Acessibilidade / Reportar erro

Doando brindes e construindo relações através de imagens e documentos do Serviço de Proteção aos Índios (SPI)

Donating gifts and constructing relationships through images and documents of the Serviço de Proteção aos Índios (SPI)

Resumo

Este artigo faz um diálogo entre imagens e palavras produzidas entre 1910 e 1945 que compõem o acervo documental do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). A metodologia baseia-se em elementos enquadrados nas fotografias nos colocando temas e questões que serão trilhadas na documentação textual e tratadas à luz dos campos da antropologia, fotografia e história. As fotografias são de uma solenidade comemorativa à Proclamação da República, no pátio do Posto Indígena Simões Lopes, que abrigava índios Bakairi e servia como lugar de atração para os “índios do Xingu”. As imagens levantam questões que perpassam as ações que envolvem a doação de brindes/presentes. E isso evoca a documentação textual para compor o contexto mais amplo, que, colocado em contraponto, contribui para trazer ao plano da visibilidade as relações produzidas da situação do contato iluminando as ações, agências indígenas e outras histórias possíveis.

Palavras-chave:
Posto Indígena Simões Lopes (SPI); brindes; presenças e ações indígenas; índios do Xingu e Bakairi

Abstract

This article promotes a dialogue between images and words produced between 1910 and 1945 that compose the documental archive of the Brazilian Indian Protection Service (Serviço de Proteção aos Índios - SPI). The methodology is based on the observation of elements framed in the photographs, which pose themes and questions that are addressed in light of anthropological, photographic and historical considerations. The photographs register a commemorative solemnity - that of the Proclamation of the Republic - at the Simões Lopes’ Indigenous Post’s yard, which housed Bakairi Indians and served as an attraction post for the “Indians of the Xingu.” The images raise questions that traverse actions involving the donation of gifts/souvenirs. This evokes the textual documentation in composing the wider context: placed as counterpoint, it contributes to highlight the relationships produced from the context of contact, shedding light on indigenous actions and agency, as well as other possible histories.

Keywords:
Simões Lopes’ Indigenous Post (SPI); gifts; indigenous presences and actions; Xingu and Bakairi Indians

A solenidade cívica no Posto Indígena Simões Lopes1 1 O presente texto é uma reelaboração de um capítulo de minha tese de doutorado - Naturalmente filmados: modos de atuar e de viver nos postos indígenas na década de 1940 - defendida em 2012. Com a necessidade de aprofundar o tema dos brindes/presentes, trago esta proposta.

Imagem SPI02740
- Grupo de alunos Bakairi2 2 Aproveito o etnônimo Bakairi para esclarecer que ao longo do texto não adotei plenamente as normas vigentes para a grafia de nomes étnicos. Fiz a escolha de manter a grafia reproduzida na documentação, porém a ortografia do texto restante foi atualizada, com exceção da carta dos Bakairi Antoninho e Roberto, referenciada na nota de rodapé de número 28. Os documentos microfilmados foram referenciados da seguinte forma: SARQ (Serviço de Arquivos), MI (Museu do Índio). assistindo o hasteamento da Bandeira Nacional. Forthmann, Heinz. 1943.3 3 A legenda produzida pelo arquivo do Museu do Índio traz primeiramente a autoria do fotógrafo. Aqui, faço a inversão por entender que a principal informação é a legenda (produzida na época pelo fotógrafo ou ainda por um funcionário da Seção de Estudos do SPI), que revela alguns elementos (mesmo que exíguos) do que foi fotografado e então, depois, o nome do fotógrafo. A referência de identificação da imagem é o código de acesso na base de dados do Museu do Índio. Ao me referir à fotografia no corpo do texto não utilizarei a numeração arábica e sim o código de acesso. O fotógrafo desta coleção é Heinz Forthmann, que tem a grafia do seu sobrenome escrita de duas formas nas legendas da Seção de Estudos - Foerthmann em algumas, e Forthmann em outras. Utilizarei a grafia correta: Forthmann, Heinz.

Ontem presidi hasteamento de nossa bandeira cuja comovente e empolgante solenidade vg sob cântico hino nacional vg me fez sentir uma das maiores emoções que hei experimentado na vida pt Os alunos do colégio vg os civilizados e suas respectivas famílias e os diversos grupos de índios convenientemente formados e destacados vg fizeram com que aquela comemoração tivesse elevado esplendor pt Em seguida procedi entrega vossa lembrança aos índios que ficaram imensamente contentes e satisfeitos pt Essas cenas foram fotografadas e filmadas pela equipe Foto-cine pt4 4 Telegrama do delegado Álvaro Duarte para Rondon, em 16 de novembro de 1943. Microfilme 242. Fotograma 000931. SARQ - MI. RJ.

Em telegrama ao marechal Cândido Mariano Rondon,5 5 Tenente-coronel Cândido Mariano Rondon, na época, estava à frente da presidência do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, uma instância consultiva e normativa de definição política para a questão indígena no Brasil, deixando para o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) o papel executor da política indigenista. De acordo com Carlos Augusto da Rocha Freire (1990, p. 18), o Estado Novo criou vários conselhos normativos com a intenção de mediatizar a intervenção do Estado junto a vários assuntos de ordem política, educacional, sociocultural, científica e econômica. Ainda é oportuno dizer que Rondon é considerado o criador do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), do qual foi primeiro diretor-geral. Criado em 1910, o órgão passou a SPI apenas em 1918. Para uma etnografia do SPI, ver Lima (1995). no dia 16 de novembro de 1943, o delegado da Inspetoria Regional 06,6 6 A inspetoria dentro do organograma do SPI funcionava como uma diretoria de âmbito regional que tinha a função de administrar os postos indígenas; nesse caso, a Inspetoria Regional 06 designava a administração no Estado de Mato Grosso. Álvaro Duarte, descreve a solenidade comemorativa da Proclamação da República (Imagem SPI02740), no Posto de Atração (PIA) Simões Lopes, nordeste de Mato Grosso, no rio Paranatinga, na bacia do rio Xingu. Esse posto cumpria com uma dupla função de acordo com as normas de finalidade do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Uma, de “atrair os índios hostis arredios, facultando-lhes de começo os auxílios e brindes regulamentares para assegurar o estabelecimento, contribuição e permanência das relações pacíficas”.7 7 Documento - Esclarecimentos sobre a natureza dos postos indígenas. Orientação Ministério da Agricultura. Microfilme 380. Fotograma 1278. SARQ - MI. RJ. Essa função estava designada para os trabalhos junto aos “índios do Xingu”.8 8 Os funcionários do Serviço, ao se referir aos índios do Xingu, estavam falando de vários grupos localizados na região, tendo como referências rios afluentes e formadores da bacia hidrográfica do Xingu. “Xinguanos” ou “índios do Xingu” foram as duas denominações encontradas na documentação do SPI. Ao longo do artigo, utilizo aspas para marcar que as referências não são etnônimos, porém, avalio, em algumas situações, como pertinente trabalhar com as denominações da época. E, ao longo dos anos, nos finais da década 1930, passou a cumprir também a função de um Posto de Assistência, Nacionalização e Educação (PIN), significando uma unidade em que os trabalhos de incorporação do índio à sociedade nacional eram intensificados com escola, hospital e trabalho agropecuário. Nessa configuração, o posto trabalhava com os índios Bakairi, considerado pelo inspetor, no telegrama, como “civilizados”.

Ao trabalhar com a documentação textual e fotográfica do SPI sobre sua atuação junto aos grupos indígenas localizados no estado de Mato Grosso,9 9 Recorte espacial que atualmente corresponde aos estados da federação: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. resolvi recortar, para este artigo, esse evento cívico que o delegado Álvaro Duarte menciona em telegrama e, nele, centrar na questão/tema/inquietação - “doação de brindes/presentes”,10 10 Sobre as coisas doadas aos índios por intermédio do SPI vou nomeá-las de brindes e algumas vezes de presentes. Brindes foi a designação mais usual feita pelos funcionários, na época. No entanto, na documentação também aparece outras denominações como: presentes, lembranças e dádivas. As imagens tendo os brindes à mostra virão ao longo do texto. o auge do evento em questão. Para isso, vou trabalhar com cinco fotografias da coleção “Posto Simões Lopes” (1943),11 11 Sobre esse evento cívico, o fotógrafo da equipe de foto-cinematografia da Seção de Estudos, departamento do SPI, Heinz Forthmann, produziu 34 imagens. A equipe de foto-cine aproveitou a ocasião para o registro do próprio posto indígena, perfazendo um total de 142 imagens em que há fotografias de “tipos raciais indígenas” com inspiração antropométrica, imagens panorâmicas dos postos, índios nos trabalhos dentro dos postos. Para saber mais, ver Arruda (2012). Para saber sobre Heinz Forthmann, ver Mendes (2006). da Seção de Estudos do SPI e também com a documentação escrita (1910 a 1945) do SPI, que será colocada em contraponto, ora para compor contextos e ora para sobrepor situações com a intenção de complexificá-las, para pensar o processo das relações sociais aí constituídas. Nesse caso específico, o movimento será de partir das imagens para caminhar pela documentação escrita, nos dando condições de acessar as ações dos Bakairi, dos Inahuquas, Meinacos, Kamaiulá, Auiti, Waura, Trumay, Ioalapiti (“Xinguanos”), e dos funcionários do SPI, nesse espaço, denominado Posto Indígena Simões Lopes.

As fotografias que selecionei para um olhar mais detido mostram o momento antes do hasteamento da bandeira e as doações de brindes/presentes desse evento cívico. Embora as fotografias tenham o caráter fragmentário, não dá para ignorar o fato de elas terem sido produzidas a partir de um evento, por isso, como uma leitura primeira e como um conjunto, elas abarcam uma narrativa discursiva do padrão bipolarizado (civilizado/selvagem; colonizador/colonizado) que condicionou as maneiras de perceber e interpretar o passado indígena (Monteiro, 2001MONTEIRO, J. M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001. Tese (Livre Docência) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.). Porém, vou tentar exercitar o que está no “entremeio” disso que essas fotografias nos mostram como dimensão dicotômica à primeira vista. A proposta é trabalhar nas fronteiras dos campos disciplinares, com métodos ora da antropologia ora da história.

É necessário dizer que esta pesquisa se alinha à análise de situação histórica (Pacheco de Oliveira, 1988PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nosso governo: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Marco Zero: CNPq, 1988.), seguindo os parâmetros de uma antropologia processualista em que me interessa olhar e pensar sobre as relações sociais que se constituem em dimensões de espaço e tempo distintos, em que os atores sociais são agentes históricos. O que importa, concordando com João Pacheco de Oliveira (1988PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nosso governo: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Marco Zero: CNPq, 1988., p. 61), é que a “ideia de situação não busca reconstruir por si mesma os eventos históricos do passado, mas tão-somente apreender as diferentes modalidades de interdependências que associaram entre si um conjunto de atores em diferentes momentos do tempo”. No entanto, acredito que ao fazer uma etnografia histórica com o corpus documental do arquivo do Museu do Índio, há necessidade de me posicionar, também, em termos metodológicos no campo da história, em que a abordagem micro-histórica, segundo Jacques Revel (1998REVEL, J. Microanálise e construção do social. In: REVEL, J. (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 15-38., p. 20), pareceu-me o caminho mais produtivo, entendendo que

a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimentos. Variar a objetiva não significa apenas aumentar (ou diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modificar sua forma e sua trama.

Esse exercício de redução da escala possibilita compreender uma história social específica que permite a visualização das multiplicidades nas ações. Para além desses recursos metodológicos, penso ser importante atentar para o corpus documental (imagético e textual) do Serviço de Proteção aos Índios, “a primeira agência do sistema de Estado instaurado com a República com a finalidade de estabelecer relações de caráter puramente laico com os povos indígenas, tanto no que tange seus quadros quanto no tocante à sua ideologia de ação” (Lima, 2011LIMA, A. C. de S. Reconsiderando poder tutelar e formação do Estado no Brasil: notas a partir da criação do Serviço de Proteção aos Índios Localização de Trabalhadores Nacionais. In: FREIRE, C. A. da R. (org.). Memórias do SPI: textos, imagens e documentos sobre o Serviço de Proteção aos Índios. Rio de Janeiro: Museu do Índio/Funai, 2011. p. 201-212., p. 203). Localizar o SPI nos termos de Lima é importante para entender que essa documentação foi construída a partir de práticas e concepções que têm a sua gênese cunhada de saberes conformados em contexto colonial e concebe modos de ver e tratar o Outro, denominado de índio, em chaves designativas e classificatórias.

No entanto, esse exercício procura “modificar sua forma e sua trama” ao cotejar nessa documentação as ações indígenas; mesmo que indiciárias em muitas ocasiões, elas podem sinalizar a performance fotográfica como um “terceiro olho no que a pessoa fotografada devolve o olhar à câmara fazendo que seu rosto e corpo entrem e saiam do discurso para manifestar sensações, sentimentos e ideias” (Deleuze; Guattari, 1987 apud Buxó i Rey, 1998BUXÓ I REY, M. J. Mirarse y agenciarse: espacios estéticos de la performance fotográfica. Revista de Dialectología y Tradiciones Populares, Madrid, v. 53, n. 2, p. 175-189, 1998., p. 183, tradução minha). Por se tratar de documentos administrativos e oficiais, os índios aparecem, em sua maioria, objetificados em registros feitos por encarregados de posto, inspetores, assistentes, fotógrafos e entre tantos outros da administração. Porém, em uma ou outra imagem, carta e/ou telegrama, “vozes indígenas também se fazem presentes na documentação, constituindo mais do que meros fragmentos de um passado emudecido” (Monteiro, 1994MONTEIRO, J. M. Guia de fontes para a história indígena e do indigenismo em arquivos brasileiros: acervos das capitais. São Paulo: Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo: Fapesp, 1994., p. 11).

Ainda esmiuçando o percurso metodológico, ao trabalhar com fotografia, utilizo autores do campo da antropologia da imagem, com Barthes (1984)BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., Samain (1998SAMAIN, E. Um retorno à câmara clara: Roland Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 121-134., 2012SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, E. (org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora da Unicamp, 2012. p. 21-36.) e (Edwards, 2001EDWARDS, E. Raw histories: photographs, anthropology and museums. Oxford: Berg, 2001.), para citar os principais. A proposta será observar e problematizar a partir do movimento ambíguo, indicioso e perturbador da fotografia.12 12 Em Arruda (2012, 2015), grande parte das análises das fotografias foram ancoradas nesses autores, porém, neste trabalho, a reelaboração ganha uma experimentação mais refinada combinando métodos. Formulada por Roland Barthes (1984BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., p. 40, grifo meu), esse pensar a fotografia está ancorado no studium e punctum: “dois elementos-chaves de uma regra estrutural (na medida do meu próprio olhar) em que a existência da fotografia tinha a ver com a co-presença de dois elementos descontínuos e heterogêneos”. Samain (1998SAMAIN, E. Um retorno à câmara clara: Roland Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 121-134., p. 131, 132), lendo Barthes, afirma que “a fotografia desdobra-se em dois percursos, num duplo nível e em dois movimentos complementares. O primeiro em busca da ‘significação’, a interrogação em torno do studium. […] Em seguida, a procura da ‘significância’, da essência da fotografia, de seu punctum.” Aqui, utilizo essa regra como método analítico, seja para escolher as fotografias, seja para mergulhar nelas de forma vertical - o olhar que procura o detalhe que me chama para falar sobre e a partir dela. Na tentativa de aclarar o método, trago a explanação desses elementos por Barthes. O studium

[…] visivelmente, é uma vastidão, ele tem a extensão de um campo, que percebo com bastante familiaridade em função de meu saber, de minha cultura; esse campo pode ser mais ou menos estilizado, mais ou menos bem sucedido, segundo a arte ou a oportunidade do fotógrafo, mas remete sempre a uma informação clássica. […] desse campo são feitas milhares de fotos, e por essas fotos posso, certamente, ter uma espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo revezamento judicioso de uma cultura moral e política. […] o studium […] não quer dizer, pelo menos de imediato, “estudo”, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem acuidade particular. (Barthes, 1984BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., p. 44, 45).

Para olhar e identificar o studium que inscreve um campo de informações que envolve o intento do fotógrafo e o ambiente desse constructo, aqui vemos as fotografias como parte de uma coleção que estava sendo construída a partir de uma política indigenista de Estado, dito por Freire (2011FREIRE, C. A. da R. A iconografia indigenista. In: FREIRE, C. A. da R. (org.). Memórias do SPI: textos, imagens e documentos sobre o Serviço de Proteção aos Índios. Rio de Janeiro: Museu do Índio/Funai, 2011. p. 17-156., p. 17) como “imagens coloniais, uma ‘vitrine’ da intervenção do Estado junto aos povos indígenas”. Já o punctum, Barthes (1984BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., p. 46) diz como aquilo que

vem quebrar (ou escandir) o studium. Dessa vez, não sou eu que vou buscá-lo (como invisto com minha consciência soberana o campo do studium), é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar. Em latim existe uma palavra para designar essa ferida, essa picada, essa marca feita por um instrumento pontudo; essa palavra me serviria em especial na medida em que remete também à ideia de pontuação e em que as fotos de que falo são, de fato, como que pontuadas, às vezes até mesmo mosqueadas, com esses pontos sensíveis; essas marcas, essas feridas são precisamente pontos. […] punctum é também picada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno corte - e também lance de dados. O punctum de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere).

Partindo disso que vem quebrar o studium, o que me fere nessas fotografias em questão? Ou, melhor dizendo, qual elemento ou quais elementos que me pungem nessas fotografias?

Outra referência para pensar a partir das fotografias é Edwards (2001)EDWARDS, E. Raw histories: photographs, anthropology and museums. Oxford: Berg, 2001., oferecendo uma complementariedade à operação imagética. Com a autora, chamo a atenção da fotografia como fonte documental; mesmo seguindo o olhar de quem a produziu e de sua intencionalidade, ela (fotografia) tem o poder de se mover na contramão, “é também um lugar que potencializa a abertura para novos quadros de referência históricos, em que as fotografias podem interromper narrativas dominantes” (Edwards, 2001EDWARDS, E. Raw histories: photographs, anthropology and museums. Oxford: Berg, 2001., p. 4. tradução minha). E, nisso, explora o que está para fora do enquadramento, o elemento que quebra, o que mostra descontinuidade. E, por fim, recorro a Samain (1998SAMAIN, E. Um retorno à câmara clara: Roland Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 121-134., p. 130), que faz uma leitura atenta de Roland Barthes - o retorno à câmara clara - e lê a fotografia como “o silêncio que, nela, fascina e perturba, faz gritar o corpo, quando o olhar à procura de si aventura-se no seu espelho, no seu campo cego”.

Logo, a partir dessas referências, o olhar que mergulha na fotografia não se prenderá aos próprios limites da moldura, permitindo-me eleger um elemento, um gesto, um olhar, a paisagem ou ainda a intuição, o sentimento invocado e evocado e trilhar trechos da documentação escrita, etnografias do período ou ainda anteriores à produção fotográfica, a procura de outras histórias.

O ritual dos brancos13 13 Neste trabalho, utilizo a categoria branco(s) no sentido denotativo, significando os funcionários do SPI, os não indígenas, a sociedade nacional, os locais/regionais. No sentido conotativo tem o significado das representações de práticas coloniais. e a persistência Bakairi

Imagem SPI02740
- Grupo de alunos Bakairi assistindo o hasteamento da Bandeira Nacional. Forthmann, Heinz. 1943.

Retomo a imagem (SPI02740) para iniciar o exercício de olhá-la como o studium que apresenta o sentido óbvio (Samain, 1998SAMAIN, E. Um retorno à câmara clara: Roland Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 121-134., p. 130), dito pela legenda que nos guia - Grupo de alunos Bakairi assistindo o hasteamento da Bandeira Nacional; vemos a corporificação do ato em si como um palco ritual e performativo montado pela Inspetoria Regional 06. Aqui tomo emprestado a definição de ritual nos termos de Stanley Jeyaraja Tambiah (2018TAMBIAH, S. J. Cultura, pensamento e ação social: uma perspectiva antropológica. Petrópolis: Vozes, 2018., p. 139):

O ritual é um sistema de comunicação simbólica construído culturalmente. Ele é constituído por sequências de palavras e de atos padronizadas e ordenadas, frequentemente expressas em diversos meios, cujo conteúdo e arranjo são caracterizados, em graus variados, pela formalidade (convencionalidade), estereotipagem (rigidez), condensação (fusão) e redundância (repetição).

Essa foi uma das cenas mais comumente registradas dentro do espaço de um posto indígena sob a administração do SPI. Ao se descrever os elementos que compõem a imagem, de pronto, se revela a produção ordenada de forma disciplinar. Os índios e funcionários presentes estão perfilados tendo o mastro da bandeira como referência e centralidade. O fotógrafo explorou o campo de profundidade permitindo visualizar a solenidade em sua totalidade, dando ênfase à organização perfilada, guiada por um risco ou uma linha de barbante/corda estirada no chão.14 14 Pouco visível nessa imagem, mas, em outra imagem, mais adiante, aparece com mais nitidez. E, mais, se revela ainda uma disposição classificatória das pessoas por grupos e gênero - em primeiro plano, as mulheres Bakairi com seus filhos de colo. Na sequência, os meninos, as meninas Bakairi uniformizadas (estudantes da escola do posto), seguindo os funcionários que estão nas proximidades do mastro, em uma posição central, atrás das crianças do grupo escolar e, por último, as mulheres e depois os homens do Xingu (índios “Xinguanos”). A informação à mostra tem a disciplina sendo exercitada em mais de um sentido e, nos termos de Miguel (1993MIGUEL, M. L. C. A fotografia como documento. Uma instigação à leitura. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 6, n. 12, p. 121-132, jan./dez. 1993., p. 124), a imagem “denota em um nível e conota em outro”. Denota expondo o processo de docilização dos corpos (Foucault, 1999FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999.) indígenas (perfilados, com roupas e sapatos do branco) e conota como representação do rito - a obrigação costumeira de construção da nação com o envolvimento dos índios. Esse espetáculo me interessa, mas não me “punge”, o que me “punge” (Barthes, 1984BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.) são os pés descalços das mulheres Bakairi perfiladas (primeiro plano). No lugar onde estão, há uma distinção visível no incremento das roupas e acessórios, de modo a conferir para esse grupo o grau de “civilidade” tão desejado pelos funcionários do SPI. Nesses pés descalços estava presente a persistência do modo Bakairi.

Os brindes como espetáculo - o ritual da dádiva

Imagem SPI02753
- Distribuição de presentes aos índios Xinguanos. Forthmann, Heinz. 1943.

Nessa imagem (SPI02753), o que me “punge” se revela. Os brindes/presentes - facão, faca, corda, camisa, calça. Porém, utilizo essa fotografia muito mais para compor o contexto e apresentar

as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las, discuti-las em mim mesmo, pois a cultura (com que tem a ver o studium) é um contrato feito entre os criadores e os consumidores. (Barthes, 1984BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., p. 48).

Esse acontecimento reuniu índios de grupos indígenas do Xingu, índios Bakairi (que moravam nos limites do posto), funcionários do SPI, entre eles o delegado da regional 06, Álvaro Duarte, o inspetor regional, Otaviano Calmon. Em princípio, a solenidade era para ser maior, em quantidade de pessoas e também em grau de importância. Ela foi programada para receber o presidente da República, Getúlio Vargas, convidado principal, que não compareceu. Pelas indicações na documentação, a ausência foi por causa de um surto epidêmico de febre palustre entre os índios domiciliados no posto. Mesmo sem a presença ilustre, a solenidade cívica aconteceu no pátio em frente à sede do posto, lugar concebido na arquitetura dos postos para eventos como esse e outros de caráter educativo e institucional.15 15 Para uma discussão sobre a arquitetura dos postos indígenas no contexto do SPI - Inspetoria Regional 06, ver Arruda (2012). Cumprindo a determinação de Cândido Mariano Rondon,

a equipe fotocine se transportou de São Lourenço para o PIA Simões Lopes vg onde prestou colaboração solicitada Diários Associados pt Aproveitando oportunidade estarem ali índios Xingu referida equipe colheu todo material possível vg inclusive do próprio Posto Simões Lopes pt Fiquei empolgado atividades dos moços que se revelam inteiramente integrados regime nosso Serviço pt Saudações Agrindios16 16 Telegrama do dia 16 de novembro de 1943. Microfilme 242. Fotograma 000928. SARQ - MI. RJ.

Pelo que indica o telegrama, as cenas foram registradas para fins de documentação, mas também para fins de publicidade da ação do Serviço. Retomando o enquadramento da imagem (SPI02753), em um plano mais aberto: a mesa repleta de presentes e os doadores em potencial ao redor, demonstrando claramente que eles eram os donos das coisas e eles ditavam as regras para tal doação. No instante do clique, um dos “Xinguano” recebe os seus presentes. Logo mais atrás, ainda no enquadramento da foto, outro “Xinguano” já tem em mãos o kit que acabara de receber. Os outros, mais relaxados, em uma fila organizada e de frente para a mesa com os brindes, esperam a vez e assistem a entrega aos demais. Próximo ao mastro, atrás e ladeando as crianças, outro grupo de pessoas, que não é possível visualizar com detalhes por conta do grupo de funcionários em volta da mesa, no primeiro plano. Mas, provavelmente, são homens Bakairi e funcionários (diaristas, auxiliares) que moravam no posto. Não são mais que seis ao todo. A identificação distintiva dessas pessoas está na roupa (paletós e camisas), diferente da dos “Xinguanos”. Estes, descalços, trazem roupas de “branco”, porém todas do mesmo padrão de tamanho e cor. As calças e camisas de riscado para os homens ou os vestidos com a mesma estampa axadrezada para as mulheres. Por isso, facilmente identificados, evidenciando a condição inferiorizada e a caracterização de “índio selvagem” que estava em processo de “pacificação”.17 17 Lima (1985, p. 167) conceitua “pacificação” e a elabora antes de tudo como uma estratégia. É a condução cautelosa de um povo em estado de guerra, sem atos de violência aberta, a compor relações em que o conflito assume outras formas.

Partindo dessa imagem, ou ainda, o conjunto delas em que aparecem os “Xinguanos”, ao longo deste trabalho, me utilizo de Foucault (1999)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999. para pensar as relações de poder constituídas em dispositivos de um controle detalhado e minucioso dos corpos, gestos, atitudes, hábitos. A roupa era encomendada, juntamente com outros utensílios, sem a variação de modelo, cor ou tamanho. Para ilustrar, trago o pedido do Posto Fraternidade, sul de Mato Grosso, no ano de 1913 - “calças de riscado no total de 267; camisas de riscado no total de 163”.18 18 Relatório da carga do material, gêneros, utensílios e animais do Posto Fraternidade Indígena em outubro de 1913. Microfilme 200, fotograma 571. SARQ - MI. RJ. O uso da roupa padronizada, ela própria, constituía-se numa disciplina do corpo, produtora de assujeitamento. Fernando de Tacca (2001TACCA, F. de. A imagética da Comissão Rondon. Campinas: Papirus, 2001., p. 75) analisa a padronização da roupa à construção do “índio genérico”, igualando os índios de várias etnias que acompanhavam a expedição da Comissão Rondon, no rio Ronuro/Xingu, em 1924. Na compreensão desse processo e do lugar que o corpo19 19 Para saber mais sobre o uso da roupa como produção de corpos dóceis para o contexto do Posto Fraternidade Indígena, nos termos de Foucault (1999), ver Arruda (2003). ocupa nesse campo de lutas é preciso considerar que “o corpo também está diretamente mergulhado num campo político: as relações de poder têm alcance imediato sobre ele: elas o investem, o marcam, o dirigem, o suplicam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais” (Foucault, 1999FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999., p. 25).

Para além dessa questão, ainda é possível inferir que há uma mediação sendo feita pelo brinde, no sentido de perceber um processo que leva de um termo inicial a um termo final, isto é, por meio do ato de doar o brinde percebe-se a materialização da relação entre índios e funcionários. Com isso, ao pensar o posto como o ponto de encontro e o brinde nesse campo, ele proporciona uma junção, um ponto de sutura, nos termos de Henri Lefebvre.

Os pontos de sutura [junção/ligação], frequentemente lugares de passagem e de encontros, de relação e de troca, frequentemente interditos, as interdições se levantam conforme ritos a tal momento. As declarações de guerra e de paz fazem parte desses ritos. É evidente que as fronteiras e pontos de sutura [junção/ligação] (portanto de fricção) se apresentam de outro modo conforme os casos. (Lefebvre, 2006LEFEBVRE, H. A produção do espaço. Tradução Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: La production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). 2006. Disponível em: Disponível em: https://gpect.files.wordpress.com/2014/06/henri_lefebvre-a-produc3a7c3a3o-do-espac3a7o.pdf . Acesso em: 15 set. 2019.
https://gpect.files.wordpress.com/2014/0...
, p. 267).

Penso ser importante notar o ato de ligação/sutura como fricção, e o termo nos leva para a formulação de Cardoso de Oliveira, de 1962, de fricção interétnica, definida como “situação de contato entre duas populações dialeticamente ‘unificadas’ através de interesse diametralmente opostos, ainda que interdependentes, por paradoxal que pareça” (Cardoso de Oliveira, 1981CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O índio e o mundo dos brancos. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Pioneira, 1981., p. 117). Essa chave ajuda a ver os processos aí constituídos a partir das relações entre os grupos indígenas e os brancos, que envolvem muitas vezes interesses e valores contraditórios. E ainda mais, demonstra uma relação assimétrica nesse contexto, inscrita pelo poder tutelar.20 20 O exercício do poder tutelar implica obter o monopólio dos atos de definir e controlar o que seja à população sobre a qual incidirá - definição de Lima (1995). Ao mesmo tempo, o ato da doação de brindes evoca Mauss e o clássico “Ensaio sobre a dádiva”, em que a dádiva era o principal método de distribuição e, a partir dela, se constituía dívida, troca, enfim, se constituíam relações. O autor delimita a sua análise considerando, dentro da multiplicidade de coisas sociais em movimento, apenas um dos traços:

o caráter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e no entanto obrigatório e interessado, dessas prestações. Elas assumiram quase sempre a forma do regalo, do presente oferecido generosamente, mesmo quando, nesse gesto que acompanha a transação, há somente ficção, formalismo e mentira social, e quando há, no fundo, obrigação e interesse econômico. (Mauss, 2003MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 188).

Ao olhar o conjunto das imagens (trazidas ao longo do artigo), o brinde estava colocado nessa chave do caráter voluntário, no entanto, interessado. Aos olhos do SPI, doar brindes tinha intenções de reproduzir comunicação, produzir dívida, desejo, dependência, aproximações e fidelização entre funcionários do SPI e índios - estratégia colonial, como forma de estabelecer contato e, posteriormente, podendo chegar a estabelecer relações de comércio. No entanto, antes de pensar a partir das teorias que as imagens evocam pela evidência, ou ainda, pensar sobre os atos em si do “dom” e “contradom”, faremos o movimento de percorrer os próprios elementos das imagens e os dados da documentação com o intuito de complexificar e encontrar outras leituras.

Nesse palco, os mínimos detalhes foram pensados. Identificamos na imagem abaixo (SPI02749) um detalhe que demonstra a produção do evento e a necessidade de os índios se enquadrarem dentro dele, como parte do cenário, onde eles tinham lugar específico para estar. Nesse ângulo, Forthmann enquadrou a sequência da fila na hora do hino, privilegiando o lado onde estavam os “índios do Xingu”.

Imagem SPI02749
- Índios Xinguanos de diversos grupos indígenas assistindo o hasteamento da Bandeira Nacional no Posto Indígena. Forthmann, Heinz. 1943.

Nessa imagem é mais visível a linha de barbante/corda branca ou o risco feito no chão delimitando o espaço em que os índios deveriam permanecer enfileirados. Esse pormenor me induz a afirmar que até a passividade de obediência refletida nos rostos foi construída para a ocasião. Muito provavelmente a orientação para os índios abaixarem a cabeça foi dada, principalmente, para o momento do canto do hino nacional. A postura cabisbaixa e corpo ereto deveriam ser orientação como demonstração de reverência e respeito. Essas posturas me atravessam e me levam para uma memória de minha infância - Estou no colégio. É data cívica, perfilada, inicia o canto do hino nacional, todas (escola de freiras para meninas) em posição de sentido, corpo ereto, sem distração, não se pode errar. Como aponta Samain (2012SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, E. (org.). Como pensam as imagens. Campinas: Editora da Unicamp, 2012. p. 21-36., p. 23), toda imagem é uma memória de memórias, um grande jardim de arquivos declaradamente vivos.

Imagem SPI02764
- Álvaro Duarte dando presente a uma índia Xinguana. Forthmann, Heinz. 1943.

A solenidade cumpriu protocolo institucional com cerimonial em etapas prescritas e ordenadas. Na imagem (SPI02764), em um plano mais fechado e já no momento da entrega dos brindes, temos uma ideia da organização/produção do evento com conjuntos de coisas para cada personalidade, ligada ao governo ou convidado, fazer a entrega aos índios. Esses kits eram organizados de forma que carregavam um discurso simbólico; para além das coisas em si, eram doadas ferramentas como coisas uteis. Marta Amoroso (2003)AMOROSO, M. R. Conquista do paladar: os Kaingang e os Guarani para além das cidadelas cristãs. Anuário Antropológico/2000-2001, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 35-72, 2003., ao analisar os aldeamentos indígenas no Império através da missão capuchinha, demonstra os mecanismos de sedução da missão por meio da conquista do paladar e mudança de hábitos das populações indígenas como forma de engajá-las nas frentes agrícolas.

O programa cumpria-se por etapas. Iniciava-se com fartas roças, plantadas para servirem de brinde, distribuía-se sal, açúcar e rapadura, aguardente e cigarros. Os mecanismos da civilização cristã visavam a mudança de hábitos da população indígena e processavam-se por meio do paladar, operação que se completava em uma segunda etapa, com a distribuição de roupas e ferramentas. (Amoroso, 2003AMOROSO, M. R. Conquista do paladar: os Kaingang e os Guarani para além das cidadelas cristãs. Anuário Antropológico/2000-2001, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 35-72, 2003., p. 44).

No entanto, essa prática dos brindes/presentes tampouco foi mecanismo de conquista inaugurada no período imperial. Os brindes já eram utilizados como estratégia de convencimento dos descimentos missionários no período colonial (Sampaio, 2011SAMPAIO, P. M. M. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011.). Sampaio traz trechos do padre João Daniel, cronista da Companhia de Jesus que relata o planejamento de um descimento:

Cuidam pois em prevenir-lhes e preparar-lhes a hospedagem com dilatados roçados de maniva, searas de milho e frutas por outros índios mansos já batizados, de que sempre se valem nestes descimentos: fazem casas, preparam-se com grandes provimentos de ferragens, panos, águas ardentes, velórios e muitas outras miudezas. (Daniel, J., 1976 apud Sampaio, 2011SAMPAIO, P. M. M. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011., p. 51).

Retomando o olhar para a imagem em questão, chama a atenção um discurso de indução à prática do trabalho ligado a um discurso de gênero: panos e linhas para as mulheres, assumindo que o ato de costurar o tecido era um trabalho a ser feito por uma mulher. Já os homens recebiam facão, roupas prontas (calça e camisa), chapéu, etc. O kit de brindes parecia completo com a imposição da pedagogia generificada modelando os corpos e também os gestos. Olho essa imagem e a penso a partir da identificação das coisas - quais servem para mulher e quais para homem, e recorro a Maurice Godelier (2001GODELIER, M. O enigma do dom. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001., p. 146), quando afirma que “de fato o que está presente no objeto, com o proprietário, é todo o imaginário de uma sociedade, de sua sociedade”. Os brindes representavam o imaginário da sociedade nacional, com seus produtos, sua moral, sua ética e suas normas de uso. O que me fere nessa imagem? Os pedaços de panos nas mãos da índia “Xinguana” - sou transferida para 1919, no Posto Fraternidade. O encarregado Severiano Godofredo Albuquerque narra a sua impotência frente uma epidemia que assolava o grupo Umutina e ainda narra um desabafo do índio Boepá:

Restam unicamente duzentos convalescentes, com aspectos de cadáveres e não dos valentes Barbados que pacifiquei. Com que pesar ouvi Boepá falar, momentos depois de sua mulher Paurpé expirar nos braços do Bororo Kutipi Bacureus: “De que nos serve tanta farinha e roupa se morremos todos de moléstias que vocês nos passaram. Agora que todos nós morremos, você̂ diz ser nosso amigo, por que não nos cura?” E éramos impotentes para debelar o mal.21 21 Relatório anual de 1920, referente ao ano de 1919. Microfilme 200. Folhas avulsas, sem a possibilidade de visualização dos números do fotograma. SARQ - MI. RJ.

Boepá parecia saber o alto preço de terem aceitado os brindes dos brancos.22 22 Para uma perspectiva indígena dos brindes/presentes/mercadorias como representação de doenças: Buchillet (2002); Kopenawa e Albert (2015).

Aprofundando nas relações - os Bakairi, os “Xinguanos” e os agentes do SPI

Imagem SPI02754
- Menina Bakairi oferecendo presente a um índio Xinguano. Forthmann, Heinz. 1943.

A imagem (SPI02754) se revela significativa. Uma menina Bakairi é a personalidade/convidada para fazer a doação dos brindes. A legenda informa: Menina Bakairi oferecendo presente a um índio Xinguano. Pelo posicionamento de Álvaro Duarte, logo atrás da menina Bakairi, a ideia da ação parece ter partido dele. No entendimento dos funcionários, os Bakairi domiciliados no posto estavam em um estágio mais “próximo” dos “civilizados”. Álvaro Duarte pontua em documento citado acima: “alunos do colégio vg os civilizados e suas respectivas famílias”. Ao cruzar esse enunciado com as imagens do evento, a formulação provável é que o funcionário estava se referindo aos Bakairi como “civilizados e suas respectivas famílias”. Para os funcionários, essa evidência estava demonstrada de várias maneiras identificadas na documentação, como por exemplo: no modo do Bakairi se vestir, pelo envolvimento no trabalho dentro e fora do posto e pela disposição de querer os filhos na escola, por alguns adultos saberem escrever. Essa solenidade quando foi planejada tinha uma intenção pontual, de o presidente da República

[…] ter a oportunidade de aquilatar o esforço e o quanto tem realizado o SPI vg na sua humanitária missão de incorporar o índio à nacionalidade como elemento de ordem e trabalho pt Por certo há de comover sua excelência a atual boa noção de civismo dos bacaeris vg do mesmo modo porque há de impressionar muito bem as diversas atividades que exercem ali vg promovendo sua independência econômica e concorrendo para riqueza nacional pt23 23 Telegrama da Inspetoria Regional 06 para Rondon, em 20 de setembro de 1943. Microfilme 242. Fotograma 000925. SARQ - MI. RJ.

Com isso, a proposição do evento era produzir imagens que documentassem a ação do SPI no governo Getúlio Vargas com “índios civilizados” (os Bakairi que moravam no posto) e índios em processo de “civilização” (os grupos do Xingu). Cenários de uma política indigenista em curso nos confins do Brasil, em lugar, concebido, no imaginário, ainda, como última fronteira. Como aponta Garfield (2000GARFIELD, S. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-Nação na era Vargas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 15-42, 2000., p. 15), “os índios, que representavam uma porcentagem minúscula da população brasileira situada predominantemente nas fronteiras remotas, foram de repente convocados para o palco da política”.

Para além dessa hipótese, a documentação nos dá pista de mais uma possibilidade, não apenas nessa chave de “índio civilizado amansando índio selvagem”, que penso ser a hipótese mais acertada para a cena. No entanto, ao trilhar a documentação referente ao Posto Simões Lopes, os funcionários do SPI tinham conhecimento de que havia rivalidades entre os índios Bakairi, moradores do posto, com os “índios do Xingu” que visitavam com frequência os funcionários em busca dos brindes a eles ofertados. Por conta desse fato que era sabido, proponho também que essa imagem tenha sido feita com a intenção de proclamar simbolicamente um selamento de paz entre índios Bakairi e índios “Xinguanos”.

Porém, aproveitarei essa imagem (SPI02754) para refletir o que esse gesto evoca para além desse ato simbólico proposto pelos presentes no enquadramento. A leitura que aflora “para fora” (Edwards, 2001EDWARDS, E. Raw histories: photographs, anthropology and museums. Oxford: Berg, 2001.), ou ainda, o punctum, dessa imagem está no gesto da menina Bakairi de doar ao índio “Xinguano”. Esse ato me leva a procurar na documentação indiciária as ações indígenas e as relações entre os grupos indígenas da região, me referindo aos Bakairi e aos “índios do Xingu”, porém, tendo os brindes como incremento e/ou ativadores dessas relações.

Para tanto, faremos um recuo no tempo a partir do relatório de 1923, que descreve a situação do Posto Simões Lopes e o encarregado menciona quão excelentes são os índios Bakairi: trabalhadores, pacíficos e delicados.

No entanto, apenas o Capitão Antonio Guaná Brazil, mais conhecido como por “Antoninho”, índio viajado e guia de quase todas as explorações estrangeiras que vieram ao vale do Xingu, perturba-nos um pouco com suas pretensões e intrigas. Também a rivalidade e ciúme dos Bacahirys com as tribos diversas que frequentam o Posto, dão-nos muito cuidado e exigem vigilância para evitar rixas. Todo brinde dado ao visitante é considerado pelo Bacahiry como uma subtração de propriedade sua. Os visitantes que são também de tribos diferentes têm ciúmes uns dos outros cada qual procura convencer ao Bacahiry da lealdade das disposições próprias e da maldade dos outros.24 24 Relatório anual de 1923. Parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002018. SARQ - MI. RJ.

Para começar, o trecho demonstra que as relações entre os grupos, mediadas a partir da distribuição de brindes, produziam rivalidades que não eram, necessariamente, apenas entre Bakairi versus “índios do Xingu”. O quadro tinha outras configurações, inclusive de competição/conflito entre os próprios grupos do Xingu, podendo ter os Bakairi como aliados ou não. Arranjos que dependiam do contexto e, por isso, as hipóteses de histórias podem ser diversas a partir da documentação do SPI. As rivalidades que tinham como mote a distribuição de brindes podiam levar a outros desdobramentos de relações ou também podemos fazer a leitura inversa, de outras relações (parentesco, aliança, reciprocidade, amizade, etc.) levarem a mediações ou negociações, e os brindes eram incluídos para dar conta dessas questões. Pelo indício desse documento, depois da distribuição dos presentes, em outro momento, fora do evento ritualizado proporcionado pelo SPI, havia também os momentos de conversas, intercâmbios, enfim, de estabelecimento de relações podendo envolver essas coisas e/ou outras produzidas pelos grupos em contato para serem trocadas. Logo, os brindes envolviam relações de várias ordens e vários níveis, perpassando rivalidades, alianças, reciprocidades e feitiçaria, como demonstra o encarregado, no mesmo documento de 1923. Ele continua contando que

entre índios do Norte de Mato Grosso, parece que a morte natural não é admitida, apesar da experiência que já deviam ter do fenômeno inevitável. “Quem morre foi morto porque alguém o enfeitiçou é [o] que explica em geral as mortes”. Muito das tribos, a dos Meinacos, por exemplo, afirmam [aos] Bacahirys que os visitantes anteriores [outros grupos que estiveram no posto recebendo brindes], foram causadores dos desastres acontecidos, e como eles dispõem do contrafeitiço apropriado, vão aplicá-lo para livrar os seus amigos da influência maléfica.25 25 Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002019. SARQ - MI. RJ.

Por esse relato dá a entender que os Bakairi jogavam com o fato de estarem localizados dentro dos limites do posto, não só para com os funcionários do Serviço, mas também frente aos outros povos. A reivindicação de ter a preferência para ganhar os brindes era estratégica e precisava ser mantida, inclusive, para os momentos de possíveis alianças ou diante de situações como a de feitiçaria e contrafeitiçaria. O encarregado, sem se dar conta, desvela em parte como os brindes passaram a fazer parte das redes de relações e das mobilidades desses grupos e, o posto como um ponto estratégico de encontro, de troca e de distribuição certa. Essa situação corrobora Catherine Howard (2002HOWARD, C. V. A domesticação das mercadorias: estratégias Waiwai. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 25-60., p. 26), ao tratar da domesticação das mercadorias entre os Waiwai:

O intercâmbio desses bens, longe de ser apenas uma troca de objetos utilitários, gerou a circulação de novos significados e poderes cristalizados em forma material. Portanto, a manipulação desses emblemas semânticos passou a constituir uma forma de discurso performático apropriado às transações de poderes complementares e à negociação de novas relações sociais.

Penso ser bom pontuar que essas relações envolvendo intercâmbios entre esses grupos já aconteciam muito antes das instalações dos postos e foram observadas desde as primeiras expedições no final do século XIX. A hipótese é que os brindes foram incluídos em um sistema em que já havia outras coisas e serviços entre os grupos. O etnólogo Max Schmidt (1947SCHMIDT, M. Los Bakairi. Revista do Museu Paulista: Nova Série, São Paulo, v. 1, p. 11-58, 1947., p. 35, tradução minha), ao refletir sobre a “transformação e permanência de bens de cultura entre os Bakairi do Posto Simões Lopes”, traz um dado que reforça essa troca de bens com outros grupos do Xingu:

Dos objetos provenientes da região dos afluentes do Alto Rio Xingu são notáveis, sobretudo, as bacias de argila cozida que eram importadas em grande quantidade, porque, como disseram os Bakairi, não existia uma argila própria em Simões Lopes para fabricá-las. As grandes panelas de argila cozida, as que tinham em grande quantidade nas casas dos Bakairi e as que serviam para ferver/cozinhar a bebida “pyserego”, provinham dos Mehinaku.

Se as panelas eram feitas pelos Mehinaku, os Bakairi eram famosos pela qualidade de suas redes e canoas de casca de jatobá. Penso que os brindes (roupas, sabão, fumo e ferramentas, para citar os produtos que mais aparecem na documentação) passaram a fazer parte dessas redes de trocas como um incremento e ainda ganhando outros sentidos e significados, e não como substituição de coisas. Partindo dessa informação de Schmidt (1947)SCHMIDT, M. Los Bakairi. Revista do Museu Paulista: Nova Série, São Paulo, v. 1, p. 11-58, 1947. e dando continuidade à descrição feita pelo funcionário do posto, percebemos que as relações entre os grupos passavam por um reconhecimento de saberes entre eles.

Mercadorias representam formas sociais e partilhas de conhecimento muito complexas […] o conhecimento técnico sempre se mistura profundamente com suposições cosmológicas, sociológicas e rituais que tendem a ser amplamente compartilhadas […] em seus discursos sobre a produção. (Appadurai, 2008APPADURAI, A. Mercadorias e a política de valor. In: APPADURAI, A. (org.). A vida das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008., p. 60-61).

No entanto, isso não eximia os grupos de, em certos contextos, exercer correlações de força ou ainda de travar confrontos de natureza bélica. O teor do documento aponta também um provável motivo que fazia os Bakairi tomarem uma posição demarcatória, a partir da localização geográfica do posto e do controle de distribuição dos brindes, pois essas marcações poderiam ajudar como um fator de compensação para os assuntos que não eram dominados por eles, como o caso da feitiçaria.

A tribo toda reúne-se e depois de cerimônias complicadas em que o envenenamento pelo fumo azorda [sic] [causa] uma influência alucinadora, o feitiço, que consiste quase sempre, a coisas enterradas é arrancado pelo contrafeiticeiro “sem testemunhas” é exposto aos olhares medrosos dos semicivilizados Bacahirys que, nesse assunto, se julgam inferiores aos seus irmãos selvagens e neles acreditam cegamente. Imagina-se facilmente o cuidado para evitar a represália contra a tribo inquinada.26 26 Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002019. SARQ - MI. RJ.

Os registros feitos sobre o Posto Simões Lopes através dos relatórios dos encarregados até o ano de 1945 nos fazem crer que o contexto da distribuição dos brindes tampouco levava a conflitos abertos a ponto de os Bakairi se colocarem como inimigos declarados de um ou outro povo que frequentava o posto, a não ser os que já figuravam como inimigos históricos, como era o caso dos Kaiabi, para os quais o SPI montou um outro posto, dois anos após a instalação de Simões Lopes, isto é, em 1922, com o nome de Pedro Dantas. A sua localização foi, primeiramente, no rio Verde, um dos afluentes do Teles Pires/Paranatinga e, em 1925, mais ao sul, na margem esquerda do Teles Pires, a cerca de 180 km acima da embocadura do rio Verde.

Tendo como suporte esse relato de 1923, citado em linhas anteriores, é possível afirmar que a feitiçaria e a contrafeitiçaria eram questões que mobilizavam rivalidades e alianças, mas não eram apenas essas situações que regiam as relações. Talvez por isso, as rivalidades apareciam de forma mais veladas, combinando várias etapas de um processo dinâmico de ações, escolhas e alianças intergrupais.

Rico em detalhes, o documento ainda menciona os grupos que foram até o posto no ano de 1923.

Durante o ano foi o posto visitado pelas seguintes tribos, todas festivamente recebidas e brindadas com ferramentas para os seus trabalhos no mato, roupas e outros brindes. 1º Kamaiulás, 2º Ianauquás, 3º Meinacos, 4º Uaurás, 5º Trumais, 6º Iulapites, 7º Auitys, 8º Coficoros. […] Os Coificoros são grupos de Ianauquás.27 27 Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002019. SARQ - MI. RJ.

Esmiuçar as nominações de cada grupo nos faz questionar como e em quais situações os funcionários do SPI acionavam a denominação categórica de “índios do Xingu” ou ainda os “Xinguanos” para simplificar uma diversidade de grupos que, como bem mostra esse relatório, se tratavam de no mínimo oito povos, tomando somente o teor desse documento como referência. Em vários relatórios de diferentes anos, encontramos várias discriminações de grupos que visitaram o posto em busca de brindes. A reflexão que faço sobre essa nomeação dos grupos no momento de relatar as visitas tem a ver com uma necessidade de demonstração de uma boa administração do posto frente aos chefes superiores do Serviço, isto é, no sentido da quantificação significar a boa relação do encarregado com vários grupos, demonstrando que os objetivos de atração estavam dando certo, tendo o controle e o domínio dos povos que estavam localizados na região do Xingu.

Ainda à luz da documentação do Posto Simões Lopes, no ano de 1924 há mais relatos envolvendo os brindes. No dia 24 de maio, o capitão Antoninho, chefe de um dos grupos Bakairi, escreveu uma carta para o chefe da Inspetoria Regional 06, em conjunto com outro chefe, o capitão Roberto, reclamando de maus-tratos que o grupo estava sofrendo do encarregado; outra queixa era sobre a distribuição desigual de brindes doados para os grupos do Xingu em detrimento dos Bakairi.

[…] faço ciente a espetoria de Cuiabá que está passando aqui no dito Posto. Eu Capitão Antoninho e capitão Roberto Joaquim dos Sancto e mais pessoal fais esta chexa [queixa] que o empregado do Posto Bachairis esta maltratando sobre ropa que estão, jamais nunca sobra pano e toda couza como sabão, fumo e todos que precisa não tem, mais é para Bacahiris até chumbo elle mandou vir la da espetoria diz que era para matar Bacahiriz. O Indio Chingu tem de todos na mão delle. E assim faço sciente o Governo da espetoria se não tirar elle de aqui nois vamos imbora daqui, ficar o índio Chingu no lugar, que o Sñr. Afoncio aqui porque aqui não cervi para estar no encargo, tem vindo faltura não tem pra nois, pesso o Governo da espetoria uma orde que todos os empregados que vier aqui que não cervi e não respeitar nois podemos tirar pra fora do Posto. E assim receba recado do capitão Antoninho e do capitão Roberto Joaquim dos Sancto (ass.).28 28 Carta dos chefes Bakairi Antoninho e Roberto ao inspetor da regional 06, em 1924. Microfilme 213. Fotograma 350. SARQ - MI. RJ.

Antes de tudo, esse documento vale uma observação de outra ordem. O fato de a carta ter sido elaborada de próprio punho pelo capitão Antoninho. Na documentação administrativa do SPI é muito difícil encontrar documentos escritos pelos índios. Esses escritos, no tempo dos postos, são raros.29 29 Sobre os poucos escritos produzidos pelos índios há que considerar o próprio corpus documental ser de uma organização estatal, o SPI. Por isso, penso em um controle rígido via os encarregados para com a comunicação escrita que era enviada à Inspetoria e à Diretoria, pois, uma carta como essa de Antoninho e Roberto poderia por fim ou, pelo menos, sob suspeita, a administração do encarregado. Como ela conseguiu chegar até a Inspetoria é uma questão para se pensar, pois, deveria haver um controle rígido via encarregado, mas, outros funcionários do SPI como diaristas, auxiliares faziam o papel de mensageiros entre os postos e a Inspetoria e, por serem, funcionários considerados de “baixo escalão”, em algum contexto, por descontentamento com o encarregado-chefe, pode ter sido motivo suficiente para aceitar levar uma carta do chefe dos Bakairi para a Inspetoria sem que ela tenha passado pelo encarregado. Outra situação a levar em conta é que os Bakairi também assumiram cargos como funcionários do Serviço, facilitando assim, a interlocução com a Inspetoria, já que eram considerados entre semicivilizados e civilizados. Outra questão limitante para encontrar mais escritos produzidos pelos índios pode ser pelo fato de que a escola, na maioria dos postos, estava direcionada para as crianças, limitando assim, a apropriação da escrita por parte dos adultos como uma forma de comunicação e reivindicação com outros níveis da organização estatal. Nos poucos lugares em que a escola foi implantada para os adultos, não obteve o êxito esperado. Havia um compartilhamento de concepção de que ao índio adulto cabia o trabalho, através do método de imitação e de periodicidade sistemática, justificando de que pela idade não dariam conta de aprender a ler e escrever, deixando a educação escolar para as crianças, por estarem numa fase adequada de aquisição de hábitos, sendo elas de “fácil” controle e assimilação. Além dessa carta, encontrei mais duas. Uma outra do capitão Roberto Joaquim dos Santos, fazendo referência ainda sobre essa questão. Além dessas cartas, encontrei alguns manuscritos de pedidos de mercadorias para o inspetor regional em exercício. O fato de Antoninho utilizar a escrita como um instrumento de reivindicação e de comunicação,30 30 Como instrumento de comunicação, encontrei vários pedidos de mercadorias feitos pelos Bororo. Além disso, também encontrei uma resposta do Marechal Rondon à carta de um índio Bororo da povoação S. Lourenço que faz um pedido de aumento salarial, pois o seu salário, ao invés, de aumentar só foi diminuindo. Microfilme 262. Fotogramas 953, 954 e 955. SARQ - MI. RJ. demonstra não só a apropriação da escrita como também da forma, discernimento em apontar a “inspetoria” ou o “governo da inspetoria” como o lugar para reclamar e, inclusive, “ameaçar” a retirada dos grupos liderados por eles, Antoninho e Roberto, para fora do posto, por conta da má distribuição dos brindes. Mesmo apontando os “índios do Xingu” como os que estavam sendo beneficiados em detrimento dos Bakairi, os chefes estavam demandando a responsabilidade desse desequilíbrio ao encarregado e, consequentemente, ao SPI. Talvez a justificativa para isso esteja no fato de que os Bakairi mantinham outras redes de relações, fossem de trocas (reciprocidade, parentesco etc.) ou comerciais com os grupos “Xinguanos” a ponto de não travar uma briga direta, sendo o mais sensato reclamar de onde partiam os brindes. Lévi-Strauss (1976LÉVI-STRAUSS, C. Guerra e comércio entre os índios da América do Sul. In: SCHADEN, E. (org.). Leituras de etnologia brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. p. 325-339., p. 329) menciona, através dos dados etnográficos de Karl von den Steinen, de 1887 e, de Buell Quain, de 1938, que “os laços que unem as diferentes tribos são sem dúvida mais fortes que as antipatias”.

O fato de a carta ter a assinatura de dois dos chefes dos Bakairi também vale reflexão. Primeiro, uma indicação de que mesmo morando dentro dos limites do posto, os Bakairi mantiveram a organização social por grupos domésticos ou aldeias, tendo cada grupo o seu chefe. O segundo aspecto, as lideranças Bakairi estavam à frente da reivindicação, nos papéis de mediadores. Com isso, podemos fazer a leitura que através dos brindes reforçavam o prestígio junto aos Bakairi, e ainda, o fato de fazer a reivindicação em nome do grupo, demonstrava o poder que tinham sobre os domiciliados, frente ao Serviço.

Outra questão que requer uma reflexão diz respeito aos brindes citados por Antoninho e Roberto. Eles mencionam três produtos como exemplos: roupa/pano, sabão e fumo. No entanto, avalio que a citação desses objetos e não de outros tem um propósito para além de uma simples exemplificação. Essas coisas deveriam ter um valor mais significativo dentro da rede de relações do próprio grupo e, provavelmente, também para os outros povos. O fumo, como bem demonstra o relato do encarregado, logo mais acima, era utilizado pelos Bakairi, inclusive, fazia parte da prática xamânica - “a tribo toda se reúne e depois de cerimônias complicadas em que o envenenamento pelo fumo azorda [sic] [causa] uma influência alucinadora”31 31 Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 0002019. SARQ - MI. RJ. - tê-lo poderia ser estratégico. Mesmo sendo fumo de corda e ter a forma industrializada/manufaturada, aventuro-me a imaginar que as coisas ao chegarem em suas mãos, eram “tratadas” e ganhavam outros sentidos, bem como afirma Howard (2002HOWARD, C. V. A domesticação das mercadorias: estratégias Waiwai. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 25-60., p. 29), parafraseando Nancy Munn (1992)MUNN, N. D. The fame of Gawa: a symbolic study of value transformation in a Massim society (Papua New Guinea). Durham: Duke University Press, 1992., que “os objetos podem ser desvinculados de quem os produziu, circular independentemente destes, inserir-se em novos contextos e ser submetidos a complexas transformações de significado e valor”.

E não eram apenas os Bakairi que utilizavam o fumo. Tomando mais uma vez o artigo de Lévi-Strauss (1976)LÉVI-STRAUSS, C. Guerra e comércio entre os índios da América do Sul. In: SCHADEN, E. (org.). Leituras de etnologia brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. p. 325-339., os Trumai e os Suyá tinham desenvolvido particularmente a cultura do tabaco. Mais adiante Lévi-Strauss afirma, através dos dados de Karl von den Steinen e de Buell Quain, que os Bakairi temiam os Trumai. Estes eram acusados de afogar seus prisioneiros de guerra após os amarrarem. A partir dessas informações e cruzando com o relato do encarregado sobre o fumo fazer parte dos rituais de feitiçaria e contra-feitiçaria, julgo que há que considerar que havia a necessidade de obtenção do tabaco também por outras fontes, além desses dois grupos que detinham a produção. Ter o fumo na lista dos brindes era de suma importância para os grupos da região.

Sobre o consumo de fumo no posto indígena havia instruções para a sua compra com o objetivo de fornecer aos trabalhadores “sertanejos” dos postos, principalmente, os destinados à “atração”, bem como outros produtos de hábitos arraigados como café, mate ou guaraná. Esses produtos eram permissíveis para o melhor andamento dos trabalhos. De maneira mais específica havia um item, o 3º, que justificava o fornecimento do fumo:

Devido aos mesmos usos arraigados, nos sertões muito afastados do “comércio”, poderá também ser consentida a aquisição de fumo porque, ordinariamente, sem usá-lo muitos trabalhadores se tornarão ineficientes.32 32 Instruções aos postos de atração do diretor do SPI tenente-coronel Vicente de Paula Teixeira de Vasconcelos, em 1937. Microfilme 339. Fotograma 000357. SARQ - MI. RJ.

Essa instrução de 1937, assinada pelo chefe do SPI, tenente-coronel Vicente de Paulo Teixeira da Fonseca Vasconcelos, estava se referindo especificamente aos trabalhadores não índios. Pois no mesmo “ofício circular”, os itens 8º e 9º diziam o seguinte:

8º As dádivas ou fornecimentos aos índios, devem ser feitos com o maior critério e só, salvo aos órfãos doentes e inválidos, para os efeitos referidos nos dispositivos regulamentares invocados, a fim de não criar entre eles hábitos ociosos de mendicância imprópria ou parasitismo e portanto não os desmoralizarem.

9º Jamais haverá em nenhum Posto falta de um trabalho útil qualquer, que um índio possa fazer, com agrado e sem sofrimento […].33 33 Instruções aos postos de atração do diretor do SPI tenente-coronel Vicente de Paula Teixeira de Vasconcelos, em 1937. Microfilme 339. Fotograma 000357. SARQ - MI. RJ.

Mas, para o Serviço, o fumo não poderia, ou pelo menos não deveria constar entre os mais solicitados, como era o caso das ferramentas que tinham um “lugar de uso mais apropriado”, de acordo com a dinâmica pensada pelo SPI de presentear com o intuito de incentivar o trabalho, como bem sugere o trecho acima sobre o critério para doação de presentes, tendo que ter alguma ligação com o “trabalho útil”. Tampouco o fato de as ferramentas não aparecerem na exemplificação feita pelos chefes Bakairi seja indício de que não eram importantes nas redes de trocas e/ou comerciais. Há que considerar que era mais fácil conseguir ferramentas que fumo, até pela disposição do Serviço em doar coisas “úteis” para “trabalho útil”. Porém, se havia uma instrução normatizando a compra de fumo, café e mate, é bastante provável que esses produtos estivessem sendo adquiridos sem justificativas plausíveis e estendendo a compra também para os índios. Nas listas de presentes e pedidos dos índios Bororo dos postos Córrego Grande e São Lourenço aparece o fumo de corda como um produto que era doado como presente e como pagamento pelos serviços prestados no posto.

Outro ponto a considerar é a representação do fumo para o mundo dos “brancos”, ligada a um discurso moral de uso, como prática desviante e só mantida, pelo Serviço, por uma questão estratégica junto aos funcionários. O SPI, inclusive, considerava o uso de tabaco pelos índios como uma prática ruim e viciante e alegava a introdução via contato com outros “civilizados” (seringueiros e fazendeiros) que se instalaram na região, e não através do órgão. No entanto, manter o “vício” e/ou ainda manter o ritual poderia ser estratégico para o Serviço. As duas situações para o não uso do fumo poderiam ser trabalhadas em processos mais adiante no próprio curso civilizatório. Naquele período, em qualquer um dos contextos de uso, o fumo não concorria como uma prática que atrapalhava um dos pilares principais da ação do SPI, que era o trabalho. Logo, esse produto entrava na lista como um “agrado” de produtividade, bem como o discurso que era utilizado para com os trabalhadores do SPI.

Quase dois anos depois, no ano de 1926, em relatório no formato de carta para a inspetoria, o encarregado do posto ainda seguia com o problema, capitaneado pelo chefe Antoninho.

Toda essa gente é tratada do melhor modo possível para que não fiquem descontentes. Os Bachairys ficam revoltados com esses presentes que se faz a esses índios, o Antoninho incute na ideia deles que tudo quanto vem é só para Bachairy, mas eu agrado todos e procuro desfazer todos esses maus conselhos do Antoninho que para mim mesmo ele já disse.34 34 Relatório no formato de carta do Posto Simões Lopes para a inspetoria, em 1926. Microfilme 231. Fotograma 000239. SARQ - MI. RJ.

Segundo Barros (2003BARROS, E. P. de. Os filhos do sol: história e cosmologia na organização social de um povo Karib: os Kurã-Bakairi. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003., p. 91), a situação chegou a ficar séria, ganhando outros desdobramentos, a ponto de haver destruição de casas de funcionários por parte dos índios, em 1927. Penso que esse fato enfatiza a hipótese de forçar o Serviço para o fornecimento de mais brindes, não passando a conflitos abertos entre os grupos. As reclamações de Antoninho e Roberto tinham sentido direcionado aos funcionários com o intuito de garantir mais brindes para sustentar a rede de relações no próprio grupo e/ou fora dele, com os outros grupos. Pelo teor da carta de Antoninho, a bronca com os funcionários passava por um acordo firmado na época em que foram morar nas proximidades do posto, negociação que deve ter sido feita para o convencimento de grupos Bakairi de que morando nos limites de Simões Lopes poderiam ter acesso a esses presentes de forma mais fácil e frequente.

A análise que faço é que, ao longo da trajetória de contato, os chefes desse povo tentaram diminuir, de todos os modos, o altíssimo custo do contato, levando o grupo, em 1942, a mudar para o espaço do posto, ao lado da sede, da escola e hospital. Movidos, num primeiro momento, para garantir as trocas e as relações entre os grupos e, mais tarde, movidos para controlar as doenças epidêmicas, normalmente sequenciadas de várias mortes. O fato é que tiveram sua população reduzida de forma avassaladora, seja pelo feitiço feito pelos outros povos da região ou pelo “feitiço” feito pelos brancos (conflitos com a sociedade nacional da região - os donos de seringais, seringueiros e fazendeiros). De alguma forma, os seus chefes teriam que fazer algo para cessar as mortes que não foram algumas dezenas, e sim, no mínimo, centenas, em 60 anos, considerando o tempo de contato, desde as expedições do final do século XIX.

Em notas para relatório, do ano de 1928, o encarregado do Posto Simões Lopes discorre sobre as visitas de índios.

Neste posto, durante o ano foi visitado pelas 3 tribos de índios seguintes: Auitys, Meinacos e Ianahuquás [Calapalos], estas visitas foram feitas em diferentes épocas do ano, eles sempre aproveitam para fazerem longas caminhadas os meses de junho a setembro de cada ano. Todos os índios logo que aqui chegam são carinhosamente recebidos, dando-lhes roupas e alimentos necessários.35 35 Notas para relatório do ano de 1928. Microfilme 216. Fotograma 0007. SARQ - MI. RJ.

O relatório continua falando de outros grupos que compareceram no posto e que já vinham de outras visitas em outro posto, onde também ganharam presentes e foram tratados com agrados. Na ocasião, o funcionário ainda fez algumas descrições que contribuem para perceber a marcação de diferenças. Dessa vez, não apenas através dos nomes dos grupos, e sim com detalhes de ordem física e moral:

Os índios Meinacos e Calapalos são homens de estatura regular, fortes e extremamente amorosos para o seu lar. Os Oytis são fortes, não muito altos, veem tudo com muita curiosidade, são dotados de uma forte resistência física, poucos risonhos, mas nas suas fisionomias nota-se o símbolo de sinceridade. Os Calapalos e Menacos tiveram ocasião de virem até São Manuel, ao encontro do Ilmo. Senhor Capitão Ramiro de Noronha, do qual são grandes admiradores há longo tempo. Foi-lhes proporcionado passeios em caminhão ao longo da estrada e tiveram um bom tratamento durante os 12 dias em que eles permaneceram e sempre prontos a seguirem os conselhos que lhes eram dados. Regressaram a este posto, vindos de São Manoel em companhia do senhor Capitão Ramiro de Noronha, trazendo alguns presentes, como sejam: roupas, vestidos, guias, colares, pentes, gaitas, lenços, chapéus etc. e no Posto receberam ferramentas para lavoura: machados, foices, enxadas e facões. E daqui seguindo viagem para suas aldeias, muito agradecidos, demonstrando uma alegria espontânea e prometeram uma visita para 1929, uma visita mais demorada e desejando visitar a sede da Inspetoria deste serviço em Cuiabá.36 36 Notas para relatório do ano de 1928. Microfilme 216. Fotograma 0007. SARQ - MI. RJ.

As notas para relatório chamam a atenção, primeiro, pela disciplina do encarregado em fazer as observações no frescor dos acontecimentos, proporcionando detalhes sobre os referidos grupos, para além de relatar a ação de doação de brindes. A informação a pinçar é sobre a frequência das visitas. No mínimo estava certa uma ao ano, entre os meses de junho e setembro. Isso pode indicar também a rede de relações de trocas que contemplava o posto, mas, também, poderia contemplar relações fora dele. Quatro anos antes do relatório de 1928, já se tinha informação sobre a época de visita dos grupos indígenas no posto. Em maio de 1924, o encarregado faz o pedido de brindes para a inspetoria.

Está aproximando a visita dos índios xinguanos de diversas tribos a saber: Inahuquas, Meinacos, Kamaiulá, Auiti, Waura, Trumay, Ioalapiti, pelo que peço alguns presentes e roupas feitas para os visitantes. Enquanto para os índios domiciliados fazem suas vestes e para aperfeiçoamento peço molde (em papel) para calça cujo irá no pedido.37 37 Pedido de brindes à inspetoria aos índios do Xingu no ano de 1924. Microfilme 213. Fotograma 327. SARQ - MI. RJ.

Sobre a época de visita dos grupos, podemos pensar em um conjunto de fatores que faziam com que os meses posteriores a maio fossem bons para realizar essas visitas, época de seca, favorecendo as longas caminhadas, e ainda bons para carregar produtos para a realização de trocas que não fossem, necessariamente, com os funcionários do SPI, podendo ser entre os povos indígenas e/ou com os regionais (seringueiros, fazendeiros e os próprios donos dos seringais), além de favorecer a coleta de alimentos (frutos, mel e ervas). A época das visitas também demonstra certa autonomia dos grupos em relação ao posto de atração e, por conseguinte, em relação aos brindes. Pelos relatos, esse período foi eleito pelos grupos e não pelos funcionários. Partindo da documentação, certo mesmo era cada grupo visitar o posto atrás dos brindes, uma vez ao ano. O que me faz questionar o valor das coisas que ganhavam ou trocavam como “utensílio”. Pois, se dependessem dessas coisas, no sentido do uso como concebido pelo branco, as visitas deveriam ser mais frequentes. Aqui, me apoio novamente em Howard (2002)HOWARD, C. V. A domesticação das mercadorias: estratégias Waiwai. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 25-60., fazendo uma comparação das ações de Antoninho e outros índios da região que forçaram o fornecimento dos brindes no tempo e nas condições propostas por eles e, ainda, utilizando-os em seus universos cosmológicos para garantir as suas reproduções sociais. Partindo de sua etnografia junto os Waiwai, ela afirma que há pelo menos dois séculos, eles

vêm participando ativamente de um vasto sistema de trocas intertribais por onde passam bens ocidentais e indígenas. Do seu ponto de vista, a lógica do sistema está em assimilar recursos externos, “domesticá-los” e pô-los a serviço de seu projeto de reprodução social. Em vez de abandonar a rede de trocas tradicional ao se confrontar diretamente com os brancos, eles expandiram-na, de modo a englobar esses mesmos brancos, “colonizando-os”, como mais uma fonte de bens, poderes e conhecimento. (Howard, 2002HOWARD, C. V. A domesticação das mercadorias: estratégias Waiwai. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 25-60., p. 29).

Ainda para pontuar sobre os brindes, recorro a um documento de 1924, para apontar os bens que faziam parte da lista de brindes a partir das preferências dos índios; a ação de doá-los tomou proporções cujo significado nem mesmo os funcionários conseguiram mensurar, a ponto de em certa ocasião se verem em apuros, caso não tivessem os presentes para doar.

Em 1924, tenho notícia por estes que vieram. A ferramenta que vieram já dispus de tudo, com eles deixei somente alguns machados e foices para nossos serviços e estes mesmos que os Bachairys ocupam porque poucos é que têm ferramentas. Pano para roupa também já acabou distribui aos Bachairys que estavam com falta e os índios que vêm do Xingu fazem questão pela roupa e ferramenta especialmente. Peço-vos mandar mais pano e ferramenta porque senão vou ficar em apuro com eles.38 38 Carta no formato de relatório do Posto Simões Lopes de 1924. Microfilme 213. Número de fotograma sem visibilidade. SARQ - MI. RJ.

O trecho serve para refletir sobre a inversão das relações de poder; a partir do ato de doar os brindes, os funcionários se colocavam na posição de controle da situação, pois eles eram os que tinham e dispunham dos brindes. No entanto, o que esse e outros documentos apontam é que na medida em que os grupos passavam a se relacionar com os funcionários por meio dos brindes, as relações de convivência, de horas ou dias, passavam necessariamente pela disponibilização desses brindes. Sem eles, as relações não eram tão amistosas e o controle da situação “trocava de mãos”, a ponto de o encarregado se “ver em apuros”.

Em carta do encarregado Hildefonso Rodrigues Benevides ao inspetor de Mato Grosso, ele relata de forma detalhada a troca de brindes por trabalho na roça:

Chegou a este posto uma turma de 16 índios, da tribo Trumai, ao chegar fiz vestir todos, inclusive, mulheres e crianças. Depois do respectivo descanso, convidei todos a irem na roça, o qual foram e prestaram relevantes serviços a saber: plantio do segundo quartel de arroz, limpeza de um terreno para um mandiocal numa área de 120m/100 de largura, fizeram também limpeza num quartel de arroz, de sorte que fiquei satisfeito com serviços dos índios e em recompensa fiz presente de um machado a cada um (apesar de ser muito ordinário os ditos machados dinamarqueses) e alguns preferindo foices.39 39 Carta do encarregado Hildefonso Benevides ao inspetor de Mato Grosso. Microfilme 213. Fotograma 453. SARQ - MI. RJ.

Esse relato demonstra uma discussão que pode levar a uma leitura simplista de pensar dádiva nos termos da reciprocidade de um lado em contraste com a circulação de mercadorias de outro. Aqui há um jogo de palavras de Hildefonso em primeiro dizer que convidou todos a irem à roça; em seguida, disse que, satisfeito com os serviços dos índios, recompensou-os, porém não com dinheiro e nem mercadorias, e sim com presentes. Essa situação poderia levar a uma discussão de valores nessa esfera de troca. Tal situação me remete a Appadurai (2008APPADURAI, A. Mercadorias e a política de valor. In: APPADURAI, A. (org.). A vida das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008., p. 25-27) tomando Bourdieu, que

ressalta a dinâmica temporal do ato de presentear, empreende uma análise perspicaz do espírito comum implícito à troca de presentes e à circulação de mercadorias […] Quando se tenta compreender o que é específico à troca de mercadorias, não faz sentido distingui-la radicalmente da permuta nem da troca de presentes.

A partir da deixa do relato do encarregado, penso ser pertinente dar esse passo e corroborar o olhar de Appadurai (2008APPADURAI, A. Mercadorias e a política de valor. In: APPADURAI, A. (org.). A vida das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008., p. 27) “para o potencial mercantil de todas as coisas, em vez de buscar em vão a mágica distinção entre mercadoria e outros tipos de coisas”. Ainda destrinçando o relato do encarregado, os grupos passaram a escolher as coisas que queria ganhar, no caso, preferindo foices. Passaram também a escolher o tempo de recebê-las, como vimos em relatos anteriores. Isso pode nos indicar uma tentativa de demonstrar que o controle das relações estabelecidas não estava sempre com o encarregado. O prazo, por exemplo, de doação de brindes com a intenção de estabelecer contato e convidá-los a morar no posto estava bem alargado se tomarmos o princípio de que os brindes serviriam apenas para o começo das relações, de acordo com as instruções do SPI. Em outro fragmento da documentação, o chefe de um grupo indígena “Xinguano”, José Bonifácio, manda o recado:

[…] Por estes mesmos índios que vieram, o Capm. José Bonifácio me enviou a relação dos índios e avisou-me para preparar roupas que vêm todos nus, como não temos mais roupas vou comprar no Laranjal, podendo fazer o pagamento com gêneros sem prejudicar as nossas despesas enviando-lhe a nota caso VS. não ache acertado queira avisar-me algo a respeito.40 40 Carta no formato de relatório do Posto Simões Lopes de 1924. Microfilme 213. Número de fotograma sem visibilidade. SARQ - MI. RJ.

O dado a ressaltar está no aviso de como os índios iriam chegar ao posto, nos fazendo pensar em um modo de atuar frente ao encarregado, de como deveriam agir, ou melhor, como deveriam chegar, isto é, nus, para ganhar o que desejavam, ou ainda para ganhar o que eles sabiam que estava certo que iam ganhar - roupas. Ao que parece por esse trecho, a ação dos grupos foi sendo aperfeiçoada após várias visitas ao posto.

Porém, mesmo parecendo que havia um entendimento dos índios de como se comportarem para o momento dos brindes, ainda assim, analiso que essa ação não compreendia uma estratégia orquestrada, por parte dos grupos, no sentido de um planejamento. No entanto, já sabiam quais eram os tipos de brindes que faziam parte da lista do Serviço e como deveriam se portar para ganhar o que queriam - chegarem nus para ganhar roupas, irem ao trabalho na lavoura para ganhar ferramentas. A sugestão que faço sobre os grupos indígenas em relação a esse momento da doação é de uma ação tática nos termos de Certeau (2001CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1: artes de fazer. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2001., p. 47), em que o tempo presente ou, no máximo, o futuro imediato é o tempo da operação:

A tática depende do tempo, vigiando para “captar no vôo” possibilidades de ganho. O que ela ganha, não o guarda. Tem constantemente que jogar com os acontecimentos para os transformar em “ocasiões”. Sem cessar, o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas. Ele o consegue em momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos […], mas a sua síntese intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a “ocasião”.

Já no caso da ação do SPI, me referindo à prática de doação de brindes, é possível afirmar nos termos de uma estratégia, com a intenção de estabelecer contato, de atrair para espaço do posto e de criar a necessidade, a dependência dos grupos indígenas pelas coisas do mundo dos “brancos”.

Olhando para as imagens (SPI02754, SPI02764, SPI02753) em que as relações aparecem mediadas pelos brindes, seja em forma de roupa, facão, fumo, chapéu, etc., tendo a pensar no valor que eles adquiriram frente aos povos indígenas e aos agentes do Serviço. Para tanto, não se pode fazer uma leitura a partir da relação entre o sujeito e o objeto, sendo o sujeito o início e o objeto como fim. Desde que começamos o exercício de olhar e pensar sobre, enxergamos o brinde, ou ainda a coisa doada, trocada ou negociada, como elo, ou ainda motivadora, para, a partir dela, pensar a relação com o outro, isto é, o brinde como “sutura” que possibilitava a relação entre os grupos indígenas e os agentes do SPI. Para esclarecer esse entendimento do brinde como ponto de sutura e de permitir relações, tomo Lévi-Strauss (1982LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Tradução Mariano Ferreira. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1982., p. 124-125), a partir das observações de Susan Isaacs, que afirma que

o desejo de possuir não é um instinto e jamais se funda (ou só muito raramente) numa relação objetiva entre o sujeito e o objeto. O que dá ao objeto seu valor é a “relação com o outro”. […]. O desejo de possuir, portanto, é, antes de tudo, uma resposta social.

Partindo desse fragmento, a análise que faço não é necessariamente refletir sobre o valor das coisas em si para cada uma das partes, mas interessa captar esse valor na relação. Outro autor que ajuda a pensar sobre essa questão é Appadurai (2008APPADURAI, A. Mercadorias e a política de valor. In: APPADURAI, A. (org.). A vida das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008., p. 29), que utiliza o termo regimes de valor,

por não implicar que todo ato de troca de mercadorias pressuponha um quadro cultural em que se compartilhe uma totalidade de crenças. Antes, o termo sugere que o grau de coerência valorativa pode ser altamente variável conforme a situação, e conforme a mercadoria. […] Tais regimes de valor são o fator determinante na constante transcendência de fronteiras culturais por meio do fluxo de mercadorias, entendendo-as cultura como um sistema de significados localizado e delimitado.

Com isso, quero dizer que esses brindes podem tomar valores diferentes a depender dos vários contextos sociais (inter ou intragrupos) em que foram colocados, nos dando conta de que ora são botões, ora são enfeites, ora são sagrados.

Ao mexer nessa documentação do SPI motivada pelas doações e trocas de brindes, encontramos, também, muitos dados sobre uma economia de trocas baseada no escambo e na dívida/crédito, como se configurasse um passo rumo ao processo civilizatório, saindo das doações/trocas de brindes e passando para as relações mercantis e de trabalho junto aos povos indígenas. Lancemos mais uma vez uma mirada à documentação. Desta vez quem escreve a carta é o Bakairi Bernadino.

Posto dos Bachairis 10 de janeiro de 1925.

Ilmº senhor doutor chefe dos índios

Este índio por nome Bernadino manda pedir a v. s. no caso puder mandar para ele um arreio com freio, estribo e espora e assim também meia dúzia de fivela pequena também e o pagamento da quantia do valor será recebido aqui no posto e assim receba recado do seu índio.

Bernadino Pereira de Campos.41 41 Microfilme 213. Fotograma 428. SARQ - MI. RJ.

O recado de Bernadino nos coloca questões como protagonismo indígena, agência, apropriação, pagamentos e relações de trabalho no contexto dos postos indígenas do SPI. Porém, essas reflexões são para outro momento.

À guisa de conclusão

A fotografia seria, então, o pretexto para um texto.

Samain (1998SAMAIN, E. Um retorno à câmara clara: Roland Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 121-134., p. 128)

Pensar as relações que foram estabelecidas entre os Bakairi e os agentes do SPI tendo como mote os brindes nos contextos que partiram das imagens nos revela, primeiramente, a necessidade de mergulhos mais profundos do que as evidências documentais, seja elas textuais ou imagéticas. As questões levantadas para fora do enquadramento da imagem, porém impulsionada por ela, nos mostrou descontinuidades com práticas que subverteram o projeto colonizador de modo sutil e multifacetado (Howard, 2002HOWARD, C. V. A domesticação das mercadorias: estratégias Waiwai. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 25-60., p. 28). Essas práticas continham doses de persistências e resistências, tomadas à primeira vista como acomodações tácitas de participação no ritual da entrega dos brindes. O capitão Antoninho, em sua posição de liderança e mediador com trânsito no mundo dos brancos, imprimiu condições, negociou nos termos dos brancos, com comunicação clara, pedindo o cumprimento do acordo - morar no posto significava acesso a fumo, roupa e sabão. Além dos Bakairi, os Inahuquas, Meinacos, Kamaiulá, Auiti, Waura, Trumay, Ioalapiti, etc. (“Xinguanos”) também imprimiram suas condições, sabendo como se apresentar para o encarregado e “ganhar” as coisas que queriam, e no tempo que julgavam apropriado, respeitando as suas caminhadas e visitas aos parentes entre junho e setembro. Aqueles corpos “domesticados” (Foucault, 1999FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999.) e marcados pelas roupas xadrez (Imagem SPI02749), ao seu modo, mobilizaram formas de resistência com criatividade, jogando com os acontecimentos, aproveitando “ocasiões” e mudando relações de poder que pareciam estar sempre nas mãos dos donos das coisas. Por esse conjunto de imagens e palavras foi possível contar outras histórias dando visibilidade às ações indígenas.

Referências

  • AMOROSO, M. R. Conquista do paladar: os Kaingang e os Guarani para além das cidadelas cristãs. Anuário Antropológico/2000-2001, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 35-72, 2003.
  • APPADURAI, A. Mercadorias e a política de valor. In: APPADURAI, A. (org.). A vida das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008.
  • ARRUDA, L. C. de. Posto Fraternidade Indígena: estratégias de civilização e táticas de resistência, 1913-1945. 2003. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Geografia, História e Documentação, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2003.
  • ARRUDA, L. C. de. Naturalmente filmados: modos de atuar e de viver nos postos indígenas na década de 1940. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de São Paulo, Campinas, 2012.
  • ARRUDA, L. C. de. Naturalmente filmados: modos de atuar e viver nos postos indígenas do SPI em Mato Grosso. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 58, n. 1, p. 149-196, 2015.
  • BARROS, E. P. de. Os filhos do sol: história e cosmologia na organização social de um povo Karib: os Kurã-Bakairi. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
  • BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
  • BUCHILLET, D. Contas de vidro, enfeites de branco e “potes de malária”. Epidemiologia e representações de doenças infecciosas entre os Desana do Alto Rio Negro. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 113-142.
  • BUXÓ I REY, M. J. Mirarse y agenciarse: espacios estéticos de la performance fotográfica. Revista de Dialectología y Tradiciones Populares, Madrid, v. 53, n. 2, p. 175-189, 1998.
  • CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O índio e o mundo dos brancos 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Pioneira, 1981.
  • CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1: artes de fazer. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
  • EDWARDS, E. Raw histories: photographs, anthropology and museums. Oxford: Berg, 2001.
  • FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999.
  • FREIRE, C. A. da R. Indigenismo e antropologia: o conselho nacional de proteção aos índios na gestão Rondon (1939-1955). 1990. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1990.
  • FREIRE, C. A. da R. A iconografia indigenista. In: FREIRE, C. A. da R. (org.). Memórias do SPI: textos, imagens e documentos sobre o Serviço de Proteção aos Índios. Rio de Janeiro: Museu do Índio/Funai, 2011. p. 17-156.
  • GARFIELD, S. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-Nação na era Vargas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 15-42, 2000.
  • GODELIER, M. O enigma do dom Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
  • HOWARD, C. V. A domesticação das mercadorias: estratégias Waiwai. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 25-60.
  • KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A fumaça do metal. In: KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 221-356.
  • LEFEBVRE, H. A produção do espaço Tradução Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: La production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). 2006. Disponível em: Disponível em: https://gpect.files.wordpress.com/2014/06/henri_lefebvre-a-produc3a7c3a3o-do-espac3a7o.pdf Acesso em: 15 set. 2019.
    » https://gpect.files.wordpress.com/2014/06/henri_lefebvre-a-produc3a7c3a3o-do-espac3a7o.pdf
  • LÉVI-STRAUSS, C. Guerra e comércio entre os índios da América do Sul. In: SCHADEN, E. (org.). Leituras de etnologia brasileira São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. p. 325-339.
  • LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco Tradução Mariano Ferreira. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1982.
  • LIMA, A. C. de S. Aos fetichistas, ordem e progresso: um estudo do campo indigenista no seu estado de formação. 1985. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1985.
  • LIMA, A. C. de S. Um grande cerco de paz: poder de tutela, indianidade e formação do estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
  • LIMA, A. C. de S. Reconsiderando poder tutelar e formação do Estado no Brasil: notas a partir da criação do Serviço de Proteção aos Índios Localização de Trabalhadores Nacionais. In: FREIRE, C. A. da R. (org.). Memórias do SPI: textos, imagens e documentos sobre o Serviço de Proteção aos Índios. Rio de Janeiro: Museu do Índio/Funai, 2011. p. 201-212.
  • MAUSS, M. Sociologia e antropologia São Paulo: Cosac Naify, 2003.
  • MENDES, M. de S. Heinz Forthmann e Darcy Ribeiro: cinema documentário no Serviço de Proteção aos Índios, SPI, 1949-1959. 2006. Tese (Doutorado em Multimeios) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.
  • MIGUEL, M. L. C. A fotografia como documento. Uma instigação à leitura. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 6, n. 12, p. 121-132, jan./dez. 1993.
  • MONTEIRO, J. M. Guia de fontes para a história indígena e do indigenismo em arquivos brasileiros: acervos das capitais. São Paulo: Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo: Fapesp, 1994.
  • MONTEIRO, J. M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001. Tese (Livre Docência) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
  • MUNN, N. D. The fame of Gawa: a symbolic study of value transformation in a Massim society (Papua New Guinea). Durham: Duke University Press, 1992.
  • PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nosso governo: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Marco Zero: CNPq, 1988.
  • REVEL, J. Microanálise e construção do social. In: REVEL, J. (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 15-38.
  • SAMAIN, E. Um retorno à câmara clara: Roland Barthes e a antropologia visual. In: SAMAIN, E. (org.). O fotográfico São Paulo: Hucitec, 1998. p. 121-134.
  • SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, E. (org.). Como pensam as imagens Campinas: Editora da Unicamp, 2012. p. 21-36.
  • SAMPAIO, P. M. M. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011.
  • SCHMIDT, M. Los Bakairi. Revista do Museu Paulista: Nova Série, São Paulo, v. 1, p. 11-58, 1947.
  • TACCA, F. de. A imagética da Comissão Rondon Campinas: Papirus, 2001.
  • TAMBIAH, S. J. Cultura, pensamento e ação social: uma perspectiva antropológica. Petrópolis: Vozes, 2018.
  • 1
    O presente texto é uma reelaboração de um capítulo de minha tese de doutorado - Naturalmente filmados: modos de atuar e de viver nos postos indígenas na década de 1940 - defendida em 2012. Com a necessidade de aprofundar o tema dos brindes/presentes, trago esta proposta.
  • 2
    Aproveito o etnônimo Bakairi para esclarecer que ao longo do texto não adotei plenamente as normas vigentes para a grafia de nomes étnicos. Fiz a escolha de manter a grafia reproduzida na documentação, porém a ortografia do texto restante foi atualizada, com exceção da carta dos Bakairi Antoninho e Roberto, referenciada na nota de rodapé de número 28. Os documentos microfilmados foram referenciados da seguinte forma: SARQ (Serviço de Arquivos), MI (Museu do Índio).
  • 3
    A legenda produzida pelo arquivo do Museu do Índio traz primeiramente a autoria do fotógrafo. Aqui, faço a inversão por entender que a principal informação é a legenda (produzida na época pelo fotógrafo ou ainda por um funcionário da Seção de Estudos do SPI), que revela alguns elementos (mesmo que exíguos) do que foi fotografado e então, depois, o nome do fotógrafo. A referência de identificação da imagem é o código de acesso na base de dados do Museu do Índio. Ao me referir à fotografia no corpo do texto não utilizarei a numeração arábica e sim o código de acesso. O fotógrafo desta coleção é Heinz Forthmann, que tem a grafia do seu sobrenome escrita de duas formas nas legendas da Seção de Estudos - Foerthmann em algumas, e Forthmann em outras. Utilizarei a grafia correta: Forthmann, Heinz.
  • 4
    Telegrama do delegado Álvaro Duarte para Rondon, em 16 de novembro de 1943. Microfilme 242. Fotograma 000931. SARQ - MI. RJ.
  • 5
    Tenente-coronel Cândido Mariano Rondon, na época, estava à frente da presidência do Conselho Nacional de Proteção aos Índios, uma instância consultiva e normativa de definição política para a questão indígena no Brasil, deixando para o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) o papel executor da política indigenista. De acordo com Carlos Augusto da Rocha Freire (1990FREIRE, C. A. da R. Indigenismo e antropologia: o conselho nacional de proteção aos índios na gestão Rondon (1939-1955). 1990. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1990., p. 18), o Estado Novo criou vários conselhos normativos com a intenção de mediatizar a intervenção do Estado junto a vários assuntos de ordem política, educacional, sociocultural, científica e econômica. Ainda é oportuno dizer que Rondon é considerado o criador do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), do qual foi primeiro diretor-geral. Criado em 1910, o órgão passou a SPI apenas em 1918. Para uma etnografia do SPI, ver Lima (1995)LIMA, A. C. de S. Um grande cerco de paz: poder de tutela, indianidade e formação do estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995..
  • 6
    A inspetoria dentro do organograma do SPI funcionava como uma diretoria de âmbito regional que tinha a função de administrar os postos indígenas; nesse caso, a Inspetoria Regional 06 designava a administração no Estado de Mato Grosso.
  • 7
    Documento - Esclarecimentos sobre a natureza dos postos indígenas. Orientação Ministério da Agricultura. Microfilme 380. Fotograma 1278. SARQ - MI. RJ.
  • 8
    Os funcionários do Serviço, ao se referir aos índios do Xingu, estavam falando de vários grupos localizados na região, tendo como referências rios afluentes e formadores da bacia hidrográfica do Xingu. “Xinguanos” ou “índios do Xingu” foram as duas denominações encontradas na documentação do SPI. Ao longo do artigo, utilizo aspas para marcar que as referências não são etnônimos, porém, avalio, em algumas situações, como pertinente trabalhar com as denominações da época.
  • 9
    Recorte espacial que atualmente corresponde aos estados da federação: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
  • 10
    Sobre as coisas doadas aos índios por intermédio do SPI vou nomeá-las de brindes e algumas vezes de presentes. Brindes foi a designação mais usual feita pelos funcionários, na época. No entanto, na documentação também aparece outras denominações como: presentes, lembranças e dádivas. As imagens tendo os brindes à mostra virão ao longo do texto.
  • 11
    Sobre esse evento cívico, o fotógrafo da equipe de foto-cinematografia da Seção de Estudos, departamento do SPI, Heinz Forthmann, produziu 34 imagens. A equipe de foto-cine aproveitou a ocasião para o registro do próprio posto indígena, perfazendo um total de 142 imagens em que há fotografias de “tipos raciais indígenas” com inspiração antropométrica, imagens panorâmicas dos postos, índios nos trabalhos dentro dos postos. Para saber mais, ver Arruda (2012)ARRUDA, L. C. de. Naturalmente filmados: modos de atuar e de viver nos postos indígenas na década de 1940. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de São Paulo, Campinas, 2012.. Para saber sobre Heinz Forthmann, ver Mendes (2006)MENDES, M. de S. Heinz Forthmann e Darcy Ribeiro: cinema documentário no Serviço de Proteção aos Índios, SPI, 1949-1959. 2006. Tese (Doutorado em Multimeios) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006..
  • 12
    Em Arruda (2012ARRUDA, L. C. de. Naturalmente filmados: modos de atuar e de viver nos postos indígenas na década de 1940. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de São Paulo, Campinas, 2012., 2015ARRUDA, L. C. de. Naturalmente filmados: modos de atuar e viver nos postos indígenas do SPI em Mato Grosso. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 58, n. 1, p. 149-196, 2015.), grande parte das análises das fotografias foram ancoradas nesses autores, porém, neste trabalho, a reelaboração ganha uma experimentação mais refinada combinando métodos.
  • 13
    Neste trabalho, utilizo a categoria branco(s) no sentido denotativo, significando os funcionários do SPI, os não indígenas, a sociedade nacional, os locais/regionais. No sentido conotativo tem o significado das representações de práticas coloniais.
  • 14
    Pouco visível nessa imagem, mas, em outra imagem, mais adiante, aparece com mais nitidez.
  • 15
    Para uma discussão sobre a arquitetura dos postos indígenas no contexto do SPI - Inspetoria Regional 06, ver Arruda (2012)ARRUDA, L. C. de. Naturalmente filmados: modos de atuar e de viver nos postos indígenas na década de 1940. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de São Paulo, Campinas, 2012..
  • 16
    Telegrama do dia 16 de novembro de 1943. Microfilme 242. Fotograma 000928. SARQ - MI. RJ.
  • 17
    Lima (1985LIMA, A. C. de S. Aos fetichistas, ordem e progresso: um estudo do campo indigenista no seu estado de formação. 1985. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1985., p. 167) conceitua “pacificação” e a elabora antes de tudo como uma estratégia. É a condução cautelosa de um povo em estado de guerra, sem atos de violência aberta, a compor relações em que o conflito assume outras formas.
  • 18
    Relatório da carga do material, gêneros, utensílios e animais do Posto Fraternidade Indígena em outubro de 1913. Microfilme 200, fotograma 571. SARQ - MI. RJ.
  • 19
    Para saber mais sobre o uso da roupa como produção de corpos dóceis para o contexto do Posto Fraternidade Indígena, nos termos de Foucault (1999)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999., ver Arruda (2003)ARRUDA, L. C. de. Posto Fraternidade Indígena: estratégias de civilização e táticas de resistência, 1913-1945. 2003. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Geografia, História e Documentação, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2003..
  • 20
    O exercício do poder tutelar implica obter o monopólio dos atos de definir e controlar o que seja à população sobre a qual incidirá - definição de Lima (1995)LIMA, A. C. de S. Um grande cerco de paz: poder de tutela, indianidade e formação do estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995..
  • 21
    Relatório anual de 1920, referente ao ano de 1919. Microfilme 200. Folhas avulsas, sem a possibilidade de visualização dos números do fotograma. SARQ - MI. RJ.
  • 22
    Para uma perspectiva indígena dos brindes/presentes/mercadorias como representação de doenças: Buchillet (2002)BUCHILLET, D. Contas de vidro, enfeites de branco e “potes de malária”. Epidemiologia e representações de doenças infecciosas entre os Desana do Alto Rio Negro. In: ALBERT, B.; RAMOS, A. R. (org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 113-142.; Kopenawa e Albert (2015)KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A fumaça do metal. In: KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 221-356..
  • 23
    Telegrama da Inspetoria Regional 06 para Rondon, em 20 de setembro de 1943. Microfilme 242. Fotograma 000925. SARQ - MI. RJ.
  • 24
    Relatório anual de 1923. Parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002018. SARQ - MI. RJ.
  • 25
    Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002019. SARQ - MI. RJ.
  • 26
    Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002019. SARQ - MI. RJ.
  • 27
    Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 002019. SARQ - MI. RJ.
  • 28
    Carta dos chefes Bakairi Antoninho e Roberto ao inspetor da regional 06, em 1924. Microfilme 213. Fotograma 350. SARQ - MI. RJ.
  • 29
    Sobre os poucos escritos produzidos pelos índios há que considerar o próprio corpus documental ser de uma organização estatal, o SPI. Por isso, penso em um controle rígido via os encarregados para com a comunicação escrita que era enviada à Inspetoria e à Diretoria, pois, uma carta como essa de Antoninho e Roberto poderia por fim ou, pelo menos, sob suspeita, a administração do encarregado. Como ela conseguiu chegar até a Inspetoria é uma questão para se pensar, pois, deveria haver um controle rígido via encarregado, mas, outros funcionários do SPI como diaristas, auxiliares faziam o papel de mensageiros entre os postos e a Inspetoria e, por serem, funcionários considerados de “baixo escalão”, em algum contexto, por descontentamento com o encarregado-chefe, pode ter sido motivo suficiente para aceitar levar uma carta do chefe dos Bakairi para a Inspetoria sem que ela tenha passado pelo encarregado. Outra situação a levar em conta é que os Bakairi também assumiram cargos como funcionários do Serviço, facilitando assim, a interlocução com a Inspetoria, já que eram considerados entre semicivilizados e civilizados. Outra questão limitante para encontrar mais escritos produzidos pelos índios pode ser pelo fato de que a escola, na maioria dos postos, estava direcionada para as crianças, limitando assim, a apropriação da escrita por parte dos adultos como uma forma de comunicação e reivindicação com outros níveis da organização estatal. Nos poucos lugares em que a escola foi implantada para os adultos, não obteve o êxito esperado. Havia um compartilhamento de concepção de que ao índio adulto cabia o trabalho, através do método de imitação e de periodicidade sistemática, justificando de que pela idade não dariam conta de aprender a ler e escrever, deixando a educação escolar para as crianças, por estarem numa fase adequada de aquisição de hábitos, sendo elas de “fácil” controle e assimilação.
  • 30
    Como instrumento de comunicação, encontrei vários pedidos de mercadorias feitos pelos Bororo. Além disso, também encontrei uma resposta do Marechal Rondon à carta de um índio Bororo da povoação S. Lourenço que faz um pedido de aumento salarial, pois o seu salário, ao invés, de aumentar só foi diminuindo. Microfilme 262. Fotogramas 953, 954 e 955. SARQ - MI. RJ.
  • 31
    Relatório anual de 1923, parte sobre a população. Microfilme 253. Fotograma 0002019. SARQ - MI. RJ.
  • 32
    Instruções aos postos de atração do diretor do SPI tenente-coronel Vicente de Paula Teixeira de Vasconcelos, em 1937. Microfilme 339. Fotograma 000357. SARQ - MI. RJ.
  • 33
    Instruções aos postos de atração do diretor do SPI tenente-coronel Vicente de Paula Teixeira de Vasconcelos, em 1937. Microfilme 339. Fotograma 000357. SARQ - MI. RJ.
  • 34
    Relatório no formato de carta do Posto Simões Lopes para a inspetoria, em 1926. Microfilme 231. Fotograma 000239. SARQ - MI. RJ.
  • 35
    Notas para relatório do ano de 1928. Microfilme 216. Fotograma 0007. SARQ - MI. RJ.
  • 36
    Notas para relatório do ano de 1928. Microfilme 216. Fotograma 0007. SARQ - MI. RJ.
  • 37
    Pedido de brindes à inspetoria aos índios do Xingu no ano de 1924. Microfilme 213. Fotograma 327. SARQ - MI. RJ.
  • 38
    Carta no formato de relatório do Posto Simões Lopes de 1924. Microfilme 213. Número de fotograma sem visibilidade. SARQ - MI. RJ.
  • 39
    Carta do encarregado Hildefonso Benevides ao inspetor de Mato Grosso. Microfilme 213. Fotograma 453. SARQ - MI. RJ.
  • 40
    Carta no formato de relatório do Posto Simões Lopes de 1924. Microfilme 213. Número de fotograma sem visibilidade. SARQ - MI. RJ.
  • 41
    Microfilme 213. Fotograma 428. SARQ - MI. RJ.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2019
  • Aceito
    27 Abr 2020
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: horizontes@ufrgs.br