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A opção de Mariza Corrêa pelo etnógrafo oitocentista

Mariza Corrêa’s option for the 19th century ethnographer

Resumo

A busca por vincular as ciências sociais a um princípio evolucionista das ciências naturais no Brasil do final do século XIX fez emergir a figura do observador da diferença, entendido como alguém que reconheceria nas raças inferiores as raízes da nacionalidade sem identificar-se com elas. Na década de 1980, Mariza Corrêa viu nesse personagem - representado na obra dela por Raimundo Nina Rodrigues - um valioso contraponto a autores do século XX inclinados a minimizar os conflitos raciais existentes na sociedade brasileira. Este artigo visa a demonstrar que, ao considerar-se herdeira do etnógrafo oitocentista como observador da diferença e do conflito, a autora deixou de explorar o conflito em torno da demarcação da própria diferença entre o etnógrafo que observa e os grupos étnicos observados, conflito que envolveu escritores de norte a sul do país no século XIX e de cuja existência há inclusive indícios significativos no trabalho dela.

Palavras-chave:
alteridade; evolucionismo; história da ciência; literatura

Abstract

The quest for linking the social sciences to an evolutionary principle of natural sciences in Brazil at the end of the 19th century brought out the character of the “observer of difference”, understood as someone who would recognize the roots of nationality in the lower races without identifying with them. In the 1980s, Mariza Corrêa took this character - represented in her work by the scientist Raimundo Nina Rodrigues - as a valuable counterpoint to 20th century authors who were inclined to minimize the racial conflicts that exist in Brazilian society. This article aims to demonstrate that, in considering herself a scientific heiress of the 19th century ethnographer as an observer of difference and conflict, the author failed to explore the conflict around the demarcation of the very difference between the ethnographer who observes and the observed ethnic groups. Such conflict involved writers from the north and the south of the country in the 19th century and its existence might be glimpsed in her work.

Keywords:
alterity; evolutionism; history of science; literature

Introdução1 1 Uma parte da pesquisa apresentada neste texto foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através do processo nº 2013/03914-3. Agradeço a Rodrigo Bulamah pelo incentivo à publicação deste artigo e às(aos) pareceristas pelas estimulantes sugestões.

Este artigo propõe que a diferença étnica entre os observadores e os observados, central na constituição das ciências sociais no Brasil no final do século XIX, seja historicizada e não tratada como uma premissa nas pesquisas que relacionam história e antropologia no país. Em vista desse propósito, as conclusões do estudo de Mariza Corrêa sobre o legado do médico Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) serão analisadas em conexão com o debate transdisciplinar em torno de questões étnicas realizado na época por autores que atuavam no Rio de Janeiro e no Recife, como Clóvis Bevilaqua, Tobias Barreto, Aderbal de Carvalho e Sílvio Romero.

Defendido como tese de doutorado em 1982 com o título As ilusões da liberdade - a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil, e publicado em livro na década seguinte, aquele estudo ao mesmo tempo se aproxima e se distancia do que será aqui proposto. Ambos, a aproximação e o distanciamento, emergem desde as primeiras páginas dele, quando é justificado o enfoque em Nina Rodrigues situando-o como integrante de um grupo social. De acordo com a autora,

definindo-se como observadores da realidade nacional, e como seus críticos imparciais, os intelectuais brasileiros desse período ao mesmo tempo que definem o restante da população como seus objetos privilegiados de análise, se constituem também como categoria social. E de certa forma se separam da sociedade em que viviam, ao elegerem a raça como primeiro critério de nacionalidade. (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 35).

Assim, a raça teria sido o prisma principal através do qual a diferença era observada e articulada numa linguagem na fronteira entre ciência e literatura, especialmente nas obras de Euclides da Cunha, Aluízio Azevedo, Nina Rodrigues e Sílvio Romero (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 33). Destes, os dois últimos estariam particularmente preocupados em afirmar a distância entre os literatos ou cientistas e a população transformada em objeto de estudo etnográfico. Diante disso, e do fato de Sílvio Romero ser um dos interlocutores privilegiados por Nina Rodrigues (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 49), este artigo é até certo ponto uma tentativa de estender a abordagem de Mariza Corrêa a um contexto contíguo ao investigado por ela. Espera-se, assim, evidenciar que a definição do “nós” dos observadores se dava em contraste com a do “eles” dos observados na forma de escrita que Romero empenhava-se em atribuir a uma “escola do Recife”.

Portanto, a seção a seguir acompanha o percurso analítico da autora na primeira parte do seu livro e indaga qual sentido adquiriram as palavras “etnografia” e “antropologia” entre as ideias novas que, conforme Sílvio Romero, teriam invadido a vida intelectual brasileira nas últimas décadas do século XIX. No entanto, a aproximação com a perspectiva de Mariza Corrêa encontra um limite na terceira seção deste artigo. Ali é demonstrado que na segunda parte de As ilusões da liberdade a autora opta por não trazer para o centro da análise a historicidade da fronteira entre observador e observado afirmada por Nina Rodrigues e Sílvio Romero. Com efeito, Corrêa tratou essa fronteira como recurso analítico e, embora proveniente de teorias raciais deterministas e evolucionistas, acolheu-a como parte do legado da etnografia do final do século XIX à antropologia do final do século XX. Contudo, a decisão da autora, tomada por motivos que ela detalharia na terceira parte de sua obra, não se distancia da norma em sua geração, como mostram os estudos de Luena Pereira (2020)PEREIRA, L. Alteridade e raça entre África e Brasil: branquidade e descentramentos nas ciências sociais brasileiras. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 63, n. 2, e170727, 2020. e Mônica Pechincha (2006)PECHINCHA, M. T. O Brasil no discurso da antropologia nacional. Goiânia: Cânone Editorial, 2006..

Um exemplo disso é o motivo de Mariza Peirano (1999)PEIRANO, M. A alteridade em contexto: a antropologia como ciência social no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. (Série Antropologia, 255)., pioneira nos estudos sobre a história da antropologia no Brasil e contemporânea de Mariza Corrêa, ter considerado o Brasil um caso etnográfico privilegiado na reflexão sobre o caráter fundante da alteridade na prática antropológica. De acordo com ela, a antropologia na Europa e nos Estados Unidos teria levado um século para ir da busca pelo “outro” na distância geográfica ou cultural à ideia de que o próprio antropólogo é um nativo, enquanto os pesquisadores brasileiros teriam experimentado esses gradientes de alteridade em no máximo três décadas (Peirano, 1997PEIRANO, M. Onde está a antropologia? Mana, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 67-102, 1997., p. 71-72, 1999PEIRANO, M. A alteridade em contexto: a antropologia como ciência social no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. (Série Antropologia, 255)., p. 3).

Assim, entre os anos 1950 e 1980, a antropologia no Brasil teria passado da alteridade radical no estudo das populações indígenas à alteridade mínima na reflexão sobre as próprias ciências sociais, reflexão esta da qual a obra dela seria parte (Peirano, 1999PEIRANO, M. A alteridade em contexto: a antropologia como ciência social no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. (Série Antropologia, 255)., p. 13-14). Ao contrário de Mariza Corrêa, Peirano não analisou com profundidade os pontos de contato entre a etnografia oitocentista e a antropologia do século XX. Ainda que em alguns momentos faça referência ao século XIX e a Nina Rodrigues, a “antropologia da antropologia” proposta por ela toma como ponto de partida a institucionalização das ciências sociais no Brasil na década de 1930 (Peirano, 1981PEIRANO, M. The anthropology of anthropology: the Brazilian case. 1981. Thesis (Ph.D in Anthropology) - Faculty of Arts ans Sciences, Harvard University, Cambridge, 1981., p. 14-42, 64-65).

De qualquer modo, ao tipificar mais tarde a alteridade vivenciada pela antropologia brasileira, a autora citará As ilusões da liberdade como exemplo de alteridade mínima (Peirano, 1999PEIRANO, M. A alteridade em contexto: a antropologia como ciência social no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. (Série Antropologia, 255)., p. 13). Ou seja, no seu entendimento, Mariza Corrêa e Nina Rodrigues estariam mais próximos entre si (e dela) do que de grupos definidos como o “outro” dos antropólogos, como índios, negros e camponeses.

Porém, Luena Pereira (2020PEREIRA, L. Alteridade e raça entre África e Brasil: branquidade e descentramentos nas ciências sociais brasileiras. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 63, n. 2, e170727, 2020., p. 1) considera esse “nós” antropológico insuficiente para dar conta do “novo perfil dos cientistas sociais quanto ao pertencimento étnico, racial e de classe que tem se pluralizado” no Brasil nas primeiras décadas do século XXI. Para ela, ao definir “o lugar do antropólogo brasileiro enquanto um não índio, um não negro, um não camponês”, Peirano estaria compartilhando “um certo inconsciente do fazer antropológico brasileiro” no qual o “nós” que observa a diferença seria uma coletividade “branca, de classe média, oriunda ou socializada no sul/sudeste do país” (Pereira, 2020PEREIRA, L. Alteridade e raça entre África e Brasil: branquidade e descentramentos nas ciências sociais brasileiras. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 63, n. 2, e170727, 2020., p. 8).

A premissa de Luena Pereira é a de que o “nós” antropológico na passagem do século XX para o XXI não é estável a ponto de permitir uma tipologia da alteridade como aquela de Mariza Peirano, na qual a distância em relação aos “outros” definidos em termos de etnia, classe ou lugar de origem esteja garantida. Do mesmo modo, a premissa aqui é a de que na passagem do século XIX para o XX essa distância também não estava garantida. Mas, como se verá ao longo deste artigo, Mariza Corrêa estava ciente disso e não levou sua investigação nessa direção por opção, uma opção relacionada à busca por se contrapor a certa leitura da obra de Nina Rodrigues realizada no Brasil no século XX.

No trecho de As ilusões da liberdade citado logo no início desta introdução, os “intelectuais brasileiros” aparecem como categoria social que, com êxito, constituiu a si mesma ao distanciar-se da parcela da sociedade a ser observada em termos raciais. Ao fazerem isso, esses intelectuais teriam criado o paradoxo identitário de se afirmarem como observadores externos de um povo do qual eles próprios faziam parte (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 35). Mariza Corrêa lembra que, antes dela, Sérgio Buarque já havia constatado esse paradoxo, designando-o de “desterro em nossa terra”. Depois dela, o mesmo seria designado de “autoexotismo” por Roberto Ventura (1991VENTURA, R. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 37-38),2 2 As citações originalmente em português tiveram sua grafia atualizada. autor tão perspicaz na análise da escrita definida como literária quanto ela na da definida como científica no Brasil do final do século XIX.

Entretanto, apresentado nesses termos, o paradoxo não aparece como algo vivido de maneiras e intensidades diversas por diferentes sujeitos. É como se a oscilação entre pertencer ao povo observado pela ciência e pertencer à ciência que observa fosse vivenciada pela categoria social dos “intelectuais” como um todo, a qual internamente seria dotada de estabilidade e fronteiras bem delimitadas, permitindo que seus membros mantivessem sua posição apesar da oscilação.

Ao mesmo tempo, sabe-se que a cultura letrada no Brasil daquele período era perpassada por polêmicas de cunho extremamente pessoal, onde os contentores desqualificavam seus adversários identificando-os com grupos sociais considerados inferiores (Ozanam, 2014OZANAM, I. Jornalismo e pobreza na era da reportagem: o inquérito literário de 1905. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 27, n. 53, p. 134-156, jan./jun. 2014.). Mariza Corrêa - bem como Roberto Ventura - tinha amplo conhecimento disso, então surpreende que não tenha ligado as duas coisas e tematizado a instabilidade interna da categoria dos “observadores”, seja ela definida como intelectuais, literatos ou cientistas.

Com o intuito de chamar a atenção para isso, a quarta seção deste artigo aborda brevemente uma situação-limite, sugerindo que essa instabilidade pode ter sido sentida por Tobias Barreto e até mesmo Sílvio Romero, alguém cuja posição na elite intelectual a princípio não parece passível de contaminação com classes e raças consideradas inferiores na sua época. Por fim, o artigo retoma a aproximação com a abordagem de Mariza Corrêa nas considerações finais, remetendo ao propósito compartilhado de chamar a atenção para as afinidades entre a etnografia do final do século XIX e as pesquisas que relacionam história e antropologia no final do século XX.

Onde natureza e sociedade se encontram

Em As ilusões da liberdade, a análise das noções de “etnografia” e “antropologia” no Brasil oitocentista aparece imediatamente após a daquele paradoxo descrito acima (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 38). É como se a autora evitasse dispersar-se na multiplicidade de ideias científicas, filosóficas e literárias que eram parte do paradoxo, concentrando o foco na disciplina cuja história ela buscava reconstituir. Mas, apesar dessa multiplicidade, o maior obstáculo a seu foco disciplinar provém de uma única ideia que circulava nos tempos de Nina Rodrigues: a de que todas as formas de conhecimento estavam unidas em função de sua subordinação ao evolucionismo derivado das ciências naturais. Essa ideia, definida como um tipo de monismo, significava que a caracterização e hierarquização da população brasileira dependia da integração dos métodos de pesquisa e escrita de virtualmente todas as disciplinas então conhecidas (Romero, 1879ROMERO, S. A prioridade de Pernambuco no movimento espiritual brazileiro. Revista Brazileira, Rio de Janeiro, anno 1, t. 2, p. 486-496, out./dez. 1879., p. 490).

Nesse sentido, à reflexão sobre o elemento humano formador da nacionalidade se sobrepunha outra a respeito da viabilidade de produzir-se no país uma ciência capaz de estudá-lo. Neste último caso, a perspectiva evolucionista se traduziu numa periodização lentamente sistematizada por Sílvio Romero e imaginada como a reconstituição de uma tradição intelectual oriunda da Faculdade de Direito do Recife e que envolvia autores de diversas partes do Brasil, alguns dos quais atuantes no Rio de Janeiro. De acordo com ele, o progresso na direção de um conhecimento científico sobre o povo brasileiro teria passado por uma fase inicial de natureza poética e romântica, superada a partir dos anos 1870 pela prosa etnográfica da segunda fase. Esta, por sua vez, teria sido completada por uma terceira fase jurídica e criminológica, também ela marcada em alguma medida pela interface entre ciência e literatura (Romero, 1888ROMERO, S. Historia da litteratura brazileira: tomo segundo (1830-1877). Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1888., p. 1248).

Dedicada às implicações políticas e profissionais da relação entre medicina legal e antropologia na escola Nina Rodrigues na Bahia, Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 24-25) ainda encontrou espaço para ao menos esboçar sua insatisfação com a conotação estritamente teórica da noção de “escola do Recife” subjacente ao relato de Romero e adotada pela bibliografia à disposição dela no início dos anos 1980.3 3 Mais tarde Angela Alonso (2002) iria mais longe, contrapondo à abordagem teórica da história intelectual uma sociologia histórica centrada nas redes de relações políticas dos membros da chamada “geração 1870”. Para uma análise das limitações epistemológicas desse olhar exclusivamente político, ver Ozanam (2018, p. 435-461). Ainda assim, é possível encontrar ecos daquele relato na reconstituição que a autora faz do conceito de antropologia no Brasil oitocentista. Ela a inicia com um poeta indianista, Gonçalves Dias, na posição de primeiro etnógrafo oficial do país nos anos 1850 (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 38). Em seguida, levanta hipóteses plausíveis sobre o sentido físico ou biológico adquirido pela noção de antropologia nas décadas seguintes, em contraposição a um entendimento mais cultural das expressões “etnografia” e “etnologia”, recuperando, entre outras, as posições de Sílvio Romero e Nina Rodrigues a esse respeito (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 40-41).

Concluindo assim sua reconstituição, Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 63-67) inicia a segunda parte de As ilusões da liberdade tratando de passagem das afinidades etnográficas entre Nina Rodrigues e representantes da cena literária do Maranhão, sua terra, no final do século XIX, como Aluísio Azevedo e Celso de Magalhães, algo que remete à fase da prosa ficcional mencionada por Sílvio Romero. Só então ela indica quais teriam sido as referências teóricas mais duradoras de Nina Rodrigues: sociologia e antropologia criminais (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 68-74).

Uma detalhada versão de como o tema do crime entrou naquele debate sobre etnicidade e nação que passara pela poesia romântica e as prosas realista e naturalista foi fornecida no “retrospecto literário e científico” apresentado por Sílvio Romero em 1889ROMERO, S. Movimento espiritual do Brazil no anno de 1888 (retrospecto litterario e scientifico) VI. Revista Sul-Americana, Rio de Janeiro, anno 1, n. 17, p. 261-264, 15 set. 1889. na Revista Sul-Americana, do Rio de Janeiro. Nesse relato, o escritor sergipano Tobias Barreto aparece desencadeando um movimento no direito que resultou na criação de duas frentes de diálogo com a criminologia emergente nos anos 1880: a dele, baseada nos alemães, e a de João Vieira de Araújo, de inspiração “na escola italiana de Lombroso, Garofalo e Ferri” (Romero, 1889ROMERO, S. Movimento espiritual do Brazil no anno de 1888 (retrospecto litterario e scientifico) VI. Revista Sul-Americana, Rio de Janeiro, anno 1, n. 17, p. 261-264, 15 set. 1889., p. 262).

Esta última partiria de uma concepção de acordo com a qual “o direito, a moral, a virtude, o crime são produções naturais, mecânicas, como quaisquer outras do mundo físico”. Portanto, a “ciência do crime” seria um capítulo da “anatomia e da fisiologia: sob o nome de antropologia criminal ela deve estudar os delinquentes pelos processos da etnografia geral; medir-lhe os crânios, os ângulos faciais, os braços; notar-lhes a forma dos narizes, a cor dos cabelos, dos olhos etc.” a fim de determinar a sua índole (Romero, 1889ROMERO, S. Movimento espiritual do Brazil no anno de 1888 (retrospecto litterario e scientifico) VI. Revista Sul-Americana, Rio de Janeiro, anno 1, n. 17, p. 261-264, 15 set. 1889., p. 262).

Por outro lado, a perspectiva de Tobias Barreto, apesar de evolucionista e monista, colocaria o peso da “vontade individual” ao lado dos da sociedade e da natureza. Mas Sílvio Romero procura harmonizar as duas abordagens e cita um trecho de Barreto no qual este reconhece a importância dos fatores naturais e sociais na origem do crime, bem como a relevância dos estudos em antropologia criminal. Esse esforço por forjar uma coerência na fase jurídico-criminológica da “escola do Recife” o levou ainda a listar não só a si próprio ao lado de Tobias, mas também Arthur Orlando, Clóvis Bevilaqua, José Higino e Martins Júnior, todos conhecidos por seus vínculos com a Faculdade de Direito do Recife (Romero, 1889ROMERO, S. Movimento espiritual do Brazil no anno de 1888 (retrospecto litterario e scientifico) VI. Revista Sul-Americana, Rio de Janeiro, anno 1, n. 17, p. 261-264, 15 set. 1889., p. 262).

Mas Bevilaqua (1977)BEVILAQUA, C. História da Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro: Conselho Federal de Cultura, 1977. não concordaria com esse esforço conciliatório em sua História da Faculdade de Direito do Recife, escrita nos anos 1920. Ele abertamente considerou contraditório Tobias Barreto ter introduzido a intuição evolucionista no direito, manifestado o desejo de ser reconhecido como criminalista - área na qual escreveu vários trabalhos - e, mesmo assim, ter demonstrado uma “inexplicável repulsa” pela sociologia. Disse então que os discípulos teriam em peso discordado do mestre nesse quesito e abraçado não só a cientificidade da teorização sociológica, mas também as outras ciências destinadas a interessar aos juristas, como “a etnologia, e a linguística, sem esquecer a psicologia” (Bevilaqua, 1977BEVILAQUA, C. História da Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro: Conselho Federal de Cultura, 1977., p. 368-379).

De acordo com Clóvis Bevilaqua (1977BEVILAQUA, C. História da Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro: Conselho Federal de Cultura, 1977., p. 378), a relevância das preocupações antropológicas para o direito provinha do fato de este último pressupor o “homem em sociedade”. Ou seja, está implícito aí um conceito de antropologia que ia além do estudo do aspecto físico. Embora isso possa estar relacionado com o período, já no início do século XX, no qual a História da Faculdade de Direito do Recife foi escrita, é preciso salientar a existência de uma conotação etimológica por trás dessa observação. Ela remete à característica básica da criminologia difundida a partir do Recife nos anos 1880, pois o objetivo do autor era destacar que o estudo das normas sociais agora dependia como nunca do estudo do ser humano.

Vale lembrar que o criminologista italiano Cesare Lombroso havia afirmado que os criminosos “reproduziam física e mentalmente características primitivas do homem” (Alvarez, 2014ALVAREZ, M. C. Do bacharelismo liberal à criminologia no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 101, p. 11-26, mar./maio 2014., p. 19). Portanto, a problemática por ele sugerida girava em torno da relação entre indivíduo e espécie, enquanto coletividade. Segundo essa perspectiva, o direito penal clássico concentrava-se nos crimes porque partia da fantasia do livre-arbítrio, a qual doravante seria substituída pelo estudo científico dos condicionantes biológicos existentes por trás das ações humanas (Dantas, 2013DANTAS, L. A Escola do Recife e os discursos sobre a criminalidade: teorias científicas e projetos de sociedade no Recife das décadas de 1880-1890. 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 4-5).

Por conseguinte, como demonstra Marcos César Alvarez (2003ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003., p. 78-79), apesar de o debate subsequente a respeito das origens do crime não ter gerado um consenso em torno da obra de Lombroso no Brasil, a ideia “de que o objeto da ação jurídica e penal deve ser não o crime, mas o criminoso, considerado enquanto um indivíduo anormal” foi capaz de unir as diferentes perspectivas, resultando numa “nova escola penal”. Assim, aquele encontro entre criminologia e direito se dá pelo deslocamento da atenção ao estudo do ser humano.

Porém, apesar de a influência lombrosiana parecer encaixar-se como uma luva no persistente fator biológico da observação científica da população brasileira, a noção de antropologia mais aberta a fatores sociais utilizada por Bevilaqua nos anos 1920 já aparecia explicitamente em 1904 nos Ensaios de crítica de Artur Orlando, membro da Academia Brasileira de Letras e um dos mais notáveis representantes da “escola do Recife” nas formulações de Sílvio Romero (Romero, 1897ROMERO, S. Machado de Assis: estudo comparativo de litteratura brasileira. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1897., p. 7). Na obra de Orlando (1904ORLANDO, A. Ensaios de crítica. Recife: Diário de Pernambuco, 1904., p. 284-290), antropologia se tonará sinônimo de etnologia na união do biológico e do social, o que justificaria a criação de uma disciplina de antropologia jurídica na Faculdade “para estudar-se cientificamente o homem, tendo em mira a arte do Direito”.

Essas sugestões de uma influência de determinantes socioculturais na explicação da etnicidade de forma paralela aos naturais, e não submetida a eles, está relacionada à recepção, pelos autores brasileiros, das críticas feitas ao pensamento lombrosiano pela sociologia francesa, com as obras de Alexandre Lacassagne e sobretudo Gabriel Tarde e Émile Durkheim (Alvarez, 2014ALVAREZ, M. C. Do bacharelismo liberal à criminologia no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 101, p. 11-26, mar./maio 2014., p. 19). De acordo com Laércio Dantas (2013DANTAS, L. A Escola do Recife e os discursos sobre a criminalidade: teorias científicas e projetos de sociedade no Recife das décadas de 1880-1890. 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 4-5), “para esses críticos da escola antropológica, o ambiente social no qual o indivíduo estava imerso contribuiria muito mais para a sua propensão ao delito do que os fatores biológicos”.

Nina Rodrigues teve um papel ativo nessa recepção. Partidário da expansão do conceito de antropologia, teria igualmente atenuado o determinismo biológico de Lombroso por meio da leitura de Tarde e Lacassagne, além de suas próprias observações empíricas (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 68-74). Desse modo ele esteve pronto para empregar um conceito de raça que permitisse o trânsito entre o natural e o cultural. Isso recebeu bastante atenção de Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 144-145) porque levava aquele médico legista a relativizar a anormalidade das características dos indivíduos biologicamente desviantes, considerando-as normais quando inseridas nos grupos culturais aos quais esses indivíduos fariam parte. Com isso, como se verá adiante, Nina Rodrigues adotava um olhar antropológico no sentido que a palavra tinha para a própria autora no final do século XX, levando-a a considerar esse um dos pontos de contato entre aquele autor e a ciência social praticada por ela.

De acordo com Clóvis Bevilaqua (1977BEVILAQUA, C. História da Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro: Conselho Federal de Cultura, 1977., p. 342-345), essa vertente criminológica da qual participavam Lacassagne e Tarde também tinha um representante alemão, Franz Von Liszt, favoravelmente recebido no Recife por José Higino, catedrático na Faculdade de Direito do Recife a partir de 1884. Mas seria um engano pensar na contribuição de Von Liszt e na crítica ao determinismo biológico como aspectos suficientes para atrair as simpatias do germanista Tobias Barreto. Para ele, tal abordagem, por buscar os condicionantes no meio social, seria um “estranho romantismo humanitário, que se compadece mais do criminoso do que de sua vítima” e torna a “sociedade uma corré de todos os réus”, culpando-a pela prática dos crimes (Barreto, 1888 apudRomero, 1889ROMERO, S. Movimento espiritual do Brazil no anno de 1888 (retrospecto litterario e scientifico) VI. Revista Sul-Americana, Rio de Janeiro, anno 1, n. 17, p. 261-264, 15 set. 1889., p. 263, grifo do autor).

Ao mencionar o “romantismo humanitário”, Tobias Barreto se referia a Victor Hugo, pois logo depois cita Jean Valjean, protagonista do romance Os miseráveis. Mas quando disse que todos os melhores representantes da sociologia criminal atuavam “no domínio da literatura propriamente dita”, chamando-a de “intuição literária” (Barreto, 1888 apudRomero, 1889ROMERO, S. Movimento espiritual do Brazil no anno de 1888 (retrospecto litterario e scientifico) VI. Revista Sul-Americana, Rio de Janeiro, anno 1, n. 17, p. 261-264, 15 set. 1889., p. 263), provavelmente estava tratando de Gabriel Tarde, também conhecido como poeta e romancista (Lepenies, 1996LEPENIES, W. As três culturas. Tradução Maria Clara Cescato. São Paulo: Edusp, 1996., p. 62).

A linguagem literária empregada no debate sobre raça, natureza e cultura certamente tinha um forte componente cognitivo que não a tornava incompatível com a ciência da época (Ozanam, 2018OZANAM, I. Quem era o Doutor Anísio?: o desafio da ficção étnica à história social do Rio de Janeiro (1889-1916). 2018. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.; Ribeiro, 2016RIBEIRO, C. B. Um Norte para o romance brasileiro: Franklin Távora entre os primeiros folcloristas. Campinas: Editora da Unicamp, 2016.). Porém, ao compará-la com a literatura, Tobias Barreto estava visivelmente minimizando a cientificidade da vertente criminológica que favoreceu, no Brasil, a expansão do conceito de antropologia na direção da noção de que as práticas dos negros só se tornavam ilegítimas quando inseridas em relações sociais dominadas pelas normas dos brancos. Ou seja, ele se distanciava exatamente daquilo de que Mariza Corrêa se aproximou nas obras de Nina Rodrigues e Sílvio Romero. Convém, portanto, analisar o que estava em jogo nessa expansão que levou um contemporâneo e uma observadora de um século depois a chegarem a conclusões tão díspares em relação aos méritos da etnografia oitocentista.

O determinismo nas diferenças e conflitos

Para entender a relutância de Tobias Barreto frente ao movimento do qual ele era considerado o fundador é importante observar o papel que neste desempenhava a vinculação de ações individuais a determinações coletivas e a tendência a considerar isso igualmente matéria etnográfica, jurídica e literária. Essa tendência era muito frequente no Brasil na época da sua morte, em 1889, e só começou a ser tratada como superada na década de 1910. Por exemplo, na ocasião da morte de Artur Orlando em 1916, o jornal do Rio de Janeiro A Notícia o descreveu como pertencente “a uma corrente que teve a hegemonia mental durante algum tempo entre nós, a chamada escola do Recife, de que eram corifeus Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Bevilaqua, Sousa Bandeira e muitos outros, hoje luminares nas letras jurídicas” (As letras…, 1916AS LETRAS de luto. A Notícia, Rio de Janeiro, anno 23, n. 86, p. 2, 28 mar. 1916.).

O termo “luminares nas letras jurídicas” empregado aí remete a duas questões. A primeira é a dos alcances e limites da agregação desses autores em uma categoria social distinta da população brasileira que era objeto de observação no debate etnográfico do período. A segunda é a do gênero e conteúdo da produção intelectual deles. Embora o foco aqui seja a primeira das duas questões, é importante não perder a segunda de vista, pois ela aponta para o modo transdisciplinar como categorias sociais e hierarquias eram fixadas na escrita e transmitidas como retratos da realidade aos pesquisadores da posteridade.

Clóvis Bevilaqua, citado pelo redator de A Notícia, é um dos nomes nos quais a identidade social de homem de letras era construída na combinação entre uma noção ampla e outra restrita de “literatura” existentes no Brasil do período. Isso foi articulado em 1895 pelo crítico fluminense Aderbal de Carvalho, de acordo com o qual haveria dois métodos pelos quais Bevilaqua poderia ser visto como alguém atento à elaboração formal das ideias. Primeiro, num sentido amplo, pelos recursos empregados na escrita de suas obras de direito, história e criminologia. Se isso não parecesse suficiente, o status de literato estaria inequivocamente reconhecido na sua produção específica em crítica, prosa e poesia (Carvalho, 1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 219). Levando em conta que muitas das fontes atualmente consultadas em busca da ciência social oitocentista são mais passíveis de serem vistas como pertencentes ao primeiro e não ao segundo grupo, é relevante ter em mente essa dupla dimensão do literário.

O fato de Carvalho tê-la apontado em Clóvis Bevilaqua é significativo, pois foi o estudo dele de 1896BEVILAQUA, C. Criminologia e direito. Salvador: Livraria Magalhães, 1896. sobre a criminalidade no Ceará que Marcos César Alvarez (2003ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003., p. 135-136) considerou mais suscetível a ser reconhecido como eminentemente sociológico. Como a preocupação metodológica presente na obra de Bevilaqua de 1896 não foi constatada pelo pesquisador na maior parte do restante do material selecionado em seu estudo, ele concluiu que a coleta de dados empíricos sobre as “classes populares” não era o forte dos criminologistas, nem mesmo dos mais inclinados à escola sociológica (Alvarez, 2003ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003., p. 135-148).

Assim, Alvarez (2003ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003., p. 138), que buscava a empiria dos juristas em diálogo direto com a forma como Mariza Corrêa buscou a dos médicos, não incluiu em sua documentação as narrativas fornecidas pela combinação dos registros da polícia, da justiça criminal e da imprensa. Porém, era nelas que mais explicitamente os dados empíricos e a imaginação conceitual sobre a população brasileira eram integrados num modelo de organização social onde o determinismo étnico instituía as “classes populares” como unidade dotada de cultura diferente da das elites (Ozanam, 2018OZANAM, I. Quem era o Doutor Anísio?: o desafio da ficção étnica à história social do Rio de Janeiro (1889-1916). 2018. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.).

Então não é que a pesquisa empírica não existisse, apenas os gêneros de escrita nos quais ela se dava eram tantos e tão variáveis em termos disciplinares quanto o exigia a amplitude da perspectiva monista. A essa motivação teórica se acrescentava outra de ordem prática. Como Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 14, p. 22) demonstrou muito bem, a necessidade profissional fez com que muitas das pessoas que buscaram promover aquela integração atuassem nos mais variados setores da administração pública, deixando registros em formatos e estilos muito diversos do artigo científico e do manual acadêmico. A isso se acrescenta o fato de muitos terem atuado na imprensa e, como Clóvis Bevilaqua, tido aspirações literárias. Nesse sentido, o fato de ele ter escolhido Franklin Távora - que levou o folclore ao romance antes da guinada criminológica da Faculdade de Direito do Recife - para ser o patrono da cadeira que ocupou na Academia Brasileira de Letras em 1897 (Chacon, 2017CHACON, V. Clóvis Beviláqua jurista e escritor. Revista IHGB, Rio de Janeiro, ano 178, n. 473, p. 181-188, jan./mar. 2017.; Ribeiro, 2016RIBEIRO, C. B. Um Norte para o romance brasileiro: Franklin Távora entre os primeiros folcloristas. Campinas: Editora da Unicamp, 2016.) não é casual, pois a ideia de unir os conhecimentos literários e científicos nas questões étnicas lhe era familiar.

Ao mesmo tempo, no conteúdo da sua produção Bevilaqua combinava posições divergentes sem perder de vista a coerência maior com o princípio etnográfico, por meio do qual a escrita sobre a sociedade era marcada pela divisão entre observadores e observados. Portanto, quando dizia que índios e negros “as duas raças inferiores”, contribuíam “muito mais poderosamente para a criminalidade […] por defeito de educação” (Bevilaqua, 1896BEVILAQUA, C. Criminologia e direito. Salvador: Livraria Magalhães, 1896., p. 94), ele juntava antropologia e sociologia criminal numa interpretação onde as transgressões dos supostos observadores dificilmente seriam quantificadas na demonstração de um padrão étnico. Então soava natural a Bevilaqua apontar “os sambas” como ambientes propícios à violência sem incorporar como dados de ciência os incontáveis exemplos nos quais seus pares e alunos eram os responsáveis pela criminalidade em espaços considerados de práticas e divertimentos “populares” no Recife entre o final do século XIX e o início do XX.

Em 1904, quando “cavalheiros” que acompanhavam o Dr. Odilon Nestor numa visita à casa da “moreninha” Maria de Almeida cometeram lá um crime violento, o Jornal Pequeno não utilizou o caso como evidência de características negativas intrínsecas à classe ou à raça deles (O caso…, 1904O CASO de ante-hontem á noite. Jornal Pequeno, Recife, anno 6, n. 65, p. 1, 21 mar. 1904.). Ao contrário, publicou uma entrevista na qual Nestor negou qualquer acusação e lamentou “que alguém na posição social” dele tivesse estado no lugar errado e na hora errada.

Assim, o episódio se transformou em apenas um caso particular de desvio momentâneo de “moços de famílias respeitáveis e distintas”. Três anos mais tarde, o mesmo Odilon Nestor foi aprovado no concurso para professor da Faculdade de Direito do Recife (Bevilaqua, 1977BEVILAQUA, C. História da Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro: Conselho Federal de Cultura, 1977., p. 411). No final da década de 1920, já catedrático da instituição, ele aludirá saudoso àquele tempo de “indisciplina, boemia e exuberância” (Nestor, 1927 apudSchwarcz, 1993SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1890-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993., p. 172).

Nessa perspectiva, não era um problema reconhecer a existência da criminalidade entre todas as raças e classes, pois isso em nada mudava o fato de só a algumas delas o crime pertencer como normalidade, coerente etnicamente, mas de todo incompatível com a legalidade instituída na sociedade civil. No Recife da entrada do século XX, reconhecer a presença dos “observadores” nos sambas, pastoris e tavolagens dos “observados” era até comum, preservando-se de várias maneiras o pressuposto da distância, como, por exemplo, no tom de advertência:

Esses antros de vício são frequentados por chefes de famílias respeitáveis, não sendo raro que se aponte entre eles um ou outro magistrado, um ou outro advogado, um ou outro lente de escolas superiores, chefes de repartições, negociantes, professores públicos, cidadãos, enfim, de quem a sociedade tinha a esperar outros exemplos, e que, de par com a gentalha ínfima […] ali vão deixar, muitas vezes, o pão de suas famílias. (Ao dr. Gonçalves…, 1904AO DR. GONÇALVES de Mello - chefe de policia de Pernambuco. Jornal Pequeno, Recife, anno 6, n. 65, p. 1, 10 fev. 1904.).4 4 Queixas assim eram abundantes, a exemplo de Cousas… (1908) e O azul… (1890). Isso sem falar nos casos relativos a bacharéis e estudantes de direito na documentação policial, como, por exemplo: Ofício da 1ª Delegacia do Recife em 16/04/1912. Fundo da SSP, Vol. 449, Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE); Ofício da 1ª Delegacia do Recife em 24/07/1905. Fundo SSP, Vol. 439, APEJE; Ofício da 1ª Delegacia do Recife em 31/08/1908. Fundo SSP, Vol. 442, APEJE.

Portanto, havia um modelo explicativo da organização social brasileira no qual uma vida inteira na criminalidade talvez não fosse suficiente para transformar homens “de famílias respeitáveis” em “gentalha ínfima”. O desafio de cada um era conseguir firmar-se no lado favorável da distinção, o que certamente era mais difícil para quem era de antemão reconhecido como representante de uma raça inferior.

Não havia contradição em afirmar num tom de discordância com Lombroso esse princípio de que o desvio era a norma de alguns grupos, pois provavelmente se estava contestando não apenas a elevada ênfase dele na anormalidade, mas também a sua pouca ênfase na etnicidade do crime. Com efeito, ao menos no Recife, era de domínio público a percepção segundo a qual o criminologista italiano seria capaz de chamar de criminoso degenerado tanto um preto pobre quanto um milionário de um país civilizado (Lombroso…, 1906LOMBROSO e os millionarios. Diario de Pernambuco, Recife, anno 82, n. 150, p. 1, 5 jul. 1906.).

Nessa questão, Nina Rodrigues, apesar de sua inclinação à antropologia criminal, inovará frente às influências recebidas. Ele estará mais disposto a encarar o crime como um desvio quando manifestado entre as raças superiores:

Desde 1894 que insisto no contingente que prestam à criminalidade brasileira muitos atos antijurídicos dos representantes das raças inferiores, negra e vermelha, os quais, contrários à ordem social estabelecida no país pelos brancos, são, todavia, perfeitamente lícitos, morais e jurídicos, considerados do ponto de vista a que pertencem os que as praticam. (Nina RodriguesNINA RODRIGUES, R. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. Disponível em: Disponível em: https://books.scielo.org/id/mmtct . Acesso em: 20 mar. 2021.
https://books.scielo.org/id/mmtct...
, 2010, p. 301).

As linhas acima, do final do último capítulo de Os africanos no Brasil, foram escritas num contexto em que Nina Rodrigues diferenciava os conceitos de “atavismo” e “sobrevivência” na análise do crime. Enquanto aquele remeteria à hereditariedade, esta, também chamada por ele de “criminalidade étnica”, estaria mais ligada ao aspecto social da convivência “de povos ou raças em fases diversas de evolução moral e jurídica” (Nina Rodrigues, 2010NINA RODRIGUES, R. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. Disponível em: Disponível em: https://books.scielo.org/id/mmtct . Acesso em: 20 mar. 2021.
https://books.scielo.org/id/mmtct...
, p. 300). Em outras palavras, descontado o caráter hierarquizante da noção de evolução adotada por ele, o autor estaria admitindo aí que os “crimes” da população negra brasileira seriam na realidade a sua cultura criminalizada pelos brancos. Resta saber até que ponto é possível descontar a hierarquização racial desse relativismo cultural de Nina Rodrigues. Aqui, mais uma vez, podem-se comparar as posições de Tobias Barreto um pouco antes dele e de Mariza Corrêa cem anos depois.

No trecho citado acima, ao remeter a sua perspectiva ao ano de 1894, Nina Rodrigues provavelmente se referia ao livro As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Nele o autor reservou um capítulo para defender o argumento de que Tobias Barreto, “que revolucionou o ensino do direito no Brasil”, teria hesitado diante das consequências de “seus princípios filosóficos” (Nina Rodrigues, 2011NINA RODRIGUES, R. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2011. Disponível em: Disponível em: https://books.scielo.org/id/h53wj . Acesso em: 20 mar. 2021.
https://books.scielo.org/id/h53wj...
, p. 14). Isso porque, onde o professor da Faculdade de Direito do Recife via a possibilidade de um relativo livre-arbítrio para os indivíduos em meio às determinações do monismo e do evolucionismo, Nina Rodrigues (2011NINA RODRIGUES, R. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2011. Disponível em: Disponível em: https://books.scielo.org/id/h53wj . Acesso em: 20 mar. 2021.
https://books.scielo.org/id/h53wj...
, p. 16) via apenas uma “aparência ilusória de liberdade”.

Levando em conta o que foi dito na seção anterior deste artigo, percebe-se que essa crítica a Tobias Barreto lembra aquela feita por Clóvis Bevilaqua quando propôs a expansão do conceito de antropologia para abranger determinantes sociais e não só físicos. De fato, Nina Rodrigues (2011NINA RODRIGUES, R. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2011. Disponível em: Disponível em: https://books.scielo.org/id/h53wj . Acesso em: 20 mar. 2021.
https://books.scielo.org/id/h53wj...
, p. 21) cita diretamente Bevilaqua para defender que os princípios monísticos de unidade na ciência e na natureza, os quais fundamentavam um conceito de antropologia no qual raça e cultura eram conciliados, previam um determinismo incompatível com qualquer noção de livre-arbítrio.

No início de As ilusões da liberdade, Mariza Corrêa dá a entender que não via nessa conciliação um caminho para a conexão entre o conceito de etnia de Nina Rodrigues e a antropologia praticada nos anos 1980. Em primeiro lugar, ela se recusa a acompanhar Arthur Ramos na afirmação de que “basta substituir a noção de raça pela de cultura nos trabalhos de Nina Rodrigues para que suas pesquisas sejam aceitáveis em termos da ciência contemporânea” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 25).

Além do mais, a certa altura a autora contrapõe o modelo teórico aos dados apresentados por Nina Rodrigues nesse quesito. Por um lado, ele acreditava que haveria um alinhamento entre pertencimento cultural e categorização biológica de indivíduos. Por outro lado, mencionava “senhoras brancas de ‘famílias distintas’ que procuravam mães de santo”, além de “médicos que consultavam cartomantes ou que empregavam práticas ‘africanas’ na cura de certas moléstias” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 144-145). Ainda segundo Corrêa, essas evidências desagradavam a Nina Rodrigues, pois, quando indivíduos classificados como pertencentes “a categorias culturais bem estabelecidas como superiores” davam “sinais de pertinência às inferiores”, tornavam “inexpressivas as fronteiras que ele tão cuidadosamente procurava traçar” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 144-145).

Mas não era para esse impasse que ela queria chamar a atenção na obra de Nina Rodrigues. Ao citar aquele trecho de Os africanos no Brasil no qual a visão que os membros dos grupos racialmente inferiores tinham dos seus atos antijurídicos é diferenciada da forma como esses atos eram definidos na ordem social dominante, Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 118) afirma que a escolha do autor

por definir essa diferença como sinal de inferioridade desses grupos numa ordem social dominada “pelos brancos” pode ser avaliada negativamente, hoje, mas não podemos desconhecer a importância dessa lógica, em que a percepção da diferença e do conflito está presente, na fundamentação de uma perspectiva que só muito mais tarde seria retomada pelas ciências sociais no Brasil, com outra linguagem.

Ou seja, a autora considerava a conexão feita por Nina Rodrigues entre criminalidade e fronteira étnica, à qual ela retorna outras vezes (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 108-109, 282-283), um ponto de contato entre as antropologias do final do século XIX e do final do século XX. Por mais que ela rejeitasse a hierarquia racial, a afirmação das fronteiras culturais que colocavam os brancos na posição de detentores da cultura oficial e os negros na de transgressores dessa cultura parecia-lhe mais apropriada do que a perspectiva da qual efetivamente buscava se distanciar: a dos seguidores dele na chamada “escola Nina Rodrigues”, particularmente Arthur Ramos.

Isso porque, segundo ela, a partir dos anos 1930 Arthur Ramos (e também Gilberto Freyre) adotariam uma noção de cultura que minimizaria a diferença e o conflito racial no Brasil, ambos ressaltados por Nina Rodrigues (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 214-218). Em outras palavras, a fim de distanciar-se da “orientação culturalista” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 234) de uma tendência antropológica mais próxima temporalmente dela, a autora optou por aproximar-se do modelo de etnógrafo oitocentista elaborado nas instituições de medicina e direito na Bahia e em Pernambuco, ainda que procurando evitar os determinismos biológico e social aglutinados na noção de etnia em voga nelas.

Nesse sentido, está implícita em As ilusões da liberdade uma revisão da história da antropologia no Brasil, elegendo-se como ponto de referência um Nina Rodrigues atento às “desigualdades reinantes na sociedade brasileira”, definidas por ele “principalmente como relações entre brancos e negros” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 233-234). Essa seria uma antropologia militante, que defendia “explicitamente a intervenção do Estado” e se contrapunha ao liberalismo político predominante, pautado pela desconsideração daquelas desigualdades (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 233-234). Na perspectiva de Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 236-237), isso - além dos seus méritos como pesquisador - tornava Nina Rodrigues “um antropólogo também no sentido contemporâneo da palavra, na medida em que reconhecia e afirmava os conflitos existentes na sociedade brasileira e os analisava de acordo com a linguagem de seu tempo”.

Em suma, a perspectiva atenta às diferenças e aos conflitos, os quais Nina Rodrigues “analisava de acordo com a linguagem de seu tempo”, seria mais tarde “retomada pelas ciências sociais no Brasil, com outra linguagem” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 118). Ainda que não pareça a princípio, nesse ponto as maneiras como Mariza Corrêa e Arthur Ramos dialogavam com o autor de Os africanos no Brasil não seriam tão discordantes assim. Ambos acreditavam que uma mudança de linguagem seria suficiente para evidenciar a continuidade entre seus projetos intelectuais e o conteúdo central da obra de Nina Rodrigues. Porém, para Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 203-204), a discordância estaria na interpretação sobre qual conteúdo seria esse, pois, ao contrário dela, Arthur Ramos e a “escola Nina Rodrigues” buscariam “demonstrar a harmonia reinante nas relações culturais entre negros e brancos”.

Cabe salientar que, para ela, alguns dos subsídios para a busca por demonstrar essa harmonia teriam sido encontrados nas “próprias pesquisas de Nina Rodrigues” destinadas a “comprovar a fraqueza da hegemonia branca na cultura nacional” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 203-204). Mas, embora reconhecesse que Nina Rodrigues tinha dificuldade de encaixar os dados empíricos nas fronteiras étnicas conceitualmente estabelecidas, a autora estava de certa forma impedida de aprofundar essa questão por tê-la identificado com a negação dos problemas da diferença e do conflito na sociedade brasileira. Assim, ao fazer o seu livro girar em torno do contraste entre as leituras que ela e autores como Arthur Ramos fizeram da obra de Nina Rodrigues, Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 235), se comprometeu com o esforço deste último em vincular o estudo da diferença e do conflito à aceitação das fronteiras étnicas como premissa e não como tema de pesquisa:

Ironicamente também, a perspectiva “racista” de Nina Rodrigues, explicitamente condenada por seus discípulos, parecia ser mais reveladora dos conflitos sociais que eles negarão em nome de uma harmonia racial e social do que as noções de “sincretismo” ou “aculturação” por eles utilizadas para nomear esta harmonia ao substituir a noção de raça pela de cultura.

Consequentemente, para ela um olhar histórico que problematize a rigidez dos binômios observador/observado, raça branca/raça negra, cultura dominante/cultura dos dominados nessa perspectiva soará como um retorno às “noções de ‘sincretismo’ ou ‘aculturação’”, as quais seriam piores do que a linguagem oitocentista por minimizarem os conflitos e as diferenças. O problema é que, assim como essas noções, a aceitação das fronteiras também minimiza um grande conflito: aquele em torno da construção das próprias fronteiras e da definição do lugar de cada sujeito nelas, como se verá na seção a seguir.

“A raça preta, esse doloroso problema etnográfico”

Uma das formas de explorar a historicidade da distinção entre o observador da diferença étnica e o observado etnicamente diferente na sociedade brasileira no final do século XIX é levar em consideração os impasses teóricos, por sua vez dotados de implicações pessoais, provocados por ela entre alguns de seus propugnadores. Para isso, vale apontar que um aspecto central do tratamento da relação entre natureza, cultura e identidade nacional na prosa ficcional no Brasil do período consistia na defesa do deslocamento da atenção do índio para o negro no estudo do caráter brasileiro, como se percebe no diálogo entre Sílvio Romero e Franklin Távora (Távora, 1880TÁVORA, F. Notas bibliographicas. Revista Brazileira, Rio de Janeiro, ano 1, t. 3, p. 203-210/421-430, jan./mar. 1880., p. 425).

Nas palavras deste último, as informações disponíveis sobre as tradições e lendas indígenas eram devidas “aos poetas e aos viajantes que as recolheram dos próprios índios nas aldeias, e não do nosso povo que as desconhece” (Távora, 1879 apudCarvalho, 1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 70-73). É interessante notar aí a utilização do detalhe metodológico para fundamentar o argumento da alteridade maior de uma das duas raças inferiores. Ou seja, se determinada coisa não era espontaneamente verificável no cotidiano, mas dependia do deslocamento do observador até o “outro”, então ela não pertencia a “nós”, ao “nosso povo”. Se pertencesse, não seria preciso ir às “aldeias” para buscá-la, ela estaria acessível por toda a parte.

Não é difícil perceber as implicações de semelhante raciocínio para a separação entre observados e observadores no tocante à outra raça. Portanto, se, conforme essa ótica, a distância em relação ao índio estava relativamente garantida,

o mesmo entretanto não acontece à raça preta, esse doloroso problema etnográfico, essa raça desgraçada que serviu por muito tempo de pábulo às especulações torpes de um comércio aviltante. Como é sabido, a raça preta não só tem modificado o caráter nacional, mas tem até influído nas instituições, nas letras, no comércio e nas ciências do país. […] Os nossos historiadores são todos unânimes em exaltar-lhes a grande contribuição na formação etnográfica e etnológica da nacionalidade brasileira. (Carvalho, 1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 70-71).

Note-se que o autor dessas palavras, Aderbal de Carvalho, muito inspirado em Franklin Távora e Sílvio Romero, nem sequer usou aí o conceito de “povo”, o qual poderia gerar alguma dúvida sobre se ele estava constatando a influência da raça africana apenas sobre a população pobre e distanciada dos elementos civilizados ou sobre até mesmo a civilização. Sem dúvida, trata-se da segunda opção, de toda a “nacionalidade brasileira”. Mas se a fronteira étnica amparada no evolucionismo monista situava os negros no lugar da diferença, no papel de “eles”, os mesmos dificilmente poderiam ter influenciado as instituições, as letras, o comércio e as ciências do país sem se tornarem “nós” em alguma medida.

Era por confundir dessa maneira a distinção entre as partes que cabiam à inferioridade racial e ao progresso que a “raça preta” consistiria num “doloroso problema etnográfico”. Contudo, a perspectiva evolucionista permitia que a gravidade do problema fosse vista como um indicativo da marcha para a solução, pois a sobreposição entre o peso étnico e a busca civilizatória no Brasil seria um sinal da “fase de transição etnossociológica” na qual se encontraria a nação (Carvalho, 1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 214). Assim, era só descansar com a “consoladora verdade” de que o “elemento etnográfico” nocivo “não será daqui alguns anos, mais que uma triste lembrança, uma simples curiosidade arqueológica. Na luta pela vida das raças predominará certamente a branca”, beneficiada pela sua superioridade e pela imigração (Carvalho, 1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 72).

Sentar e esperar a realização do prognóstico seria simples para a elite letrada, caso esta fosse uma categoria estável, pairando acima dos conflitos sociais e observando-os. Mas se ela também era algo a ser construído no processo histórico, era muito difícil definir, nesse meio tempo da evolução racial do país, quem tinha e quem não tinha o privilégio de passar mais ou menos incólume pela marca da inferioridade. Após um tempo mantendo uma posição semelhante àquela de Aderbal de Carvalho, Sílvio Romero eventualmente se tornará pessimista sobre a miscigenação poder levar o país a uma raça civilizável (Ventura, 1991VENTURA, R. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 51-65). De acordo com Araripe Júnior(1899ARARIPE JÚNIOR, T. A. Silvio Romero - polemista. Revista Brasileira, Rio de Janeiro, t. 20, p. 355-370, out./nov. 1899., p. 355), no final do século XIX essa também seria a posição dos acadêmicos José Veríssimo e João Ribeiro.

Como foi dito na introdução deste artigo, Mariza Corrêa e, depois dela, Roberto Ventura foram bastante perspicazes ao notar o paradoxo identitário no qual se encontrava quem queria afirmar a diferença etnográfica entre observadores e observados no Brasil oitocentista. Mas ambos trataram isso como uma experiência coletiva dos “críticos brasileiros” (Ventura, 1991VENTURA, R. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991., p. 51-65) ou simplesmente dos “intelectuais”, categoria de cuja estabilidade Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 14, 20, 32-33) a princípio ainda deu sinais de desconfiar, embora não tenha expandido essa desconfiança ao ponto de rever as conclusões às quais chegaria sobre o sentido dado por Nina Rodrigues à diferença e ao conflito étnico.

Mas é digno de nota que, numa demonstração de cuidado metodológico e honestidade intelectual, ela não ocultou as indicações de que a tensão enfrentada por Nina Rodrigues entre modelo teórico e dados empíricos foi eventualmente acompanhada pela modificação no projeto inicial dele “de demonstrar a distância enorme que separava a civilização da barbárie, e o perigo que esta representava para aquela”, dando lugar ao tema da “proximidade e a semelhança de ambas” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 149-150). A certa altura, ao tratar do crescente interesse do autor pela “linguagem, os costumes, as artes” dos negros da Bahia, ela aponta que faltou a Nina Rodrigues explorar uma incongruência implícita no trabalho dele: “como uma raça considerada inferior conseguiu ter tal influência na vida cultural baiana?” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 146-147).

Entretanto, talvez tão relevante quanto apontar essa incongruência fosse investigar as implicações da constatação que leva a ela, ou seja, da constatação da enorme participação de africanos e descendentes na construção dos aspectos considerados civilizados da sociedade brasileira. Se aos olhos de Nina Rodrigues, Aderbal de Carvalho e muitos outros autores as raças inferiores estavam imiscuídas na cultura superior, que garantias cada um deles tinha de que não eram, eles próprios, um desses elementos indesejados? A atenção a isso teria conferido um significado muito maior a afirmações de Nina Rodrigues por vezes apenas transcritas ou mencionadas de passagem pela autora, como as queixas dele contra as discussões médicas na imprensa, nas quais “menos se procuram elucidar dúvidas do que agredir e desrespeitar colegas, com manifesto prejuízo dos créditos da profissão” (Nina Rodrigues, 1904 apudCorrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 96-97).

O exemplo mais indicativo disso é o longo e impressionante trecho de “Métissage, dégénérescence et crime” - publicado por Nina Rodrigues em 1899 nos Archives de l’anthropologie criminelle - transcrito por Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 142-144) ao analisar a conexão feita pelo autor entre raça e cultura. De acordo com ela, as determinações do meio tinham um papel importante na inclinação de Nina Rodrigues a relativizar a gravidade da degenerescência racial. Assim, do ponto de vista dele, da mesma forma que na África era legítimo o negro ser agressivo e fetichista, no interior do território brasileiro o mestiço estava bem aclimatado ao ambiente selvagem e viril do sertão.

Para Nina Rodrigues, o mesmo não se podia dizer dos mestiços na cidade, pois o ambiente civilizado exigiria demais das limitadas capacidades físicas e morais deles, mesmo daqueles aparentemente valorosos, cuja vivacidade da inteligência seria indissociável da sua degeneração. A fim de embasar seu argumento, ele cita alguns exemplos, entre os quais Tobias Barreto, “um dos nossos mestiços de maior valor intelectual”, que “sempre levou uma vida desregrada e dela morreu” (Nina Rodrigues, 1899 apudCorrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 144).

Diante do foco de Mariza Corrêa em distanciar-se de certos autores do século XX por meio do restabelecimento de um elo com a antropologia do século XIX, é compreensível que não tenha dado suficiente atenção a essas evidências apresentadas por ela mesma. Mas Tobias Barreto dificilmente pôde ignorá-las. Quem sabe isso ajude a explicar por que ambos, ele no final do século XIX e ela no final do século XX, tiveram respostas diametralmente opostas ao valor intelectual da aproximação entre raça e cultura nos conceitos de etnografia e antropologia mencionada no final da segunda seção deste artigo.

Antes de adentrar um pouco mais nesse ponto é importante ressaltar que a situação identitária vivenciada por Tobias Barreto - ou, para citar outro caso, por Machado de Assis quando este era alvo das invectivas etnográficas de Sílvio Romero (1897ROMERO, S. Machado de Assis: estudo comparativo de litteratura brasileira. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1897., p. 18) -, não era exclusiva de autores amplamente considerados mestiços e pretos. Ainda que com eles isso possa ter sido mais grave e constante, não eram exceções dentro de um contexto geral no qual a identidade de “observador” estaria firmemente distanciada dos tipos inferiores representados pelos “observados”. E como talvez ninguém no Brasil oitocentista tenha defendido tanto a determinação natural e cultural das hierarquias raciais quanto Sílvio Romero, nada melhor do que o seu caso para demonstrar esse ponto.

Romero nunca perdeu uma oportunidade de lembrar que, quando o assunto era a difusão do evolucionismo monista no Brasil, “o brado de alarma partiu da Escola do Recife” (Candido, 2006CANDIDO, A. O método crítico de Sílvio Romero. 4. ed. rev. autor. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006., p. 221). Ao fazê-lo, mobilizava uma noção de originalidade alinhada às ideias etnográficas que defendia. Se, para ele, um dos maiores méritos do seu grupo foi a inovação no encontro do folclore com a literatura na interpretação do caráter nacional, era porque este último se encontrava mais bem expresso entre as populações do norte do país, onde estava localizada a Faculdade pioneira, do que entre as do sul (Ribeiro, 2016RIBEIRO, C. B. Um Norte para o romance brasileiro: Franklin Távora entre os primeiros folcloristas. Campinas: Editora da Unicamp, 2016., p. 30-31). Isso lembrava um pouco um dos sentidos adquiridos pela noção de “folk-lore” na Europa, entendido como os conhecimentos e práticas das populações moradoras das áreas mais afastadas do cosmopolitismo e do progresso dos grandes centros, sendo por isso mais representativas das raízes da nacionalidade (Ribeiro, 2016RIBEIRO, C. B. Um Norte para o romance brasileiro: Franklin Távora entre os primeiros folcloristas. Campinas: Editora da Unicamp, 2016., p. 13-14).

Assim, o folclore havia entrado no quebra-cabeça da diversidade como material empírico subsidiário à compreensão da forma mental de expressar os condicionantes evolutivos. Como lembraria o bacharel Carlos Góes (1916GÓES, C. Mil quadras populares brasileiras (contribuição ao folk-lore). Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia., 1916., p. 8 e 36), ainda lendo na cartilha do “notável mestre Sílvio Romero” nos anos 1910, “quem se abalançar a estudar a etnologia de um povo terá de descer a pesquisas e escavações no terreno do folclore e, neste particular, a poesia popular é um dos filões mais ricos e variegados”. Isso porque nela seria possível constatar o “fundo hipocôndrico [sic] de que padeceram todos os nossos ancestrais e que a hereditariedade e o atavismo continuam de fazer perdurar através dos tempos” (Góes, 1916GÓES, C. Mil quadras populares brasileiras (contribuição ao folk-lore). Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia., 1916., p. 10).

Nessa perspectiva, os literatos românticos na Corte - muitos deles também nortistas -, teriam sido incapazes de calibrar a sua inclinação etnográfica para captar a influência negra, perdendo-se, assim, na falsidade do indianismo. Do Recife, portanto, podia-se observar mais de perto a ação do princípio étnico sendo exercida na vida mental do povo, e isso devia consistir em vantagem passível de render reconhecimento científico aos aspirantes a homens de letras que, saindo de lá, circulavam pela nação pessoalmente ou através de seus textos.

Mas essa era uma faca de dois gumes, pois a ligação entre o folclórico e o biológico fazia a originalidade tornar-se sinônimo de inferioridade racial. Portanto, quanto mais representativa dos elementos constitutivos do caráter nacional fosse uma região do país, maiores as chances de ela ser considerada primitiva do ponto de vista evolutivo. Se essa era uma conclusão à qual poderiam chegar tanto Sílvio Romero quanto Aderbal de Carvalho, que o considerava “o maior crítico literário-filosófico do Brasil e de quem me orgulho de ser discípulo”, a posição pessoal dos dois diante dela talvez ajude a entender o eventual pessimismo do primeiro e otimismo do segundo (Carvalho, 1888CARVALHO, A. de. Breves considerações sobre a poesia moderna e a nova geração poetica brasizeira. Novidades, Rio de Janeiro, anno 2, n. 31, p. 2, fev. 1888.). Este último concordava plenamente que o “hibridismo etnológico” havia transformado o “mulato” no tipo nacional, mas isso não seria suficiente para definir o brasileiro, pois as diferenças mesológicas teriam separado o homem do norte daquele do sul “de um modo extraordinário, quer física, quer fisiologicamente” (Carvalho, 1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 67).

Por esse motivo, o crítico fluminense discordava de Romero, um sergipano, quando este definia o brasileiro como um “‘ser desequilibrado, ferido nas fontes da vida […] mais amigo de sonho e de palavras retumbantes do que de ideias científicas e demonstradas’”, pois, na opinião de Aderbal de Carvalho (1902CARVALHO, A. de. Esboços litterarios. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902., p. 67-68),

essa deveria ser a descrição psicofisiológica da população linfática, histérica do Norte, e nunca do brasileiro em geral. Contra essa definição protesta solenemente a população pletórica e musculosa do Sul, cuja organização física e intelectual, modo de vida etc., etc., são extremamente desiguais às dos seus irmãos do Norte.

Não se trata aqui de atribuir opiniões como essa apenas a quem havia nascido no sul, mas sim de indicar que um sergipano formado no Recife tinha menos facilidade de distanciar-se etnicamente do elemento regional atrasado, posicionando-se como observador e fazendo prognósticos. De qualquer maneira, talvez por conferir menos peso a fatores mesológicos, Sílvio Romero não encontrou em si mesmo um motivo para duvidar do valor cognitivo de uma etnografia baseada num paradigma determinista, e nisso ele diferiu muito do seu maior interlocutor.

Quando assumiu a incumbência de organizar a publicação póstuma das obras de Tobias Barreto no início dos anos 1890, Romero (1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. VII) acreditava já ter destacado o suficiente, em pelo menos três livros, a relevância do amigo para a “vida espiritual moderna em nosso país”. Por isso, no prefácio do primeiro volume, intitulado Estudos de direito, decidiu fazer quase o caminho inverso, relativizando a afinidade intelectual existente entre eles:

Há especialmente dois assuntos em que o meu modo de sentir e pensar foi sempre completamente oposto ao seu: a poesia popular e a etnografia. Sabe-se que uma das bases da minha crítica aplicada à literatura, à história e em geral à vida espiritual brasileira, foi a apreciação etnográfica das raças que constituíram o nosso povo. Sabe-se mais que uma das primeiras aplicações desse modo de pensar foi justamente o estudo, a pesquisa da poesia, dos contos, das tradições populares, do folclore, em suma. Pois bem: Tobias Barreto não aceitava isto e tivemos intermináveis discussões a respeito. (Romero, 1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. IX-X).

De fato, se a intenção era demonstrar que os dois tinham divergências, não poderia haver exemplo melhor. É impossível conceber a trajetória de Sílvio Romero - e também de Nina Rodrigues - sem a centralidade conferida àquilo que, como Mariza Corrêa (2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 141) notou, posteriormente se tornaria fonte de pesquisa para a antropologia e a história social. Portanto, a princípio quem se dedica a esses campos de estudo se considerará heuristicamente mais próximo de Romero nesse debate. Afinal, Tobias Barreto considerava o interesse pela poesia popular apenas um “resto de vertigem romântica” destinado a desaparecer, pois essa seria uma forma de expressão desprovida de interesse histórico e estético (Barreto, 1888 apudRomero, 1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. X).

Mas justamente no ponto mais sensível, o “interesse histórico”, a resposta de Sílvio Romero tem o potencial de fazer historiadores e antropólogos de hoje repensarem um pouco sua tomada de posição. Pois, para ele, esse interesse reside no fato de os conteúdos coletados entre o povo serem “documentos das raças”, indispensáveis para um estudo evolucionista da cultura. Ao mesmo tempo, a citação das palavras de Tobias Barreto publicadas em Questões vigentes permitem entender de onde este último estava partindo ao rejeitar a produção de fontes que são tão caras a pesquisadores atuais: “quanto ao ponto relativo às raças, isto é apenas o efeito de outra mania do nosso tempo, a mania etnológica. […] As chamadas raças inferiores nem sempre ficam atrás, o filhinho do negro, ou do mulato, muitas vezes leva de vencida o seu coevo de puríssimo sangue ariano” (Barreto, 1888 apudRomero, 1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. XII, grifo do autor).

Indignado como se estivesse lendo aquelas linhas pela primeira vez, Sílvio Romero afirmou: “quando a antropoetnografia chegou a afirmar a existência de raças humanas inferiores, não o fez levianamente”. De acordo com ele, teria sido através da observação conscienciosa da anatomia, fisiologia e meio social “dos selvagens e bárbaros de raça negra, vermelha e amarela […] que a ciência ousou pronunciar-se” sobre a inferioridade delas, demonstrada na sua incapacidade de civilizar-se (Romero, 1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. XII). Diante disso, questiona retoricamente: “Não merecerão o qualificativo de inferiores?”

Portanto, independentemente de o caldo etnográfico constitutivo da “energia latente de nosso povo” ter às vezes gerado um impulso transformador vindo das camadas mais baixas da população, haveria uma linha tênue entre a transformação social e a dissolução social porque parte dos ingredientes raciais dessa população estariam biologicamente destinados a serem sempre externos à ordem, à lei e à alta cultura (Romero, 1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. XIV). Porém, em meio à condenação categórica, surge uma pequena ressalva: “Uma ou outra exceção, um ou outro caso de superioridade no filhinho do negro não pode constituir uma regra, nem firmar a doutrina. Muito menos no filho do mulato”, pois “o que é decisivo é o estudo da sociedade no seu conjunto. Não existe, nunca existiu uma civilização original de negros, nem de mulatos” (Romero, 1892ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII., p. XII, grifo do autor).

Sílvio Romero não era obrigado a fazer essa concessão, pois não teria dificuldades em preservar totalmente a regra geral apontando sinais de degeneração em qualquer negro ou mulato aparentemente bem-sucedido se assim o quisesse. Mas como poderia querer, se, ao fazê-lo, estaria inferiorizando aquele a quem tanto admirava? Pois se ele aceitava inserir em seu modelo analítico, na condição de exceção, a possibilidade de um “filhinho do negro, ou do mulato” superar um de “puríssimo sangue ariano”, ao invés de simplesmente rejeitá-la, era porque essa era uma brecha deixada para o próprio Tobias Barreto.

Brecha a qual muita gente, mesmo entre os seus admiradores, não estaria disposta a deixar. Basta observar o discurso feito em 1905 por Graça Aranha na recepção da Academia Brasileira de Letras a João Carneiro de Sousa Bandeira. Talvez porque o recepcionado se considerasse membro da “chamada escola do Recife” e defendesse o legado dela no discurso de posse, o orador dedicou bastante espaço a uma homenagem póstuma ao homem cuja trajetória era utilizada para sistematizá-la.5 5 As referências a seguir aos discursos de posse e de recepção se encontram disponíveis na área relativa a Sousa Bandeira na página da Academia Brasileira de Letras (cf. http://www.academia.org.br/academicos/sousa-bandeira). Ao fazê-lo, não escondeu a sua adesão aos princípios etnográficos em voga na Faculdade de Direito do Recife. Assim, segundo ele, Tobias Barreto teria invadido o meio intelectual “de seu tempo como um verdadeiro homem da sua raça”, dotada de um temperamento “em cuja formidável composição entram doses gigantescas de calor, de luz e de todas aquelas ondas da vida que o sol transfunde regiamente ao sangue mestiço…”.

A essa introdução segue um curioso elogio no qual Barreto, o inspirador de uma geração científica, aparece como muito mais inclinado à fantasia e aos instintos naturais do que à lógica e ao raciocínio: “Não conheceu senão os limites inabordáveis da liberdade e os da extrema irresponsabilidade. Pôde, como um sertanejo, viver com o povo, foi descuidado, miserável e infeliz.” Saber que esse era seu lugar num quadro determinista podia até não ser a única razão, mas provavelmente contribuía para Tobias Barreto não admitir a cientificidade da psicologia e da sociologia, desdenhar a obra de Herbert Spencer e não querer nem ouvir falar em folclore e etnografia, tudo isso lembrado por Sílvio Romero (1892)ROMERO, S. Porque estou á frente d’esta publicação. In: BARRETO, T. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. p. V-XXIII. em seu prefácio.

Considerações finais

Na epígrafe do seu livro, Mariza Corrêa poderia ter posto uma citação de Nina Rodrigues sobre o caráter ilusório da liberdade humana. Ela conhecia várias (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 134, 145). Ao invés disso, escolheu uma de Tobias Barreto na qual o eco de uma hesitante noção de livre-arbítrio é direcionado à enunciação da especificidade da disciplina cuja história ela reconstituía: “Ainda quando ficasse assentado que a liberdade humana não passa de uma ilusão, esta mesma ilusão seria bastante para dar à ciência social um certo plus, que a diferencia e distingue das ciências naturais” (Barreto, 1882 apudCorrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 7).

É como se essa epígrafe fosse para o leitor um recado de que o determinismo era a linha que ela não estava disposta a cruzar para encontrar em Nina Rodrigues um precursor da sua prática como antropóloga. Daí o seu otimismo ao ver na superação dos resquícios do “determinismo biológico” um dos pontos de distanciamento entre a antropologia da segunda metade do século XX e os culturalistas dos anos 1930-1940 (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 203-204, 219-222). Nessa interpretação, a geração dela estaria na posição oposta à destes últimos, pois teria enfatizado a diferença e o conflito étnico na sociedade brasileira como a etnografia oitocentista, mas sem influenciar-se pelo “paradigma determinista” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 235-236).

Contudo, um pouco mais de investimento na análise de divergências como aquela entre Tobias Barreto e Sílvio Romero poderia ter feito a autora notar que o determinismo era indissociável da maneira como a diferença e o conflito étnico eram ressaltados na escrita etnográfica no Brasil do final do século XIX. Afinal, esta tomava como ponto de partida grupos humanos naturalmente estabelecidos, a começar por aquele ao qual deveriam pertencer os observadores da diferença. Nesse sentido, a opção de Mariza Corrêa pelo etnógrafo oitocentista não consistiu apenas em adotar a visão de Nina Rodrigues no tema da diferença e do conflito, mas sim em admitir que a diferença e o conflito não seriam abrangentes o suficiente para alcançarem a própria identidade coletiva do etnógrafo oitocentista, da qual Nina Rodrigues seria um representante.

Mas o rigor documental e o alcance da sua análise a colocam a todo instante a um passo de tomar a outra direção. Ela inclusive mencionou rapidamente que Sílvio Romero e Tobias Barreto nem sempre “partiam dos mesmos pressupostos” (Corrêa, 2013CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013., p. 24), o que é surpreendente se for levado em conta que o contexto empírico da autora era o da apropriação da obra de Nina Rodrigues na Bahia. Isso aponta para o fato de que o objetivo dela não era apenas dar uma contribuição num recorte específico da historiografia sobre as ciências sociais no Brasil - o que já seria bastante - mas sim investigar o máximo possível aquilo que a antropologia do final do século XX tinha em comum com a do final do século XIX (Tambascia; Rossi, 2018TAMBASCIA, C.; ROSSI, G. Sidetracks: Mariza Corrêa e a história da antropologia no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 54, e185407, 2018., p. 16). E é nesse aspecto que este artigo, apesar (ou talvez por causa) do engajamento crítico, pode ser entendido como uma tentativa de investigar a história da antropologia no Brasil aplicando os métodos dela.

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  • VENTURA, R. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
  • 1
    Uma parte da pesquisa apresentada neste texto foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através do processo nº 2013/03914-3. Agradeço a Rodrigo Bulamah pelo incentivo à publicação deste artigo e às(aos) pareceristas pelas estimulantes sugestões.
  • 2
    As citações originalmente em português tiveram sua grafia atualizada.
  • 3
    Mais tarde Angela Alonso (2002)ALONSO, A. Ideias em movimento: a geração 1870 e a crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002. iria mais longe, contrapondo à abordagem teórica da história intelectual uma sociologia histórica centrada nas redes de relações políticas dos membros da chamada “geração 1870”. Para uma análise das limitações epistemológicas desse olhar exclusivamente político, ver Ozanam (2018OZANAM, I. Quem era o Doutor Anísio?: o desafio da ficção étnica à história social do Rio de Janeiro (1889-1916). 2018. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018., p. 435-461).
  • 4
    Queixas assim eram abundantes, a exemplo de Cousas… (1908)COUSAS graves. Correio do Recife, Recife, p. 1, 19 jun. 1908. e O azul… (1890)O AZUL e o encarnado. Gazeta da Tarde, Recife, p. 2, 30 jan. 1890.. Isso sem falar nos casos relativos a bacharéis e estudantes de direito na documentação policial, como, por exemplo: Ofício da 1ª Delegacia do Recife em 16/04/1912. Fundo da SSP, Vol. 449, Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE); Ofício da 1ª Delegacia do Recife em 24/07/1905. Fundo SSP, Vol. 439, APEJE; Ofício da 1ª Delegacia do Recife em 31/08/1908. Fundo SSP, Vol. 442, APEJE.
  • 5
    As referências a seguir aos discursos de posse e de recepção se encontram disponíveis na área relativa a Sousa Bandeira na página da Academia Brasileira de Letras (cf. http://www.academia.org.br/academicos/sousa-bandeira).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2021
  • Aceito
    01 Jul 2021
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