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Ernesto De Martino e o percurso italiano da antropologia

Ernesto De Martino and the Italian path of antropology

Resumo

Ernesto De Martino foi uma figura central no panorama europeu dos estudos etnológicos, filosóficos e histórico-religiosos da primeira metade do século XX, mas é quase desconhecido no mundo lusófono. O artigo pretende ser uma introdução ao pensamento do estudioso italiano, cuja obra está sendo redescoberta nos últimos anos pela antropologia norte-americana e francesa, enquanto antecipadora de temas e problemas contemporâneos. Após uma análise do debate travado com as escolas europeias de pensamento - não apenas antropológico - da primeira metade do século, são explorados alguns conceitos centrais no pensamento do autor, elaborados a partir das contribuições da filosofia e da psicanálise. A última parte do artigo apresenta brevemente as etnografias realizadas entre as comunidades camponesas do sul da Itália, que mostram os itinerários conceituais, políticos e etnográficos inusuais de uma antropologia “periférica”.

Palavras-chave:
Ernesto De Martino; antropologia da religião; historicismo; antropologia italiana

Abstract

Ernesto De Martino was a central figure in the European panorama of ethnological, philosophical and historical-religious studies in the first half of the 20th century, but he is almost unknown in Portuguese-speaking world. This article aims to introduce his work, which, has been rediscovered in recent years by North American and French anthropology, as an anticipator of contemporary issues and problems. After an analysis of the debate with European schools of thought - not just anthropological - of the first half of the century, I explore some central concepts elaborated from the contributions of philosophy and psychoanalysis. The last part of the article briefly presents De Martino’s ethnographies on the peasant communities of southern Italy, that show the unusual conceptual, political and ethnographic itineraries of a “peripheral” anthropology.

Keywords:
Ernesto De Martino; anthropology of religion; historicism; Italian anthropology

Introdução1 1 Agradeço aos membros do projeto “Crise da presença e reintegração religiosa” pelas estimulantes contribuições à redação deste texto. Agradeço também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pela bolsa concedida nos anos de 2015-2016, para realizar a pesquisa na Itália que deu origem a este trabalho.

Ernesto De Martino foi um dos intelectuais mais complexos e instigantes do século XX: entre etnologia e história das religiões, entre fenomenologia e historicismo, entre filosofia e psicanálise, suas pesquisas constituem ainda hoje uma fonte de reflexão crítica a respeito da abordagem histórico-antropológica da religião e do ritual.

O trabalho do estudioso italiano, falecido em 1965, não alcançou no século XX o devido reconhecimento no campo da antropologia, por razões que remetem parcialmente à pouca abrangência da(s) língua(s) utilizadas pelo autor, que escrevia preferencialmente em italiano e alemão, ou à situação periférica e francamente “atrasada” da antropologia italiana, dominada por décadas pelo folclorismo ou pela antropologia física. Mais determinante para o isolamento de De Martino, que preferia falar em “etnologia” ou em “história das religiões” do que em “antropologia”, justamente por causa da herança pesada da antropologia física, foi a profundidade da reflexão que transpira também na linguagem rica de ecos filosóficos. A opção historicista marcada pelo diálogo intenso (e tenso) com seu mestre Benedetto Croce, mas também com a fenomenologia heideggeriana e com o existencialismo de Jaspers, encontravam pouco interesse - se não uma aberta hostilidade - na antropologia europeia da época. Finalmente, o interesse pela análise da cultura camponesa do sul da Itália relegou frequente e apressadamente sua obra ao campo marginalizado dos estudos de “folclore”.

A própria escolha dos interlocutores privilegiados no debate com as correntes de pensamento antropológico ou histórico-religioso (a escola histórico-cultural alemã ou a fenomenologia da religião), a pobreza do diálogo com as escolas francesa e britânica - liquidadas simplesmente como anti-históricas ou, last but not least, a recusa do diálogo com a sociologia, impediram uma compreensão integral do trabalho do estudioso napolitano. O isolamento de De Martino naquele que foi chamado seu “historicismo heroico” (Pasquinelli, 1981PASQUINELLI, C. Lo ‘storicismo eroico’ di Ernesto De Martino. La Ricerca Folklorica, [s. l.], n. 3, p. 77-83, 1981.) deve-se, mais simplesmente, a uma reflexão que cada vez mais aparece como demasiado adiantada com relação à antropologia de seu tempo, mostrando intuições que, vistas retrospectivamente, apontam para debates candentes na contemporaneidade, até mesmo além da antropologia: a centralidade das noções gramscianas de hegemonia e subalternidade, a ênfase no corpo enquanto lugar do sujeito, a performatividade do ritual e, sobretudo, a ideia de fluidez entre sujeito e objeto e a crítica à naturalização dos conceitos, historicamente construídos, de “realidade” e de “natureza”. Evidentemente, De Martino não utilizou esses termos, mas construiu uma linguagem peculiar, nem sempre de compreensão imediata, cunhando expressões conceitualmente densas, como a de “crise da presença e resgate cultural”, “de-historização institucional”, “regime protegido”, “etnocentrismo crítico”, conceitos esses que tentarei abordar, pelo menos em parte e de forma preliminar, nas páginas a seguir.

O século XXI tem redescoberto Ernesto De Martino, não apenas na Itália, mas na Europa e fora dela. Além de uma quantidade de artigos e livros em inglês, francês, espanhol, alemão e japonês sobre as teorias demartinianas (Berrocal, 2009BERROCAL, E. G. The post-colonialism of Ernesto De Martino: the principal of critical ethnocentrism as a failed attempt to reconstruct ethnographic authority. History and Anthropology, [s. l.], v. 20, n. 2, p. 123-38, 2009.; Charuty, 2009CHARUTY, G. Ernesto De Martino: les vies antérieures d’un anthropologue. Marseille: Parenthèses: MMSH, 2009.; Fabre, 2013FABRE, D. Ernesto De Martino, la fin du monde et l’anthropologie de l’historie. Archives des sciences sociales des religions, [s. l.], n. 161, p. 147-162, 2013.; Farnetti; Stewart, 2012FARNETTI, T.; STEWART, C. Crisis of presence and religious reintegration. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 431-450, 2012.; Feixa, 2008FEIXA, C. Más allá de Éboli: Gramsci, De Martino y el debate sobre la cultura subalterna en Itália. In: DE MARTINO, E. El folclore progresivo y otros ensayos. Barcelona: Editorial MACBA : Universitat Autònoma de Barcelona, 2008. p. 13-66.; Ferrari, 2012FERRARI, F. Ernesto De Martino on religion: the crisis and the presence. London: Routledge, 2012.; Zinn, 2015ZINN, D. L. An introduction to Ernesto De Martino’s relevance for the study of folklore. The Journal of American Folklore, [s. l.], v. 128, n. 507, p. 3-17, Winter 2015.) foram retraduzidas e republicadas algumas das obras mais densas de sua vasta produção. Na França, após um período de esquecimento que seguiu o entusiasmo por De Martino de parte da antropologia francesa (notadamente aquela mais distante do estruturalismo e próxima dos interesses de pesquisa do autor, bem como do existencialismo),2 2 A publicação de três livros do autor, entre 1966 e 1971, foi incentivada por Michel Leiris e Alfred Métraux. Para uma análise das complexas relações entre a antropologia francesa e Ernesto De Martino, cf. Fabre (1999), Bergé (2001), Maccauro (2016) e Pizza (2017). o diálogo tem sido recuperado a partir do final da década de 1990 (Charuty, 2017CHARUTY, G. Horizons de Daniel Fabre. La Ricerca Folklorica, [s. l.], n. 72, p. 269-286, 2017.; Dossier: Ernesto De Martino, 1999DOSSIER: Ernesto De Martino. Gradhiva: revue d’histoire et d’archives de l’anthropologie, [s. l.], n. 26, p. 50-107, 1999.; Fabre, 1999FABRE, D. Un rendez-vous manqué. Ernesto De Martino et sa réception en France. L’Homme, [s. l.], v. 39, n. 151, p. 207-236, 1999.) e, sobretudo, com a publicação de La fin du monde: essai sur les apocalypses culturelles (De Martino, 2016DE MARTINO, E. La fin du monde: essai sur les apocalypses culturelles. Texte établi, traduit de l’italien et annoté sous la direction de G. Charuty, D. Fabre et M. Massenzio. Traducteurs: L. Ardito, M. Boiteux, P. Clément-Delteil, C. Gauthier, R. Routeau. Paris: Èditions EHESS, 2016. (EHESS Translations, 4).). Trata-se não apenas da tradução, mas da reorganização de La fine del mondo (De Martino, 1977aDE MARTINO, E. La fine del mondo: contributo all’analisi delle apocalissi culturali. Org. C. Gallini. Torino: Einaudi, 1977a.), livro postumamente publicado em italiano em 1977, a partir de inúmeras fichas de leituras críticas e reflexões originais a respeito dos “apocalipses culturais” produzidos pelos movimentos proféticos dos povos oprimidos pela colonização, numa visão comparativa com a própria crise da modernidade ocidental. Essa edição francesa foi, por sua vez, retraduzida para o italiano e publicada em 2019 (De Martino, 2019DE MARTINO, E. La fine del mondo: contributo all’analisi delle apocalissi culturali. Nuova edizione a cura di Giordana Charuty, Daniel Fabre e Marcello Massenzio. Torino: Einaudi, 2019.).

Nos Estados Unidos, a publicação, em 2015, de Magic: a theory from the South (De Martino, 2015DE MARTINO, E. Magic: a theory from the South. Translated and annotated by Dorothy Louise Zinn. Chicago: HAU Books, 2015.), tradução de Sud e magia, de 1959, marca o reconhecimento da contribuição de De Martino no campo dos estudos pós-coloniais, dos cultural studies e dos subaltern studies. De resto, já a partir da década de 1990, a antropologia americana, em sua guinada fenomenológica e reflexiva, descobriu De Martino (Saunders, 1993SAUNDERS, G. “Critical ethnocentrism” and the ethnology of Ernesto De Martino. American Anthropologist, [s. l.], v. 95, n. 4, p. 875-893, 1993.), e a tradução americana de La terra del rimorso, de 2005, ganhava a introdução de Vincent Crapanzano (De Martino, 2005aDE MARTINO, E. The land of remorse: a study of Southern Italian tarantism. Translated and annotated by Dorothy Louise Zinn. London: Free Association Books, 2005a.).

Ernesto De Martino é traduzido e estudado no mundo hispânico e latino-americano graças às traduções espanholas de algumas de suas obras,3 3 La tierra del remordimiento foi publicada em 1999 em Barcelona (De Martino, 1999). El mundo mágico teve uma primeira tradução em 1985, pela editora da Universidade Autônoma do México, e uma segunda edição argentina, em 2004, com o longo posfácio de Silvia Mancini (De Martino, 2004). Uma coletânea de textos sobre a cultura popular foi organizada e editada também em Barcelona em 2008 (De Martino, 2008). mas é praticamente desconhecido no mundo lusófono,4 4 Sobre o autor, há apenas um pequeno livro publicado recentemente no Brasil e já fora de circulação (Trindade, 2015). Outras breves referências estão inseridas em geral em trabalhos de história das religiões (Agnolin, 2013; Isaia, 2013; Massenzio, 2005), de antropologia ou sociologia da religião (Agnolin, 2005; Barbara, 2002; Pompa, 1998, 2009; Ribeiro, 2015), de história social (Cruz, 2021; Pires, 2020; Tassinari, 2019), de cultura popular (Tabucchi, 2011) e, finalmente, de etnopsiquiatria (Pagliuso, 2012). ao qual poderia oferecer uma contribuição importante, não apenas para a historiografia das antropologias “periféricas” europeias, mas sobretudo como bagagem conceitual útil para pensar de uma forma original fatos “religiosos”, principalmente, como tentarei apontar no final do artigo, o pretenso “reencantamento do mundo”, a chamada “volta do sagrado” e outras expressões sintéticas que tentam dar conta das adesões a várias denominações religiosas, a despeito da suposta secularização do mundo contemporâneo.

Apresentar algumas das ideias de Ernesto De Martino, mais de 50 anos após sua morte, portanto, não quer ser apenas uma homenagem a uma figura importante e pouco conhecida no panorama antropológico do século XX, nem uma peça a mais no mosaico das antropologias mundiais. Tampouco as recentes (re)descobertas do autor italiano por parte do mainstream anglo-saxônico e francês tornariam necessário, por si só, um alinhamento por parte da tradição lusófona. Trata-se, antes, de uma aproximação a uma reflexão teórica e metodológica peculiar surgida em um tempo e um lugar específicos, mas ainda em boa parte válida, por sua originalidade, para lançar luz sobre problemas contemporâneos.

Na impossibilidade de enfrentar aqui a complexa problemática do sentido histórico e filosófico da “opção historicista” que levou De Martino a se posicionar de forma talvez excessivamente crítica em relação à maior parte das escolas antropológicas do seu tempo, limitar-me-ei apenas a apresentar alguns aspectos do intenso debate travado pelo autor com as formas de pensamento desenvolvidas na Europa na primeira metade do século XX. Em seguida, tentarei introduzir alguns conceitos centrais no pensamento do autor e em seu trabalho etnográfico no sul da Itália, relevantes ainda hoje, creio, para trazer novas ideias para a abordagem etnográfica da religião e do ritual.

O ambiente intelectual italiano no início do século XX

Até o começo do século XX, a Società Italiana di Antropologia e Etnologia reunia estudos bastante ecléticos, pautados pela biologia e pela medicina da antropologia física, pela já consolidada tradição de pesquisas arqueológicas e pré-históricas e pela vertente filológica e literária dos estudos das tradições populares, sucessivamente denominada folclore, alinhada às ideias dos grandes coletores de contos populares do romantismo europeu.

A etnografia, seja por escassez de material de origem colonial (afinal a experiência colonial italiana durou apenas algumas décadas), seja pelo pendor pós-unificação de origem filológico-romântica de “recuperar” e “nobilitar”, do ponto de vista literário, as tradições populares regionais, exerceu-se basicamente junto às populações rurais. Mas, além desses interesses filológicos e colecionadores, as condições miseráveis das massas camponesas do sul da Itália suscitavam também interesses propriamente políticos nos governos posteriores à unificação de 1870, preocupados com o “atraso” econômico e social da região, gerador de rebeliões camponesas que frequentemente desembocavam no brigantaggio, o banditismo italiano (Hobsbawm, 1969HOBSBAWM, E. Bandits. London: Weidenfield & Nicolson, 1969.). A questione meridionale, como foi chamada, constituiu o objeto das preocupações do pensamento socialista, até chegar à reflexão de Antonio Gramsci. Nessa base, como veremos, Ernesto De Martino faria da etnografia das “plebes rurais” a componente central do trabalho antropológico nacional, como fruto do engajamento do pesquisador nas questões sociais.

A cena intelectual italiana da primeira metade do século XX, porém, foi dominada pela gigantesca figura de Benedetto Croce. Expoente do idealismo historicista de derivação hegeliana, o filósofo distinguia “ciências dos conceitos” das “ciências descritivas”, reeditando de uma forma muito italiana, advinda do pensamento de Gianbattista Vico, a distinção alemã entre ciências da natureza e ciências do espírito.

A crítica de Croce à historiografia iluminista e positivista se estendia também às ciências sociais baseadas nas generalizações e caracterizadas por aspirações nomotéticas e objetivistas. Assim, era negado qualquer valor ao comparatismo e à coleta documental, enquanto práticas ordenadoras e classificatórias, desprovidas da capacidade de oferecer a compreensão porque não pautadas pela filosofia. Em suma, a crítica era contra todas as relações de causalidades, típicas das ciências naturais, que quando aplicadas aos eventos humanos se tornariam “naturalizantes”, como no caso da sociologia, ou providencialismos, com clara referência à religião (Clemente, 1985CLEMENTE, P. Alcuni momenti della demologia storicistica in Italia. In: CLEMENTE, P. et al. L’antropologia italiana: un secolo di storia. Bari: Laterza, 1985. p. 3-49.).

Croce não negava todo valor a essas práticas de conhecimentos, mas as tornava apenas auxiliares da única verdadeira forma de conhecimento, que é a “história como pensamento e como ação”, lugar da afirmação imanente do espírito, da liberdade e do desenvolvimento civilizacional. Essa noção de história iria pautar o pensamento da escola de história das religiões de Raffaele Pettazzoni, com a qual se conecta e se confunde a antropologia de Ernesto De Martino, em seu distanciamento da filologia, do positivismo e da fenomenologia religiosa.5 5 Para uma análise recente da obra de Pettazzoni e do caráter profundamente antropológico da escola de história das religiões, cf. Pompa (2020). Por outro lado, porém, Croce nunca reconheceu como discípulos antropólogos e historiadores das religiões por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, por seu fechamento teórico à ideia de religião como objeto legítimo de reflexão, porque essa não constitui uma “categoria do espírito”; em segundo lugar pelo feroz preconceito eurocêntrico para com os “povos primitivos” e as plebes rurais, considerados não dotados de ação histórica mas apenas de naturalidade animal, postura essa, no entender de Vittorio Lanternari (1997)LANTERNARI, V. La mia alleanza con Ernesto De Martino e altri saggi post-demartiniani. Napoli: Liguori, 1997., própria do clima colonialista da Europa inteira e compartilhada pelo grande mestre, Hegel.

A figura de Benedetto Croce foi central no panorama intelectual italiano da primeira metade do século XX, até porque constituiu a única voz de ressonância europeia do pensamento laico e antifascista no período da ditadura. Mas a postura do filósofo, seja pela aversão radical à sociologia e às outras ciências “naturalísticas”, seja pela perspectiva individualista e etnocêntrica, seja, finalmente, pela negação do valor autônomo da religião, influenciou negativamente o desenvolvimento da antropologia e da história das religiões na Itália, apesar de, ou justamente por, constituir sua base teórica historicista. A essa postura se deve também, uma vez instituída a disciplina, da qual Ernesto De Martino seria o máximo expoente, a ausência por parte dela, como veremos, da interlocução com a sociologia tanto na vertente durkheimiana quanto na weberiana.

Da mesma forma, Croce menosprezava os estudos etnológicos, tanto os de marca positivista quanto aqueles orientados por uma perspectiva historicista individualizante, pois estes tinham por objetos exatamente aquelas massas incultas e selvagens que não poderiam exercer as atividades do espírito. O mesmo juízo crítico, salvando apenas a “poesia popular” nos termos estéticos da produção do espírito individual, aplicava-se aos chamados “estudos demológicos”, ou folclóricos, também porque baseados numa metodologia documental objetivista e colecionadora, destituída, para Croce, de sentido histórico.

Apenas na década de 1940, um jovem membro do círculo filosófico de Croce, Ernesto De Martino, iniciaria uma abordagem historicista da etnologia e das tradições populares, distanciando-se rapidamente do mestre a partir da influência de Gramsci e da necessidade de um engajamento político frente às condições de subalternidade social das massas rurais. Tanto no caso de Pettazzoni quanto no de De Martino, o impulso originário derivado da postura filosófica laica e historicista crociana constituiria o caminho para uma abordagem original do fato religioso, a ser entendido e resolvido apenas em termos históricos. O próprio objeto da reflexão (a religião, “os povos primitivos”), porém, distanciaria definitivamente os autores do idealismo crociano.

Filosofia, etnologia, história

Possivelmente por causa de sua formação filosófica, De Martino elaborou sua posição em muitos textos teóricos, mesmo desvinculados de pesquisas específicas. É possível, portanto, acompanhar a formação e o desenvolvimento de seu pensamento, com atenção particular para os trabalhos críticos com relação às escolas antropológicas e histórico-religiosas, desenvolvidas na Europa na primeira metade do século XX.

O livro de 1941, que traz o título significativo de naturalismo e historicismo na etnologia, exemplifica bem a batalha historicista em nome da qual o autor propunha uma reforma do saber etnológico, mediada pelo historicismo de Benedetto Croce. Seu ambicioso (como ele reconhecerá mais tarde) projeto é abrir a etnologia à história a partir do campo específico do religioso, do mito e da magia. Mas há também no livro a proposta oposta e especular, que é também um programa político: abrir a metodologia crociana, já que ela própria sugere um “contínuo comércio com novos problemas históricos”, ao maior dos problemas históricos da civilização ocidental, o do mundo primitivo:

O incremento de uma metodologia da história é entregue à possibilidade de testá-la interiormente, na compreensão de mundos históricos novos, em que sua eficácia ainda não foi experimentada. Uma etnologia historicista representa justamente uma experiência desconhecida para a metodologia crociana. (De Martino, 1997DE MARTINO, E. Naturalismo e storicismo nell’etnologia. Lecce: Argo, 1997., p. 59).6 6 A tradução de todas as citações é de minha responsabilidade.

Encontramos, até mesmo nesse primeiro trabalho mais “crociano”, o desafio para a filosofia de Benedetto Croce, de cujo restrito círculo De Martino participara e a quem ele próprio sempre declarou sua dívida intelectual, por ter sido a única possibilidade, na Europa assolada pela “barbárie” nazifascista, de “soletrar aquele discurso elementarmente humano impossível noutros lugares, às vezes até na própria família” (De Martino, 1980bDE MARTINO, E. Promesse e minacce dell’etnologia. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980b. p. 132-170., p. 134). O desafio, e o início do afastamento com relação a Croce, que menosprezava as ciências sociais, a etnologia e os próprios “selvagens”, está no lugar dado à etnologia e ao papel dos “primitivos” na construção de um humanismo que, com o nome de “humanismo etnográfico”, permanecerá em toda sua obra.

O capítulo dedicado à demolição da noção de prelogismo de Lévy-Brühl é particularmente significativo, porque é um ataque a toda a escola sociológica de Durkheim: aqui, talvez, possamos entender o silêncio, ou, pelo menos, a falta de diálogo mais direto de De Martino com a escola francesa.7 7 Vale lembrar aqui que, mesmo a partir de uma postura crítica, De Martino contribuiu para a difusão na Itália do pensamento da escola francesa, pois, quando diretor da chamada collana viola da editora Einaudi com Cesare Pavese, apoiou a tradução e a publicação em 1951 de textos de Durkheim, Hubert e Mauss sob o título de Le origini dei poteri magici. Apesar do interesse pela noção de “não unidade” do sujeito primitivo, que com certeza exercerá influência nas sucessivas reflexões demartinianas a respeito das “duplas personalidades” ou da identificação do “eu” com o “mundo” dos trabalhos sucessivos, De Martino critica o “naturalismo” e, basicamente o “anti-historicismo” implícito nos pressupostos filosóficos de Lévy-Brühl e de toda a escola durkheimiana:

Não é lícito, nem por um instante, quebrar esse nexo dialético na dupla hipóstase de um indivíduo fora da história e de uma sociedade que pressiona o indivíduo por fora […] A escola sociológica francesa quebra, nas duas hipóstases mencionadas, o processo concreto do espírito que progride infinitamente em suas infinitas individuações, e imagina um indivíduo abstrato, obrigado a repetir, em seus atos, o que a mentalidade coletiva manda. Escapa assim o incremento que a tradição recebe da consciência individual, e se determina uma orientação essencialmente anti-histórica. (De Martino, 1997DE MARTINO, E. Naturalismo e storicismo nell’etnologia. Lecce: Argo, 1997., p. 86).

O anti-historicismo, apesar do nome, é também, para De Martino, o pecado capital da escola histórico-cultural alemã, que ele analisa em profundidade em outro capítulo do livro. A história da escola alemã é pura cronologia, sucessão de fatos, distinta da filosofia da história, isto é, crocianamente, de sua qualificação valorativa mediante as categorias do espírito (“o bom”, o “belo” o “verdadeiro”, o “útil”). O risco no qual a etnologia alemã incorre, é, mais uma vez, a naturalização:

A escola histórico-cultural presume poder elaborar uma historiografia distinta da filosofia e limitada à ordenação espaço-temporal e causal dos fatos. Nós sustentamos que historiografia e filosofia formam idealmente uma unidade e que os fatos históricos dos quais se busca a ordenação espaçotemporal e causal não estão ainda (ou não estão mais) na esfera da compreensão historiográfica e são assimiláveis aos fatos brutos dos procedimentos naturalísticos. (De Martino, 1997DE MARTINO, E. Naturalismo e storicismo nell’etnologia. Lecce: Argo, 1997., p. 173, grifo meu).

A escolha de um historicismo baseado em uma filosofia da história pouco próxima às aspirações de objetividade, típicas da antropologia da época, foi provavelmente uma das razões da falta de interlocução com outras escolas antropológicas contemporâneas, notadamente o culturalismo americano e o estrutural-funcionalismo britânico. Com efeito, apesar do conhecer e citar diligentemente nomes e obras e, às vezes, utilizá-las como fontes etnográficas, De Martino insere os autores americanos na linha da escola alemã, via Boas e Kroeber, e a eles, portanto, se aplicam as mesmas críticas. Também, o autor foi sempre profundamente contrário ao relativismo cultural, típico da escola americana, assim definido, no famoso artigo “Promesse e minacce dell’etnologia”:

Trata-se de uma ameaça, não de uma promessa, se a relação com o éthnos se resolve num frívolo défilé de modelos culturais, empurrados para a passarela da “ciência” por um apátrida frígido em papel de antropólogo, infinitamente disponível aos possíveis gostos culturais. (De Martino, 1980bDE MARTINO, E. Promesse e minacce dell’etnologia. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980b. p. 132-170., p. 153).

Quanto à antropologia britânica, embora Malinowski seja citado como fonte etnográfica em muitos textos, o funcionalismo é liquidado também com palavras severas:

O funcionalismo puro entende limitar a pesquisa etnológica à determinação das funções de cada elemento cultural no organismo do qual faz parte, sem se preocupar com as perspectivas cronológicas mais ou menos hipotéticas […]. Do atomismo, do cronologismo e do causalismo da escola histórico-cultural, passa-se aqui a uma organicidade que male olet [cheira mal] ao biologismo e que de qualquer maneira sofre para se dilatar na dimensão histórica: por esta via, o ponto de chegada é Spengler, não Vico. (De Martino, 1997DE MARTINO, E. Naturalismo e storicismo nell’etnologia. Lecce: Argo, 1997., p. 217).

O autor mais trabalhado do funcionalismo é, mais uma vez, um alemão, Wilhelm Mühlmann, e Radcliffe-Brown é citado em nota de rodapé, considerado mais “moderado” quanto ao fechamento para a história. Interessante notar, contudo, que De Martino não nomeia em lugar algum Evans-Pritchard, cujo interesse pela história e, sobretudo, cujos trabalhos sobre um tema tão caro ao autor como a magia (o livro sobre a bruxaria entre os azande é de 1937), mereceriam talvez - como foi justamente notado (Lewis, 1997LEWIS, I. M. Comprendere il mistero delle credenze degli altri. In: GALLINI, C.; MASSENZIO, M. Ernesto De Martino nella cultura europea. Napoli: Liguori, 1997. p. 11-22.) - alguns comentários.

Como no caso de Pettazzoni, a obra De Martino, até mesmo essa primeira profissão de fé crociana, suscitou críticas negativas por parte do historicismo idealista, que, teoricamente, é seu ponto de partida. O que podemos notar aqui é que, mesmo se o engajamento político de De Martino ficará claro só no pós-guerra, com a militância no partido socialista e, depois, comunista, a ruptura com o historicismo de Croce já é anunciada nesse primeiro trabalho, pois a própria proposta de testar a metodologia historicista no campo etnológico é claramente uma denúncia do caráter elitista dessa filosofia, que deixa fora do domínio do pensamento povos e classes “subalternos”. De Martino lança um convite ou um desafio ao idealismo historicista para reinserir os subalternos no curso da história que os deixou marginalizados, e, assim, testar sua própria eficácia filosófica. Esse programa estará claro, do ponto de vista da ruptura epistemológica, em Il mondo magico, mas desenvolver-se-á plenamente nas chamadas “obras meridionalistas” dos anos de 1950 e 1960, a partir da influência de Gramsci.

O historicismo está também na base da leitura crítica de outras correntes de pensamento - antropológicas e não - que, na Europa da primeira metade do século XX, abordam a questão do sagrado. É importante acompanhar a análise de De Martino para entender o momento cultural - mas também político - em que seu pensamento se coloca, e identificar seus interlocutores. Vários ensaios escritos na década de 1950 são centrais para colocar o autor no panorama dos estudos europeus de religião que ele traz para o debate com seu historicismo. O fio que articula essas reflexões é a batalha contra o que ele define “irracionalismo”.

A crítica de De Martino à fenomenologia religiosa, à qual ele opõe o “historicismo absoluto” (De Martino, 1953-1954DE MARTINO, E. Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto. Studi e Materiali di Storia delle Religioni, Roma, v. 24-25, p. 1-25, 1953-1954.), é uma profunda reflexão sobre as raízes culturais dessa corrente de estudos; reflexão essa, a meu ver, válida ainda hoje para as pesquisas de antropologia da religião no Brasil, em que Mircea Eliade, máximo expoente da fenomenologia religiosa, ainda exerce uma influência notável. O autor situa o húmus cultural da fenomenologia religiosa na confluência dos pensamentos que caracterizam a vida cultural alemã do século XX: a teoria da Erlebnis (a experiência) de Dilthey, a fenomenologia de Husserl e sua adaptação à religião por Max Scheler, a tradição do caráter autônomo e irracional da experiência religiosa de R. Otto e, finalmente, alguns temas do existencialismo de Heidegger e Jaspers. De Martino reconhece o esforço hermenêutico da compreensão (as referências a Dilthey são frequentes) da especificidade da experiência religiosa, não redutível, como faz o intelectualismo positivista, a uma ciência infantil ou a uma philosophia inferior (De Martino, 1953-1954DE MARTINO, E. Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto. Studi e Materiali di Storia delle Religioni, Roma, v. 24-25, p. 1-25, 1953-1954., p. 24). A crítica, porém, aponta para a substancial identidade entre o objeto e o sujeito do conhecer, no momento em que este se limita a “reviver” a experiência do sagrado, visto como potência que se manifesta.

A fenomenologia da religião renuncia a procurar a gênese inteiramente humana, assim como as razões históricas que levam o homo religiosus a resolver o devir na repetição de um modelo meta-histórico. O trabalho de compreensão pode acontecer somente com

a reintegração de todas as abstrações provisórias […] na sólida e dramática concretude de um certo mundo cultural surpreendido no ato de escolher e produzir valores. (De Martino, 1953-1954DE MARTINO, E. Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto. Studi e Materiali di Storia delle Religioni, Roma, v. 24-25, p. 1-25, 1953-1954., p. 13, grifo do autor).

Essa noção da “produção de valores”, tomada emprestada da filosofia de Croce, estará no cerne de toda a produção demartiniana, justamente em aberto contraste com a perspectiva fenomenológica do pensamento mítico ou religioso como um “ser tomado” pela experiência do “numinoso” e como uma desvalorização da história e do profano, para mergulhar no sagrado como “repetição do idêntico”.

“Presença”, crise e resgate cultural

As críticas à fenomenologia religiosa retornam em “Mito, scienze religiose e civiltá moderna”, de 1959, em que, contudo, De Martino não deixa de encontrar estímulos intelectuais fecundos no movimento de revalorização do religioso, característico do primeiro pós-guerra, que ele critica duramente em outros trabalhos enquanto perigosamente “irracionalista” (De Martino, 1957DE MARTINO, E. Storicismo e irrazionalismo nella storia delle religioni. Studi e Materiali di Storia delle Religioni, Roma, v. 28, p. 1-53, 1957., 1980bDE MARTINO, E. Promesse e minacce dell’etnologia. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980b. p. 132-170.). Esses estímulos vêm de autores pertencentes a várias áreas disciplinares (ciências da religião, etnologia, sociologia e, sobretudo, psicanálise) que, segundo o autor, partilham do reconhecimento das profundas motivações existenciais do sagrado, do mítico e do simbólico.

A partir de uma narrativa de Freud a respeito da compulsão à repetição, o autor frisa a diferença entre a repetição compulsiva enquanto impossibilidade de sair da situação traumática (o retorno do passado) e “a repetição ativa e resolvente mediante um simbolismo aberto” (De Martino, 1980aDE MARTINO, E. Mito, scienze religiose e civiltá moderna. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980a. p. 81-132., p. 89). Este segundo caso remete ao simbolismo mítico-ritual da vida religiosa: aqui, De Martino cita Malinowski e a narrativa trobriandesa de um mito como repetição dos tempos primordiais. O autor recorre também a Jung e Kerényi e à ideia do mito como “modelo do passado” para enfrentar o presente e, naturalmente, ao Eliade do “mito do eterno retorno”, que aponta para a “ontologia arcaica” que resolve o decorrer da história numa série infinita de novos começos. Outras citações são tiradas da obra de Cazeneuve (1958)CAZENEUVE, J. Les rites et la condition humaine. Paris: PUF, 1958., que estabelece uma clara analogia entre repetição compulsiva da cena traumática e repetição ritual do rito primordial.

Inesperadamente, em um autor que propositalmente deixa de lado a escola sociológica francesa e tachará mais tarde o estruturalismo de “anti-histórico”, aparece a análise da “eficácia simbólica”, com a famosa analogia entre xamã e psicanalista, no trabalho de ab-reação. O mérito de Lévi-Strauss, segundo De Martino, está em ter mostrado que o simbolismo mítico-ritual não diz respeito apenas ao “passado perdido”, como no caso da repetição do mito das origens de Eliade, mas constitui uma ponte entre o psíquico e o somático. Está posto aqui o tema da “realidade dos poderes mágicos” que constituiu o centro interpretativo de Il mondo magico.

Ainda uma reflexão sobre o papel de Jung na identificação do símbolo como momento resolutivo, e não sintoma, da crise psíquica, esclarece o papel que a psicanálise pode desempenhar na análise dos fatos míticos e rituais:

Foi sobretudo mérito de Jung ter ressaltado o dinamismo do “símbolo”, ou seja, seu caráter de ponte que abre a passagem da crise para a reintegração, do passado que volta de maneira cifrada e irrelativa8 8 Deixo propositalmente esta expressão, como outras da terminologia demartiniana, por falta de uma tradução adequada. Aqui “irrelativo”, “irrelato” remetem ao estado psicopatológico em que não há possibilidade de relativização cultural e histórica (ou seja, o poder de discernimento) de certos elementos e, portanto, eles se apresentam de forma “não relativa”, absolutamente “naturais” e angustiantes, como no caso do luto ou do “delírio de fim de mundo”. ao presente que na decisão responsável determina passado e futuro do sintoma fechado, isolante, para a abertura ao mundo dos valores culturais. (De Martino, 1980aDE MARTINO, E. Mito, scienze religiose e civiltá moderna. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980a. p. 81-132., p. 110).

Não obstante a crítica ao último Jung que, no desenvolvimento de seu pensamento acabou por se fechar “no mundo dos arquétipos”, reaproximando-se por essa via ao “numinoso” de R. Otto, é exatamente esta a perspectiva que De Martino utiliza em seu trabalho: a dialética crise/resgate, ou crise/reintegração. Assim, a religião se torna uma técnica protetora da “crise da presença”, em que a analogia entre nexo mítico-ritual e terapia psicanalítica constitui a chave de leitura para a o fato religioso em termos de “resgate” e “reintegração cultural” da crise.

Já em “Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto”, ao incorporar e, ao mesmo tempo, ultrapassar a ideia de Van der Leeuw do caráter “vital” e “existencial” do religioso, De Martino utilizara a noção de “presença”, apontando para o risco da “crise” desta:

Entra assim em jogo aquele domínio do vital humano que é a presença individual como centro de decisão e escolha, para além do puro vital, ou orgânico, ou corpóreo, ou animal, ou seja, a unidade do indivíduo como possibilidade de desdobrar todas as potências operacionais que fazem do homem, o homem. (De Martino, 1953-1954DE MARTINO, E. Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto. Studi e Materiali di Storia delle Religioni, Roma, v. 24-25, p. 1-25, 1953-1954., p. 15, grifo meu).

Muito foi escrito (Berardini, 2015BERARDINI, S. F. Presenza e negazione: Ernesto De Martino tra filosofia, storia e religione. Pisa: ETS, 2015.; Cases, 1973CASES, C. Introduzione. In: DE MARTINO, E. Il mondo magico. 2. ed. Torino: Bollati-Boringhieri, 1973. p. VII-XLVIII.; Cherchi; Cherchi, 1987CHERCHI, P.; CHERCHI, M. Ernesto De Martino: dalla crisi della presenza alla comunità umana. Napoli: Liguori, 1987.; Ferrari, 2012FERRARI, F. Ernesto De Martino on religion: the crisis and the presence. London: Routledge, 2012.; Pástina, 2005PÁSTINA, R. Il concetto di presenza nel primo De Martino. In: GALLINI, C. Ernesto De Martino e la formazione del suo pensiero. Napoli: Liguori, 2005. p. 115-130.; Signorelli, 2015SIGNORELLI, A. Ernesto De Martino: teoria antropologica e metodologia della ricerca. Roma: L’Asino d’Oro, 2015.; Zanardi, 2011ZANARDI, C. Sul filo della presenza: Ernesto De Martino tra filosofia e antropologia. Milano: Unicopli, 2011., entre outros) a respeito do conceito de “presença”, ou o “ser aí”, e das influências filosóficas que o determinaram, certamente muito longe do historicismo idealista de Benedetto Croce. É consenso atribuir a origem do conceito ao Dasein heideggeriano. O próprio De Martino é explícito nesse sentido em uma página dos escritos filosóficos, em que a “presença”

[…] deve ser entendida no sentido de Dasein9 9 Em português, o Dasein heideggeriano é traduzido com “ser aí”. Esta é a tradução que utilizarei quando De Martino fala em “Esserci”, onde o “ci” indica propriamente o locativo, o “aí”. e precisamente como “presentificação emergente”, “ethos do transcendimento”,10 10 Utilizo o próprio termo de De Martino, transcendimento, porque este, significando o ato de transcender, ou seja, ultrapassar no valor, não pode ser traduzido com o termo “transcendência”. “energia que ultrapassa a situação”, “intencionalidade em ato”, “ser-no-mundo”,11 11 Todas as expressões entre aspas são as traduções italianas dos termos de Heidegger. operacionalidade segundo formas de coerência cultural, abertura à intersubjetividade e ao relacional, movimento no interior de um horizonte de origem e destino, participação projetante à sociedade em desenvolvimento e à história em caminho de uma época. (De Martino, 2005bDE MARTINO, E. Scritti filosofici. Org. R. Pástina. Bologna: Il Mulino, 2005b., p. 94).12 12 Trata-se de anotações, provavelmente do ano de 1962, conservadas no arquivo De Martino e publicadas em 2005, nas comemorações dos 40 anos da morte do autor.

É preciso notar, contudo, que aqui não há apenas uma derivação heideggeriana, e sim uma multiplicidade de referências filosóficas (como, evidentemente, o historicismo de Croce) e histórico-religiosas (como Pettazzoni), ou até fenomenológicas (Van der Leeuw, Eliade) mediadas, sobretudo, pelo trabalho etnográfico realizado nos anos de 1950 e 1960. Vários autores apontam para o fato de que há uma clara superação de Heidegger, na medida em que se, para Heidegger, a condição de “queda” do ser (Verfallen) é inscrita na própria existência como sua condição, para De Martino a possível queda (a “perda da presença”) está fundamentalmente ligada a condições históricas específicas de existência, aquilo que ele chama “o mundo mágico”.

Trata-se da passagem entre um horizonte ontológico e um horizonte historiográfico (Cherchi; Cherchi, 1987CHERCHI, P.; CHERCHI, M. Ernesto De Martino: dalla crisi della presenza alla comunità umana. Napoli: Liguori, 1987.), de uma reformulação do conceito de Geworfenheit, o “ser lançado no mundo”, pois se, para Heidegger, a “queda” é uma condição permanente do próprio ser, para De Martino, o risco de “não ser” está ligado a condições externas e traz consigo a possibilidade de sua superação (Massenzio, 1995MASSENZIO, M. La problematica storico-religiosa di Ernesto De Martino. In: DE MARTINO, E. Storia e metastoria: i fondamenti di una teoria del sacro. Org. M. Massenzio. Lecce: Argo, 1995. p. 7-40.).

Mais uma vez, é a partir do recorte histórico que De Martino assimila e trabalha conceitos e temas que pertencem a tradições que não fazem da história - pelo menos no sentido que De Martino atribui à história - seu centro gravitacional, como no caso de Heidegger e da fenomenologia.

Nesse sentido o “radicalmente outro”, o ganz Andere de R. Otto, não é o sagrado em si, mas o risco de perda da presença, de não mais “ser aí”. O sagrado, com suas instituições específicas, é o instrumento de controle e resolução da crise, como explica uma bela página de Sud e magia, em que encontramos a transfiguração, via psicanálise, dos conceitos de Heidegger e Otto, dobrados, porém, à exigência antropológica de remeter as experiências existenciais aos mudos culturais em que elas se formam:

O conceito de “perda” ou de “crise” da presença liga-se estritamente com o de “momentos críticos da existência”. Trata-se de momentos decisivos nos quais à peremptoriedade de “fazer passar” uma situação segundo uma regra humana contrapõe-se a potência (desumana) daquilo que passa por si, sem e contra o homem: é nesses pontos nodais do devir que pode surgir o risco de não poder objetivar a situação crítica em nenhuma forma de coerência cultural. (De Martino, 1977bDE MARTINO, E. Sud e magia. Milano: Feltrinelli, 1977b., p. 92, grifo do autor).

Três elementos caracterizam esse aspecto técnico da reconfiguração religiosa da alienação:13 13 O termo alienação, usado frequente pelo autor, refere-se à ideia de “tornar-se outro”, “ser agido por” e não tem relação com a noção marxista. a instituição de um modelo de representação e comportamento, o caráter tradicional desse modelo, a reabertura aos valores profanos da existência que esse modelo permite:

Os momentos críticos recorrentes que em determinado regime de existência devem ser necessariamente ultrapassados, são - mediante a vida religiosa - suspensos da trama do devir e ocultados em sua historicidade, pois são dados como já ultrapassados numa passagem exemplar acontecida na meta-história do mito e reiterável na ação ritual: assim, mediante o “como si” técnico desta sacra simulatio ou pia fraus, a efetiva passagem histórica dos momentos críticos dá-se num regime de proteção. (De Martino, 1977bDE MARTINO, E. Sud e magia. Milano: Feltrinelli, 1977b., p. 93).

A noção de repetição de um modelo mítico, ou de suspenção do tempo, ou, finalmente, de “ocultamento da história” pareceria coincidir com a ideia de Eliade do “eterno retorno” enquanto terror da história. Mas para De Martino a pia fraus da reiteração do modelo mítico é apenas temporária, mediadora, instrumental à reabertura do tempo e dos valores profanos:

Em virtude dessa mediação, o representar mítico e o comportamento ritual permeiam-se de sentido e valor, e a história que foi tecnicamente ocultada num sistema de símbolos retoma seu caminho rumo à consciência […] conforme a concreta potência humanística e cultural dos mundos históricos singulares. Todo o movimento dialético da recuperação religiosa é dominado por uma técnica fundamental que pode ser formulada conceitualmente como técnica de de-historização institucional dos riscos de alienação atuais ou possíveis e de reintegração cultural da de-historização. Tal técnica protege da de-historização irrelativa, sem horizonte de cultura, que acontece na alienação radical, ou perda da presença. (De Martino, 1977bDE MARTINO, E. Sud e magia. Milano: Feltrinelli, 1977b., p. 94).

O nó central dessa posição é o caráter dialético da relação entre o sagrado e o profano, ou seja, um percurso oposto ao da fenomenologia religiosa que programaticamente desvaloriza o profano, carregando apenas o sagrado de positividade. Esse conceito já estava explícito em “Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto”: a de-historização não é “salvação da existência humana”, como para os fenomenólogos em sua identificação com a consciência religiosa, mas “salvação do risco vital de não ser aí na existência histórica” (De Martino, 1953-1954DE MARTINO, E. Fenomenologia religiosa e storicismo assoluto. Studi e Materiali di Storia delle Religioni, Roma, v. 24-25, p. 1-25, 1953-1954., p. 20).

Da mesma forma, o tema aparece em “Mito, scienze religiose e civiltá moderna”, justamente quando o autor explicita em que sentido a etnologia religiosa pode beneficiar-se dos instrumentos psicanalíticos. Aqui, ele mostra como a técnica ritual marca para operadores e participantes um rebaixamento dos níveis de consciência de vigília, mediante tambores, movimentos e palavras repetidas, etc., de maneira a estabelecer um estado de comunicação com o inconsciente, que permite a recuperação de memórias e valores, não apenas individuais, mas coletivos, socialmente compartilhados, ou, melhor, onde o individual encontra sentido no coletivo:

O símbolo mítico-ritual funciona como um plano meta-histórico de reabsorção da proliferação histórica do devir: as situações críticas recorrentes num determinado regime existencial e os riscos de crise que estas implicam são dessa forma reconduzidos à repetição de um idêntico símbolo inaugural de fundação meta-histórica, um símbolo em que tudo já foi decidido in illo tempore por numes ou heróis. […] Mas, enquanto isso, mediante esta pia fraus reabrem-se, de fato, os trabalhos e os dias que são ligados ao viver civil. (De Martino, 1980aDE MARTINO, E. Mito, scienze religiose e civiltá moderna. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980a. p. 81-132., p. 113, grifo do autor).

É central, portanto, a distinção entre “de-historização irrelativa” e “de-historização” institucional. A primeira indica a perda da dimensão histórica e da capacidade de objetivação do real, o ser absorvido na ingens sylva da natureza, o heideggeriano “ser lançado” no mundo, sem possibilidade de resgate cultural, enfim, é a “perda da presença”. A segunda é o dispositivo cultural - variável conforme as sociedades, as épocas históricas e os “regimes de existência” em que indivíduos e grupos experimentam diferentes tipos de crises - que permite controlar e recuperar simbolicamente a crise (De Martino usa o termo “replasmar”), numa dimensão “protegida”, na qual o simbolismo mítico-ritual reitera o ato fundador das origens e, portanto, a resolução prototípica. Dessa forma, são recuperados valores coletivos que dão sentido à vida profana e à dimensão histórica do viver. Nesse sentido, profundamente histórico, deve ser entendida a função da repetição do modelo mítico, dentro desse regime de-historicizado. A repetição do mito não é a “fuga da história” do homem arcaico (e também moderno) de Mircea Eliade, mas medeia a reintegração dos valores humanos e históricos, a própria possibilidade de ser no mundo, de estar na e de fazer a história.

Os textos analisados constituem a sistematização teórica da antropologia religiosa de De Martino e apresentam os conceitos eminentes em volta dos quais ele construiu toda sua proposta analítica, no quadro da sua opção por um historicismo “ampliado”. Esses conceitos estão presentes em todas as obras do estudioso, começando por aquele que é considerado, com razão, o mais contundente de seus livros e que ele mesmo, em obras posteriores, tentou, de alguma maneira, moderar: Il mondo magico (De Martino, 1948DE MARTINO, E. Il mondo magico: prolegomeni a una storia del magismo. Torino: Einaudi, 1948.), publicado em 1948. A partir do problema etnológico da “realidade dos poderes mágicos”, chega-se a questionar o próprio conceito, historicamente construído no interior do pensamento ocidental, de “realidade”, pois esta, no mundo mágico, não é um dado, mas um problema, uma dimensão a ser construída (condenda, diz De Martino, do latim condere, fundar) mediante as práticas mágico-religiosas.

No espaço destas linhas, seria temerário tentar apresentar o conteúdo dessa obra e as complexas polêmicas que acompanharam sua publicação, em 1948, bem como sua reedição francesa, em 1999.14 14 O extenso e articulado posfácio de Silvia Mancini (2004) suscitou uma viva controvérsia nas páginas de L’Homme (Charuty, 2001; Mancini; Méhust, 2002) a respeito da vertente “etnometapsíquica” do trabalho de De Martino, impossível de enfrentar aqui. Deixo essa empreitada para outra ocasião, juntamente com a reflexão sobre o citado trabalho, póstumo, sobre os apocalipses psicopatológicos e culturais (De Martino, 2019DE MARTINO, E. La fine del mondo: contributo all’analisi delle apocalissi culturali. Nuova edizione a cura di Giordana Charuty, Daniel Fabre e Marcello Massenzio. Torino: Einaudi, 2019.), focando a atenção, nas próximas páginas, nas obras baseada em trabalho de campo, que têm como objeto etnográfico precisas instituições culturais e religiosas entre as camadas populares do sul da Itália: a lamentação fúnebre, a magia e o “tarantismo”.

A trilogia meridionalista e a pesquisa de campo

Na cultura italiana contemporânea, pelo menos antes do movimento que, há cerca de dez anos, promoveu a releitura crítica da obra completa do autor, e fora dos circuitos dos estudos antropológicos e histórico-religiosos, Ernesto De Martino é conhecido como um estudioso de “tradições populares” e, até, como folclorista. Isso por causa de três obras impactantes, publicadas entre 1958 e 1961: Morte e pianto rituale nel mondo antico (1958), Sud e magia (1959) e La terra del rimorso (1961) (cf. De Martino, 1975DE MARTINO, E. Morte e pianto rituale nel mondo antico: dal lamento pagano al pianto di Maria. Torino: Boringhieri, 1975., 1977bDE MARTINO, E. Sud e magia. Milano: Feltrinelli, 1977b., 1996DE MARTINO, E. La terra del rimorso: contributo a una storia religiosa del Sud. Milano: Il Saggiatore, 1996.).

Nessas obras, a noção de risco da presença e os mecanismos culturais de superação estão colocados num quadro etnográfico e histórico preciso: o sul da Itália. As reflexões teóricas que, no Mondo magico tinham se apoiado em fontes secundárias e em uma etnologia de gabinete, adquirem nas monografias “meridionalistas” uma consistência etnográfica nunca alcançada antes na Itália. O interesse de De Martino se concentra agora no trabalho de campo entre as que Croce definiu como “plebes rústicas”, colocando temas aparentemente menores, folclóricos ou até “exóticos” (a lamentação ritual, a magia cerimonial, o tarantismo) no quadro dos grandes temas filosófico-existenciais: a crise da presença, o ser no mundo, o “éthos do transcendimento”, a “replasmação no valor”, a “energia moral”.

A grande virada de De Martino, como apontam muitos autores (Clemente, 1985CLEMENTE, P. Alcuni momenti della demologia storicistica in Italia. In: CLEMENTE, P. et al. L’antropologia italiana: un secolo di storia. Bari: Laterza, 1985. p. 3-49.; Dei; Fanelli, 2015DEI, F.; FANELLI, A. Premessa. In: DE MARTINO, E. Sud e magia. Edizione speciale. Roma: Donzelli, 2015. p. VII-XLV.; Lanternari, 1997LANTERNARI, V. La mia alleanza con Ernesto De Martino e altri saggi post-demartiniani. Napoli: Liguori, 1997., entre outros) não é antropológica, é política e se dá com o trabalho de militância, primeiro no partido socialista, depois comunista, em que acontece seu encontro com os camponeses do Mezzogiorno:15 15 Literalmente “meio-dia”, o termo indica em italiano, o sul da Itália e seus problemas históricos, econômicos e sociais de subdesenvolvimento.

[…] justamente por causa do engajamento político para transformar o presente numa realidade melhor, começou a tomar corpo um engajamento de natureza diferente, o do melhor conhecimento do presente a transformar. Nessa perspectiva, a própria investigação etnológica começou a configurar-se numa nova dimensão. (De Martino, 1980bDE MARTINO, E. Promesse e minacce dell’etnologia. In: DE MARTINO, E. Furore simbolo valore. Milano: Feltrinelli, 1980b. p. 132-170., p. 138-139).

A atividade política aproximou-o de camponeses que, ao lado da luta política pela terra, cultivavam os elementos mágicos “arcaicos” que constituíam um “escândalo” tanto para a burguesia conservadora quanto para a própria esquerda italiana. Essa aproximação do mundo “subalterno”, e este é o segundo elemento promotor da virada, coincidiu com a publicação, em 1948, dos Cadernos do cárcere de Antonio Gramsci, cujas reflexões sobre o folclore orientariam boa parte da antropologia italiana para a análise dos mecanismos de produção de subalternidade, revolucionando os agonizantes estudos de folclore. Estes últimos tinham já sofrido uma irresistível sacudida pela publicação, em 1945, do livro de Carlo Levi Cristo si è fermato a Eboli, misto de investigação e romance de um intelectual antifascista burguês - como De Martino - que, exilado pela sua atividade política na região mais pobre da Itália do sul, a Lucânia, descobre as massas rurais oprimidas por uma burguesia latifundiária violenta e arrogante, sua miséria e seu mundo de bruxarias, seu “mundo mágico”:

Nós não somos cristãos - eles dizem - Cristo parou em Eboli. Cristão quer dizer, em sua linguagem, homem (nós não somos cristãos, não somos homens mas animais, animais de carga, e menos ainda do que animais). (Levi, 1945LEVI, C. Cristo si è fermato ad Eboli. Torino: Einaudi, 1945., p. 3).

Será essa Lucânia miserável, junto com a Apúlia dos “atarantados”, o campo de pesquisa etnográfica de De Martino, onde o autor tentará articular o projeto de uma etnologia historicista com o empenho político, articulação que pode ser acompanhada no famoso artigo “Intorno a uma storia del mondo popolare subalterno”, de 1949, cuja adjetivação já mostra a dívida para com Antonio Gramsci. O texto, “denso e radical, quase um pequeno panfleto, recolhe as sugestões da obra gramsciana no quadro de uma perspectiva crítica plenamente antropológica” (Pizza, 2013PIZZA, G. Gramsci e De Martino. Appunti per una riflessione. Quaderni di teoria Sociale, [s. l.], n. 13, p. 75-120, 2013., p. 91), enfrenta a temática da “irrupção na história das massas populares” marcando também a “irrupção” de Gramsci nos estudos de tradições populares que terão, então, uma profunda inflexão, dando origem a uma série de trabalhos marcados pela dialética hegemônico/subalterno, devedores da leitura que Ernesto De Martino fez do marxismo gramsciano.

Nesse texto temos de novo uma leitura da história da antropologia, de Tylor a Malinowski, de Frobenius a Padre Schmidt, cujo “naturalismo” anti-histórico que vimos em Naturalismo e storicismo tem agora uma razão de ser muito clara: o fato de a etnologia ser a expressão da sociedade burguesa que “naturaliza” o dominado para fins de exploração:

O humanismo circunscrito da “civilização ocidental” é inerente à própria estrutura da sociedade burguesa; justamente porque a propensão desta sociedade é que Cristo não vá além de Eboli, que o mundo além de Eboli apareceu como a-histórico. (De Martino, 1949DE MARTINO, E. Intorno a uma storia del mondo popolare subalterno. Società, [s. l.], v. 5, n. 3, p. 411-443, 1949., p. 412).

Gramscianamente, a postura de De Martino oscila entre a visão da cultura popular enquanto barbarização da cultura que a filosofia da práxis precisa “educar” (De Martino, 1949DE MARTINO, E. Intorno a uma storia del mondo popolare subalterno. Società, [s. l.], v. 5, n. 3, p. 411-443, 1949., p. 420) e o potencial emancipatório dessa mesma cultura, vista como “folclore progressivo” (De Martino, 1949DE MARTINO, E. Intorno a uma storia del mondo popolare subalterno. Società, [s. l.], v. 5, n. 3, p. 411-443, 1949., p. 421).16 16 A perspectiva emancipatória, que informava o engajamento político e a adesão ao marxismo de De Martino, previa o desaparecimento das práticas mágico-religiosas, com a libertação das massas camponesas de sua condição de opressão. O que está claro, porém, é o caráter totalmente histórico de todas as práticas populares e a necessidade, em sede analítica, de uma “historização das formas culturais do mundo popular subalterno” (De Martino, 1949DE MARTINO, E. Intorno a uma storia del mondo popolare subalterno. Società, [s. l.], v. 5, n. 3, p. 411-443, 1949., p. 422). A partir dessa visão da história dos dominados se desenvolvem as obras “meridionalistas”, em que são colhidos os dramas históricos específicos da “crise da presença” e de seu resgate.

Morte e pianto rituale nel mondo antico, de 1958 (De Martino, 1975DE MARTINO, E. Morte e pianto rituale nel mondo antico: dal lamento pagano al pianto di Maria. Torino: Boringhieri, 1975.), é um grandioso afresco sobre a instituição religiosa da lamentação fúnebre que, começando com a etnografia do ritual na Lucânia, estende a comparação ao mundo mediterrâneo contemporâneo e, depois, antigo, até o enxerto do cristianismo na estrutura “pagã”. Aqui é testada a eficácia dos instrumentos interpretativos elaborados por De Martino, em primeiro lugar a dialética “crise da presença/resgate” e, depois, os conceitos de “de-historização” e de “nexo mítico-ritual”.

A “crise da presença” aqui é constituída pelo luto que traz consigo o risco de “passar com o que passa”, de ser arrastado na dimensão da morte como naturalidade absoluta, como incapacidade de superação da dor e vontade de aniquilamento: não mais agir, mas “ser agido”, não objetivar, mas tornar-se objeto. A etnografia expõe situações de luto em contextos de estrema pobreza do mundo rural, principalmente aquelas nas quais o falecido é o marido, o pai, enfim, o sustento da casa e da família. Tais situações determinam crises nas quais a dor da perda é também a dor de perder a própria possibilidade de sobrevivência. Perder a presença é “perder o mundo”, no sentido mais imediato.

A lamentação funerária está no centro de um conjunto de rituais, encontrados em todo o mundo popular euro-mediterrâneo (movimentos, automatismos, cantos repetidos). Os mecanismos culturais de recuperação da crise constituem técnicas de de-historização institucional e de superação da situação lutuosa, mediante a repetição de modelos paradigmáticos e de comportamentos institucionalizados que permitem a recuperação do éthos das memórias e dos afetos.

A comparação com o mundo antigo leva a descobrir um nexo profundo e orgânico da morte do indivíduo com a morte do deus (Osíris, Adônis, Átis) ligado à vegetação e à colheita. O novo nascimento desses deuses é o horizonte meta-histórico do ritual, configurando como “já dada” a superação da morte da vegetação, do deus, da pessoa querida e até, como no caso da civilização egípcia, do rei. Com o advento do cristianismo, a resignação de Maria tornou-se o exemplum paradigmático da dor pela perda da pessoa querida, enquanto a ressurreição de Cristo configurou-se como superação da morte já dada e definida para sempre. Por um lado, então, o conjunto fúnebre antigo perdeu seu sentido e foi reabsorvido numa ordem significativa nova; por outro lado, esse conjunto ritual se manteve no mundo popular camponês em suas formas técnicas de resolução da crise do luto.

Está clara aqui a identificação de um processo histórico que pode ser acompanhado ou reconstituído mediante documentos arqueológicos, iconográficos, literários, teológicos, em que o objeto “residual” da lamentação fúnebre mostra sua razão de ser. A um folclorismo estéril que “recolhe” objetos enquanto sobrevivências, De Martino opõe conjuntos mítico-rituais em funcionamento:

Os modos da crise do luto do mundo camponês lucano, sobretudo entre as mulheres, aproximam-se sensivelmente aos modos espetaculares da crise do luto do mundo antigo […]. A investigação propõe-se, portanto, examinar como, de uma forma ainda observável, o rito da lamentação insere-se na crise e como ainda desempenha sua função reparadora e reintegradora. (De Martino, 1975DE MARTINO, E. Morte e pianto rituale nel mondo antico: dal lamento pagano al pianto di Maria. Torino: Boringhieri, 1975., p. 72).

O percurso metodológico apresenta várias etapas: a literatura psicanalítica ajuda a descobrir os elementos psíquicos que podem identificar a “crise da presença” na ocasião do luto; a etnografia descreve a funcionalidade operacional dos mecanismos rituais de reintegração; a comparação identifica, por um lado, a difusão mediterrânea do conjunto ritual e completa, por outro, a descrição lucana com elementos congruentes que esta não possui, ou não possui mais; finalmente, a análise histórica do conjunto em suas manifestações clássicas descobre sua dimensão múltipla e global, com seu nexo entre a morte individual, a vegetação e a realeza. Da mesma maneira, a análise histórica mostra sua decadência com o advento do cristianismo, mas mostra a razão de ser de sua manutenção em certas regiões.

A história, então, é o pano de fundo no qual os dispositivos religiosos são analisados; esse tema histórico da tensão entre cristianismo e práticas rituais “pagãs”, entre história cristã e histórias locais enquanto dialética histórica entre duas maneiras de resolver crises, aparece com mais vigor em Sud e magia, de 1959,17 17 O livro, certamente o mais lido e traduzido do autor, ganhou em 2015 duas novas edições: uma italiana, acrescida com textos preparatórios inéditos e um amplo arquivo fotográfico das expedições na Lucânia, e uma americana, pela tradução de Dorothy Zinn (DeMartino, 2015). que De Martino convida explicitamente a ver em conjunto com a obra anterior, como fruto de sete anos de pesquisa de campo, iniciada em 1952.

O livro acompanha etnográfica e historicamente o tema da fascinazione, ou fascino, ou seja, a fascinação ou encantamento, com todas suas práticas ou definições (inveja, mau-olhado, feitiço). Reforça-se o paradigma interpretativo, centrado na dialética crise/resgate, ligada a condições específicas da existência de determinados lugares, no caso, as massas camponesas da Lucânia, em que a magia é uma “técnica protetora” do risco de perda da presença:

O sentido histórico das técnicas protetoras da magia está nos valores que tais técnicas reabrem, ao se enxertar em momentos críticos de um regime de existência determinado, e se manifesta, portanto, apenas se considerarmos aquelas técnicas como momento de uma dinâmica cultural perceptível no interior de uma civilização singular, uma sociedade particular, uma época definida. (De Martino, 1977bDE MARTINO, E. Sud e magia. Milano: Feltrinelli, 1977b., p. 83, grifo do autor).

Mas tem algo a mais: De Martino mostra que a alternativa entre “magia” e “racionalidade” - com a construção do privilégio da segunda e da marginalização da primeira - foi o núcleo constitutivo do desenvolvimento da civilização ocidental. Assim, Sud e magia pretende inserir as práticas “mágicas”, identificadas na etnografia, no quadro histórico mais amplo de uma “história religiosa do Sul”, ou seja, em um contexto em que elas não apenas não contrastam, mas compartilham espaços e valores com a classe culta ilustrada. Esta última, em seu apego semissério à magia enquanto ideologia, permanece afastada e, de certa forma, isolada da corrente racionalista mais ampla que caracteriza o laicismo iluminista, apesar da presença de grandes nomes das “luzes” europeia. Nesse sentido, o autor antecipa aquela ideia de “circulação” entre culto e popular que será central nas pesquisas de história cultural de várias décadas depois, como no caso de Carlo Ginzburg, que nunca deixou de se referir a De Martino como uma das grandes inspirações de seus trabalhos.

A pesquisa sobre simbolismo mítico-ritual e práticas mágicas no Mezzogiorno, como vimos, responde à necessidade de conciliar a investigação etnológica com o engajamento político. Mas, no plano mais estritamente teórico, Sud e magia representa também o encontro entre a exigência de identificar a dimensão histórico-social dos fenômenos do “folclore” mágico-religioso e aquela, inversa e simétrica, de devolver o papel central da dimensão religiosa na questione meridionale (Dei; Fanelli, 2015DEI, F.; FANELLI, A. Premessa. In: DE MARTINO, E. Sud e magia. Edizione speciale. Roma: Donzelli, 2015. p. VII-XLV., p. XI).

Em apêndice a Sud e magia aparecem algumas notas intituladas “Intorno al tarantolismo pugliese”. É o prelúdio da última e mais compacta monografia “meridionalista”: La terra del rimorso, em que o trabalho de campo e a pesquisa histórica articulam-se em torno dos pressupostos teóricos das obras anteriores. Confirma-se o caráter de técnica protetora contra o risco psicopatológico de “não ser no mundo” que os rituais possuem, com uma maior atenção ao caráter performativo do ritual, cuja etnografia é realizada com cuidado, mostrando a complexa articulação dos códigos corêutico, musical e cromático.

Resumidamente, o “tarantismo” é conjunto mítico-ritual pelo qual certos comportamentos catatônicos ou convulsivo (estados de crise psicopatológica aguda que atinge principalmente mulheres camponesas cujos “regimes de existências” são particularmente precários) são atribuídos à mordida de uma aranha: a “tarântula”. Essa “doença” só pode ser curada por músicas específicas, tocadas por instrumentistas especializados que precisam “reconhecer” a tarântula que está possuindo a pessoa e tocar “sua” música, que faz o possuído dançar ininterruptamente. Além dos rituais domésticos, o conjunto do tarantismo prevê também rituais públicos, a serem realizados em determinados períodos do ano, em uma capela na vila de Galatina, dedicada a São Paulo, sob cujos auspícios se realiza a prática de cura.

O livro é um longo percurso entre o “escândalo” do ritual “pagão”, passando pela crítica às interpretações psiquiátricas do tarantismo enquanto “psicose coletiva”, até chegar à identificação do drama que encontra seu sentido nesse simbolismo e na reelaboração camponesa das formas hegemônicas do catolicismo. O percurso é o mesmo das outras obras: do dado etnográfico para a identificação da “crise da presença”, daí para a comparação e a contextualização histórica do nascimento e do desenvolvimento do conjunto mítico-ritual, mediante uma cuidadosa análise documental, para voltar à compreensão do dado etnográfico enquanto sistema operacional funcional para um “drama histórico” específico.

Mais potentemente do que nas obras anteriores, a abordagem de De Martino coloca assim as bases para o desenvolvimento da etnopsiquiatria e da antropologia médica na Itália. Poder-se-ia dizer que ele inaugura uma “antropologia do corpo”, ao analisar a questão da construção do “eu” corporal nas mulheres empenhadas na dança de possessão, ao mesmo tempo sintoma e prática de cura de um estado psíquico específico, provocado pela mordida da aranha mítica. Também, é preciso lembrar, na expedição na Apúlia de 1959 - assim como aquela na Lucânia de que se originou Sud e magia - o uso pioneiro das técnicas cinematográficas, que produziram documentos extraordinários, ainda hoje preciosos, inaugurais de uma antropologia visual na Itália: a impressionante gravação do ritual doméstico de possessão da “atarantada”, bem como do rito público na capela de São Paulo, está disponível na internet (cf. La Taranta, 1962LA TARANTA. Regia di Gian Franco Mingozzi. Prodotto da Franco Finzi de Barbora. Consulenza di Ernesto De Martino. Roma: Pantheon Film, 1962. 1 rolo de filme (18 min), son., branco e preto, 35 mm. Publicado pelo canal Vittorio Ciurlia. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PTi_hAdwsR0 . Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=PTi_hAdw...
).

Para além das aquisições específicas do trabalho, porém, a peculiaridade de La terra del rimorso está na pesquisa de campo, realizada entre 1953 e 1959. Podemos caracterizar esse trabalho por dois elementos: por um lado, a escolha metodológica da interdisciplinaridade e, por outro, a orientação epistemológica para o “humanismo etnográfico” que, em outras ocasiões, ele irá chamar de “etnocentrismo crítico”.

A interdisciplinaridade da equipe de De Martino nas expedições etnográficas foi uma característica de seu trabalho no sul da Itália, que alcançou a expressão mais completa em La terra del rimorso, em que trabalharam juntos um psiquiatra, uma psicóloga, um musicólogo, una socióloga e, em algumas ocasiões, uma jovem antropóloga, além de um fotógrafo. As razões da escolha multidisciplinar são identificáveis na percepção cada vez mais acentuada do papel das condições econômicas e sociais, e das psicológicas, em que se dá o problema antropológico, sem desembocar no determinismo. A característica da equipe é a recusa da justaposição de competências diversas, mas a articulação destas numa linguagem antropológica comum, ou, como ele próprio diz, de “unificação metodológica”, que é, evidentemente, histórico-religiosa:

[…] cada colaboração interdisciplinar entre humanistas e naturalistas é destinada ao insucesso se o uso complementar das respectivas competências não for precedido explicitamente pela escolha de uma perspectiva dominante. (De Martino, 1996DE MARTINO, E. La terra del rimorso: contributo a una storia religiosa del Sud. Milano: Il Saggiatore, 1996., p. 37).

Na volta do campo, em que foram utilizados vários instrumentos, da observação participante à aplicação de questionários, das entrevistas abertas às fechadas, da história de vida ao registro fotográfico, fílmico e sonoro, os materiais eram analisados e interrogados a partir do “concreto problema histórico” que orientava a pesquisa.

A etnografia direta dos “concretos problemas históricos” proposta por De Martino, suportada pela opção historicista mediada pelo marxismo gramsciano, devia produzir um outro fruto, que é a própria reflexão sobre o trabalho de campo. Curiosamente, essa reflexão sobre o lugar e função da etnografia antecipa, mais uma vez, de décadas o debate a respeito da pretensa objetividade da observação. Se a objetivação “positivista” (de Spencer e Gillen, por exemplo) acabava por deixar o objeto da pesquisa “tão insignificante, cifrado e casual quanto o pesquisador”, a etnografia moderna deve qualificar os dois termos do encontro etnográfico, “quem viaja para conhecer e quem é visitado para ser conhecido” (De Martino, 1996DE MARTINO, E. La terra del rimorso: contributo a una storia religiosa del Sud. Milano: Il Saggiatore, 1996., p. 19).

Ao Lévi-Strauss de Tristes trópicos são dedicadas as primeiras páginas de La terra del rimorso, a propósito de sentido profundo da viagem etnográfica que o antropólogo francês discute, ao falar da etnografia como produto do “remorso” do Ocidente. Mas, se para Lévi-Strauss o trabalho do etnólogo é o fruto da escolha radical que implica o questionamento do sistema no qual nascemos e crescemos, para De Martino

entretanto, da nossa civilização, da civilização moderna não podemos, durante a viagem etnográfica, estar dispostos a pôr em causa tudo da mesma maneira, justamente porque esse relativismo extremo nos tornaria - sob a aparência de uma disponibilidade ilimitada - estúpidos e incompreensivos. […] Podemos avaliar todas as propostas apresentadas pelo homem para viver em sociedade à condição de nunca colocar entre parênteses a proposta humanista dentro da qual estamos, e que é nossa tarefa levar adiante incessantemente, quaisquer que sejam os “encontros” do nosso viajar. (De Martino, 1996DE MARTINO, E. La terra del rimorso: contributo a una storia religiosa del Sud. Milano: Il Saggiatore, 1996., p. 21).

A “proposta humanista” de Ernesto De Martino, na qual o encontro etnográfico é estímulo e fundamento de um humanismo ampliado, só pode se dar na perspectiva histórica, pela qual qualquer manifestação cultural remete a um “drama histórico” específico, de uma sociedade ou de um grupo, em busca de um resgate frente ao risco de “perda da presença”. E esse drama, como o próprio autor mostrará em La fine del mondo, não pertence apenas às sociedades com precários regimes de existência, mas constitui um risco antropológico permanente, ainda mais agudo na sociedade moderna, em que a experiência trágica das duas guerras mundiais, os fantasmas do Holocausto e o terror atômico radicalizavam uma crise expressa na ideia do fim, do homem e do mundo: um “apocalipse sem escaton”, em suas palavras.

Por isso, os instrumentos analíticos demartinianos podem constituir, hoje, uma sugestão potente, tanto na reflexão premente sobre o problema do fim do mundo (Danowski; Viveiros de Castro, 2014DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie; São Paulo: Instituto Socioambiental, 2014.; Krenak, 2019KRENAK A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.; Stengers, 2009STENGERS, I. Au temps des catastrophes: resister à la barbarie qui vient. Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond: La Découverte, 2009.) quanto na abordagem das manifestações históricas de novos dramas, que se explicitam na procura, cada vez mais frequente na sociedade contemporânea aparentemente “desencantada”, de sistemas religiosos que oferecem “curas” para os males do corpo e da alma: das igrejas evangélicas à renovação carismática, do neoxamanismo new age às curas espíritas. Ao olhar para as práticas rituais das diversas denominações, percebemos a centralidade dos estados alterados de consciência (aquilo que De Martino definia como “de-historização institucional” e “regime protegido”), em cujo âmbito se dá a possibilidade de reconfigurar os riscos de perda da presença a partir de valores culturais compartilhados e, com isso, voltar para o devir histórico como produtores de história. Para além das noções de “fé”, de “crença”, de consciência, de escolha ideológica, Ernesto De Martino e seu arcabouço conceitual, elaborado em outro momento e lugar, centrado na ideia de religião como “técnica protetora” contra o risco de perda da presença, sugerem-nos novos caminhos para pensar problemas urgentemente nossos.

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  • 1
    Agradeço aos membros do projeto “Crise da presença e reintegração religiosa” pelas estimulantes contribuições à redação deste texto. Agradeço também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pela bolsa concedida nos anos de 2015-2016, para realizar a pesquisa na Itália que deu origem a este trabalho.
  • 2
    A publicação de três livros do autor, entre 1966 e 1971, foi incentivada por Michel Leiris e Alfred Métraux. Para uma análise das complexas relações entre a antropologia francesa e Ernesto De Martino, cf. Fabre (1999)FABRE, D. Un rendez-vous manqué. Ernesto De Martino et sa réception en France. L’Homme, [s. l.], v. 39, n. 151, p. 207-236, 1999., Bergé (2001)BERGÉ, C. Lectures de De Martino en France aujourd’hui. Ethnologie française, [s. l.], v. 31, n. 3, p. 537-547, 2001., Maccauro (2016)MACCAURO, G. Ernesto De Martino in Francia: dallo storicismo all’antropologia della storia. Nostos, Roma, n. 1, p. 129-150, 2016. Disponível em: Disponível em: http://rivista.ernestodemartino.it/index.php/nostos/article/view/14 . Acesso em: 30 mar. 2021.
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    http://rivista.ernestodemartino.it/index...
    .
  • 3
    La tierra del remordimiento foi publicada em 1999 em Barcelona (De Martino, 1999DE MARTINO, E. La tierra del remordimiento. Trad. de Juan Vivanco. Barcelona: Bellaterra, 1999.). El mundo mágico teve uma primeira tradução em 1985, pela editora da Universidade Autônoma do México, e uma segunda edição argentina, em 2004, com o longo posfácio de Silvia Mancini (De Martino, 2004DE MARTINO, E. El mundo mágico. Trad. de Rosa Corgatelli. Buenos Aires: Araucaria, 2004.). Uma coletânea de textos sobre a cultura popular foi organizada e editada também em Barcelona em 2008 (De Martino, 2008DE MARTINO, E. El folclore progresivo y otros ensayos. Barcelona: Editorial MACBA: Universitat Autònoma de Barcelona, 2008.).
  • 4
    Sobre o autor, há apenas um pequeno livro publicado recentemente no Brasil e já fora de circulação (Trindade, 2015TRINDADE, L. Ernesto De Martino: o mundo mágico do sul da Itália. São Paulo: Terceira Margem, 2015.). Outras breves referências estão inseridas em geral em trabalhos de história das religiões (Agnolin, 2013AGNOLIN, A. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São Paulo: Paulinas, 2013.; Isaia, 2013ISAIA, A. C. O universo mágico no Espiritismo de Umbanda. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, v. 5, n. 15, p. 47-60, 2013.; Massenzio, 2005MASSENZIO, M. A história das religiões na cultura moderna. São Paulo: Hedra, 2005.), de antropologia ou sociologia da religião (Agnolin, 2005AGNOLIN, A. O apetite da antropologia: o sabor antropofágico do saber antropológico: alteridade e identidade no caso tupinambá. São Paulo: Humanitas, 2005.; Barbara, 2002BARBARA, R. A dança das Aiabás: dança, corpo e cotidiano das mulheres de candomblé. 2002. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.; Pompa, 1998POMPA, C. A construção do fim do mundo. Para uma releitura dos movimentos sócio-religiosos do Brasil “rústico”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 177-211, 1998., 2009POMPA, C. Memórias do fim do mundo: o movimento de Pau de Colher. Revista USP, São Paulo, n. 82, p. 68-87, jun./ago. 2009.; Ribeiro, 2015RIBEIRO, D. Quando a pessoa vira mundo e o mundo vira gente: a “crise da presença” no candomblé de São Paulo. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2015.), de história social (Cruz, 2021CRUZ, B. D. O. S. “Esse fantasma lisonjeiro e pernicioso eu (Tà)”: uma análise de escritos de Ippolito Desideri sobre o budismo tibetano (1717-1721). Revista de História, São Paulo, n. 180, p. 1-32, 2021.; Pires, 2020PIRES, T. Vade retro satana: o projeto teológico-político de retomada do exorcismo na Itália (1980-2013). 2020. Tese (Doutorado em História Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.; Tassinari, 2019TASSINARI, T. Deus, senhores, missionários e feiticeiros: a mediação jesuítica dos confrontos entre portugueses e centro-africanos. 2019. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.), de cultura popular (Tabucchi, 2011TABUCCHI, T. M. de L. Ernesto De Martino: uma visão particular da cultura popular. 2011. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011.) e, finalmente, de etnopsiquiatria (Pagliuso, 2012PAGLIUSO, L. Famílias de santo: as histórias dos ancestrais e os enredos. 2012. Tese (Doutorado em Psicologia) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, Riberão Preto, 2012.).
  • 5
    Para uma análise recente da obra de Pettazzoni e do caráter profundamente antropológico da escola de história das religiões, cf. Pompa (2020)POMPA, C. Antropologia, história e religião: a obra de Raffaele Pettazzoni. Debates do NER, Porto Alegre, v. 1, n. 37, p. 217-253, 2020..
  • 6
    A tradução de todas as citações é de minha responsabilidade.
  • 7
    Vale lembrar aqui que, mesmo a partir de uma postura crítica, De Martino contribuiu para a difusão na Itália do pensamento da escola francesa, pois, quando diretor da chamada collana viola da editora Einaudi com Cesare Pavese, apoiou a tradução e a publicação em 1951 de textos de Durkheim, Hubert e Mauss sob o título de Le origini dei poteri magici.
  • 8
    Deixo propositalmente esta expressão, como outras da terminologia demartiniana, por falta de uma tradução adequada. Aqui “irrelativo”, “irrelato” remetem ao estado psicopatológico em que não há possibilidade de relativização cultural e histórica (ou seja, o poder de discernimento) de certos elementos e, portanto, eles se apresentam de forma “não relativa”, absolutamente “naturais” e angustiantes, como no caso do luto ou do “delírio de fim de mundo”.
  • 9
    Em português, o Dasein heideggeriano é traduzido com “ser aí”. Esta é a tradução que utilizarei quando De Martino fala em “Esserci”, onde o “ci” indica propriamente o locativo, o “aí”.
  • 10
    Utilizo o próprio termo de De Martino, transcendimento, porque este, significando o ato de transcender, ou seja, ultrapassar no valor, não pode ser traduzido com o termo “transcendência”.
  • 11
    Todas as expressões entre aspas são as traduções italianas dos termos de Heidegger.
  • 12
    Trata-se de anotações, provavelmente do ano de 1962, conservadas no arquivo De Martino e publicadas em 2005, nas comemorações dos 40 anos da morte do autor.
  • 13
    O termo alienação, usado frequente pelo autor, refere-se à ideia de “tornar-se outro”, “ser agido por” e não tem relação com a noção marxista.
  • 14
    O extenso e articulado posfácio de Silvia Mancini (2004)MANCINI, S. Postfacio. In: DE MARTINO, E. El mundo mágico. Trad. de Rosa Corgatelli. Buenos Aires: Araucaria, 2004. p. 345-562. suscitou uma viva controvérsia nas páginas de L’Homme (Charuty, 2001CHARUTY, G. Le retour des métapsychistes. L’Homme, [s. l.], n. 158-159, p. 353-364, 2001.; Mancini; Méhust, 2002MANCINI, S.; MÉHEUST, B. La réponse des “métapsychistes”. L’Homme, [s. l.], n. 161, p. 225-238, 2002.) a respeito da vertente “etnometapsíquica” do trabalho de De Martino, impossível de enfrentar aqui.
  • 15
    Literalmente “meio-dia”, o termo indica em italiano, o sul da Itália e seus problemas históricos, econômicos e sociais de subdesenvolvimento.
  • 16
    A perspectiva emancipatória, que informava o engajamento político e a adesão ao marxismo de De Martino, previa o desaparecimento das práticas mágico-religiosas, com a libertação das massas camponesas de sua condição de opressão.
  • 17
    O livro, certamente o mais lido e traduzido do autor, ganhou em 2015 duas novas edições: uma italiana, acrescida com textos preparatórios inéditos e um amplo arquivo fotográfico das expedições na Lucânia, e uma americana, pela tradução de Dorothy Zinn (DeMartino, 2015DE MARTINO, E. Magic: a theory from the South. Translated and annotated by Dorothy Louise Zinn. Chicago: HAU Books, 2015.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2021
  • Aceito
    01 Jul 2021
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