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(Re)aproximando-se e afastando-se da Alemanha: Curt Nimuendajú como parte de redes transnacionais de antropólogos

(Re)approaching to and withdrawing from Germany: Curt Nimuendajú as part of transnational networks of anthropologists

Resumo

Na história da antropologia, há vários personagens sobre os quais foi produzida uma bibliografia extensa. Esse também é o caso do etnólogo brasileiro de origem alemã Curt Nimuendajú (1883-1945). Revisitar as diversas narrativas, brasileiras e estrangeiras, sobre sua biografia se justifica, sobretudo quando novos dados empíricos ficam disponíveis. Que Nimuendajú cultivava numerosos contatos com pesquisadores brasileiros e estrangeiros é um fato amplamente conhecido, no entanto vale a pena lançar um outro olhar para as redes transnacionais de antropólogos das quais ele fazia parte e ver como elas estruturaram suas atividades de pesquisador e colecionador. Neste artigo, são analisadas três dessas redes em ordem cronológica (tendo Theodor Koch-Grünberg e Emilie Snethlage, Fritz Krause e Otto Reche, e Robert Lowie e Julian Steward como os principais interlocutores, respectivamente). Fica patente que a formação, o abandono e a transformação delas refletem, num tipo de microcosmo, as transformações no cenário da antropologia brasileira na primeira metade do século XX, com seu afastamento paulatino da etnologia alemã, abrindo-se para os diálogos com a antropologia cultural norte-americana.

Palavras-chave:
Curt Nimuendajú; etnologia alemã; antropologia brasileira; transnacionalismo científico

Abstract

In the history of anthropology, there has been produced an extensive bibliography about some personages. This is also true for the Brazilian ethnologist of German origin Curt Nimuendajú (1883-1945). Revisiting the various, Brazilian and foreign, narratives about his biography can be justified above all when new empirical information becomes available. That Nimuendajú cultivated numerous contacts with Brazilian and foreign researchers is a well-known fact, but it is worth while taking another look at the transnational networks of anthropologists he took an active part in and seeing how they structured his activities as a researcher and collector. In this article, three of these networks are analyzed in chronological order (with Theodor Koch-Grünberg and Emilie Snethlage, Fritz Krause and Otto Reche, and Robert Lowie and Julian Steward, respectively, as his principal interlocutors). It becomes evident that their formation, discontinuation, and transformation reflect, in a kind of microcosm, the changes in the scenario of Brazilian anthropology in the first half of the twentieth century, with its gradual turning away from German ethnology, opening for dialogues with North American cultural anthropology.

Keywords:
Curt Nimuendajú; German ethnology; Brazilian anthropology; scientific transnationalism

Introdução: um ancestral em duas tradições1 1 Este artigo é um dos resultados de dois projetos de pesquisa financiados com recursos do CNPq na modalidade Produtividade em Pesquisa (PQ): “Curt Unckel Nimuendajú e a etnologia alemã nas décadas de 1910 e 1920: uma contribuição à história da Antropologia no Brasil” (processo n. 307304/2013-2; 2014-2017) e “Triângulo etnológico: as relações entre Curt Nimuendajú, Fritz Krause e Otto Reche. Um espelho das mudanças no cenário da antropologia brasileira na década de 1930” (processo n. 306550/2016-4; 2017-2020). Agradeço ao CNPq pelo apoio. Também expresso minha gratidão aos três pareceristas anônimos da primeira versão do artigo pelas leituras atentas e pelas diversas sugestões construtivas.

Na história da antropologia, há vários personagens centrais sobre os quais está disponível uma extensa bibliografia em várias línguas, sobretudo quando se trata de figuras proeminentes para a formação, constituição e consolidação da área em seus respectivos contextos nacionais. Isso também pode ser afirmado sobre o etnólogo naturalizado brasileiro de origem alemã Curt Nimuendajú (1883-1945). Roberto Cardoso de Oliveira (1988)CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O que é isso que chamamos de antropologia brasileira? In: CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: CNPq, 1988. p. 109-128. (Biblioteca Tempo Brasileiro, 83)., em sua conhecida periodização da antropologia brasileira, atribuiu a Nimuendajú um papel de “herói civilizador” para a tradição da etnologia indígena, na fase “heroica” da área, enquanto Mércio Gomes (2008GOMES, M. P. Antropologia: ciência do homem, filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008., p. 185), em uma das poucas introduções brasileiras à antropologia (a maioria das introduções publicadas por editoras brasileiras são traduções), o denomina “o pai da Antropologia brasileira dedicada aos estudos dos povos indígenas nos últimos cem anos”. Seu papel frequente de indigenista e sua defesa intransigente dos direitos indígenas à sobrevivência cultural e física garantiram a ele, além da fama na produção de conhecimentos científicos para a antropologia, um forte bônus de simpatias, tão importante para as narrativas predominantes na história da antropologia brasileira, ou seja, algo que uma figura relevante para a história das culturas afro-brasileiras como Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), conhecido por suas posições eugenistas e racistas, não despertaria. Ruas (na capital paulista ou na cidade alemã de Jena, onde nasceu, por exemplo), salas de museus, institutos universitários, um posto indígena, séries de palestras ou placas comemorativas podem levar o nome de Nimuendajú, para citar apenas alguns exemplos.

Não obstante isso, a impressão é que a maioria dos alunos dos cursos de antropologia no Brasil não sabe mais sobre o etnólogo do que seu nome, embora seja muito fácil ter acesso a informações biográficas básicas. Uma das versões mais breves foi redigida pelo próprio Nimuendajú como resposta a um pedido do etnólogo Herbert Baldus (1899-1970):

Quer que lhe mande uma história da minha vida? É muito simples: nasci em Jena, no ano de 1883, não tive instrução universitária de espécie alguma, vim ao Brasil em 1903, tinha como residência permanente, até 1913, São Paulo, e depois Belém do Pará, e todo o resto foi, até hoje, uma série quase ininterrupta de explorações, das quais enumerei, na lista anexa, aquelas de que me lembro. Fotografia minha não tenho. (Baldus, 1945BALDUS, H. Curt Nimuendajú. Boletim Bibliográfico, São Paulo, ano 2, v. 8, p. 91-99, 1945., p. 92).

Nesse trecho, trata-se da expressão de traços do caráter do autor (humildade, sobriedade e desapego a formalismos acadêmicos), mas também de um understatement calculado, já que, naquela altura, Nimuendajú não era mais nenhuma pessoa desconhecida entre os especialistas sobre os indígenas no Brasil (ver também os comentários de Oliveira [2007]OLIVEIRA, J. P. de. Curt Nimuendaju et la configuration de l’ethnologie au Brésil: travail ethnographique, musées et politiques d’état. In: RAPPORTS ambivalents entre les sciences sociales européennes et américaines. Milano: Arcipelago Edizioni, 2007. p 165-197. sobre o resumo autobiográfico).

De fato, Curt Unckel emigrou da Alemanha para o Brasil com 20 anos, em 1903, e viveu entre um grupo Guarani numa aldeia do rio Batalha, no estado de São Paulo, entre 1905 e 1907, onde recebeu o nome Nimuendajú, o qual ele registrou como sobrenome em 1926NIMUENDAJÚ, C. Die Palikur-Indianer und ihre Nachbarn. Göteborg: Elanders Boktryckeri Aktiebolag, 1926. (Göteborgs Kungl. Vetenskaps- och Vitterhets-Sämhalles Handlingar, Fjärde Följden, v. 31, n. 2). 2 2 Às vezes pode-se ler que isso ocorreu em 1922, porém a certidão de naturalização original, de 30 de janeiro de 1926, encontra-se guardada no Arquivo Guilherme de La Penha, do Museu Paraense Emílio Goeldi. A origem do equívoco do ano da naturalização ainda é desconhecida. ao optar pela nacionalidade brasileira. Em 1913, ele mudou-se de São Paulo para Belém, onde teve seu endereço residencial permanente até a data de seu falecimento, em 10 de dezembro de 1945 numa aldeia Ticuna, no município de São Paulo de Olivença, região do Alto Solimões, por causa nunca apurada de forma conclusiva, embora a hipótese de assassinato seja uma delas (Oliveira, 1999OLIVEIRA, J. P. de. Fazendo etnologia com os caboclos do Quirino: Curt Nimuendajú e a história ticuna. In: OLIVEIRA, J. P. de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. p. 60-96.).3 3 Welper (2016) apresenta, num artigo mais recente, um tipo de genealogia das diversas versões da morte de Nimuendajú. Mais de quatro décadas dedicadas à etnologia indígena renderam-lhe, ainda em vida, o reconhecimento como uma das maiores autoridades da etnologia dos povos indígenas no Brasil na primeira metade do século XX (Grupioni, 1998GRUPIONI, L. D. B. Coleções e expedições vigiadas: os etnólogos no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 1998., p. 164) e, segundo alguns autores, como sendo a maior durante todo esse período (Kraus, 2004KRAUS, M. Bildungsbürger im Urwald: die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Marburg: Förderverein “Völkerkunde in Marburg”, 2004. (Curupira, 19)., p. 44-45). Embora continue vivo o interesse pela obra de Nimuendajú, sendo que uma parte dela ainda não foi publicada em português, especialmente alguns trabalhos publicados em alemão (Schröder, 2013SCHRÖDER, P. Curt Unckel Nimuendajú: um levantamento bibliográfico. Revista Tellus, Campo Grande, ano 13, n. 24, p. 39-76, 2013.), sempre foi sua biografia insólita e em parte misteriosa que despertou curiosidades ao menos iguais, se não maiores, como também observou Grupioni (1998GRUPIONI, L. D. B. Coleções e expedições vigiadas: os etnólogos no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 1998., p. 15).

Na antropologia brasileira, Nimuendajú geralmente é visto como antropólogo brasileiro, às vezes com um acréscimo “de origem alemã”, ou como “teuto-brasileiro” (Viveiros de Castro, 1986VIVEIROS DE CASTRO, E. B. A redescoberta do etnólogo teuto-brasileiro. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 21, p. 64-68, 1986.), e menos como um etnólogo alemão com residência no Brasil. Não se costuma considerá-lo um representante da etnologia alemã, embora na correspondência com Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), arquivada na Universidade de Marburg, Alemanha,4 4 Mais especificamente, na Área Antropologia Cultural e Social (Fachgebiet Kultur- und Sozialanthropologie), Instituto de Antropologia Social e Ciências da Religião (Institut für Sozialanthropologie und Religionswissenschaft) da Universidade de Marburg. Ver https://www.uni-marburg.de/de/fb03/ivk/fachgebiete/kultur-und-sozialanthropologie/ethnographische-sammlung/nachlass-koch-gruenberg (acesso em 16/07/2021). a identificação de Nimuendajú com a etnologia alemã fique explícita. No entanto, a correspondência terminou em 1924, com a morte de Koch-Grünberg, e Nimuendajú ainda viveu por 21 anos. Na Alemanha, o ponto de vista frequentemente é diferente. Desse modo, encontra-se, por exemplo, entre os pequenos retratos biográficos do portal importante Interviews with German Anthropologists, administrado por Dieter Haller, da Universidade do Vale do Ruhr (Ruhr-Universität Bochum), um verbete sobre “Curt Nimuendajú (Unckel)” (Riese, [2016]RIESE, B. Short portrait: Curt Nimuendajú (Unckel). In: INTERVIEWS with German Anthropologists. Bochum: Ruhr-Universität Bochum, [2016]. Disponível em: Disponível em: http://www.germananthropology.com/short-portrait/curt-nimuendaj-unckel/193 . Acesso em: 16 jul. 2021.
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). Michael Kraus (2004KRAUS, M. Bildungsbürger im Urwald: die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Marburg: Förderverein “Völkerkunde in Marburg”, 2004. (Curupira, 19)., p. 44-45), em seu detalhado estudo sobre a pesquisa etnológica alemã na Amazônia entre 1884 e 1929, também incluiu Nimuendajú na tradição etnológica alemã. Isso também fica evidente em dicionários e manuais, por exemplo em Hirschberg (1999HIRSCHBERG, W. (ed.). Wörterbuch der Völkerkunde. Grundlegend überarbeitete und erweiterte Neuausgabe. Berlin: Reimer, 1999., p. 271-272: “dt. Ethnologe”) ou em Haller (2005)HALLER, D. dtv-Atlas Ethnologie. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 2005., onde, no índice remissivo onomástico, se encontra seu nome em “Unkel, C.”.5 5 Ver também Barnard e Spencer (1996, p. 586: “German ethnologist”) e Panoff e Perrin (1973, p. 193: “chercheur allemand”). Em 2016, a Comissão Histórica da Academia Bávara de Ciências (Historische Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften) publicou o volume 26 da Neue Deutsche Biographie (NDB). A NDB é a obra de consultas biográficas mais bem conceituada e confiável da Alemanha. No volume 26, Curt é citado como Unckel, e não como Nimuendajú (Schröder, 2016SCHRÖDER, P. Unckel, Curt. In: LANZINNER, M.; KRAUS, H.-C. (Hrsg.) (für die Historische Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften). Neue Deutsche Biographie: Bd. XXVI. Berlin: Duncker & Humblot, 2016. p. 623-625.).

Uma avaliação de vida e obra do etnólogo ganha novas facetas quando ela não é feita exclusivamente com relação a uma única tradição nacional da área, mas quando também se lança o olhar para seus numerosos contatos, diretos e epistolares, no cenário internacional da antropologia na primeira metade do século XX (o que foi feito, por exemplo, por Petschelies [2019]PETSCHELIES, E. Theodor Koch-Grünberg (1872-1924): a “field ethnologist” and his contacts with Brazilian intellectuals. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 1, p. 192-211, 2019. com relação a Koch-Grünberg).

A questão não pode ser abordada, portanto, sem levar em consideração o papel da etnologia alemã no cenário acadêmico brasileiro na primeira metade do século passado. Segundo Julio Cezar Melatti (1983)MELATTI, J. C. A antropologia no Brasil: um roteiro. Brasília: DAN/UnB, 1983. (Série Antropologia, n. 38). Disponível em: Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie038empdf.pdf . Acesso em: 16 jul. 2021.
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, a influência da etnologia alemã era preponderante nos estudos de etnologia indígena no Brasil até a década de 1930. No entanto, com a Primeira Guerra Mundial começou um declínio abrangente da etnologia alemã (Kraus, 2004KRAUS, M. Bildungsbürger im Urwald: die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Marburg: Förderverein “Völkerkunde in Marburg”, 2004. (Curupira, 19).), tanto em seu território nacional quanto no cenário internacional, cujo ponto mais profundo seria alcançado com o nazismo e a adaptação majoritariamente voluntária dos antropólogos alemães ao regime (Hauschild, 1995HAUSCHILD, T. (ed.). Lebenslust und Fremdenfurcht: Ethnologie im Dritten Reich. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995.). A importância de uma perspectiva transnacional na avaliação do legado das antropologias de língua alemã na América Latina também foi destacada recentemente num dossiê sobre “German-Speaking Anthropologists in Latin America, 1884-1945”, publicado na Revista de Antropologia (2019)REVISTA DE ANTROPOLOGIA. São Paulo, v. 62, n. 1, 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ra/issue/view/10975 . Acesso em: 16 jul. 2021.
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, da Universidade de São Paulo (USP). Nesse dossiê, a obra de Nimuendajú foi interpretada como vinculada à tradição alemã (Pinheiro; Schröder; Vermeulen, 2019PINHEIRO, C. C.; SCHRÖDER, P.; VERMEULEN, H. F. Introduction: the German tradition in Latin American anthropology. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 1, p. 64-96, 2019.), mas sem diminuir seu papel pioneiro para a formação da antropologia brasileira (Schröder, 2019cSCHRÖDER, P. “Three long rows of empty shelves” to fill: Curt Nimuendajú as collector and researcher for ethnological museums in Germany, 1928-1930. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 1, p. 217-240, 2019c.).

O objetivo deste artigo é revisitar as diversas narrativas, brasileiras e estrangeiras, sobre a biografia de Nimuendajú, com ajuda de novos materiais bibliográficos e documentais publicados e disponibilizados no decorrer dos últimos dez a quinze anos. Será dado destaque para as redes transnacionais de antropólogos das quais ele fazia parte para ver como elas influenciaram suas atividades de pesquisador e colecionador.6 6 A inserção de Nimuendajú em redes internacionais de comercialização de objetos etnográficos e arqueológicos já foi apresentada e discutida em trabalhos anteriores (Grupioni, 1998, por exemplo), embora ainda exista muito material inédito sobre essas atividades e relações do etnólogo. Faulhaber (2013), por sua vez, focaliza as conexões internacionais de Nimuendajú na produção da etnografia Ticuna, no período de 1940 a 1945. A hipótese é que a formação, o abandono e a transformação dessas redes refletem, num tipo de microcosmo, as transformações no cenário da antropologia brasileira na primeira metade do século XX. Por isso, vale a pena primeiro lançar um olhar para as narrativas convencionais sobre vida e obra do etnólogo e alguns novos caminhos propostos e seguidos em trabalhos mais recentes.

Narrativas convencionais e outras trilhas

Os trabalhos sobre a história da antropologia no Brasil majoritariamente representam facetas ou fragmentos focalizados ou em determinados pesquisadores ou em algum período específico, porém não foi publicada até agora nenhuma síntese abrangente que poderia ser considerada uma espécie de referência principal (Peirano, 2018PEIRANO, M. Brazil, Anthropology in. In: CALLAN, H. (ed.). The International Encyclopedia of Anthropology. Hoboken: John Wiley & Sons, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1002/9781118924396.wbiea1636 . Acesso em: 17 jul. 2021.
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). No entanto, com relação a Nimuendajú, existe um amplo consenso sobre seu papel proeminente na consolidação da etnologia indígena no Brasil, enquanto as divergências dizem respeito a interpretações de sua personalidade e, sobretudo, de sua obra. Isso também se expressa na bibliografia referente a sua vida e obra. Em 2013, foi publicado o resultado de um levantamento bibliográfico da literatura primária e secundária sobre sua vida e obra, com 181 referências de trabalhos publicados (Schröder, 2013SCHRÖDER, P. Curt Unckel Nimuendajú: um levantamento bibliográfico. Revista Tellus, Campo Grande, ano 13, n. 24, p. 39-76, 2013.). Essa bibliografia já merece ser atualizada por causa de novas publicações importantes dos últimos anos.7 7 No PPGA da UFPE até se fala, jocosamente, de uma “nimuendajulogia”, em analogia a outras subsubáreas presentes naquele programa de pós-graduação e estudadas exaustivamente por alunos do mestrado e doutorado, como “quadrilhologia”, “juremologia” ou “maracatulogia”, para citar apenas poucos exemplos.

Existem diversas sínteses biográficas e bibliográficas antigas, como as de Baldus (1945)BALDUS, H. Curt Nimuendajú. Boletim Bibliográfico, São Paulo, ano 2, v. 8, p. 91-99, 1945., Pereira (1946)PEREIRA, N. Curt Nimuendajú: síntese de uma vida e de uma obra. Belém: [s. n.], 1946., Nimuendajú e Guérios (1948)NIMUENDAJÚ, C.; GUÉRIOS, R. F. M. Cartas etnolingüísticas. Revista do Museu Paulista, Nova Série, São Paulo, v. 2, p. 207-241, 1948., Métraux (1950)MÉTRAUX, A. Curt Nimuendajú (1883-1946). Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 39, p. 250-251, 1950., Lowie (1959)LOWIE, R. H. Field work in absentia. In: LOWIE, R. H. Robert H. Lowie Ethnologist: a personal record. Berkeley: University of California Press, 1959. p. 119-126., Cappeller (1963)CAPPELLER, F. Der größte Indianerfreund aller Zeiten. Jena: [s. n.], 1963., Schaden (1968SCHADEN, E. Notas sobre a vida e a obra de Curt Nimuendajú. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 3, p. 7-19, 1968., 1973SCHADEN, E. Curt Nimuendajú, quarenta anos a serviço do índio brasileiro e ao estudo de suas culturas. Problemas Brasileiros, São Paulo, v. 124, p. 19-31, 1973.) e Arnaud (1983)ARNAUD, E. Curt Nimuendajú: aspectos de sua vida e de sua obra. Revista do Museu Paulista, Nova Série, São Paulo, v. 29, p. 55-72, 1983., para citar apenas uma parte. Na sua introdução à primeira e única edição brasileira de As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocuva-Guarani, o opus primus de Nimuendajú, Eduardo Viveiros de Castro (1987VIVEIROS DE CASTRO, E. B. Nimuendajú e os Guarani. In: NIMUENDAJÚ, C. As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocuva-Guarani. São Paulo: Hucitec : Edusp, 1987. p. XVII-XXXVIII., p. XVIII) comentou sobre esse tipo de literatura:

A vida-obra de Nimuendajú ainda está à espera de um estudo que lhe faça justiça; à parte de alguns curtos ensaios sobre aspectos específicos de suas pesquisas, o que se tem são necrológios e outros textos de circunstância, reivindicações totêmicas e toda uma hagiologia folclórica do métier, exprimindo muito mais os mitos e tensões inerentes ao campo antropológico-indigenista que qualquer outra coisa.

Desde 1987, essa situação mudou, embora a crítica de Viveiros de Castro não tenha perdido completamente sua pertinência, como mostra uma coletânea com as contribuições de um evento organizado em Jena, em 2005, por ocasião do sexagésimo aniversário da morte do etnólogo (Born, 2007BORN, J. (Hrsg.). Curt Unckel Nimuendajú: ein Jenenser als Pionier im brasilianischen Nord(ost)en. Wien: Praesens, 2007. (Beihefte zu “Quo vadis, Romania?”, 29).). A partir da década de 1990, trabalhos importantes sobre vida e obra de Nimuendajú foram publicados, dos quais uma parte merece ser citada resumidamente.

A tese de doutorado de Dungs (1991)DUNGS, F. G. Die Feldforschung von Curt Unckel Nimuendajú und ihre theoretisch-methodischen Grundlagen. Bonn: Holos, 1991. (Mundus Ethnologie, 43)., defendida na Universidade de Colônia em 1991, tem como objetivo declarado descrever a metodologia de campo de Nimuendajú. O autor, um administrador aposentado de cerca de 70 anos na época da defesa, conseguiu consultar, num esforço impressionante, fontes importantes em arquivos brasileiros e realizar diversas entrevistas com testemunhas, mas infelizmente seu trabalho evoluiu, por ansiedade de destacar os aspectos positivos do biografado, para aquilo que Viveiros de Castro chamou de hagiografia. A tese, contudo, tem um mérito inegável: a apresentação de um número elevado de fontes documentais transcritas. Desse modo, ela pode ser mais bem aproveitada como um tipo de guia às fontes.

A dissertação de Grupioni (1998)GRUPIONI, L. D. B. Coleções e expedições vigiadas: os etnólogos no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 1998., por sua vez, inclui uma avaliação criteriosa das pesquisas de Nimuendajú com base numa gama ampla de fontes do ponto de vista de suas relações com o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, órgão federal em funcionamento entre 1933 e 1968 e objeto principal do estudo, chegando a diversas reinterpretações das formas e estilos de trabalho de Nimuendajú.

A dissertação de Elena Welper (2002)WELPER, E. M. Curt Unckel Nimuendajú: um capítulo alemão na tradição etnográfica brasileira. 2002. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. oferece uma nova síntese e interpretação biográfica. Ela se diferencia de outros trabalhos por ter concentrado a pesquisa documental no antigo espólio do etnólogo no Arquivo Curt Nimuendajú do Museu Nacional, que virou cinzas no incêndio de 2 de setembro de 2018, e, também, por ter operado com a hipótese da influência do romantismo alemão em vida e obra de Nimuendajú. Essa hipótese continua a ser defendida pela autora num artigo recente (Welper, 2018WELPER, E. M. “Segredos do Brasil”: Curt Nimuendajú, Robert Lowie e os índios do Nordeste. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 61, n. 3, p. 7-51, 2018.), e também é endossada por Faulhaber (2013)FAULHABER, P. Conexões internacionais na produção da etnografia de Nimuendajú. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 1, p. 207-256, 2013., mas recebeu uma crítica veemente por Hannes Stubbe (2020)STUBBE, H. Curt Nimuendajús Bibliothek im tropischen Brasilien (1903-1945): ein Beitrag zur Geschichte der Ethnologie. Düren: Shaker Verlag, 2020. (Berichte aus der Ethnologie)., acusando a autora de projetar ideias nebulosas sobre o romantismo na figura do etnólogo. Seja como for, ou endossando a hipótese de Welper, sobretudo para os primeiros anos do etnólogo no Brasil, ou aceitando a crítica de Stubbe, é necessário se perguntar se o pensamento e a personalidade de Nimuendajú não passaram por transformações no decorrer de quatro décadas depois da emigração, vivendo em ambientes pouco “românticos” em comparação com a Jena do século XIX e a literatura lida como adolescente e jovem na biblioteca popular da empresa Carl Zeiss. Além de discutir sobre os significados do conceito de romantismo ao norte e ao sul do equador, também é possível se perguntar se o material empírico sustenta a hipótese. A leitura das correspondências com Theodor Koch-Grünberg, de 1915 a 1924, e com Fritz Krause, de 1927 a 1938, indica o contrário e revela um Nimuendajú em que é muito difícil, para não dizer, impossível, identificar traços românticos. O que se pode perceber naquelas cartas é, sobretudo, um idealismo decepcionado que encontra sua expressão em ironias ou até em comentários cáusticos, os quais às vezes não são lisonjeiros de modo algum quando o assunto são as instituições brasileiras ou até a população deste país. Uma avaliação atribuída ao etnólogo suíço Felix Speiser (1880-1949) e citada numa carta de Alfred Métraux (1902-1963), também etnólogo de origem suíça, para Nimuendajú é reveladora: “Many years ago I heard Dr. Speiser, who is an ironical and critical man, say that he knew of only one anthropologist whom he considered an idealist - and that was you.”8 8 Carta de Alfred Métraux para Nimuendajú, 8 de agosto de 1938 (Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 27).

A edição, por Thekla Hartmann, da correspondência de Nimuendajú (2000)NIMUENDAJÚ, C. Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira. Apresentação e notas: Thekla Hartmann. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia: Assírio & Alvim, 2000. (Coleção Coisas de Índios). com Carlos Estevão de Oliveira (1880-1946), um de seus melhores amigos e aliados mais importantes, diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi a partir de 1930, constitui uma das fontes imprescindíveis para estudar aspectos da sua vida e obra, como também foi observado por Amoroso (2001)AMOROSO, M. R. Nimuendajú às voltas com a história. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 2, p. 173-86, 2001.. Embora houvesse algumas publicações anteriores, avulsas, de cartas de Nimuendajú, ou recortes delas (Edelweiss, 1971EDELWEISS, F. G. Curt Nimuendajú na Bahia. Universitas, Salvador, v. 8/9, p. 277-280, 1971.; Ehrlich, 1970EHRLICH, S. Cartas de Curt Nimuendajú a Fernando de Azevedo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v. 9, p. 188-200, 1970.; Torre; Damy, 1990TORRE, S. de la; DAMY, A. S. A. Cartas de Curt Nimuendajú a Carlos Estevão de Oliveira. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 33, p. 165-185, 1990.), a edição organizada por Hartmann representa o início de uma nova fase de pesquisas sobre a vida e obra do etnólogo, baseada na avaliação criteriosa de novos materiais empíricos disponíveis, sobretudo, em arquivos que guardam sua volumosa correspondência com o mundo acadêmico nacional e internacional. Desse modo, alguns trabalhos mais recentes que dizem respeito à biografia de Nimuendajú se apoiam em análises de material epistolar (Mere, 2013MERE, G. Emil Heinrich Snethlage (1897-1939): nota biográfica, expedições e legado de uma carreira interrompida. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: ciências humanas, Belém, v. 8, n. 3, p. 773-804, 2013.; Sanjad, 2019SANJAD, N. R. Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, Madrid, v. 71, n. 2, p. 273, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14 . Acesso em: 16 jul. 2021.
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; Welper, 2018WELPER, E. M. “Segredos do Brasil”: Curt Nimuendajú, Robert Lowie e os índios do Nordeste. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 61, n. 3, p. 7-51, 2018., 2019WELPER, E. M. (org.). Chamado da selva: correspondência entre Curt Nimuendajú e Herbert Baldus. Tradução: Peter Welper. Rio de Janeiro: Camera Books, 2019., 2020WELPER, E. M. Interwar anthropology from the global periphery: Curt Nimuendajú’s correspondence with Robert Lowie and Claude Lévi-Strauss. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 670-680, 2020.; além do conjunto de artigos reunidos num “Dossiê Nimuendajú” da Revista Tellus [2013]REVISTA TELLUS. Campo Grande, ano 13, n. 24, 2013., publicado por ocasião do centenário de As lendas da criação e destruição…).

A epistolografia é um gênero literário próprio. Edições epistolográficas costumam ser cultivadas, sobretudo, nas áreas de letras e história, mas na antropologia são raras. A questão como justificar a epistolografia na antropologia é legítima, porque se pode perguntar qual sua contribuição para a produção de conhecimentos, em particular para a história da área. Apenas publicar cartas, eventualmente traduzidas, sem editoração criteriosa e interpretações complementares, é, sem dúvida, louvável, mas pode ser intelectualmente modesto. No entanto, quando a correspondência privada, oficial e semioficial de antropólogos é estudada para lançar novas luzes sobre as práticas de pesquisa e os pensamentos de seus autores, como mostrou Michael Kraus (2004KRAUS, M. Bildungsbürger im Urwald: die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Marburg: Förderverein “Völkerkunde in Marburg”, 2004. (Curupira, 19).) de maneira magistral, sua publicação se justifica com facilidade. Correspondências particulares podem contribuir para encontrar respostas a questões levantadas há muito tempo. O enigma de como Nimuendajú conseguiu, sem ter nenhuma formação acadêmica, publicar, em 1914, seu primeiro trabalho científico na renomada, ao menos na época, Zeitschrift für Ethnologie, em Berlim, só foi resolvido recentemente, no artigo de Sanjad (2019)SANJAD, N. R. Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, Madrid, v. 71, n. 2, p. 273, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14 . Acesso em: 16 jul. 2021.
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, porque o autor teve acesso à correspondência de Emilie Snethlage (1868-1929), como intermediadora, com Eduard Seler (1849-1922), Max Schmidt (1874-1950) e Theodor Koch-Grünberg. A consulta da correspondência entre Nimuendajú e Koch-Grünberg também permitiu abordar e responder diversas questões relativas a um episódio incomum da história da antropologia na Amazônia: a pesquisa de Nimuendajú entre os Xipaya, de 1916 a 1919 (Schröder, 2018SCHRÖDER, P. Curt Nimuendajú und die Xipaya: eine Episode aus der Geschichte der deutschen und der brasilianischen Ethnologie. In: BIEKER, U. et al. (Hrsg.). Ich durfte den Jaguar am Waldrand sprechen: Festschrift für Mark Münzel zum 75. Geburtstag. Marburg: Curupira, 2018. p. 65-85. (Curupira, 30)., 2019aSCHRÖDER, P. An episode from the beginnings of anthropology in the Amazon: Curt Nimuendajú and the Xipaya Indians - a research in adverse circumstances. Anthropos, Baden-Baden, v. 114, n. 2, p. 343-354, 2019a.).

Que Nimuendajú costumava manter contatos epistolares ou pessoais com antropólogos de diversas nacionalidades representa um tipo de fato consumado em muitos trabalhos sobre sua vida e obra. Em outras palavras, que esses contatos existiam não causa surpresa, mas as questões são outras: como, com quem, em que intensidade e com que resultados? E o que essas relações revelam sobre as qualidades dos contatos e as cooperações internacionais e as modalidades como a antropologia foi praticada no Brasil naquela época? O caminho para as respostas leva inevitavelmente aos arquivos.

Todas as publicações da correspondência de Nimuendajú com outros pesquisadores até agora privilegiaram relações bilaterais diádicas, ou seja, a relação epistolar entre duas pessoas. O artigo de Sanjad (2019)SANJAD, N. R. Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, Madrid, v. 71, n. 2, p. 273, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14 . Acesso em: 16 jul. 2021.
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, no entanto, indica outro caminho analítico possível: olhar para o etnólogo como parte de redes transnacionais de troca e circulação de conhecimentos. Na próxima seção vamos examinar três dessas redes que se constituíram no decorrer da vida de Nimuendajú como etnólogo, arqueólogo e linguista.

Redes transnacionais de antropólogos: três casos

Devido à situação descrita dos trabalhos sobre a história da antropologia brasileira é proveitoso consultar a bibliografia sobre a história transnacional das ciências (Clavin, 2005CLAVIN, P. Defining transnationalism. Contemporary European History, Cambridge, v. 14, n. 4, p. 421-439, 2005.), em particular os trabalhos sobre redes sociais intelectuais transnacionais (Charle; Schriewer; Wagner, 2004CHARLE, C.; SCHRIEWER, J.; WAGNER, P. (ed.). Transnational intellectual networks: forms of academic knowledge and the search for cultural identities. Frankfurt am Main: Campus, 2004.). McCook (2013)McCOOK, S. Introduction - global currents in national histories of science: the “global turn” and the history of science in Latin America. Isis, Chicago, v. 104, p. 773-776, 2013., por sua vez, chama a atenção para a “virada global” na história das ciências e para as novas formas de pensar suas histórias nacionais e regionais, em particular nos contextos latino-americanos. Contrariando os modelos convencionais, difusionistas e estruturalistas, sobre a expansão de saberes e práticas científicas, este autor, e outros que também publicaram no mesmo dossiê da revista Isis, destaca o papel ativo de cientistas latino-americanos na construção de saberes científicos no cenário global, o que seria o caso de Nimuendajú com relação a seus interlocutores na Alemanha, na Suécia, na França9 9 Nimuendajú manteve contatos epistolares regulares com etnólogos franceses em vários períodos de sua vida, por exemplo com Paul Rivet (1876-1958), mas também com etnógrafos não profissionais como o missionário Constant Tastevin (1880-1962); ver Faulhaber (2008) e Faulhaber e Monserrat (2008). Também houve uma breve correspondência com Claude Lévi-Strauss, em 1937, sobre sua eventual participação numa expedição a ser organizada pelo jovem antropólogo francês, no entanto Nimuendajú declinou o convite, tanto por discordar da composição da expedição quanto por preferir pesquisas de campo individuais. Sobre esse episódio cf. Welper (2020) e Villar (2020). Esses contatos com a antropologia francesa não serão aprofundados no resto do artigo para não extrapolar seu tamanho. e, mais tarde, nos Estados Unidos.

Que Nimuendajú fazia parte de uma rede internacional de fornecedores de objetos etnográficos para museus europeus já foi destacado por Luís de Castro Faria (2017)CASTRO FARIA, L. de. Curt Nimuendajú. In: NIMUENDAJÚ, C. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes. 2. ed. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Universidade Federal do Pará, 2017. p. 23-30., no entanto o aspecto principal das redes transnacionais que nos interessa aqui é o fluxo de conhecimentos e ideias entre pesquisadores. É evidente que Nimuendajú também fazia parte de redes científicas nacionais, envolvendo pesquisadores como Carlos Estevão de Oliveira, Heloísa Alberto Torres (1895-1977) ou Herbert Baldus, e que ele mantinha, durante toda a sua vida no Brasil, diálogos intensos com o campo indigenista, retroalimentando as relações entre etnografia e indigenismo,10 10 Cf., por exemplo, Nimuendajú (1982) e Gonçalves (1993). mas as redes transnacionais tiveram um impacto maior na estruturação de suas atividades de pesquisador e colecionador. Nos três casos apresentados a seguir, usando a pessoa de Nimuendajú como ponto de referência na rede, as relações centrais, ou seja, aquelas que mais nos interessam, podem ser descritas como triangulares ou diádicas.

Caso 1: Nimuendajú - Snethlage - Koch-Grünberg

Essa rede teve início em 1913, depois da mudança de Nimuendajú de São Paulo para Belém, e começou a se desintegrar a partir de 1924, com a morte de Koch-Grünberg. Embora Nimuendajú já tivesse feito contatos com o meio acadêmico no período quando estava contratado pelo Museu Paulista, entre 1908 e 1910, ele ainda não gozava dos créditos necessários, como operário especializado sem nenhuma formação acadêmica, para encaminhar um trabalho a um renomado periódico especializado. Entre 1913 e 1921, ele teve vínculos não duradouros, e muito mal remunerados, com o Museu Goeldi e assim conhecia a ornitóloga Emilie Snethlage que, de 1914 a 1921, foi diretora da instituição. Snethlage reconheceu o talento do conterrâneo para a etnologia e viabilizou, por correspondências com recomendações enfáticas, a publicação dos primeiros trabalhos etnológicos e linguísticos de Nimuendajú na Zeitschrift für Ethnologie, de Berlim, em 1914 e 1915. Segundo Sanjad (2019SANJAD, N. R. Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, Madrid, v. 71, n. 2, p. 273, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14 . Acesso em: 16 jul. 2021.
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, p. 1):

Snethlage teve […] decisiva participação na inserção de Nimuendajú no meio científico. […] viabilizou suas primeiras expedições e publicações científicas, além de articular suas relações com museus e etnólogos alemães, incluindo aquele que viria a ser seu dileto amigo e interlocutor, Koch-Grünberg, de maneira a lhe permitir trabalhar também como coletor profissional.

Figura 1
Emilie Snethlage (em pé) com duas funcionárias nos jardins do Museu Goeldi, c. 1917

Snethlage não foi apenas uma intermediária de contatos acadêmicos para Nimuendajú e, posteriormente, tanto sua chefe quanto sua aliada, mas também uma importante interlocutora acadêmica, sobretudo no que diz respeito aos indígenas das regiões dos rios Xingu, Iriri e Curuá. Ela mesma tinha realizado pesquisas etnográficas e linguísticas com indígenas Xipaya e Kuruaya durante duas expedições, em 1909 e em 1914, a segunda sendo financiada pelo Museu de Etnologia (Museum für Völkerkunde) de Berlim (Sanjad, 2019SANJAD, N. R. Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, Madrid, v. 71, n. 2, p. 273, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14 . Acesso em: 16 jul. 2021.
https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14...
; Snethlage, 1910SNETHLAGE, E. Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahé. Zeitschrift für Ethnologie, Berlin, v. 42, n. 3/4, p. 612-637, 1910., 1913SNETHLAGE, E. Vocabulário comparativo dos Indios Chipayas e Curuahé. Boletim do Museu Goeldi (Museu Paraense) de História Natural e Ethnographia, v. 7, p. 93-99, 1913., 1920/1921SNETHLAGE, E. Die Indianerstämme am mittleren Xingu. Im besonderen die Chipaya und Curuaya. Zeitschrift für Ethnologie, Berlin, v. 52/53, n. 4/5, p. 395-427, 1920/1921.). Ela deve ter incentivado a pesquisa de Nimuendajú com os Xipaya, de 1916 a 1919, aproveitando suas boas relações políticas com o seringalista Ernesto Accioly, um gatekeeper incontornável na região na época, para tentar facilitar a vida do conterrâneo. Sendo responsável pela contratação de Nimuendajú pelo Museu Goeldi, de dezembro de 1919 a maio de 1921, Snethlage era também a interlocutora principal no que diz respeito às coleções etnográficas do museu, que Nimuendajú teve a tarefa de catalogar com um novo sistema.

A partir de 1915, Nimuendajú iniciou uma correspondência autônoma com Koch-Grünberg, a qual foi imediatamente interrompida pela Primeira Guerra Mundial e retomada apenas em abril de 1920.12 12 A correspondência entre os dois etnólogos ainda não foi publicada em sua totalidade, embora trechos de uma parte das cartas já fossem citados em alguns trabalhos (Kraus, 2017; Sanjad, 2019; Schröder, 2019a). Uma edição crítica da correspondência dos dois etnólogos estava em processo de finalização quando este artigo foi escrito. Embora o contato posterior com Lowie seja muito mais conhecido, a relação epistolar com o grande etnólogo alemão não deve ser considerada inferior em termos de qualidades acadêmicas. Pelo contrário, enquanto a relação com Lowie costuma ser interpretada como complementariedade entre um destacado teórico (Lowie) e um experiente pesquisador de campo, no caso da correspondência entre Nimuendajú e Koch-Grünberg percebemos diálogos fascinantes de dois apaixonados pela etnologia que versavam sobre os mais diversos temas da etnologia indígena, em particular mitologias e relações interétnicas, línguas indígenas e seus parentescos genéticos, etno-história, novas publicações antropológicas e, sobretudo, a vida em campo entre os indígenas, mas também sobre a política indigenista. Entre todos os interlocutores de Nimuendajú dos quais dispomos de documentações conservadas, Koch-Grünberg era um tipo de alma gêmea. Embora houvesse uma diferença considerável de status social entre os dois que se manifestou nos tratamentos iniciais das cartas (“Sehr geehrter Herr [Nimuendajú]!” - “Sehr geehrter Herr Professor!”), as afinidades ficaram tão evidentes que Koch-Grünberg, a partir da carta de 30 de junho de 1922,13 13 Nachlass Theodor Koch-Grünberg, Völkerkundliche Sammlung der Philipps-Universität Marburg (doravante: Espólio TKG), VK MR A.33. Ou: “Lembre-se sempre que tem em mim um amigo sincero” (“Denken Sie immer daran, dass Sie an mir einen aufrichtigen Freund haben”); carta de 13 de novembro de 1921, VK MR A.31. (tradução de Miriam Junghans). inesperadamente diminuiu a distância social, iniciando-a com “Sehr geehrter Herr und lieber Freund!” (“estimado senhor e caro amigo”). Na mesma carta, Koch-Grünberg escreve: “Enfim, para falar francamente, como se fala em Hesse, o senhor é um cara legal [ein famoser Kerl] e eu gostaria muito de conhecê-lo pessoalmente e fazer uma viagem com o senhor. Acho que nos daríamos bem.”

Figura 2
Theodor Koch-Grünberg, 1924

Podemos definir a relação entre os dois etnólogos como completamente altruísta, porque não envolvia nenhuma organização de coleções etnográficas ou contratação para expedições, embora Nimuendajú oferecesse mais de uma vez objetos etnográficos ao Museu Linden, do qual Koch-Grünberg era diretor, porém a situação financeira do museu no pós-guerra não permitiu adquiri-los. Koch-Grünberg até chegou a sugerir, numa carta de 13 de novembro de 1921, talvez num momento quando o desânimo estava se misturando com certa ingenuidade: “Aliás, se os brasileiros quiserem que eu seja inspetor de índios, irei imediatamente. Posso passar muito bem sem a Alemanha e, quando penso que teria que viver aqui ainda por décadas, onde as pessoas, com poucas exceções, são tão mesquinhas e o clima tão frio, me dá arrepios.”14 14 Espólio TKG, VK MR A.31 (tradução de Miriam Junghans).

Nimuendajú trabalhou em condições bastante instáveis e geralmente precárias durante todo o período, inicialmente, depois da demissão do SPI em 1915, sob acusação infundada de ser espião do Império Alemão, numa expedição de alguns meses para os Aparai, financiada pelo Museu Goeldi, com o apoio de Emilie Snethlage, sua diretora interina depois do falecimento do diretor Jacques Huber (1867-1914). Mas os resultados da expedição de 1915 favoreceram, afinal de contas, a carreira acadêmica do antropólogo americano William Curtis Farabee (1865-1925) (ver Kraus, 2017KRAUS, M. Nimuendajú, Farabee and the Apalai: some considerations on the process of collecting, digitizing and publishing ethnographic data. In: HOFFMANN, B.; NOACK, K. (ed.). Apalai - Tiriyó - Wayana…: objects_collections_databases. Aachen: Shaker Verlag, 2017. p. 69-87. (Bonner Amerikanistische Studien, 52).), o qual adquiriu não só uma parte da coleção etnográfica organizada por Nimuendajú, mas também seu material etnográfico e linguístico. De 1916 a 1919, Nimuendajú conseguiu sobreviver com empregos temporários e inseguros trabalhando para potentados locais, passando a maior parte do tempo nos seringais do Curuá e Iriri, no sul do Pará (Schröder, 2019aSCHRÖDER, P. An episode from the beginnings of anthropology in the Amazon: Curt Nimuendajú and the Xipaya Indians - a research in adverse circumstances. Anthropos, Baden-Baden, v. 114, n. 2, p. 343-354, 2019a., 2019bSCHRÖDER, P. (org.). Os índios Xipaya: cultura e língua. Textos de Curt Nimuendajú. Campinas: Editora Curt Nimuendajú, 2019b.).

Embora Snethlage sempre fosse uma fiel aliada de Nimuendajú, e vice-versa, um emprego no Museu Goeldi não se revelou como uma alternativa considerada viável:

Desde o começo de junho, sou “Chefe interino da Seção Etnográfica do Museu Goeldi”. Meu salário mensal é de 500$000, mas naturalmente não o recebo, como ninguém recebe nada aqui. A Srta. Dra. Snethlage pede dinheiro a Berringer e a Paaschen [casas comerciais] para si - e para mim.

Inicialmente, eu não queria aceitar o cargo de jeito nenhum, primeiro porque sabia que iriam me deixar morrer de fome, depois porque considero o Museu Goeldi completamente condenado e creio que sua decadência é apenas questão de tempo. Foi um grande crime contra a ciência fazer com que uma instituição como essa ficasse dependente de um governo como o do Pará. Lamento, sinceramente, pela Srta. Dra. Snethlage - cujas realizações científicas tenho na mais alta conta -, que ela tenha se acorrentado dessa forma a essa instituição e que creia que tem consigo mesma a obrigação moral de aguentar até o fim. O que essa senhora suporta de trapaças e calúnias grosseiras pela sua ciência é inacreditável. Nas circunstâncias atuais, que o Museu ainda resista em sua agonia é devido apenas à dedicação da Srta. Dra. Snethlage. Além dela, o pessoal é formado apenas por alguns caluniadores podres para os quais é válido qualquer meio para expulsar a Srta. Dra. e colocar a si mesmos no cargo de diretor e nos outros postos. Isso só não deu certo, até agora, porque o secretário de Estado é, excepcionalmente, um senhor decente. Só os deuses, e talvez nem esses, sabem o que vai acontecer no início do próximo ano, quando chegar o novo governo. Na época em que a Srta. Dra. Snethlage foi dispensada do serviço por causa da guerra, o Museu foi roubado, de forma inacreditável, pelos seus próprios funcionários. Também na minha seção encontro, a cada passo, rastros desses roubos, p. ex., na sua bela coleção [do rio] Caiary, e a grande sorte ainda foi que os sujeitos não conheciam o valor das peças e deixaram as melhores para trás. Quando a Srta. Dra. Snethlage se preparava para sua viagem à Europa, insistiu que eu ficasse no Museu durante sua ausência e fez com que o governo aceitasse minha contratação como condição para sua viagem. Agora, o plano para resolver a questão financeira fracassou e eu gostaria muito de ir embora, mas tenho vergonha da Srta. Dra., cuja situação passei a conhecer bem.15 15 Carta de 29 de julho de 1920, Espólio TKG, VK MR A.29 (grifo no original, tradução de Miriam Junghans).

De final de 1921 até início de 1923, Nimuendajú foi contratado pelo SPI para iniciar os primeiros contatos não violentos (“pacificação”) com os Parintintin (Kagwahiva) (Nimuendajú, 1924NIMUENDAJÚ, C. Os indios Parintintin do rio Madeira. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 16, p. 201-278, 1924.). As duas longas cartas enviadas do campo para Koch-Grünberg são as melhores de toda a correspondência entre os dois etnólogos por causa de suas descrições vivazes.16 16 Cartas de 10 de julho de 1922 e 25 de dezembro de 1922, Espólio TKG, VK MR G.II.1. Embora o episódio tenha entrado na história do indigenismo brasileiro como um dos capítulos mais heroicos, Nimuendajú mais tarde se arrependeu profundamente de ter convencido os Parintintin de abandonar sua postura hostil contra a frente de colonização na região.17 17 Cartas de 25 de dezembro de 1922 e de 22 de agosto de 1923, Espólio TKG, VK MR G.II.1.

De 1923 a 1927, Nimuendajú trabalhou, sobretudo, como colecionador de objetos arqueológicos e etnográficos para o Museu Etnográfico de Gotemburgo (hoje: Museu das Culturas do Mundo [Världskulturmuseet]) ou, mais especificamente, para “o Barão”, ou seja, Erland Nordenskiöld (1877-1932), poderoso diretor do museu e membro de uma das grandes famílias aristocráticas do Reino da Suécia (ver Nimuendajú, 2001NIMUENDAJÚ, C. Excursões pela Amazônia. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 2, p. 189-200, 2001.). Nimuendajú nunca publicou nenhum trabalho arqueológico com os resultados de suas expedições, mas Per Stenborg organizou, em 2004, um impecável volume com a tradução dos relatórios enviados ao museu (Nimuendajú, 2004NIMUENDAJÚ, C. In pursuit of a past Amazon: archaeological researches in the Brazilian Guyana and in the Amazon region. By Curt Nimuendajú. A posthumous work compiled and translated by Stig Rydén and Per Stenborg. Göteborg: Världskulturmuseet, 2004. (Etnologiska Studier, 45).). O museu também financiou a pesquisa de campo entre os Palikur e a publicação da monografia etnográfica resultante (Nimuendajú, 1926NIMUENDAJÚ, C. Die Palikur-Indianer und ihre Nachbarn. Göteborg: Elanders Boktryckeri Aktiebolag, 1926. (Göteborgs Kungl. Vetenskaps- och Vitterhets-Sämhalles Handlingar, Fjärde Följden, v. 31, n. 2).). Além disso, o contato com o Museu Etnográfico de Gotemburgo mais tarde abriria o caminho para o estabelecimento de outra rede transnacional, tendo Lowie como o principal interlocutor.

Snethlage e Koch-Grünberg não só intermediaram a publicação dos primeiros trabalhos de Nimuendajú na Zeitschrift für Ethnologie, mas Koch-Grünberg também abriu o caminho para a publicação dos trabalhos sobre cultura e língua dos Xipaya no periódico Anthropos (Nimuendajú, 1919/1920NIMUENDAJÚ, C. Bruchstücke aus Religion und Überlieferung der Šipáia-Indianer: Beiträge zur Kenntnis der Indianerstämme des Xingú-Gebietes, Zentralbrasilien. Anthropos, Mödling bei Wien, v. 14-15, n. 4-6, p. 1002-1039, 1919/1920., 1921/1922NIMUENDAJÚ, C. Bruchstücke aus Religion und Überlieferung der Šipáia-Indianer: Beiträge zur Kenntnis der Indianerstämme des Xingú-Gebietes, Zentralbrasilien. Anthropos, Mödling bei Wien, v. 16-17, n. 1-3, p. 367-406, 1921/1922., 1923/1924NIMUENDAJÚ, C. Zur Sprache der Sipáia-Indianer. Anthropos, Mödling bei Wien, v. 18-19, p. 836-857, 1923/1924., 1928NIMUENDAJÚ, C. Wortliste der Sipáia-Sprache. Anthropos, Mödling bei Wien, v. 23, n. 5-6, p. 821-850, 1928., 1929aNIMUENDAJÚ, C. Wortliste der Sipáia-Sprache (Schluß). Anthropos, Mödling bei Wien, v. 24, n. 5-6, p. 863-896, 1929a.):

Mas o senhor tem razão, decaímos muito com essa guerra criminosa e suas consequências inevitáveis; isso aconteceu também com nossa ciência, da qual tanto podíamos nos orgulhar anteriormente. É coisa que se pode perceber nos periódicos, enquanto ainda são publicados. A Zeitschrift für Ethnologie, por exemplo - já faz tempo que saiu o último fascículo - com poucas páginas, em um papel terrível e com um conteúdo pífio. Apenas uma lamentável ruína da maravilha que era. […] Por isso, lamento que o senhor não tenha enviado seus trabalhos para mim. Eu poderia tê-los colocado imediatamente no Anthropos, cujos editores, o P[adr]e. Wilh.[elm] Schmidt e o P[adr]e. Wilh.[elm] Koppers, são meus amigos há muitos anos. O Anthropos tem também a divulgação mais ampla e é, hoje, graças aos contatos internacionais que possui, a única revista de etnologia que consegue ser publicada regularmente com um aspecto decente.18 18 Carta de 20 de maio de 1920, Espólio TKG, VK MR A.29 (tradução de Miriam Junghans).

A intermediação de Koch-Grünberg deu início a uma década de contatos de Nimuendajú com o Anthropos, naquela época publicado em Mödling, perto de Viena, e sobretudo com o editor-chefe, o Padre Wilhelm Koppers (1886-1961). Esses contatos terminaram abruptamente em 1929 por decisão unilateral de Nimuendajú, porque Koppers tinha decidido publicar, sem autorização prévia do autor, uma carta particular de Nimuendajú direcionada para ele (Nimuendajú, 1929bNIMUENDAJÚ, C. Curt Nimuendajú im Gebiete der Gê-Völker im Innern Nordost-Brasiliens. Anthropos, Mödling bei Wien, v. 24, n. 3-4, p. 670-672, 1929b.).

Outro contato intermediado por Koch-Grünberg foi com Paul Rivet:

Agradeço-lhe, em especial, também pelos diversos anexos às suas duas cartas: o pequeno e excelente mapa da área na qual fará pesquisas, o vocabulário Kuniba, bem como o interessante mito da lua, que reúne, em si, os diversos motivos e, finalmente, as três listas de palavras Múra e Turá. Esse material será de extraordinário interesse para meu amigo Rivet, a quem muito considero, tanto como pessoa quanto como pesquisador. Será que posso, eventualmente, enviar esse material para que ele o publique no Journal de la Société des Américanistes de Paris, o único periódico no qual coisas como essas são divulgadas com relativa rapidez?19 19 Carta de 12 de março de 1922, Espólio TKG, VK MR A.33 (tradução de Miriam Junghans).

O resultado foi que Nimuendajú conseguiu publicar, entre 1922 e 1932, oito artigos etnográficos e linguísticos, em alemão e em português, no vetusto periódico americanista (Nimuendajú, 1924NIMUENDAJÚ, C. Os indios Parintintin do rio Madeira. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 16, p. 201-278, 1924., 1925NIMUENDAJÚ, C. As tribus do alto Madeira. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 17, p. 137-172, 1925., 1929cNIMUENDAJÚ, C. Lingua Šerénte. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 21, n. 1, p. 127-130, 1929c., 1929dNIMUENDAJÚ, C. Zur Sprache der Maué-Indianer. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 21, n. 1, p. 131-140, 1929d., 1930NIMUENDAJÚ, C. Zur Sprache der Kuruáya-Indianer. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 22, n. 2, p. 317-345, 1930., 1932aNIMUENDAJÚ, C. Wortlisten aus Amazonien. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 24, n. 1, p. 93-119, 1932a., 1932bNIMUENDAJÚ, C. À propos des Indiens Kukura du Rio Verde (Brésil). Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 24, p. 187-189, 1932b.; Nimuendajú; Bentes, 1922NIMUENDAJÚ, C.; BENTES, E. H. do V. Documents sur quelques langues peu connues de l’Amazone. Journal de la Société des Américanistes, Paris, v. 14-15, p. 215-222, 1922.).

Finalmente, Koch-Grünberg intermediou outro contato que, poucos anos mais tarde, abriria novos contatos para Nimuendajú com a etnologia alemã. Numa carta datada de 29 de outubro de 1923,20 20 Espólio TKG, VK MR A.35. Koch-Grünberg começou a apresentar a Nimuendajú o etnólogo suíço Felix Speiser, o qual estava à procura de orientações de um pesquisador experiente para uma expedição etnográfica na Amazônia. Nimuendajú não podia, segundo suas palavras,21 21 Carta sem data (1923? 1924?), Espólio TKG, VK MR A.37. ou não queria, o que é mais provável, acompanhar Speiser, em 1924, na sua expedição aos Aparai, sobre a qual este publicou um livro de divulgação científica (Speiser, 1926SPEISER, F. Im Düster des brasilianischen Urwalds. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1926.).

Para tentar especificar a intensidade dos contatos de Nimuendajú com seus dois interlocutores principais desta primeira rede é importante frisar que a comunicação com Koch-Grünberg foi exclusivamente epistolar e que não existe nenhum indício inequívoco que os dois se encontraram em Belém, em 1924, por ocasião de uma breve passagem de Koch-Grünberg. Em Marburg, há 34 cartas da correspondência arquivadas, enquanto duas podem ter ficado perdidas entre Belém e Stuttgart. As cartas de Nimuendajú geralmente são mais longas e detalhadas do que aquelas de Koch-Grünberg. Em contrapartida, a comunicação entre Nimuendajú e Snethlage, entre 1913 e 1921, dependia menos dos correios, era mais direta e verbal e certamente muito mais frequente. Só a partir de julho de 1922, com a transferência de Snethlage para o Rio de Janeiro, sendo nomeada “naturalista viajante” do Museu Nacional, a comunicação entre os dois tornou-se exclusivamente epistolar.

Desse modo, podemos abstrair os principais contatos da primeira rede transnacional de que Nimuendajú fazia parte na Figura 3.

Figura 3
Principais integrantes da rede (1913-1929). (A espessura das setas indica a frequência e intensidade relativas dos contatos.)

Caso 2: Nimuendajú - Krause - Reche

Essa rede se constituiu a partir de 1927, começou a se desintegrar a partir de 1931/1932, mas durou até 1939. Seu caráter não era altruísta como a anterior, porque envolvia negociações e contratos entre instituições alemãs e Nimuendajú enquanto etnólogo e, sobretudo, colecionador, com o compromisso de entregar produtos ou resultados esperados.

As dificuldades financeiras constituem um tema permanente na biografia do etnólogo, o que também se manifesta em suas correspondências. Não era diferente em 1926, quando as relações com seu patrocinador naquela época, Erland Nordenskiöld, começaram a piorar, levando finalmente ao rompimento da cooperação em 1927 e colocando em risco a continuidade dos trabalhos de Nimuendajú. Naquela situação complicada, uma recomendação de Felix Speiser chegou em boa hora. Em 25 de fevereiro de 1927, ele escreveu uma carta para seu colega Fritz Krause:

Por isso me permita lhe comunicar - com o consentimento do Sr. Nimuendayù [sic] - que ele aceitaria com muito prazer receber encomendas de caráter etnográfico, de modo que ele coletaria para o senhor em determinados lugares. Ele tem conhecimentos de muitas regiões da América do Sul e, já que ele mora no Brasil, poderá visitar com despesas relativamente pequenas qualquer área indicada pelo senhor como área de coleta. Além disso, sua modéstia pessoal é grande.

Desse modo, seu museu teria uma oportunidade de arranjar valiosas coleções originais e o trabalho do Sr. Nimuendayù para a etnografia continuaria a ficar garantida.22 22 Staatliche Ethnographische Sammlungen Sachsen (doravante: SES), Leipzig, 1928/43, Krause, 25/02/1927 (tradução minha).

O etnólogo Fritz Krause (1881-1963) ficou conhecido entre os americanistas sobretudo por sua expedição à região do Araguaia, em 1908-1909. Ele começou a trabalhar no Museu Etnológico de Leipzig, parte do Museu Grassi, em 1912 e assumiu sua diretoria em 1927, mas também ensinou como professor na Universidade de Leipzig, entre 1925 e 1945. Para mais informações sobre a obra de Krause, em particular sua teoria estrutural, ver Wolfradt (2011)WOLFRADT, U. Ethnologie und Psychologie: die Leipziger Schule der Völkerpsychologie. Berlin: Reimer, 2011..

Figura 4
Fritz Krause, 1924.

Para Krause, Nimuendajú não era nenhum nome desconhecido, porque já tinha publicado vários artigos em periódicos como Zeitschrift für Ethnologie, Petermanns Geographische Mitteilungen, Anthropos e Journal de la Société des Américanistes e em meados da década de 1920 já tinha alcançado uma boa reputação internacional como especialista em etnologia e linguística indígena das terras baixas da América do Sul.23 23 A afirmação de que ele teria recebido a atenção do mundo antropológico apenas a partir das publicações sobre os povos falantes de línguas Jê (Welper, 2020) é equivocada e me parece ser uma transferência do cenário atual, das antropologias hegemônicas anglofônicas, para outra situação histórica. A reação de Krause à carta de Speiser foi positiva, mas ele preferiu consultar seu velho amigo, o barão Nordenskiöld.24 24 SES, Leipzig, 1928/43, Krause, 12/11/1927. Este respondeu poucos dias depois:

Quanto a Nimuendajú, preciso lhe dizer que eu o considero um excelente pesquisador que conseguiu executar trabalhos muito valiosos para nós com meios muito modestos. […] O motivo por que cortei as relações com ele é que ele não sabe se virar adequadamente com os brasileiros. Provavelmente ele é honesto demais para adulá-los quando é necessário. Com os índios, no entanto, ele se entende muito bem. Quanto a seus artigos publicados, eles foram elaborados de modo totalmente autônomo.25 25 SES, Leipzig, 1928/43, Krause, 15/12/1927 (sublinhado no original, tradução minha).

O último comentário tem a ver com a dúvida de Krause, se o pesquisador autodidata redigiu seus textos sem ajuda alheia. Entrementes, Nimuendajú e Krause tinham trocado várias ideias, por correspondência, sobre possibilidades de pesquisa de campo e os interesses do museu, mas o aspecto decisivo nessas negociações foi o interesse do museu de adquirir objetos etnográficos da região entre o médio Tocantins e o Mearim, no Maranhão, para “preencher as lacunas regionais” em suas coleções.

Não só Nimuendajú tinha sérios problemas financeiros, o Museu Grassi também estava sofrendo das constantes crises orçamentárias na Alemanha pós-guerra que atingiram a maioria dos museus e instituições científicas. Para achar uma solução para os interesses mútuos, Krause conseguiu em negociações morosas convencer seus colegas Georg Thilenius (1868-1937), do Museu Etnológico de Hamburgo, e Arnold Jacobi (1870-1948), do Museu de Zoologia e Etnologia de Dresden, de apoiar uma expedição e dividir os custos. Em contrapartida, Nimuendajú teve que coletar três exemplares de cada objeto para que estes fossem distribuídos depois entre os três museus.

Nimuendajú realizou duas expedições para a coleta de objetos etnográficos e pesquisas etnológicas para instituições de pesquisa etnológica na Alemanha. A primeira, de setembro de 1928 a maio de 1929, levou-o aos Apinayé, Krĩkateyé, Kreapimkateyé, Pukobyê, Guajajara e Canela (Apanyekrã e Ramkokamekrã). Na segunda expedição, de fevereiro a setembro de 1930, ele visitou os Apinayé, Xerente, Krahô e Canela-Ramkokamekrã. Esta foi financiada pelos museus etnológicos de Leipzig e Hamburgo, pelo Instituto de Etnologia da Universidade de Leipzig e com recursos da Notgemeinschaft der Deutschen Wissenschaft (NDW; Sociedade Emergencial das Ciências Alemãs, criada em 1920). Enquanto na primeira expedição foram solicitadas informações etnográficas detalhadas para acompanhar as coleções, para a segunda foi combinada a publicação de uma monografia (Die Timbira) complementar à exposição dos objetos coletados. Essa monografia em alemão, objeto de negociações demoradas entre Krause e Nimuendajú, acabou por não ser publicada, ao menos não na forma original. A história em torno das duas expedições foi resumida em Schröder (2019c)SCHRÖDER, P. “Three long rows of empty shelves” to fill: Curt Nimuendajú as collector and researcher for ethnological museums in Germany, 1928-1930. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 1, p. 217-240, 2019c., enquanto uma edição crítica da correspondência de Nimuendajú com Krause encontrava-se em fase de finalização quando este artigo foi escrito.

Na primeira expedição, o interlocutor principal foi Fritz Krause, enquanto na segunda, devido ao rearranjo institucional, também entrou Otto Reche (1879-1966), diretor do Instituto de Etnologia da Universidade de Leipzig. Reche foi nomeado professor titular para a cátedra de Antropologia e Etnologia na Universidade de Leipzig, em 1927. Entre os antropólogos alemães que ficavam na Alemanha depois de 1933, Reche pode ser considerado um dos serviçais mais fiéis do regime, inclusive como apologista do genocídio no Leste Europeu. A melhor síntese de sua vida e obra é a tese monumental de Katja Geisenhainer (2002)GEISENHAINER, K. “Rasse ist Schicksal”: Otto Reche (1879-1966) - ein Leben als Anthropologe und Völkerkundler. Leipzig: Evangelische Verlagsanstalt, 2002., a qual tem como enfoque temático sua atuação raciológica durante o Terceiro Reich. Isso explica por que a segunda expedição de Nimuendajú, de 1930, de caráter eminentemente etnológico, é mencionada em apenas uma página. Ela foi financiada, por parte do Instituto de Etnologia em Leipzig, com recursos do Instituto Estadual de Pesquisa da Saxônia (Staatlich-Sächsisches Forschungsinstitut), uma das poucas instituições que ainda conseguiram oferecer auxílios financeiros para pesquisas de campo etnológicas durante os anos finais da República de Weimar.

Com outros antropólogos das instituições envolvidas (Thilenius, Jacobi e Gustav Antze [1877-1957], curador do Museu Etnológico de Hamburgo), Nimuendajú quase não se comunicou. Todos os relatórios de campo e todas as cartas relacionadas a negociações anteriores e posteriores foram enviados exclusivamente para Krause e Reche, enquanto as negociações entre as instituições alemãs ficaram principalmente nas mãos de Krause. As incertezas e demoras dos honorários combinados e da publicação do manuscrito sobre os Timbira, no contexto da crise econômica dos últimos anos da República de Weimar, levaram ao rompimento dos contatos e depois abriram o caminho para a colaboração tanto com instituições norte-americanas quanto com museus brasileiros, o que levou à consolidação da trajetória etnológica de Nimuendajú.

A documentação encontrada pelo autor nos museus etnológicos de Leipzig e Dresden e no arquivo do Instituto de Etnologia da Universidade de Leipzig indica que as correspondências entre Nimuendajú, Krause e Reche foram mantidas ao menos até 1934/1935 e, no caso de Nimuendajú e Krause, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Até agora, não foram descobertos nas cartas de Nimuendajú para os dois professores alemães trechos que poderiam indicar sua própria posição com relação ao nazismo. Porém, diversas cartas enviadas para o amigo Carlos Estevão de Oliveira, a partir de 1933 (em Nimuendajú, 2000NIMUENDAJÚ, C. Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira. Apresentação e notas: Thekla Hartmann. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia: Assírio & Alvim, 2000. (Coleção Coisas de Índios).), e, em particular, a correspondência com sua meia-irmã Olga Richter, em Jena, a qual virou cinzas com o incêndio do Museu Nacional em 2018,26 26 Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, armário MNDA-189, caixa 2, pasta 1. não deixam dúvidas sobre sua aversão total ao nazismo.

As relações entre Nimuendajú, Krause e Reche, no período de 1929 a 1934/1935, podem ser imaginadas com a ajuda da figura de um triângulo, porém, ao transpô-las para um formato geométrico, seria mais pertinente não as pensar como um triângulo equilátero, mas como um isóscele, tendo Nimuendajú, em Belém, no ângulo do vértice e Krause e Reche na base, a qual seria muito curta, já que a distância entre o Museu Grassi e o Instituto de Etnologia em Leipzig é de apenas poucas centenas de metros. Entre os três etnólogos havia diversas convergências, mas também diferenças consideráveis. Os únicos denominadores comuns eram a mesma língua nativa e o interesse pela etnologia, porém a etnologia indígena apenas fazia parte das carreiras profissionais de Nimuendajú e Krause (Schröder, 2020SCHRÖDER, P. Triângulo etnológico: as relações entre Curt Nimuendajú, Fritz Krause e Otto Reche. Um espelho das mudanças no cenário da Antropologia brasileira na década de 1930. In: REUNIÃO EQUATORIAL DE ANTROPOLOGIA, 6., 2019, Salvador. Anais […]. Tema: diversidades, adversidades, resistências, v. 3. Salvador: PPGA/FFCH/UFBA, 2020. p. 570-589. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/32216 . Acesso em: 17 jul. 2021.
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri...
).

A razão de ser da segunda rede transnacional foram interesses científicos e museais, porém bastante diferentes daquela da anterior. Krause era um leitor atento e curioso das cartas de Nimuendajú, mas com seu estilo, às vezes descrito como “prussiano” ou até wilhelminisch (fiel ao Kaiser Guilherme), não conseguiu estabelecer uma troca de ideias e informações tão instigante como Koch-Grünberg ou mais tarde Lowie. Em geral, Nimuendajú forneceu informações etnográficas detalhadas a Krause (e Reche), mas recebeu como reações mais confirmações de recebimento e satisfação do que discussões sobre etnologia e linguística indígena. No entanto, Krause percebeu que Nimuendajú estava fazendo descobertas inovadoras sobre a organização social e o parentesco dos povos indígenas falantes de línguas Jê, sobretudo entre os Ramkokamekrã, de modo que ele até pediu ajuda ao etnólogo Paul Kirchhoff (1900-1972) para interpretar os dados.27 27 Carta de Krause a Kirchhoff, 22 de setembro de 1931, e resposta de Kirchhoff, 16 de outubro de 1931, SES, Leipzig, 1929/71, SAm 17944-18375, Krause, 698-862, 24/10/1934, n. 845/846 e 847. Mas com o fim da relação contratual de Nimuendajú com as instituições alemãs (1930/1931) as informações fornecidas não foram mais usadas para iniciar uma nova fase da pesquisa etnológica alemã a partir de Leipzig e viraram material de arquivo. Os desenvolvimentos políticos na Alemanha não ofereceram novas perspectivas promissoras para a etnologia, a não ser num formato de uma aberração pseudocientífica sujeita aos mandos e desmandos ideológicos do regime. Krause, por exemplo, optou muito cedo por se adaptar.

Como indicador da intensidade de contatos da segunda rede transnacional pode ser citada a quantidade de cartas encontradas no Museu Grassi em Leipzig e no Museu Etnológico de Dresden: 53 cartas entre Nimuendajú e Krause; 12 entre Nimuendajú e Reche; 10 entre Krause e Reche; 29 entre Krause e Thilenius; e 28 entre Krause e Jacobi.

A segunda rede transnacional de Nimuendajú, com os principais contatos, pode ser visualizada na Figura 5.

Figura 5
Principais integrantes da rede (1927-1939). (A espessura das setas indica a frequência e intensidade relativas dos contatos.)

Caso 3: Nimuendajú - Lowie - Steward

A terceira rede transnacional ora revisitada é a mais conhecida da biografia de Nimuendajú, já que seu principal interlocutor até a apresentou em sua autobiografia (Lowie, 1959LOWIE, R. H. Field work in absentia. In: LOWIE, R. H. Robert H. Lowie Ethnologist: a personal record. Berkeley: University of California Press, 1959. p. 119-126.). As relações de Nimuendajú com Lowie e outros antropólogos norte-americanos foram tema de artigos recentes, baseados em materiais inéditos (Faulhaber 2013FAULHABER, P. Conexões internacionais na produção da etnografia de Nimuendajú. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 1, p. 207-256, 2013.; Welper, 2018WELPER, E. M. “Segredos do Brasil”: Curt Nimuendajú, Robert Lowie e os índios do Nordeste. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 61, n. 3, p. 7-51, 2018., 2020WELPER, E. M. Interwar anthropology from the global periphery: Curt Nimuendajú’s correspondence with Robert Lowie and Claude Lévi-Strauss. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 670-680, 2020.), no entanto elas merecem uma monografia detalhada, porque representam uma cooperação singular na história da antropologia.28 28 Numa situação irônica, esse tema até foi sugerido pelo americanista Peter Tschohl (1935-2007), professor catedrático do Instituto de Etnologia da Universidade de Colônia, para a tese de doutorado de Günther Friedrich Dungs, em 1987, porém foi categoricamente ignorado pelo doutorando num tipo de autismo discursivo, ou seja, ele falou sem parar, não aceitando nenhuma orientação ou sugestão. No entanto, ele tinha conseguido tirar fotocópias de grande parte da correspondência entre os dois etnólogos. Às vezes, as melhores orientações encontram ouvidos fechados (minha observação durante o colóquio de orientações ministrado por Tschohl em 1987). Já que o incêndio trágico do dia 2 de setembro de 2018 destruiu aquela parte da correspondência arquivada no Museu Nacional, uma futura edição detalhada das cartas dos dois etnólogos será possível apenas depois de consultar também a documentação arquivada na Bancroft Library da Universidade da Califórnia em Berkeley, para compará-la com a parte digitalizada da correspondência antes do incêndio.

Como a segunda rede analisada, a terceira também surgiu a partir da anterior, o que se percebe lendo as palavras do próprio Lowie (1959LOWIE, R. H. Field work in absentia. In: LOWIE, R. H. Robert H. Lowie Ethnologist: a personal record. Berkeley: University of California Press, 1959. p. 119-126., p. 119):

As early as 1925 the late Baron Erland Nordensköld [sic] told me something of a certain Nimuendajú in Belém de Pará and praised him as an acute observer of native customs. “Nimuendajú” was a name given him by natives and invariably used by him. He was a German named Kurt Onkel [sic], who had spent most of his adult life in Brazil, except for a year’s study in Sweden at Uppsala [sic]. His formal training was meagre, but his natural talents were exceptional. In 1925 I had no interest in South America, so I merely filed this odd name away among my neurons, where it lay for a decade, until Karl G. Izikowitz, a student of Baron Nordenskiöld’s, asked me if something could be done for Nimuendajú, who, ultimately, wrote me a letter himself and sent a sample manuscript.

Quanto ao suposto ano inteiro na Suécia, de fato Nimuendajú passou, em sua única e, ao mesmo tempo, última viagem para a Europa, em 1934, um semestre em Gotemburgo, com auxílio financeiro da Carnegie Foundation. Mas o que mais importa no depoimento de Lowie é a citação de algo que podemos chamar uma Swedish connection. Outra vez percebemos o papel de Nordenskiöld como uma figura central nas redes internacionais de americanistas da época. Karl Gustav Izikowitz (1903-1984) era doutorando do barão e conheceu Nimuendajú em 1934. Existia simpatia mútua entre os dois, apesar dos estilos muito diferentes de pesquisar.29 29 Em 1934, Izikowitz já estava afastado do museu pelo sucessor de Nordenskiöld, Walter Kaudern (1881-1942), porque este era antissemita (e até se filiou ao Partido Nacional-Socialista, em 1938) e Izikowitz, judeu (carta para Carlos Estevão, 9 de junho de 1934; Nimuendajú, 2000, p. 213). Depois da morte de Kaudern, no entanto, Izikowitz conseguiu iniciar sua carreira acadêmica no mesmo museu, em 1944. Nimuendajú finalmente acatou a sugestão de Izikowitz e, em fevereiro de 1935, enviou para Lowie um manuscrito de seu estudo sobre a corrida de toras dos Timbira. Isso foi o passo inicial para uma cooperação que duraria de 1935 a 1942.

Figura 6
Robert Lowie, c. 1933

Para Nimuendajú, a obra de Lowie não era desconhecida. Foi Fritz Krause quem recomendou, numa carta de 12 de dezembro de 1929,31 31 SES, Leipzig, 1929/71, Krause, S. 736-739, 12/12/1929. a leitura de dois livros de Lowie (1920LOWIE, R. H. Primitive society. New York: Boni and Liveright, 1920., 1924LOWIE, R. H. Primitive religion. New York: Boni and Liveright, 1924.) com o argumento de que não haveria nenhuma obra com qualidades iguais disponível na etnologia alemã da época. A compra dos dois livros, inclusive, fazia parte do contrato estipulado para a segunda expedição, em 1930, mas os preços até foram descontados dos honorários acertados, num típico gesto de burocracia prussiana.

A leitura dos livros de Lowie, mas sobretudo a rica e detalhada correspondência entre os dois etnólogos, direcionou as atividades de pesquisa de Nimuendajú para temas que naquela época tinham ocupado espaço menor na literatura americanista de língua alemã, especialmente para questões relacionadas com organização social e parentesco, ou seja, campos temáticos muito destacados na antropologia social britânica, africanista e oceanista, da época, mas também, em escala menor, na antropologia cultural americana. Nimuendajú frequentemente chamou esse enfoque temático de “sociologia”, de acordo com um vocabulário americanista alemão da época. Já que não estava devidamente familiarizado com a terminologia de parentesco antropológica nem com as práticas de pesquisa voltadas especificamente para organização social e parentesco, ele confessou repetidas vezes em suas cartas para Lowie suas dificuldades de anotar informações detalhadas sobre parentesco e, sobretudo, a vida familiar indígena. Um exemplo:

Estou profundamente grato ao senhor por todas as perguntas e indicações sobre as indefinições em minhas descrições. Era isso de que eu tinha sentido falta: e se alguém me tivesse orientado dessa maneira desde o início, talvez meu trabalho tivesse ficado visivelmente melhor. Confesso que não compreendi devidamente o problema dos irmãos consanguíneos [entre os Ramkokamekrã] por falta de uma formação sociológica.32 32 Carta de Nimuendajú para Lowie, 3 de março de 1936, Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 20 (parcialmente reproduzida em Dungs, 1991, p. 268-269, tradução minha).

Lowie sempre respondeu com compreensão e paciência, por exemplo numa carta de 27 de agosto de 1937:

O senhor não precisa se afligir com o fato de ter encontrado algumas dificuldades com a terminologia do parentesco; todo pesquisador sincero passa por isso, apenas trabalhadores [Arbeiter] superficiais afirmam conseguir aprofundar algo a fundo sem mais nada […].33 33 Carta de Nimuendajú para Lowie, 27 de agosto de 1937, Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 21 (parcialmente reproduzida em Dungs, 1991, p. 276-277, tradução minha).

O estudo das complexas estruturas sociais das sociedades dos povos indígenas falantes de línguas Jê era o interesse teórico principal de Lowie que motivou seu “deslocamento regionalista” da América do Norte para a América do Sul, ao menos em parte. A publicação de uma série de trabalhos, ou em conjunto ou como monografias traduzidas para o inglês pelo próprio Lowie, garantiram a Nimuendajú não só um pioneirismo destacado na “Jê-ologia”, ou seja, nos estudos antropológicos dos povos indígenas falantes de línguas Jê, mas também uma visibilidade internacional muito maior do que as publicações americanistas em alemão e português em periódicos europeus. Até a monografia Die Timbira, encomendada por ocasião da segunda expedição de Nimuendajú para instituições alemãs, em 1930, finalmente foi publicada, porém em inglês e em duas partes completamente revisadas (Nimuendajú, 1939NIMUENDAJÚ, C. The Apinayé. Washington, D.C.: The Catholic University of America, 1939. (Anthropological Series, 8)., 1946NIMUENDAJÚ, C. The Eastern Timbira. Translated e edited by Robert H. Lowie. Berkeley: University of California Press, 1946. (University of California Publications in American Archaeology and Ethnology, 41).).

A cooperação entre Lowie e Nimuendajú não só estava baseada numa complementariedade de interesses, teóricos e etnográficos, mas também numa convergência de convicções de que os melhores trabalhos teóricos não resistem à carência de sólidos fundamentos empíricos. Além disso, existia uma certa afinidade por causa da língua nativa comum dos dois etnólogos e um grande respeito recíproco. Até 1942 foi possível, para Lowie, organizar auxílios para as pesquisas de Nimuendajú, sobretudo com recursos do Instituto de Ciências Sociais da Universidade da Califórnia em Berkeley. Nos relatórios oficiais de atividades para a instituição, ele definiu o papel de Nimuendajú como “assistente de pesquisa” (Faulhaber, 2013FAULHABER, P. Conexões internacionais na produção da etnografia de Nimuendajú. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 1, p. 207-256, 2013., p. 225, nota 14), o que, no entanto, não descreve de maneira alguma a relação entre os dois etnólogos.

De fato, existiam, como no caso das duas redes transnacionais anteriores, assimetrias entre os protagonistas. Em primeiro lugar, havia consideráveis diferenças de status social e econômico: por um lado, professores catedráticos e/ou diretores de museus e, por outro lado, um pesquisador e colecionador autodidata sem nenhuma formação acadêmica, sobrevivendo com rendas temporárias e frequentemente imprevisíveis. Contudo, as assimetrias se invertiam ou até ficavam neutralizadas no campo dos conhecimentos etnográficos, etnológicos e linguísticos, porque nenhum dos interlocutores citados neste artigo conseguia demonstrar experiências de campo e conhecimentos concretos equivalentes àqueles de Nimuendajú - com uma exceção: Koch-Grünberg. Por causa disso, a relação entre estes dois etnólogos, apesar de eles provavelmente nunca terem se conhecido pessoalmente, evoluiu para algo simétrico e equilibrado que podemos denominar uma verdadeira amizade.

Quando os Estados Unidos oficialmente entraram na guerra em 1941, os recursos americanos destinados para as pesquisas de Nimuendajú diminuíram cada vez mais até desaparecer completamente. A partir de 1942, ainda havia os honorários de colaborador, pagos pela Smithsonian Institution, para os artigos elaborados para os volumes 1 e 3 do Handbook of South American Indians (publicados em 1946 e 1948, respectivamente), organizado por Julian Steward (1902-1972). As relações com Steward, no entanto, eram marcadas por diversas tensões que tinham a ver tanto com sua personalidade, descrita como autoritária, quanto com as intervenções editoriais nos artigos enviados por Nimuendajú. Em outro colaborador importante do Handbook, o antropólogo de origem suíça Alfred Métraux, contudo, Nimuendajú teve um excelente interlocutor que até se tornou um de seus maiores admiradores e divulgadores, ao lado de Lowie:

Dr. Lowie, who is known for his critical judgement and his severity in his appreciation, mentions you as a typical anthropologist, who by long contact has managed to give us the truest picture of native life. You are perhaps the only man about whom Dr. Lowie expressed unconditional admiration. It is not of sheer enthusiasm and partiality that I have said that your work among the Gê was a turning point in American anthropology. Remember that you are the first one who has discovered this complicated and vicious social organization in South America.34 34 Carta de Alfred Métraux para Nimuendajú, 8 de agosto de 1938 (Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 27).

A quantidade da correspondência envolvendo a terceira rede transnacional apresentada aqui indica a intensidade dos contatos, os quais, afinal de contas, levaram ao auge da produção científica de Nimuendajú: com Lowie, 165 cartas; com Steward, 32; e com Métraux, 17.35 35 Cálculo feito com base na lista de documentos do Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, embora a lista talvez não seja exaustiva e outras cartas originais, ou suas duplicatas, possam ser encontradas em outros arquivos.

Figura 7
Principais integrantes da rede (1935-1945). (A espessura das setas indica a frequência e intensidade relativas dos contatos.)

Uma biografia como espelho de transformações na antropologia brasileira

Podemos nos perguntar se as três redes transnacionais apresentadas representam apenas configurações específicas de determinados períodos de uma biografia incomum ou se é possível perceber uma analogia entre a esfera micro das relações acadêmicas transnacionais do etnólogo e uma tendência macro na antropologia brasileira no mesmo período, ou, em outras palavras, se se trata de uma analogia meramente fortuita ou se podemos identificar causalidades comuns nas duas esferas, micro e macro.

Até a década de 1930, a etnologia alemã exercia uma influência hegemônica na antropologia brasileira, no entanto, a partir da mesma década ela entrou em concorrência crescente com as antropologias francesa, britânica e norte-americana até finalmente perder seu status e protagonismo. Tanto as missões culturais francesas quanto as grandes fundações americanas de fomento à pesquisa (Carnegie, Ford, Rockefeller, etc.) contribuíram para a crescente influência das antropologias francesa e, sobretudo, norte-americana nas ciências sociais brasileiras. Ao menos, essa é a parte mais conhecida da história (Pinheiro; Schröder; Vermeulen, 2019PINHEIRO, C. C.; SCHRÖDER, P.; VERMEULEN, H. F. Introduction: the German tradition in Latin American anthropology. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 1, p. 64-96, 2019.).

Frequentemente também se invoca o argumento da falta de familiaridade com a língua alemã para tentar explicar a perda da influência das ciências humanas de língua alemã em diversos países latino-americanos a partir da década de 1930. Porém, esse argumento é questionável para as gerações de antropólogos brasileiros atuantes nas décadas de 1930 a 1950, os quais frequentemente sabiam ler e falar alemão, ou seja, essa interpretação parece ser uma transferência dos conhecimentos linguísticos dos antropólogos brasileiros atuais para outra época histórica. Além disso, a língua nunca foi nenhum impedimento para a presença contínua e forte da sociologia alemã nos currículos brasileiros de ciências sociais.

Isso significa que devemos lançar um olhar para outros aspectos e outras explicações, além das influências de órgãos de fomento estrangeiros e de competências linguísticas. Identificamos três causas principais para o afastamento gradual da etnologia alemã na antropologia brasileira: 1) o encolhimento do ambiente institucional alemão e austríaco como consequência da Primeira Guerra Mundial e das crises econômicas subsequentes; 2) a intoxicação ideológica nazista das instituições acadêmicas a partir dos últimos anos da República de Weimar; e 3) a crescente estagnação das discussões teóricas no âmbito das antropologias de língua alemã depois da Primeira Guerra Mundial.

1) O declínio institucional e financeiro

A etnologia alemã pode ser considerada uma antiga antropologia hegemônica, de acordo com os critérios de definição de hegemonia usados por Ribeiro (2006)RIBEIRO, G. L. Antropologias mundiais: para um novo cenário global na antropologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21, n. 60, p. 147-165, 2006. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100009 . Acesso em: 17 jul. 2021.
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para o cenário global, embora Barth et al. (2005)BARTH, F. et al. One discipline, four ways: British, German, French, and American anthropology. Chicago: The University of Chicago Press, 2005. ainda a tenham incluído entre as quatro grandes tradições da área. Para a etnologia americanista de língua alemã, o período entre a década de 1880 e o início da Primeira Guerra Mundial foi algo como um auge, sobretudo com relação às pesquisas realizadas em diversas partes da América do Sul.

O declínio institucional e financeiro começou com a Primeira Guerra Mundial, como mostrou Petschelies (2019PETSCHELIES, E. Theodor Koch-Grünberg (1872-1924): a “field ethnologist” and his contacts with Brazilian intellectuals. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 1, p. 192-211, 2019., p. 487-552), seguido pela perda das colônias do Império Alemão, pela dissolução do Império Austro-Húngaro e pelo boicote internacional contra as ciências alemãs no pós-guerra. A pauperização não só disse respeito aos recursos financeiros disponíveis para instituições de pesquisa antropológica, mas também às condições de vida materiais dos próprios profissionais da área durante a guerra e no pós-guerra. Em suas cartas para Nimuendajú, Koch-Grünberg fala das condições gerais para o trabalho acadêmico no pós-guerra apenas em termos gerais, mas alguns detalhes como a falta de papel, ou sua qualidade, para imprimir periódicos científicos são bastante reveladores. O principal financiador das grandes expedições etnográficas nas três décadas antes da guerra, o Museu Etnológico de Berlim, não conseguiu mais desempenhar esse papel. É irônico e, ao mesmo tempo, revelador que a expedição durante a qual faleceu Koch-Grünberg, em 1924, tenha sido organizada pelo geógrafo americano Hamilton Rice (1875-1956) com recursos americanos.

Enquanto o Reich, depois da hiperinflação, passou por uma recuperação econômica no período de 1924 a 1929, isso não teve impactos significativos para pequenas áreas como a etnologia. E com a Grande Depressão, a partir de 1929, o quadro voltou a se agravar. A história das duas expedições realizadas por Nimuendajú para instituições alemãs é sintomática: elas apenas foram possíveis devido ao financiamento garantido por várias instituições em conjunto. Mesmo assim, no final faltou o dinheiro para publicar a monografia sobre os Timbira.

2) A ascensão do nazismo

Enquanto a repressão do regime nazista se instalou imediatamente após a Machtergreifung (tomada de poder) em 30 de janeiro de 1933, fazendo com que uma parte dos etnólogos alemães optasse pela emigração, como Herbert Baldus, por exemplo, a intoxicação ideológica do meio acadêmico já tinha se tornado evidente e perceptível em anos anteriores, de modo que Bossert e Villar (2019)BOSSERT, F.; VILLAR, D. Una vida antropológica: biografía de Max Schmidt. In: BÉROSE: Encyclopédie internationale des histoires de l’anthropologie. Paris: IIAC-LAHIC, CNRS/Ministère de la Culture, 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.berose.fr/?Una-vida-antropologica-biografia-de-Max-Schmidt . Acesso em: 19 jul. 2020.
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até aventaram a hipótese de que aquele clima político-ideológico poderia ter sido um dos motivos principais que teriam levado o etnólogo Max Schmidt a optar pela emigração, em 1929.

As biografias dos dois principais interlocutores de Nimuendajú no contexto desta pesquisa, Krause e Reche, podem ser descritas como típicas para o período nazista e, em particular, para o conjunto dos antropólogos alemães que optaram por não emigrar, embora outras biografias, bastante diferentes e às vezes trágicas, também fossem documentadas, mostrando outras facetas daquilo que significou sobreviver, ou tentar sobreviver, como antropólogo sob um regime totalitário.

A atuação de Krause foi de suma importância para a organização profissional da etnologia alemã, já que ele foi o fundador e primeiro presidente da Associação Alemã de Etnologia (Deutsche Gesellschaft für Völkerkunde), criada em 1929. Mas também em outro sentido: como membro do partido nazista, ele ficou na direção do Museu Grassi, de Leipzig, até a derrota definitiva do Reich. Sendo removido de seu cargo pelos soviéticos, ainda em 1945, Krause ficou um profissional marginalizado na antiga RDA até seu falecimento, em 1963.

Enquanto na biografia de Krause o envolvimento com o regime nazista representa uma faceta repugnante, esse aspecto tornou-se um traço predominante na atuação acadêmica de Reche. Em novembro de 1933, Reche, junto com outros etnólogos, foi signatário de uma carta aberta de apoio ao regime.36 36 “Bekenntnis der Professoren an den deutschen Universitäten und Hochschulen zu Adolf Hitler und dem nationalsozialistischen Staat” (“Carta de apoio dos professores nas universidades e escolas de ensino superior alemães a Adolf Hitler e ao Estado nacional-socialista”), de 11 de novembro de 1933. Em alemão, isso se chama “obediência antecipada” (vorauseilender Gehorsam). Sob sua direção, o Instituto de Antropologia e Etnologia na Universidade de Leipzig foi rebatizado em Instituto de Raciologia e Etnologia, e suas atividades evoluíram em duas direções: por um lado, foi dada continuidade às pesquisas etnológicas convencionais (enquanto elas tinham um caráter inócuo do ponto de vista ideológico), por outro lado, Reche transformou o instituto em um endereço de referência para pesquisas raciológicas, especializado na emissão de pareceres sobre “pertencimento racial” (Rassenzugehörigkeit) no sentido da ideologia arianista do regime.

O desinteresse do regime pela antropologia cultural e social, ao contrário do fomento dado à antropologia física, no sentido raciológico, foi outro duro golpe dado à etnologia alemã, impossibilitando uma recuperação de seu antigo status no contexto internacional.

3) Estagnação teórica

Com as duas guerras mundiais, não foram apenas os antropólogos de língua alemã que frequentemente viram diminuir seu prestígio acadêmico. As antropologias na Alemanha e na Áustria também perderam espaço no cenário internacional por orientações teóricas infelizes. A maioria dos antropólogos optou por abordagens difusionistas que mais tarde se revelariam como inférteis, levando a um beco sem saída teórico. Embora uma parte dos antropólogos de língua alemã ainda mantivesse vivos seus contatos internacionais e aplicasse outras abordagens em suas pesquisas,37 37 Uma das exceções importantes foi Richard Thurnwald (1869-1954), conhecido por sua abordagem denominada “funcionalismo histórico”. Thurnwald fazia parte de amplas redes transnacionais de antropólogos e estava bem familiarizado com os trabalhos dos colegas britânicos e de suas metodologias. Seus trabalhos, inclusive, foram citados por Malinowski. Apesar de suas contribuições inovadoras para a etnologia alemã, ele optou por voltar para a Alemanha em 1936 e arranjar-se com os nacional-socialistas. a maioria optou pelo isolamento teórico, abandonou seus contatos internacionais, ou os perdeu, e depois foi incapaz de reconhecer os avanços inovadores na área oferecidos pelas antropologias americana e britânica. Por exemplo, o funcionalismo, nas versões malinowskiana e browniana, apenas entraram nas grades curriculares etnológicas alemãs depois da Segunda Guerra Mundial (Haller, 2012HALLER, D. Die Suche nach dem Fremden: Geschichte der Ethnologie in der Bundesrepublik 1945-1990. Frankfurt am Main: Campus, 2012.).

Desse modo, depois da Primeira Guerra Mundial, a antropologia praticada nos países de língua alemã tinha cada vez menos a oferecer tanto a um estudioso como Nimuendajú, em particular, quanto ao conjunto da pequena comunidade de antropólogos brasileiros, do ponto de vista teórico. A aproximação de um estudioso familiarizado com a bibliografia especializada em língua alemã à antropologia americana da linhagem boasiana, representada por Lowie e outros antropólogos, ao que tudo indica, não foi nenhuma decisão meramente pragmática, envolvendo possibilidades de financiamentos disponíveis, mas também estava caracterizada por uma certa afinidade tanto pessoal quanto teórica, ao menos implícita, já que a tradição culturalista tinha suas origens na Alemanha do século XIX e o próprio Lowie, nascido em Viena, sempre manteve vivos seus vínculos com a língua alemã. Desse modo, podemos constatar que a hipótese inicial ficou confirmada, levando em consideração o material empírico consultado: uma analogia entre a esfera micro das relações acadêmicas transnacionais de Nimuendajú e uma tendência macro na antropologia brasileira no mesmo período.

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  • WOLFRADT, U. Ethnologie und Psychologie: die Leipziger Schule der Völkerpsychologie. Berlin: Reimer, 2011.
  • 1
    Este artigo é um dos resultados de dois projetos de pesquisa financiados com recursos do CNPq na modalidade Produtividade em Pesquisa (PQ): “Curt Unckel Nimuendajú e a etnologia alemã nas décadas de 1910 e 1920: uma contribuição à história da Antropologia no Brasil” (processo n. 307304/2013-2; 2014-2017) e “Triângulo etnológico: as relações entre Curt Nimuendajú, Fritz Krause e Otto Reche. Um espelho das mudanças no cenário da antropologia brasileira na década de 1930” (processo n. 306550/2016-4; 2017-2020). Agradeço ao CNPq pelo apoio. Também expresso minha gratidão aos três pareceristas anônimos da primeira versão do artigo pelas leituras atentas e pelas diversas sugestões construtivas.
  • 2
    Às vezes pode-se ler que isso ocorreu em 1922, porém a certidão de naturalização original, de 30 de janeiro de 1926, encontra-se guardada no Arquivo Guilherme de La Penha, do Museu Paraense Emílio Goeldi. A origem do equívoco do ano da naturalização ainda é desconhecida.
  • 3
    Welper (2016)WELPER, E. M. Da vida heroica ao diário erótico: sobre as mortes de Curt Nimuendajú. Mana, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 551-586, 2016. apresenta, num artigo mais recente, um tipo de genealogia das diversas versões da morte de Nimuendajú.
  • 4
    Mais especificamente, na Área Antropologia Cultural e Social (Fachgebiet Kultur- und Sozialanthropologie), Instituto de Antropologia Social e Ciências da Religião (Institut für Sozialanthropologie und Religionswissenschaft) da Universidade de Marburg. Ver https://www.uni-marburg.de/de/fb03/ivk/fachgebiete/kultur-und-sozialanthropologie/ethnographische-sammlung/nachlass-koch-gruenberg (acesso em 16/07/2021).
  • 5
    Ver também Barnard e Spencer (1996BARNARD, A.; SPENCER, J. (ed.). Encyclopedia of social and cultural anthropology. London: Routledge, 1996., p. 586: “German ethnologist”) e Panoff e Perrin (1973PANOFF, M.; PERRIN, M. Dictionnaire de l’ethnologie. Paris: Payot, 1973. (Petite Bibliothèque Payot, 224)., p. 193: “chercheur allemand”).
  • 6
    A inserção de Nimuendajú em redes internacionais de comercialização de objetos etnográficos e arqueológicos já foi apresentada e discutida em trabalhos anteriores (Grupioni, 1998GRUPIONI, L. D. B. Coleções e expedições vigiadas: os etnólogos no Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 1998., por exemplo), embora ainda exista muito material inédito sobre essas atividades e relações do etnólogo. Faulhaber (2013)FAULHABER, P. Conexões internacionais na produção da etnografia de Nimuendajú. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 1, p. 207-256, 2013., por sua vez, focaliza as conexões internacionais de Nimuendajú na produção da etnografia Ticuna, no período de 1940 a 1945.
  • 7
    No PPGA da UFPE até se fala, jocosamente, de uma “nimuendajulogia”, em analogia a outras subsubáreas presentes naquele programa de pós-graduação e estudadas exaustivamente por alunos do mestrado e doutorado, como “quadrilhologia”, “juremologia” ou “maracatulogia”, para citar apenas poucos exemplos.
  • 8
    Carta de Alfred Métraux para Nimuendajú, 8 de agosto de 1938 (Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 27).
  • 9
    Nimuendajú manteve contatos epistolares regulares com etnólogos franceses em vários períodos de sua vida, por exemplo com Paul Rivet (1876-1958), mas também com etnógrafos não profissionais como o missionário Constant Tastevin (1880-1962); ver Faulhaber (2008)FAULHABER, P. Etnografia na Amazônia e tradução cultural: comparando Constant Tastevin e Curt Nimuendajú. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: ciências humanas, Belém, v. 3, n. 1, p. 15-29, 2008. e Faulhaber e Monserrat (2008)FAULHABER, P.; MONSERRAT, R. (org.). Tastevin e a etnografia indígena: coletânea de traduções de textos produzidos em Tefé (AM). Rio de Janeiro: Museu do Índio, 2008. (Série Monografias).. Também houve uma breve correspondência com Claude Lévi-Strauss, em 1937, sobre sua eventual participação numa expedição a ser organizada pelo jovem antropólogo francês, no entanto Nimuendajú declinou o convite, tanto por discordar da composição da expedição quanto por preferir pesquisas de campo individuais. Sobre esse episódio cf. Welper (2020)WELPER, E. M. Interwar anthropology from the global periphery: Curt Nimuendajú’s correspondence with Robert Lowie and Claude Lévi-Strauss. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 670-680, 2020. e Villar (2020)VILLAR, D. Los viajes del Doctor Vellard. Disparidades: revista de antropología, Madrid, v. 75, n. 1, e002, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/dra.2020.002 . Acesso em: 18 jul. 2021.
    https://doi.org/10.3989/dra.2020.002...
    . Esses contatos com a antropologia francesa não serão aprofundados no resto do artigo para não extrapolar seu tamanho.
  • 10
    Cf., por exemplo, Nimuendajú (1982)NIMUENDAJÚ, C. Textos indigenistas: relatórios, monografias, cartas. Introdução de Carlos de Araújo Moreira Neto. Prefácio e coordenação de Paulo Suess. São Paulo: Loyola, 1982. (Coleção Missão Aberta, 6). e Gonçalves (1993)GONÇALVES, M. A. (org.). Etnografia e indigenismo: sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os índios do Pará. Campinas: Editora da Unicamp, 1993..
  • 11
  • 12
    A correspondência entre os dois etnólogos ainda não foi publicada em sua totalidade, embora trechos de uma parte das cartas já fossem citados em alguns trabalhos (Kraus, 2017KRAUS, M. Nimuendajú, Farabee and the Apalai: some considerations on the process of collecting, digitizing and publishing ethnographic data. In: HOFFMANN, B.; NOACK, K. (ed.). Apalai - Tiriyó - Wayana…: objects_collections_databases. Aachen: Shaker Verlag, 2017. p. 69-87. (Bonner Amerikanistische Studien, 52).; Sanjad, 2019SANJAD, N. R. Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os “etnógrafos berlinenses”: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, Madrid, v. 71, n. 2, p. 273, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14 . Acesso em: 16 jul. 2021.
    https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14...
    ; Schröder, 2019aSCHRÖDER, P. An episode from the beginnings of anthropology in the Amazon: Curt Nimuendajú and the Xipaya Indians - a research in adverse circumstances. Anthropos, Baden-Baden, v. 114, n. 2, p. 343-354, 2019a.). Uma edição crítica da correspondência dos dois etnólogos estava em processo de finalização quando este artigo foi escrito.
  • 13
    Nachlass Theodor Koch-Grünberg, Völkerkundliche Sammlung der Philipps-Universität Marburg (doravante: Espólio TKG), VK MR A.33. Ou: “Lembre-se sempre que tem em mim um amigo sincero” (“Denken Sie immer daran, dass Sie an mir einen aufrichtigen Freund haben”); carta de 13 de novembro de 1921, VK MR A.31. (tradução de Miriam Junghans).
  • 14
    Espólio TKG, VK MR A.31 (tradução de Miriam Junghans).
  • 15
    Carta de 29 de julho de 1920, Espólio TKG, VK MR A.29 (grifo no original, tradução de Miriam Junghans).
  • 16
    Cartas de 10 de julho de 1922 e 25 de dezembro de 1922, Espólio TKG, VK MR G.II.1.
  • 17
    Cartas de 25 de dezembro de 1922 e de 22 de agosto de 1923, Espólio TKG, VK MR G.II.1.
  • 18
    Carta de 20 de maio de 1920, Espólio TKG, VK MR A.29 (tradução de Miriam Junghans).
  • 19
    Carta de 12 de março de 1922, Espólio TKG, VK MR A.33 (tradução de Miriam Junghans).
  • 20
    Espólio TKG, VK MR A.35.
  • 21
    Carta sem data (1923? 1924?), Espólio TKG, VK MR A.37.
  • 22
    Staatliche Ethnographische Sammlungen Sachsen (doravante: SES), Leipzig, 1928/43, Krause, 25/02/1927 (tradução minha).
  • 23
    A afirmação de que ele teria recebido a atenção do mundo antropológico apenas a partir das publicações sobre os povos falantes de línguas Jê (Welper, 2020WELPER, E. M. Interwar anthropology from the global periphery: Curt Nimuendajú’s correspondence with Robert Lowie and Claude Lévi-Strauss. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 670-680, 2020.) é equivocada e me parece ser uma transferência do cenário atual, das antropologias hegemônicas anglofônicas, para outra situação histórica.
  • 24
    SES, Leipzig, 1928/43, Krause, 12/11/1927.
  • 25
    SES, Leipzig, 1928/43, Krause, 15/12/1927 (sublinhado no original, tradução minha).
  • 26
    Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, armário MNDA-189, caixa 2, pasta 1.
  • 27
    Carta de Krause a Kirchhoff, 22 de setembro de 1931, e resposta de Kirchhoff, 16 de outubro de 1931, SES, Leipzig, 1929/71, SAm 17944-18375, Krause, 698-862, 24/10/1934, n. 845/846 e 847.
  • 28
    Numa situação irônica, esse tema até foi sugerido pelo americanista Peter Tschohl (1935-2007), professor catedrático do Instituto de Etnologia da Universidade de Colônia, para a tese de doutorado de Günther Friedrich Dungs, em 1987, porém foi categoricamente ignorado pelo doutorando num tipo de autismo discursivo, ou seja, ele falou sem parar, não aceitando nenhuma orientação ou sugestão. No entanto, ele tinha conseguido tirar fotocópias de grande parte da correspondência entre os dois etnólogos. Às vezes, as melhores orientações encontram ouvidos fechados (minha observação durante o colóquio de orientações ministrado por Tschohl em 1987).
  • 29
    Em 1934, Izikowitz já estava afastado do museu pelo sucessor de Nordenskiöld, Walter Kaudern (1881-1942), porque este era antissemita (e até se filiou ao Partido Nacional-Socialista, em 1938) e Izikowitz, judeu (carta para Carlos Estevão, 9 de junho de 1934; Nimuendajú, 2000NIMUENDAJÚ, C. Cartas do sertão de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira. Apresentação e notas: Thekla Hartmann. Lisboa: Museu Nacional de Etnologia: Assírio & Alvim, 2000. (Coleção Coisas de Índios)., p. 213). Depois da morte de Kaudern, no entanto, Izikowitz conseguiu iniciar sua carreira acadêmica no mesmo museu, em 1944.
  • 30
  • 31
    SES, Leipzig, 1929/71, Krause, S. 736-739, 12/12/1929.
  • 32
    Carta de Nimuendajú para Lowie, 3 de março de 1936, Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 20 (parcialmente reproduzida em Dungs, 1991DUNGS, F. G. Die Feldforschung von Curt Unckel Nimuendajú und ihre theoretisch-methodischen Grundlagen. Bonn: Holos, 1991. (Mundus Ethnologie, 43)., p. 268-269, tradução minha).
  • 33
    Carta de Nimuendajú para Lowie, 27 de agosto de 1937, Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 21 (parcialmente reproduzida em Dungs, 1991DUNGS, F. G. Die Feldforschung von Curt Unckel Nimuendajú und ihre theoretisch-methodischen Grundlagen. Bonn: Holos, 1991. (Mundus Ethnologie, 43)., p. 276-277, tradução minha).
  • 34
    Carta de Alfred Métraux para Nimuendajú, 8 de agosto de 1938 (Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, pasta 27).
  • 35
    Cálculo feito com base na lista de documentos do Arquivo Curt Nimuendajú, CELIN, Museu Nacional/UFRJ, embora a lista talvez não seja exaustiva e outras cartas originais, ou suas duplicatas, possam ser encontradas em outros arquivos.
  • 36
    “Bekenntnis der Professoren an den deutschen Universitäten und Hochschulen zu Adolf Hitler und dem nationalsozialistischen Staat” (“Carta de apoio dos professores nas universidades e escolas de ensino superior alemães a Adolf Hitler e ao Estado nacional-socialista”), de 11 de novembro de 1933.
  • 37
    Uma das exceções importantes foi Richard Thurnwald (1869-1954), conhecido por sua abordagem denominada “funcionalismo histórico”. Thurnwald fazia parte de amplas redes transnacionais de antropólogos e estava bem familiarizado com os trabalhos dos colegas britânicos e de suas metodologias. Seus trabalhos, inclusive, foram citados por Malinowski. Apesar de suas contribuições inovadoras para a etnologia alemã, ele optou por voltar para a Alemanha em 1936 e arranjar-se com os nacional-socialistas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2021
  • Aceito
    01 Jul 2021
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