito policial pela Divisão de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) incluem adulteração do local de crime (Soares, 2020gSOARES, R. Caso João Pedro: policiais recolheram estojos de cartuchos antes de perícia chegar ao local do crime. Extra, Rio de Janeiro, 10 jun. 2020g. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/caso-joao-pedro-policiais-recolheram-estojos-de-cartuchos-antes-de-pericia-chegar-ao-local-do-crime-24471766.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
); contradição, omissão de informações e alteração de depoimentos por parte dos policiais civis investigados (Soares, 2020bSOARES, R. Policiais investigados por homicídio de João Pedro mudaram versões sobre disparos. Extra, Rio de Janeiro, 30 maio 2020b. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/policiais-investigados-por-homicidio-de-joao-pedro-mudaram-versoes-sobre-disparos-24454231.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
); retenção de evidências por parte dos suspeitos (Soares, 2020cSOARES, R. Caso João Pedro: policial investigado só entregou fuzil uma semana após homicídio. Extra, Rio de Janeiro, 1 jun. 2020c. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/caso-joao-pedro-policial-investigado-so-entregou-fuzil-uma-semana-apos-homicidio-rv1-1-24455845.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
) e a interferência na produção de provas técnico-científicas (Soares, 2020dSOARES, R. Policial investigado por morte de João Pedro ficou com material apreendido na operação. Extra, Rio de Janeiro, 3 jun 2020d. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/policial-investigado-por-morte-de-joao-pedro-ficou-com-material-apreendido-na-operacao-rv2-2-24459669.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
), incluindo a participação direta do diretor da DHNSGI na operação policial que vitimou fatalmente João Pedro e no inquérito de sua investigação (Soares, 2020jSOARES, R. Delegado que investiga caso João Pedro é afastado da reprodução simulada. Extra, Rio de Janeiro, 18 jun. 2020j. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/delegado-que-investiga-caso-joao-pedro-afastado-da-reproducao-simulada-24485788.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
, 2020kSOARES, R. João Pedro: testemunha diz que não viu criminosos na casa e acusa delegado de mudar depoimento. Extra, Rio de Janeiro, 23 jun. 2020k. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/joao-pedro-testemunha-diz-que-nao-viu-criminosos-na-casa-acusa-delegado-de-mudar-depoimento-24492997.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
).

A forma como a morte de João Pedro foi investigada explicita uma das problemáticas fundamentais na elucidação e produção de verdade em casos de homicídios, especialmente aqueles provocados em operações policiais: a falta de autonomia e independência na condução de investigações e na produção de provas. A relação entre os investigados e os investigadores permite interferências na condução do inquérito policial e demonstra como se faz necessária a autonomia e independência da perícia técnico-científica. No Rio de Janeiro, esta funciona sob forma de órgão policial vinculado à Polícia Civil, possibilitando que a mesma polícia que esteve na operação que matou João Pedro fosse a que investigasse sua morte e produzisse as provas que indicaram a linha de investigação desse inquérito policial, apontando os responsáveis pela morte do adolescente.3 3 Em setembro de 2022, foram iniciadas as audiências para que o Judiciário pudesse julgar criminalmente os policiais acusados da morte de João Pedro. Do ponto de vista civil, o estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar uma indenização mensal à família até a data em que o adolescente completaria 25 anos de idade (Caso…, 2022).

Em meio à pandemia da Covid-19 e da emergência da denúncia antirracista contra a violência do Estado em diversas partes do mundo, evidenciou-se uma série de mecanismos que acionam as engrenagens dos dispositivos de necropoder que mata e deixa morrer. As estruturas racistas e autoritárias das instituições de controle agem impedindo que vidas negras sejam tratadas como dignas, ora diante das limitações e dificuldades para suprir as necessidades de cuidado e acesso à saúde, ora pela violência militarizada e burocratizada da brutalidade policial. Três dias antes de João Pedro ser morto, em 15 de maio, uma operação policial do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) resultou numa chacina com a morte de 13 pessoas no Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro (Mendonça, 2020MENDONÇA, J. O massacre que interrompeu a quarentena no Complexo do Alemão. Ponte Jornalismo, [s. l.], 17 maio 2020. Disponível em: Disponível em: https://ponte.org/o-massacre-que-interrompeu-a-quarentena-no-complexo-do-alemao/ . Acesso em: 30 out. 2022.
https://ponte.org/o-massacre-que-interro...
). No mesmo dia da morte de João Pedro, na favela do Acari, Rio, o jovem Iago César, de 21 anos, foi torturado e morto por agentes policiais do Bope (Família…, 2020FAMÍLIA de jovem morto em operação do Bope em Acari denuncia tortura. Extra, Rio de Janeiro, 20 maio 2020. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/familia-de-jovem-morto-em-operacao-do-bope-em-acari-denuncia-tortura-rv1-1-24436913.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). No dia 20 de maio, o jovem de 18 anos Vitor Gomes participava da distribuição de alimentos na Cidade de Deus quando foi alvejado e morto por policiais militares (Almeida, 2020ALMEIDA, P. Jovem é morto durante entrega de cestas básicas no RJ; vizinhos criticam PM. UOL, [s. l.], 21 maio 2020. Cotidiano. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/05/21/entrega-de-cestas-basicas-e-interrompida-por-tiroteio-no-rj-jovem-morre.htm . Acesso em: 30 out. 2022.
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ul...
). Mesmo depois da morte de João Pedro, aumentaram as operações policiais e os vitimados nessas operações, que funcionam quase de forma padronizada no que se refere a sua eficácia em matar e na prática de adulterar a cena do crime (Soares, 2020eSOARES, R. Caso João Pedro: dois policiais investigados já responderam por alterar cena de crime. Extra, Rio de Janeiro, 4 jun 2020e. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/caso-joao-pedro-dois-policiais-investigados-ja-responderam-por-alterar-cena-de-crime-24461735.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Ação de agentes do Estado ou omissão destes mesmos, que produzem mortos sem cessar, acumulam mortes que poderiam ser evitáveis e produzem verdades que escondem os fatos.

A morte de João Pedro repercutiu de tal maneira que chegou ao Supremo Tribunal Federal, em resposta à Ação de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF) 635, apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e assinada por uma série de movimentos sociais de favela e organismos de defesa dos direitos alinhados com a pauta antirracista e com a denúncia da violência de Estado. Por decisão preliminar, o ministro Edson Fachin determinou a suspensão de operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia “salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - responsável pelo controle externo da atividade policial” (Brasil, 2020BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tutela provisória incidental na medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental 635 Rio de Janeiro. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília: STF, 5 jun. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF635DECISaO5DEJUNHODE20202.pdf . Acesso em: 30 out. 2022.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/notici...
). Na decisão, publicada no dia 5 de junho de 2020, os casos da chacina no Alemão, da morte de João Pedro e de Iago foram mencionados como eventos que demonstravam a necessidade de protocolos para garantir o que seria o adequado uso da força policial. Entretanto, o próprio governador eleito do estado, que já afirmara que policiais deveriam “mirar na cabecinha” para atirar contra suspeitos (Wilson Witzel…, 2018WILSON WITZEL: ‘A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo’. Veja, São Paulo, 1 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/ . Acesso em: 30 out. 2022.
https://veja.abril.com.br/politica/wilso...
), diante da decisão do STF, anunciou que não havia como suspender as operações. Já no dia seguinte à decisão, a polícia militar promoveu uma operação policial no Complexo do Alemão (Mello, 2020MELLO, I. Após STF proibir operações, policiais trocam tiros no Complexo do Alemão. UOL, [s. l.], 6 jun. 2020. Cotidiano. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/06/06/apos-stf-proibir-operacoes-policiais-trocam-tiros-no-complexo-do-alemao.htm . Acesso em: 30 out. 2022.
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ul...
). No dia 12 de junho, uma nova operação da PM foi realizada na região onde vivia João Pedro, no Complexo do Salgueiro (Amorim, 2020AMORIM, D. PM faz operação em comunidade no Rio, mas diz que não desrespeitou suspensão de ações na pandemia. Terra, [s. l.], 13 jun. 2020. Cidades. Disponível em: Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/pm-faz-operacao-em-comunidade-no-rio-mas-diz-que-nao-desrespeitou-suspensao-de-acoes-na-pandemia,c976c0d325719a55f432ba7238f767bcorjq7nlp.html . Acesso em: 30 out. 2022.
https://www.terra.com.br/noticias/brasil...
). E, ainda que por determinado período, as mortes em operações policiais no Rio de Janeiro tenham se reduzido (Hirata; Grillo; Dirk, 2020HIRATA, D.; GRILLO, C.; DIRK, R. Efeitos da medida cautelar na ADPF 635 sobre as operações policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Niterói: Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos: Fogo Cruzado, jun. 2020.), com o passar do tempo, novos agenciamentos de matabilidade como forma de governo foram acionados, expressando um aprofundamento na produção de mortos por meio de execuções sumárias em territórios de favelas no Rio de Janeiro.

Controle estatal e excepcionalidade

Quase um ano depois da morte de João Pedro, entre os dias 16 e 18 de abril de 2021, participei de uma audiência pública do STF que foi realizada para que o ministro Edson Fachin ouvisse familiares de vítimas, movimentos sociais, defensores de direitos humanos, pesquisadores e agentes públicos sobre diversos pontos relativos à ADPF 635, também conhecida como ADPF das Favelas. Minha participação foi por indicação do movimento de familiares e se deu como contribuição para tratar da discussão sobre autonomia e independência dos órgãos periciais. Vinte dias depois da audiência pública, a Polícia Civil realizou a operação policial mais letal da cidade do Rio de Janeiro, com 28 vítimas fatais - 27 pessoas da comunidade e um policial civil, morto no início da operação quando a perícia criminal começava o trabalho de investigação no local onde já havia uma vítima fatal - que ficou conhecida como o “massacre de Jacarezinho”. A denominada Operação Exceptis ocorreu em 6 de maio de 2021, ainda sob a vigência da ADPF 635, e foi mais uma vez protagonizada por agentes da Polícia Civil - que, de acordo com o texto constitucional (Brasil, [2022])BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 30 out. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
, teria como responsabilidade a investigação de crimes e a condução dos procedimentos burocráticos a serem remetidos ao Judiciário, mas que tem passado por forte processo de militarização por meio da dilatação de uma política de segurança pública pautada em valores e lógicas de “guerra” (Medeiros, 2018MEDEIROS, F. Linha de investigação: uma etnografia das técnicas e moralidades numa Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2018.).

Após a morte do agente policial, moradores relatam que foi iniciada uma “operação vingança” por meio do terror, ameaças e execuções. As imagens dos registros difundidas por moradores e defensores de direitos humanos expuseram as evidências de como o chamado “confronto” com os “bandidos fortemente armados” foi uma ação brutal, com uso de extrema e desproporcional violência pelos policiais. Em coletiva de imprensa realizada pela Polícia Civil após a operação, um dos delegados declarou “os fatos são relativamente graves, então, enfim, isso [a grande quantidade de mortos] se justifica”, afirmando que a operação foi realizada com base no tripé “inteligência, investigação e ação” e “como determina a lei” (Araújo et al., 2021ARAÚJO, F. et al. Passar o recado para a sociedade: uma análise da coletiva de imprensa da Polícia Civil sobre o Jacarezinho. Le Monde Diplomatique Brasil, [s. l.], 24 maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://diplomatique.org.br/analise-da-coletiva-de-imprensa-da-policia-civil-sobre-o-jacarezinho/ . Acesso em: 30 out. 2022.
https://diplomatique.org.br/analise-da-c...
, grifo dos autores). Segundo os delegados que participaram dessa coletiva, os fatos que motivaram a operação seriam relacionados a uma investigação sobre “aliciamento de menores pelo tráfico”, o que posteriormente não ficou confirmado, e contrasta com os fatos registrados e difundidos na mídia, como a reportagem que expõe a grande quantidade de sangue derramado no quarto de uma menina de 9 anos, local onde um homem já baleado foi morto enquanto tentava se esconder dos policiais, que invadiram a casa da família e executaram a sua vítima diante das testemunhas (Araújo, 2021ARAÚJO, V. Mortes no Jacarezinho: menina de nove anos não voltou ao seu quarto após homem ser morto em sua cama. O Globo, Rio de Janeiro, 7 maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/mortes-no-jacarezinho-menina-de-nove-anos-nao-voltou-ao-seu-quarto-apos-homem-ser-morto-em-sua-cama-25008847 . Acesso em: 30 out. 2022.
https://oglobo.globo.com/rio/mortes-no-j...
).

Segundo dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (2022)GRUPO DE ESTUDOS DOS NOVOS ILEGALISMOS. Chacinas policiais: relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: Geni, 2022. Disponível em: Disponível em: https://geni.uff.br/wp-content/uploads/sites/357/2022/05/2022_Relatorio_Chacinas-Policiais_Geni_ALT2.pdf . Acesso em: 30 out. 2022.
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, a chacina do Jacarezinho foi a 594ª chacina policial ocorrida entre os anos de 2007 e 2021, cujo resultado foi a perda de, pelo menos, 2374 vidas. Dessa maneira, essa chacina foi o ponto culminante e evento emblemático da reincidência de chacinas promovida por agentes públicos, que nesse período foram três vezes mais frequentes que as chacinas perpetradas por grupos armados extraoficiais.

Um ano após o massacre, em 6 de maio de 2022, familiares de vítimas e movimentos sociais prestaram homenagem aos mortos. Na ocasião, foi realizado um ato pelas vítimas, com faixas, mensagens pintadas nas paredes e asfalto e a inauguração de um monumento em memória do ocorrido, no qual cada um dos 28 mortos era lembrado. A placa maior continha os inscritos:

Homenagem às vítimas da Chacina do Jacarezinho! Em 06/05/2021, 27 moradores e um servidor foram mortos, vítimas da política genocida e racista do Estado do Rio de Janeiro, que faz do Jacarezinho uma praça de guerra, para combater um mercado varejista de drogas que nunca vai deixar de existir. Nenhuma morte deve ser esquecida. Nenhuma chacina deve ser normalizada.

Cinco dias depois, no dia 11 de maio de 2022, em uma nova operação policial oficial, a própria Polícia Civil, uma vez mais através da Core, sem nenhum diálogo prévio com os responsáveis pela instalação do memorial, nem com autorização judicial, realizou a derrubada do monumento, uma parede de cerca de 170×150 cm pintada em azul com placas em prata e preto. Foi feita a retirada de cada uma das placas instaladas, a maior com a homenagem citada literalmente acima, e outras 28 placas menores com nomes das vítimas e em algumas delas informações sobre datas de nascimento e morte. Depois de usarem pés-de-cabra, os policiais civis uniformizados e utilizando coletes à prova de balas amarraram uma corda para a derrubada final, com o memorial sendo levado ao chão ao ser puxado pelo veículo blindado, apelidado de Caveirão. A justificativa de tal ação seria a falta de autorização da prefeitura para a construção do monumento, mas sobretudo, a crítica da família do policial civil de que seu nome constasse junto aos moradores de favela assassinados, tomados como “bandidos”, em contraposição ao policial “herói” (Puccini Júnior, 2022PUCCINI JÚNIOR, L. L. Entre vítima e herói: a mobilização de discursos e narrativas produzidos por políticos e instituições em relação à morte de policiais no estado do Rio de Janeiro. 2022. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Antropologia) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.). Para os organizadores da construção do memorial, a homenagem ao policial seria uma maneira de construção de memória coletiva dos fatos e das ações brutais que têm marcado as políticas de segurança pública, mas para seus familiares e colegas essa era uma forma de contaminar seu nome, memória e morte.

Um ano depois da chacina do Jacarezinho, das 27 mortes provocadas pela polícia, apenas três seguiram em investigação; todas as demais foram arquivadas pelo próprio Ministério Público do Rio de Janeiro através do argumento de que houvera resistência à ação policial e de que os mortos eram “envolvidos” com o tráfico, acionando a justificativa dos “autos de resistência” que produzem a naturalização das mortes, em particular de jovens homens negros, e conferem a essas vítimas o lugar de “morto acontecimento” (Eilbaum; Medeiros, 2015EILBAUM, L.; MEDEIROS, F. Quando existe violência policial? Direitos, moralidades e ordem pública no Rio de Janeiro. Dilemas, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 407-428, jul/set. 2015.; Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.), numa estratégia “necrogovernamental” (Franco, 2021FRANCO, F. L. Governar os mortos: necropolíticas, desaparecimento e subjetividade. São Paulo: Ubu, 2021.) de tentativa de produção de esquecimento e apagamento dessas mortes pelo impedimento do exercício do luto pelos seus familiares. Após a divulgação das imagens de derrubada do memorial em homenagem aos mortos na mídia e em redes sociais (WhatsApp, Facebook e Instagram), por um lado, parte da comoção se deu em solidariedade às vítimas e seus sobreviventes; por outro, foram expressas demonstrações de apoio à ação de derrubada, diante da presença do nome do policial morto junto às demais vítimas, acusadas desde a data da chacina de serem “bandidos”, “traficantes” e “criminosos”. Assim, num tipo de conflito moral, os mortos foram classificados de modo hierárquico, de modo que a homenagem compartilhada contaminaria a memória do policial morto, logo justificando não apenas a retirada do seu nome do memorial, mas a sua definitiva e total destruição. Tal economia política e moral reforçava não apenas a morte física mas também a morte simbólica daqueles que foram executados pelos agentes policias, se configurando como uma outra forma de “matar os mortos” (Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.).

O impedimento da homenagem contrasta com a divulgação dos registros de imagens produzidos logo após a chacina e explicita como uso de símbolos do sofrimento se faz bastante recorrente em regimes autoritários, apontando para o reforço das representações que se baseiam na construção das figuras dos inimigos internos a serem desumanizados e potencialmente eliminados. Menos que invisibilizados, esse sujeitos passam a ser hipervisbilizados como forma de expiação pública, punição, que produz a gestão da ostensividade da matabilidade e naturalização da morte (Franco, 2021FRANCO, F. L. Governar os mortos: necropolíticas, desaparecimento e subjetividade. São Paulo: Ubu, 2021.). Essa forma de governo que, posteriormente, tenta impedir a manifestação de luto e a luta por memória, verdade, justiça e reparação em seus nomes, expressa o reforço do punitivismo, do proibicionismo e do racismo institucional, voltando-se contra tais vítimas, que são tomadas como precárias e não dignas (Butler, 2009BUTLER, J. Frames of war: when is life grievable? New York: Verso, 2009.) e que, por consequência, têm o reconhecimento de sua humanidade negado mesmo depois de sua morte.

A ação policial confronta diretamente a expressão do direito à memória por familiares, moradores e militantes e expõe a violência estatal acionada contra os mortos e seus sobreviventes, ao impedir a expressão do luto pela lembrança e homenagem às vítimas. Além de atacar individualmente cada um dos mortos e seus entes, a demolição do memorial também ataca, por meio de um novo ato violento, a memória coletiva e a produção de luto público pela comunidade atingida. São operações policiais cujos resultados principais são o impedimento da vida e produção de mortos, aprofundando os efeitos das desigualdades raciais que estruturam a sociedade brasileira e que se reproduzem institucionalmente por meio de ações e omissões dos agentes responsáveis pela condução do Estado. Ainda que proibidos pelo STF, seguem encontrando meios “excepcionais” de produção de mortos.

“Aporofobia” na Ilha da Magia

Em 7 abril de 2022, o padre Júlio Lancellotti usou suas redes sociais para divulgar a imagem de um cartaz que teria sido colocado na Igreja de São Francisco de Assis, no centro da cidade de Florianópolis, com o manuscrito: “Pedimos por gentileza para não dar esmolas no interior da igreja nem no portão. Isso não é dignidade. Obrigada pela atenção.” Na sua postagem, Lancellotti escreveu: “Dentro da igreja de São Francisco de Assis em Florianópolis! O próprio São Francisco era mendicante e atendia mendicantes! São Francisco passaria apuros por aí.” Padre da Igreja São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca na cidade de São Paulo, Júlio Lancellotti lidera a Pastoral do Povo da Rua e tem usado suas redes sociais e visibilidade midiática para denunciar a “aporofobia” (Cortina, 2020CORTINA, A. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Contracorrente, 2020.): a aversão aos pobres, que acaba por criminalizar e naturalizar as violências contra pessoas em situação de miséria.

Além da Igreja de São Francisco de Assis, uma série de equipamentos da prefeitura para atendimento à população em situação de rua se localiza no centro de Florianópolis, assim como dois pontos essenciais na assistência a essa população: a Passarela Nego Quirido e o Instituto Arco-Íris de Direitos Humanos. A Passarela Nego Quirido foi construída para durante o carnaval servir como sambódromo, mas há alguns anos funciona 24 horas como a Passarela da Cidadania. Trata-se de um serviço da Secretaria Municipal de Assistência Social especializado de referência para a população em situação de rua, terceirizado mediante termo de colaboração com a prefeitura, para acolhimento, que inclui disponibilização de três refeições diárias, banheiros para higiene pessoal, espaço para guarda de pertences e higienização de roupas para cerca de 150 pessoas por dia.

Por alguns anos, desde pelo menos setembro de 2018, com renovação do termo de colaboração no período de abril de 2019 até 31 de dezembro de 2020, a administração da passarela foi feita pela Organização Social Associação Braços Abertos (ABA), presidida por um pastor de uma igreja evangélica chamada Igreja As Maravilhas de Jesus, com sede em Florianópolis. De acordo com a pesquisa realizada nos registros publicizados pela prefeitura na internet, o líder da Igreja As Maravilhas de Jesus tinha um contrato de 1,5 milhão de reais com a prefeitura. Desde o começo de 2021, após novo edital da prefeitura, a gestão da Passarela da Cidadania passou a ser feita pelo Núcleo de Recuperação e Reabilitação de Vidas (Nurrevi), uma ONG vinculada à Igreja Batista, criada para “prevenção, tratamento e recuperação de mulheres” usuárias de drogas. O Nurrevi assumiu, com um contrato de 3 milhões de reais depois de conturbada gestão pela entidade anterior, para o acolhimento de 150 pessoas diariamente. No final de julho de 2020, a ABA foi ajuizada pela Defensoria Pública Estadual, numa ação civil pública com pedido de tutela provisória de urgência devido ao não cumprimento de recomendações sanitárias no contexto da pandemia dentro da passarela. Este incluía aglomerações, falta de distribuição de máscaras e álcool em gel, além do descumprimento de recomendações que já haviam sido expedidas pela própria defensoria para demandar adaptações no local, algumas das quais, inclusive, antecediam a própria pandemia.

Logo no começo da pandemia, o serviço da passarela foi ameaçado, inclusive com tentativas de mudar o local de acolhimento para uma escola pública na região que se encontrava fechada devido ao ensino remoto. Havia, ainda, constantes denúncias de violências e dificuldades no diálogo dos gestores terceirizados com a população, que eram, muitas vezes, mediadas pelo Centro de Convivências, onde atua o Instituto Arco-Íris de Direitos Humanos. O Arco-Íris é uma organização não governamental voltada ao atendimento de populações vulnerabilizadas (Pereira, 2022PEREIRA, D. L. Direitos humanos, moralidades e conflitos: o Instituto Arco Íris na busca e luta por direitos. 2022. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Antropologia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022.), atuando com o movimento de população de rua, e apoio de psicólogos e assistentes sociais, além da parceria com a Defensoria Pública. O Centro de Convivências visa acolhimento e atendimento psicossocial, particularmente nos horários da parte da tarde, no qual os serviços prestados anteriormente pela ABA, e recentemente pelo Nurrevi, não funcionavam.

Esse conflito de gestão se iniciou ainda nos primeiros dias da pandemia, quando a Secretaria Municipal de Saúde tentou fechar o Centro de Convivências alegando risco de contaminação, sem propor alternativas para o atendimento ali prestado. Além disso, não levou em consideração o aumento de demanda devido aos efeitos socioeconômicos da pandemia, que viriam a ampliar significativamente a população em situação de rua ao longo dos meses. A partir da organização de uma nota técnica para garantir a continuidade das atividades do Centro de Convivências, coletivos da sociedade civil se organizaram, criando em 19 de março de 2020 a Rede com a Rua. Esta inicialmente reuniu 20 grupos, incluindo cozinhas comunitárias, o Instituto Vilson Groh, o Instituto Arco-Íris de Direitos Humanos, o Movimento da População de Rua (Pop Rua), entre outros grupos vinculados a pautas tidas como progressistas e pelo direito das pessoas em situação de rua. Seus projetos incluem o preparo e a entrega de refeições e cestas básicas, doação de roupas e itens de higiene, além do atendimento jurídico prestado pela Defensoria Pública que funciona em parceria com o Movimento Pop Rua e o Instituto Arco-Íris. Tais atividades são descritas pelos participantes como ferramenta de saúde mental e, além daquelas relacionadas ao acolhimento, são também oferecidos cursos e oficinas, todas coordenadas pelo Centro de Convivências (Pereira, 2022PEREIRA, D. L. Direitos humanos, moralidades e conflitos: o Instituto Arco Íris na busca e luta por direitos. 2022. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Antropologia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2022.).

As refeições distribuídas pela Rede com a Rua são preparadas pela Cozinha de Todes, que funciona no Instituto Vilson Groh, dirigido por um padre franciscano da Igreja Católica que dá nome ao instituto, o padre Vilson Groh. Assim como o padre Júlio em São Paulo, o padre Vilson é uma das principais lideranças em defesa da população de rua em Florianópolis, e por diversas vezes já denunciou as condições “insalubres” da Passarela da Cidadania, especialmente dos alojamentos, além de outras violências que atingem a população em situação de rua e favelada da cidade. Desde esse trabalho de voluntariado sob liderança do padre, a Rede com a Rua passou a sustentar as condições de manutenção daquela população que não parava de crescer na passarela, e que excedia a quantidade de atendidos prevista no contrato da prestadora de serviços com a prefeitura. Se, com a pandemia, o serviço da Passarela da Cidadania chegou a ser reduzido para atender o limite máximo de até 80 pessoas por noite, as demandas chegaram a ponto de ter que acolher 427 pessoas num mesmo dia, sendo a média nos últimos anos de cerca de 200 pessoas por dia. Em levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, no final de 2020, foram identificadas pelo menos 1153 pessoas em situação de rua na cidade de Florianópolis (TCE identifica…, 2020TCE IDENTIFICA 1,4 mil pessoas em situação de rua na Grande Florianópolis. Correio de Santa Catarina, Florianópolis, 22 dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.correiosc.com.br/tce-identifica-14-mil-pessoas-em-situacao-de-rua-na-grande-florianopolis/ . Acesso em: 12 maio 2021.
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). Como me descreveu um psicólogo que faz parte da Rede com a Rua, “a situação tá crítica, os espaços estão cheios, transbordando”.

Florianópolis tem uma população estimada em pouco mais de 500 mil habitantes, e é classificada como capital com o maior IDH do país (a terceira entre todos os municípios). Há uma forte autorrepresentação de cidade com alta qualidade de vida, onde as coisas funcionam e não há problemas com segurança como em outras capitais. A Ilha do Desterro, atualmente Ilha de Santa Catarina, viu iniciado seu o processo de povoamento colonial ainda no século XVIII, com a chegada dos colonos portugueses açorianos. Eles também introduziram na ilha a exploração de mão de obra negra escravizada, além de estabelecer uma relação de subjugação e apagamento dos povos indígenas que já viviam na região antes da colonização. Além disso, sobretudo em fins do século XIX e começo do século XX, o estado de Santa Catarina tornou-se um dos focos da migração europeia no Brasil, com a chegada de alemães e italianos, que fortalecem esse reconhecimento de um estado branco, civilizado e organizado. “A Europa brasileira!”, ou, como difundido na propaganda de uma afiliada local da maior rede de transmissão televisiva do país: “Santa Catarina, onde a gente faz as coisas do jeito certo.”

A urbanização da região metropolitana da Grande Florianópolis, classificação reconhecida pelo IBGE em 2017, se deu nos anos 1960. Mas foi a partir dos anos 1990 que o fluxo para a cidade tornou-se foco de novos moradores. Grande parte deles eram atraídos de outras regiões do país, sobretudo dos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, além de estrangeiros, como argentinos, uruguaios e europeus, que destacam o estilo de vida em Florianópolis, apelidada de Ilha da Magia, como atrativo. A partir dos anos 2000, em particular na gestão do prefeito Gean Loureiro (reeleito em primeiro turno no final de semana da morte do menino Adriano), Florianópolis passou a investir na imagem de smart city, inclusive se projetando como um polo tecnológico nacional, a Floripa Tech, com atração de startups e empresas de tecnologia, o que tem levado a cidade a disputar com a região de Campinas (SP) o título de “Vale do Silício do brasileiro”, em alusão à região da Califórnia que concentra as maiores empresas de tecnologia do mundo.

Essa vocação configura um perfil socioeconômico e racial da cidade majoritariamente com pessoas brancas, com mais de 31% da população adulta com nível superior (a média nacional é abaixo de 12%), das classes A, B e C, com média salarial de 4 mil reais mensais, de acordo com dados do IBGE. Altos ganhos, alto custo de vida também. Na pandemia, Florianópolis foi a capital que apresentou um dos maiores aumentos no valor da cesta básica, segundo levantamento do Dieese. Apesar disso, os atributos do desenvolvimento e do progresso são recorrentemente acionados para promover a cidade como um destino para investidores e para uma classe média alta que busca melhoria na qualidade de vida, com propagandas que valorizam um crescimento dentro de modelos ideais numa lógica neoliberal e empreendedora.

Na orla da Avenida Beira-Mar Norte, que fica na parte oeste, meio do caminho de ligação do norte ao sul da Ilha, concentram-se prédios de luxo com o segundo metro quadrado mais caro da cidade (cerca de 9 mil reais), que se avizinham à residência oficial do governador, ao presídio e a uma série de órgãos públicos como Ministério Público Federal, Polícia Federal e OAB. Por detrás dos prédios e condomínios, ficam escondidos da vista dos que passam na avenida alguns dos morros que compõem a parte baixa do Maciço do Morro da Cruz, que se prolonga até o centro da cidade, sendo cortado pelo túnel Antonieta de Barros. É nessa região que se localiza grande parte das favelas da cidade, e se concentra parte da população negra e pobre que reside na Ilha. Desde o calçadão da orla, pelas frestas entre os prédios, é possível a um olhar atento e interessado encontrar casas e construções nas encostas dos morros e visualizar as favelas para além da representação de cidade rica e branca. Essa representação se faz possível por uma história de invisibilização da população negra, fazendo com que o reconhecimento de pessoas negras como moradores e cidadãos florianopolitanos, (e de modo mais amplo) sulistas, seja concebido como impossível (Alencar, 2019ALENCAR, A. Cidadão invisível e o direito à cidade negada. In: RAPOSO, P.; RENCK, A.; HEAD, S. (org.). Cidades rebeldes: invisibilidades, silenciamentos, resistências e potências. Florianópolis: Editora da UFSC, 2019. p. 183-193.). Nessa mesma via, a Beira-Mar Norte, é possível ver placas junto aos semáforos com os dizeres “Não dê esmolas, dê oportunidade” seguido de um contato telefônico e a logo da Somar Floripa.

A Somar Floripa se apresenta como uma rede solidária que visa o fomento de organizações sociais e a certificação de voluntários para atuarem nas organizações parceiras vinculadas à rede. Além disso, é um canal de comunicação com os diferentes projetos e organizações que atuam em voluntariado na assistência social no município. A Somar é vinculada diretamente à prefeitura de Florianópolis e, desde sua criação, em outubro de 2017, passou a ser presidida pela ex-primeira-dama da cidade, Cinthia Loureiro, tendo como parceiros empreendimentos comerciais locais como redes de mercados e shopping centers.

O projeto das placas “Não dê esmolas” foi feito em 2014 pelo Conselho Comunitário de Segurança do Centro de Florianópolis e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), com o apoio das polícias militar e civil e do Ministério Público. A campanha foi retomada nas ruas em 2019,4 4 Além de Florianópolis essas operações também são realizadas em outras cidades da região da Grande Florianópolis, como no município de São José (Operação…, 2018). no âmbito de um “projeto de acolhimento” da Secretaria Municipal de Assistência Social que visava tirar as pessoas das ruas e encaminhá-las para a Passarela Nego Quirido. As placas de “Não dê esmolas, dê oportunidade” não são exclusividade de Florianópolis. Estão presentes em diferentes cidades do estado de Santa Catarina e do país, e marcam uma abordagem do serviço social referenciada em valores de empreendedorismo social, meritocracia e inovação que caracterizam políticas de assistência no marco neoliberal, e que vem sendo denunciada, como já mencionado, como o ódio aos pobres, ou aporofobia.

Em Florianópolis, a atuação da Secretaria Municipal de Assistência Social se manifesta por meio de uma força-tarefa que atua em parceira com a Guarda Municipal (GM), Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Comcap (companhia municipal de limpeza urbana). Essa operação é descrita por interlocutores que integram a Rede com a Rua como uma “força-tarefa higienista”, posto que visa “limpar as ruas da cidade” encaminhando pessoas em situação de rua aos equipamentos e serviços ou a suas cidades de origem. Tal força-tarefa atua em diferentes regiões, como nos Ingleses (norte da Ilha), na Lagoa (leste da ilha) e na Praça do Pida, bairro Trindade (região da Universidade Federal de Santa Catarina), pontos de grande circulação de pessoas. Nesses locais, é comum encontrar pessoas de outras cidades, estados e países que se mudaram para viver e “tentar a vida em Florianópolis”, como me explicou um casal com quem conversei no âmbito da pesquisa, que veio do interior do Paraná e passou a viver acampado numa praia no norte da ilha por quatro meses, até a mulher engravidar, o que os levou a buscar a “transição” (isto é, a passagem da rua para uma moradia fixa).

No centro da cidade, tais operações são incisivas e recorrentemente envolvem prisões, apreensões de bens pessoais e encaminhamento de crianças e adolescentes ao Conselho Tutelar. Em geral, segundo relatos de pessoas em situação de rua, tais operações iniciam com a GM utilizando spray de pimenta para acordar as pessoas enquanto seus pertences, como barracas, roupas, cobertores, mochilas e colchões, são retirados pelos profissionais da Comcap e levados ao caminhão de lixo que faz a coleta de resíduos na cidade. É comum, nessas situações, que pessoas em situação de rua percam documentos e objetos pessoais que só são recuperados posteriormente, de forma pontual, por meio do trabalho realizado especialmente pela Defensoria Pública no Centro de Convivências via o projeto de assistência jurídica na Passarela da Cidadania. Como me explicou a defensora pública que atua no projeto, junto à Rede com a Rua, esse serviço atua por meio da realização de mutirões para expedição e regularização de documentos, para garantir o acesso ao auxílio emergencial. De acordo com os idealizadores do projeto, a assistência jurídica funciona como ferramenta de saúde mental e parte do acolhimento psicossocial necessário a pessoas em situação de rua.

Durante a pandemia, algumas dessas operações foram feitas também na Passarela da Cidadania, especialmente para busca de drogas e “armas” após conflitos pontuais como sumiço de objetos, flagrantes de uso de drogas ou relações sexuais entre as pessoas atendidas e outras situações classificadas como “vandalismo”, mau comportamento ou outras práticas consideradas impróprias pelos gestores que, como já expus, são vinculados a igrejas evangélicas neopentecostais e gerem o espaço a partir de alguns valores específicos, justificados por seus “empreendedores morais” (Becker, 2008BECKER, H. S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.) como sendo cristãos.5 5 Uma das situações destacadas por interlocutores nesse sentido foi em relação às dificuldades na distribuição de preservativos e a constrangimentos específicos para aqueles que são portadores de DST, especialmente HIV/AIDS, e precisam de acompanhamento farmacêutico. Foi o que aconteceu com uma mulher negra soropositivo que estava em situação de rua, que encontrou dificuldades no acesso ao tratamento quando se encontrava num abrigo e era desestimulada a ter relações sexuais; tais atitudes, descritas como discriminatórias por parte da equipe vinculada a gestão do espaço, terceirizados ligados a uma entidade cristã, fizeram ela se afastar da rede de apoio e do próprio espaço do centro de acolhimento que frequentava. Após alguns meses sem acesso ao seu tratamento, ela teve seu quadro de saúde agravado e faleceu. Ainda que outros valores do cristianismo estejam em jogo, como aqueles difundidos pelos padres franciscanos no acolhimento aos pobres e na renúncia aos bens materiais para uma vida simples, pacífica e justa, é possível identificar uma tensão na imposição de concepções morais que ora desincentivam práticas de caridade, ora criminalizam sujeitos em situação de vulnerabilidade.

Matabilidade como forma de governo

O notório crescimento de pessoas em situação de rua durante a pandemia de Covid-19 se deu nas mais diversas cidades brasileiras, em particular nas capitais. No caso de Florianópolis, grande parte dessas pessoas circula nas ruas do centro da cidade, região onde encontram serviços diversos de assistência social como o Centro Pop; a Casa de Passagem; hotéis populares; distribuição de refeições, itens de higiene, roupas, cobertores e colchões e o Restaurante Popular.6 6 Inaugurado em 16 de julho de 2022, no centro da cidade, depois de forte mobilização de movimentos sociais, incluindo os integrantes da Rede com Rua. É também no centro que está localizada a maior parte das favelas da cidade, assim como alguns pontos de vendas e consumo de drogas. Na cidade, as políticas públicas voltadas para atender as necessidades da população de rua centralizam-se em modelos de harmonia coerciva (Nader, 1994NADER, L. Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 9, n. 26, out. 1994.) e poder tutelar (Lima, A., 1995LIMA, A. C. de S. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Anpocs, 1995.), se valendo da imposição da ordem e da difusão de uma representação negativa e discriminatória sobre essa população, tanto pela mídia quanto por órgãos públicos, e até mesmo por agentes mobilizados por valores vinculados à igrejas neopentecostais, conforme descrito. Como forma de exercer um controle social que parte do conflito sobre modos de vida (Wirth, 1967WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, O. G. (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 89-112.) divergentes, o problema social que atinge a população em situação de rua se volta contra esse grupo e suas estratégias de sobrevivência, por meio da tutela como forma de gestão (Oliveira, 2014OLIVEIRA, J. P. de. Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios. Mana, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 126-161, 2014.). Esta se vale das hierarquizações sociais, da suspeição sistemática, da vigilância, e da ostensividade da violência organizada e levada a cabo por agentes estatais de forma cada vez mais militarizada. A atuação mediada por diferentes órgãos e instituições, que visa promover condições mínimas de dignidade à existência dessas pessoas, muitas vezes é criticada por atendidos do serviço e integrantes da rede de voluntários que atende pessoas em situação de rua. Esses destacam como há uma tensão entre um modo de vida com certo grau de liberdade e autonomia, como em relação ao uso de substâncias psicoativas e práticas sexuais, e aqueles propagados por valores morais baseados em lógicas de controle, caridade e punição mobilizados por gestores e agentes.

Assim, a imposição de uma ideologia pacifista e higienista em nome da “segurança” na cidade e a manutenção da imagem da cidade limpa, organizada e alva, produz o controle social dessa população por meio de mecanismos de captura e repressão contra seus corpos (Frangella; Rui, 2017FRANGELLA, S.; RUI, T. Corpos precários: apontamentos para a relação entre corpo e cidade. Política & Trabalho, João Pessoa, n. 47, p. 23-38, 2017.). A particularidade da condição de pessoas em situação de rua e os aspectos de uma interdependência ideológica que orienta o cuidado pautada numa certa perspectiva do cristianismo aproximando-se dos valores que legitimam e limitam o intervencionismo estatal para “recuperar” essas vidas explicitam, diante do modelo de exploração da força de trabalho e das dinâmicas de socioeconômicas, o não reconhecimento de suas trajetórias de vida nem de suas necessidades básicas, que são continuamente desqualificadas em virtude de sua exclusão no mercado de trabalho formal (Neves, 2010NEVES, D. P. Habitantes da rua e vicissitudes do trabalho livre. Antropolítica, Niterói, n. 29, p. 99-130, 2010.).

No caso específico da atuação terceirizada dos serviços de assistência social contratados pelo governo municipal, são organizações vinculadas a uma igreja neopentecostal em Florianópolis, que levam essa visão salvacionista, como demonstrei, fortemente atualizada em ideias neoliberais de gestão do Estado. Ao produzirem a monetização do acesso a direitos, dentro de um movimento próprio de simetrização entre sociedade e mercado (Cesarino, 2020CESARINO, L. Coronavírus como força de mercado e o fim da sociedade. In: GRUNVALD, V. et al. (ed.). antropoLÓGICAS EPIDÊMICAS. [S. l.: s. n.], 22 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.antropologicas-epidemicas.com.br/post/coronav%C3%ADrus-como-for%C3%A7a-de-mercado-e-o-fim-da-sociedade . Acesso em: 30 ago. 2020.
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), se reflete como o valor das pessoas não é tomado enquanto vidas que merecem acolhimento, cuidado ou até mesmo caridade, mas como números e códigos quantificáveis (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 Edições, 2018.), que devem servir aos meios de produção pela força do trabalho, pelo valor enquanto gasto na administração contratada por meio da terceirização e da precarização das condições de trabalho dos serviços públicos. Logo, as políticas sociais que atenderiam aqueles que são expostos a situações de risco e vulnerabilização não são realizadas diretamente pelo Estado, por servidores públicos e instituições governamentais, mas compartilhadas por movimentos sociais e organismos do terceiro setor que, por meio de agentes terceirizados e voluntários, exercem de forma precarizada um serviço básico para a garantia de direitos fundamentais das pessoas em situação de rua.

Muitas vezes se utiliza da retórica do cuidado e da filantropia para, por meio de práticas de violência moral, impor crenças, valores e modos de vida pautados num controle social de sujeitos tidos como potencialmente perigosos. Constrangimentos e conflitos devem ser controlados, reprimidos e contidos coercitivamente em prol de uma pretensa harmonia social. No acompanhar e descrever aquilo que a pandemia evidencia, se expõe essa cidadania verticalizada (Campos, 2020CAMPOS, M. da S. A cidadania vertical no Brasil: o caso do coronavírus. Cientistas Sociais e o Coronavírus, São Paulo, n. 21, 15 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://sbpcsc.paginas.ufsc.br/files/2020/04/Marcelo-Campos-boletim-21.pdf . Acesso em: 30 ago. 2020.
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) que tanto impede o acesso a direitos como explicita as facetas desiguais do sistema político brasileiro no que concerne a seus valores democráticos, evidenciando a contradição basilar da estrutura desigual e hierárquica do Estado brasileiro em seus ideais liberais (Cesarino, 2020CESARINO, L. Coronavírus como força de mercado e o fim da sociedade. In: GRUNVALD, V. et al. (ed.). antropoLÓGICAS EPIDÊMICAS. [S. l.: s. n.], 22 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.antropologicas-epidemicas.com.br/post/coronav%C3%ADrus-como-for%C3%A7a-de-mercado-e-o-fim-da-sociedade . Acesso em: 30 ago. 2020.
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; Lima, R., 2010LIMA, R. K. de. Sensibilidades jurídicas, saber e poder: bases culturais de alguns aspectos do direito brasileiro em uma perspectiva comparada. Anuário Antropológico, Brasília, v. 25, n. 2, p. 25-51, 2010.). Por meio de um processo de distribuição desigual de oportunidades de vida e de exposição ao risco de morte, a população em situação de rua se encontra no epicentro dos mecanismos sociais de controle ao ser colocada às margens do acesso aos direitos, enquanto circula entre serviços e ruas do centro da cidade.

Subindo os morros e chegando às favelas, seja em Florianópolis, seja no Rio de Janeiro, o dispositivo proibicionista, que cria uma justificativa moral e jurídica para a repressão militarizada do mercado varejista de drogas, tem como efeito uma prática continuada de produção de mortos que atinge preferencialmente jovens, adolescentes e crianças negras. A morte de Adriano na sua comunidade é provocada por agentes públicos que exercem o poder por meio de ferramentas bélicas, constituindo-se como burocratas armados (Graeber, 2015GRAEBER, D. The utopia of rules: on technology, stupidity, and the secret joys of bureaucracy. New York: Melville House, 2015.) que tecnicamente matam e moralmente naturalizam as mortes, repercutindo suas narrativas que são tomadas como a única verdade. Ao compartilharem seus discursos como fato, tentam justificar como de responsabilidade dos mortos, numa forma de individualização que passa por uma pretensa “relação com o tráfico de drogas”, a sua morte, como foi argumentado pelo comandante da PMSC e pelo delegado responsável pela investigação do caso, de acordo com o divulgado pela mídia local em reportagem televisiva (Adolescente…, 2020ADOLESCENTE de 12 anos morre durante tiroteio em Florianópolis. G1, [s. l.], 12 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/11/12/adolescente-morre-durante-tiroteio-em-florianopolis.ghtml . Acesso em: 30 out. 2022.
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), e pelos agentes da polícia civil em coletiva de imprensa após a chacina do Jacarezinho, como também descrito. A produção de verdades jurídicas impede a responsabilização dos algozes e o cessar de uma política de segurança pública letal. Ao contemplar mecanismos de controle social sobre condições de vulnerabilização, marginalização e produção de mortos, identifico como a violência militarizada e burocratizada da brutalidade policial, por meio da ação de agentes do Estado ou omissão destes, se organiza em relações de desigualdade racial e social antinegra (Pinho, 2021PINHO, O. Cativeiro: antinegritude e ancestralidade. Salvador: Segundo Selo, 2021.; Vargas, 2020VARGAS, J. H. C. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 18, n. 45, p. 16-26, 1. sem. 2020.) que implicam a dilatação dessa condição institucionalizada por esse outro e naturalização dessas mortes.

Em Florianópolis, a matabilidade opera pela invisibilização em morte e vida, nas ruas e favelas da cidade que se reconhece, em contraste a outras capitais do país, como um lugar seguro, organizado e ausente de população negra, cuja qualquer evidência de presença deve ser controlada. Exemplo disso é a publicação na capa de um dos principais jornais da cidade, o único que circula regularmente de modo impresso, em 22 de agosto de 2020 de uma reportagem intitulada “A nova Rocinha não é aqui em Florianópolis” (Rocha, 2020ROCHA, V. da. Relatório ND: a nova Rocinha não é aqui em Florianópolis. ND+, Florianópolis, 22 ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://ndmais.com.br/infraestrutura/dossie-nd-a-nova-rocinha-nao-e-aqui-em-florianopolis/ . Acesso em: 30 out. 2022.
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), comparando as comunidades do Maciço do Morro da Cruz com as favelas da cidade do Rio de janeiro. Na reportagem, o jornal aproxima as características paisagísticas de ambas as cidades e chama atenção ao processo de ocupação habitacional urbana dos morros em favelas para afirmar textualmente: “ainda há tempo de expulsar”.

No Rio de Janeiro, pela hipervisibilidade punitiva para justificar a morte, apagamento e destruição, produzem-se mortos sem cessar. No caso de João Pedro, sua morte por um tiro que o atingiu dentro de casa evidencia as impossibilidades de proteção desses corpos diante da violência brutal que marca a ação policial. A repercussão gerada por sua morte, ainda que busque exercer o controle externo da ação policial, evidencia uma série de práticas regulares na produção de mortos por agentes estatais que, inclusive, forjam cenas e exceções, para seguir com a construção de mortos. Em ambos os contextos, impõe-se processos particulares que fixam a redução do sujeito a seu corpo, reproduzindo a imaginação da morte na continuidade da ficção ontológica do poder colonial (Fanon, 1979FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.), que por meio da uma categoria originária, materializada em corpos mortos e vivos, se expressa de forma psíquica, fantasmagórica e relacional. A categoria raça, atualizada na política proibicionista por meio do dispositivo drogas, informa a dinâmica de escassez que organiza o sistema político e econômico, e se atualiza na noção da crise, fazendo com que grupos sociais sejam tratados como excedentes extermináveis em corpos e territórios colocados às margens de processos para reconhecimento de direitos, mas no centro de operações policiais militarizadas e de práticas de controle social.

Diante dessa ostensividade da matabilidade como forma de governo, as regulações sociais e morais pensadas nos processos de demandas por vidas que ocupam as ruas evidenciam como a presença da ausência se manifesta na luta de “revolucionar pela vida”, como dito por uma interlocutora de pesquisa que participou da organização de atos contra a violência policial em Florianópolis (Medeiros; Anjos, 2020MEDEIROS, F.; ANJOS, P. dos. Doença, violências e racismo: a pandemia do novo coronavírus em Florianópolis/SC. Ponto Urbe, São Paulo, n. 27, 2020.). A luta é explicitada como forma de resistir e mobilizar, reconfigurando o Estado como uma margem indeterminada e mutável que se limita, na vida cotidiana, como uma definição instável ao corpo de cada um daqueles que buscam ser reconhecidos como cidadãos (Caldeira, 2000CALDEIRA, T. P. do R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.).

Essa abordagem implica uma ênfase na perspectiva temporal e espacial, ao olhar os modos de circulação desses mortos, como corpos e símbolos, que se manifestam nos complexos vínculos das relações pessoais e de parentesco e nas relações entre Estado e sociedade. Esse é o movimento duplo e entrecruzado de raiz e rota (Gilroy, 2001GILROY, P. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2001.) daqueles que transcenderam o “Atlântico negro” e realizam sua existência enquanto corpos negros em diáspora. Assim, o valor moral atribuído aos mortos, crianças, adolescentes e jovens negras e negros reflete e constrói concepções sobre a origem social daquele morto, as classificações raciais às quais ele é submetido e o percurso de circulação daquele corpo, sobre o qual uma história de vida passa a ser questão essencial para seu valor, sendo a autenticação dessa biografia central para a definição das verdades que irão dar sentido a essas mortes e, portanto, também um objeto de tensão e tentativa de controle.

Tomando o lugar social dos mortos como essa relação que se faz no tempo e espaço ao presentificar uma valoração moral do morto como pessoa, identifico como a matabilidade é produzida como forma de governo ao acionar a desumanização moral da vítima através da construção social do sujeito criminoso e do exercício do poder soberano, mas também por formas neoliberais e tecnocráticas de gestão estatal que articulam mecanismos de controle social com valores excludentes e hierárquicos de acesso aos direitos. Assim se identifica uma forma de exercício de poder que age como desvio dos mortos por uma economia política e moral da morte e que tenta monopolizar o controle e fazer de si rota obrigatória àqueles corpos de similar raiz.

Ao explorar as articulações inovadoras nas frestas das margens do governo, moradores de favelas e periferias e movimentos sociais têm buscado ocupar espaços e produzir políticas efetivas e articuladas às demandas das pessoas a quem essas são direcionadas. Ainda assim, iniciativas autônomas são reprimidas e impedidas de serem manifestas em nome do monopólio estatal. A abordagem para pensar tanto processos específicos (biográficos) quanto de mais longo prazo (históricos) tem como objetivo principal compartilhar reflexões sobre formas de contar mortes e mortos que se fazem presentes no tempo e espaço. As mobilizações, atos e manifestações, homenagens, memoriais e demandas políticas e jurídicas acionam um contexto particular no qual mortos são tomados como referência para a vida. Assim, o olhar antropológico para compreensão dos modos de governo e gestão de populações se dá não no contar em números, pelo modo quantitativo que explicita a extensão e urgência desse problema social e se reproduz na linguagem oficial do Estado, a estatística. Mas se dá no contar em narrativas, representações, categorias, pelo modo qualitativo e por formas de narrar que podem vir a ser instrumento para a construção de políticas públicas pela defesa de direitos, em nome da memória, verdade, justiça e também reparação.

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  • SOARES, R. Contas, celular e carro: o saldo da ação da PF que culminou no homicídio de João Pedro. Extra, Rio de Janeiro, 8 jun. 2020f. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/contas-celular-carro-saldo-da-acao-da-pf-que-culminou-no-homicidio-de-joao-pedro-24467147.html Acesso em: 30 out. 2022.
    » https://extra.globo.com/casos-de-policia/contas-celular-carro-saldo-da-acao-da-pf-que-culminou-no-homicidio-de-joao-pedro-24467147.html
  • SOARES, R. Caso João Pedro: policiais recolheram estojos de cartuchos antes de perícia chegar ao local do crime. Extra, Rio de Janeiro, 10 jun. 2020g. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/caso-joao-pedro-policiais-recolheram-estojos-de-cartuchos-antes-de-pericia-chegar-ao-local-do-crime-24471766.html Acesso em: 30 out. 2022.
    » https://extra.globo.com/casos-de-policia/caso-joao-pedro-policiais-recolheram-estojos-de-cartuchos-antes-de-pericia-chegar-ao-local-do-crime-24471766.html
  • SOARES, R. Testemunhas contradizem relatos de policiais investigados pelo homicídio de João Pedro. Extra, Rio de Janeiro, 13 jun. 2020h. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/testemunhas-contradizem-relatos-de-policiais-investigados-pelo-homicidio-de-joao-pedro-24477896.html Acesso em: 30 out. 2022.
    » https://extra.globo.com/casos-de-policia/testemunhas-contradizem-relatos-de-policiais-investigados-pelo-homicidio-de-joao-pedro-24477896.html
  • SOARES, R. Para mãe, João Pedro foi vítima de racismo: ‘Se fosse na Zona Sul, eles não entrariam atirando’. Extra, Rio de Janeiro, 14 jun. 2020i. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/para-mae-joao-pedro-foi-vitima-de-racismo-se-fosse-na-zona-sul-eles-nao-entrariam-atirando-24478148.html Acesso em: 30 out. 2022.
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  • SOARES, R. Delegado que investiga caso João Pedro é afastado da reprodução simulada. Extra, Rio de Janeiro, 18 jun. 2020j. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/delegado-que-investiga-caso-joao-pedro-afastado-da-reproducao-simulada-24485788.html Acesso em: 30 out. 2022.
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  • SOARES, R. João Pedro: testemunha diz que não viu criminosos na casa e acusa delegado de mudar depoimento. Extra, Rio de Janeiro, 23 jun. 2020k. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/joao-pedro-testemunha-diz-que-nao-viu-criminosos-na-casa-acusa-delegado-de-mudar-depoimento-24492997.html Acesso em: 30 out. 2022.
    » https://extra.globo.com/casos-de-policia/joao-pedro-testemunha-diz-que-nao-viu-criminosos-na-casa-acusa-delegado-de-mudar-depoimento-24492997.html
  • TCE IDENTIFICA 1,4 mil pessoas em situação de rua na Grande Florianópolis. Correio de Santa Catarina, Florianópolis, 22 dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.correiosc.com.br/tce-identifica-14-mil-pessoas-em-situacao-de-rua-na-grande-florianopolis/ Acesso em: 12 maio 2021.
    » https://www.correiosc.com.br/tce-identifica-14-mil-pessoas-em-situacao-de-rua-na-grande-florianopolis/
  • VARGAS, J. H. C. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 18, n. 45, p. 16-26, 1. sem. 2020.
  • VENTURA, D. de F. L.; REIS, R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na Pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil, São Paulo, n. 10, p. 6-31, 2021. Disponível em: Disponível em: https://static.poder360.com.br/2021/01/boletim-direitos-na-pandemia.pdf Acesso em: 11 out. 2022.
    » https://static.poder360.com.br/2021/01/boletim-direitos-na-pandemia.pdf
  • WILSON WITZEL: ‘A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo’. Veja, São Paulo, 1 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/ Acesso em: 30 out. 2022.
    » https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/
  • WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, O. G. (org.). O fenômeno urbano Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 89-112.
  • 1
    Marshall Sahlins (1990)SAHLINS, M. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990., em sua análise estrutural e histórica, vai propor uma distinção entre acontecimentos e eventos, na qual os primeiros seriam referentes a um modelo prescritivo que segue a ordem estável dos sistemas simbólicos, enquanto os segundos seriam a relação entre acontecimento e estrutura, um acontecimento de significância que implica um processo de interpretação específico. A partir dessas proposições, tenho articulado a distinção para pensar como podem servir para refletir sobre processos de hierarquização de mortos cujas mortes são naturalizadas ou não. Desse modo, aciono a categoria analítica de “mortos acontecimento” como aqueles identificados como rotineiros, parte da ordem natural, enquanto os “mortos eventos” demandariam um processo de interpretação específico para ser significados como parte da estrutura (Medeiros, 2016MEDEIROS, F. “Matar o morto”: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2016.).
  • 2
    Parte das descrições apresentadas nesta seção já foram compartilhadas previamente em Medeiros (2020)MEDEIROS, F. Operações policiais, produção de mortos e investigação de mortes: violência policial em meio à pandemia. Boletim extraordinário CAAF/Unifesp de enfrentamento da Covid-19, São Paulo, v. 1, n. 7, p. 4-7, 2020. e são retomadas aqui sob um maior aprofundamento analítico.
  • 3
    Em setembro de 2022, foram iniciadas as audiências para que o Judiciário pudesse julgar criminalmente os policiais acusados da morte de João Pedro. Do ponto de vista civil, o estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar uma indenização mensal à família até a data em que o adolescente completaria 25 anos de idade (Caso…, 2022CASO João Pedro: RJ terá que pagar indenização mensal à família. G1, [s. l.], 13 jun. 2022. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/06/13/caso-joao-pedro-rj-tera-que-pagar-indenizacao-mensal-a-familia.ghtml . Acesso em: 30 out. 2022.
    https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/n...
    ).
  • 4
    Além de Florianópolis essas operações também são realizadas em outras cidades da região da Grande Florianópolis, como no município de São José (Operação…, 2018OPERAÇÃO aborda moradores de rua em Florianópolis e São José, mas ninguém aceita ir para abrigo ou reabilitação. NSC Total, Florianópolis, 26 abr. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/operacao-aborda-moradores-de-rua-em-florianopolis-e-sao-jose-mas-ninguem-aceita-ir-para . Acesso em: 12 maio 2021.
    https://www.nsctotal.com.br/noticias/ope...
    ).
  • 5
    Uma das situações destacadas por interlocutores nesse sentido foi em relação às dificuldades na distribuição de preservativos e a constrangimentos específicos para aqueles que são portadores de DST, especialmente HIV/AIDS, e precisam de acompanhamento farmacêutico. Foi o que aconteceu com uma mulher negra soropositivo que estava em situação de rua, que encontrou dificuldades no acesso ao tratamento quando se encontrava num abrigo e era desestimulada a ter relações sexuais; tais atitudes, descritas como discriminatórias por parte da equipe vinculada a gestão do espaço, terceirizados ligados a uma entidade cristã, fizeram ela se afastar da rede de apoio e do próprio espaço do centro de acolhimento que frequentava. Após alguns meses sem acesso ao seu tratamento, ela teve seu quadro de saúde agravado e faleceu.
  • 6
    Inaugurado em 16 de julho de 2022, no centro da cidade, depois de forte mobilização de movimentos sociais, incluindo os integrantes da Rede com Rua.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    01 Nov 2022
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