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NICHOLAS, Lynn H. Europa saqueada: o destino dos tesouros artísticos europeus no Terceiro Reich e na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 538 p.

NICHOLAS, Lynn H.. Europa saqueada: o destino dos tesouros artísticos europeus no Terceiro Reich e na Segunda Guerra Mundial. 1996. São Paulo: Companhia das Letras, 538

É uma tarefa audaciosa pretender resenhar em uns poucos parágrafos uma obra de 538 páginas com um tema tão amplo e complexo: a análise da violação que o nazismo fez em uma certa concepção de civilização fundamental para o ocidente, utilizando para isto a investigação do saque e destruição do patrimônio cultural dos países ocupados e das desesperadas e insólitas estratégias utilizadas no salvamento destas obras por intelectuais, “marchands” ou pessoas comuns, concluindo com o acompanhamento da difícil recuperação de muitas delas no após guerra.

O título poderia sugerir ao leitor que, no rastro da extraordinária violência que caracterizou o avanço do nazismo pela Europa, esta seria outra investida por microtemáticas inusitadas, tão ao gosto de uma certa historiografia. No entanto, desde as primeiras páginas descobre-se que, mais do que perseguir o destino do patrimônio artístico da França, Holanda, Polônia, Rússia e da própria Itália de Mussolini (com extensão à Grã-Bretanha, Estados Unidos, Portugal e Espanha), mais que considerar o saque como uma consequência natural de um estado de guerra, Lynn Nicholas demonstra que existe uma intenção deliberada nesta violação das obras de arte: do que se trata é da implementação das convicções ideológicas da política cultural nazista, alicerçada no pangermanismo, no anti-semitismo e nas humilhações sofridas pela Alemanha no Tratado de Versalhes. Tal política teve sua aplicação inicial na própria Alemanha, que nos anos de ascensão do nazismo procurou depurar a cultura ariana da arte moderna, considerada degenerada e ameaçadora à ordem e segurança do nacional-socialismo. Como observa a Autora, “jamais as obras de arte tinham sido tão importantes para um movimento político e nunca antes elas foram removidas em tão larga escala, meros joguetes de lances cínicos e desesperados de ideologia, ganância e sobrevivência” (p. 484).

Lynn Nicholas realizou uma impressionante pesquisa (ver as “Notas” e “Bibliografia” nas p. 495 a 515 e as quase 80 fotos que acompanham o texto), que chega, por exemplo, a acompanhar dia a dia as peripécias da remoção, do Louvre, da “Vitória de Samotrácia” ou a descoberta, pelos aliados, de mais de seiscentas pinturas da mais alta qualidade dos museus da Renânia, depositadas em galerias de uma mina de sal na Alemanha. O livro é rico em descrever as complicadas negociações, artimanhas e permutas que envolveram estas e outras operações, ora de saque, ora de salvamento, de milhares de obras de arte. No caso desta obra, o detalhamento e a abundante exemplificação não estão fora do lugar, pois sem eles seria impossível demonstrar ao leitor a relevância de algumas questões que são centrais à análise, como o volume do saque, confisco ou destruição de bens culturais durante os doze anos do Terceiro Reich, a excepcional importância que a arte e a cultura tinham na Europa da época e como o conhecimento altamente especializado do patrimônio artístico europeu estava difundido por diferentes círculos sociais tanto no Terceiro Reich como nos países invadidos ou ocupados, permitindo assim que se desenvolvesse um verdadeiro jogo de xadrez sobre este capital cultural, em que a rápida avaliação de conjuntura era essencial para definir as próximas jogadas.

Apesar desta narrativa abundante em detalhes e protagonistas, que produz inicialmente uma certa desconfiança quanto a fluência da leitura, a exposição está rigorosamente estruturada e o leitor não precisa retornar sobre páginas anteriores para assegurar a inteligibilidade do texto.

Finalmente, para aqueles que já tiveram a felicidade de visitar o Louvre, a Galeria Uffizi, o British Museum, o Ermitage, a Nationalgalerie, o Reijiksmuseum ou qualquer outro museu europeu, a leitura do livro de Nicholas provavelmente provocará um sentimento nunca antes experimentado: a profunda e muito grata admiração de que tais acervos, apesar de tudo, ainda façam parte do patrimônio da humanidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 1997
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