Open-access O Linux e a perspectiva da dádiva

Resumos

O objetivo deste trabalho é analisar o surgimento e consolidação do sistema operacional Linux em um contexto marcado pela hegemonia de sistemas operacionais comerciais, sendo o Windows/Microsoft o exemplo paradigmático. O idealizador do Linux optou por abrir o seu código-fonte e oferecê-lo, gratuitamente, na Internet. Desde então, pessoas de diversas partes do mundo têm participado do seu desenvolvimento. Busca-se, assim, através deste estudo, analisar as características desse espaço de sociabilidade, onde as trocas apontam para outra lógica que não a do mercado. A proposta de compreender os laços sociais no universo Linux, a partir da perspectiva da dádiva, acaba remetendo a outra discussão, que também merecerá atenção nesse estudo, qual seja: a atualidade da dádiva. Releituras de Mauss, feitas por Godbout e Caillé, indicam que a dádiva, em seu "sistema de transformações", encontra-se presente nas sociedades contemporâneas, mas não apenas nos interstícios sociais, conforme afirmava o próprio Mauss.

dádiva; Linux; reciprocidade; software livre


This work's goal is to analyze the appearance and consolidation of the Linux operational system in a context marked by the hegemony of commercial operational systems, taking the Windows/Microsoft as the paradigmatic example. The creator of Linux chose to make it open-source and offer it free of charge, in the Internet. Since then, people from the various parts of the world have participated in its development. This study, therefore, seeks to analyse the features of this space of sociability, where the exchange points to another logic different of that one adopted by the market. The proposal of comprehending the social ties of the Linux universe through the perspective of gift ends up sending us into another discussion, which will also deserve attention in this study, that would be: the recentness of gift. Re-interpretations of Mauss, made by Godbout and Caillé, indicate that gif, in its "changing system", is present in the contemporary societies, but not only in certain social occasions, like Mauss himself used to put it.

free software; gift; Linux; reciprocity


O Linux e a perspectiva da dádiva

Renata Apgaua

Universidade Federal de Santa Catarina* - Brasil

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar o surgimento e consolidação do sistema operacional Linux em um contexto marcado pela hegemonia de sistemas operacionais comerciais, sendo o Windows/Microsoft o exemplo paradigmático. O idealizador do Linux optou por abrir o seu código-fonte e oferecê-lo, gratuitamente, na Internet. Desde então, pessoas de diversas partes do mundo têm participado do seu desenvolvimento. Busca-se, assim, através deste estudo, analisar as características desse espaço de sociabilidade, onde as trocas apontam para outra lógica que não a do mercado. A proposta de compreender os laços sociais no universo Linux, a partir da perspectiva da dádiva, acaba remetendo a outra discussão, que também merecerá atenção nesse estudo, qual seja: a atualidade da dádiva. Releituras de Mauss, feitas por Godbout e Caillé, indicam que a dádiva, em seu "sistema de transformações", encontra-se presente nas sociedades contemporâneas, mas não apenas nos interstícios sociais, conforme afirmava o próprio Mauss.

Palavras-chave: dádiva, Linux, reciprocidade, software livre.

ABSTRACT

This work's goal is to analyze the appearance and consolidation of the Linux operational system in a context marked by the hegemony of commercial operational systems, taking the Windows/Microsoft as the paradigmatic example. The creator of Linux chose to make it open-source and offer it free of charge, in the Internet. Since then, people from the various parts of the world have participated in its development. This study, therefore, seeks to analyse the features of this space of sociability, where the exchange points to another logic different of that one adopted by the market. The proposal of comprehending the social ties of the Linux universe through the perspective of gift ends up sending us into another discussion, which will also deserve attention in this study, that would be: the recentness of gift. Re-interpretations of Mauss, made by Godbout and Caillé, indicate that gif, in its "changing system", is present in the contemporary societies, but not only in certain social occasions, like Mauss himself used to put it.

Keywords: free software, gift, Linux, reciprocity.

Nas sociedades, mais do que idéias ou regras, apreendem-se homens, grupos e seus comportamentos. Vêmo-los moverem-se assim como, em mecânica, vemos massas e sistemas, ou como, no mar, vemos pedras e anêmonas. Percebemos multidões de homens, de forças móveis, flutuando em seu meio e em seus sentimentos

Mauss

Criador e criatura1

Seguindo as pistas deixadas por Godbout (1999) e Caillé (1998, 2002), seria interessante repensarmos o local da dádiva nas sociedades hoje, isto é, sua atualidade e presença para além dos interstícios sociais. Quando nos aproximamos do "fenômeno Linux" e dos discursos nativos: "software aberto e livre", "método bazar", etc., temos a impressão de estarmos próximos do horizonte da dádiva - de uma dádiva lida através do "terceiro paradigma" (Caillé, 2002).2 Apenas relembrando, o domínio da dádiva é marcado por uma certa ambigüidade: gratuidade e retorno, interesse e desinteresse, liberdade e obrigação, desigualdade nas trocas, prazer em dar, espontaneidade, etc. A dádiva, como diz Caillé (1998, p. 30), "não é passível de interpretação nem na linguagem do interesse, nem da obrigação, nem na do prazer e nem mesmo na da espontaneidade, já que não é senão uma aposta sempre única que liga as pessoas, unindo simultaneamente, e de uma maneira sempre nova, o interesse, o prazer, a obrigação e a doação". Vejamos um pouco mais de perto.

"A paixão [...] move o mundo do software livre, um espírito de colaboração que transformou o Linux no maior fenômeno no mundo dos sistemas operacionais desde a criação do Windows". Essa foi a chamada da matéria Linux - O que Você Pode Ganhar ou Perder com a Revolução do Pingüim?, que saiu, em novembro de 2002, na revista técnica Info-Exame, uma espécie de "termômetro" do que está acontecendo no mundo da tecnologia.

Sua especificidade, suas características tornariam o sistema Linux, simbolizado pelo pingüim de bico e pés alaranjados, escolhido a dedo pelo jovem finlandês estudante de computação Linus Torvalds, o precursor de uma revolução ou um fenômeno mundial? De maneira geral, as respostas nativas apontam como causa primordial o fato de ele ser um sistema operacional modelo "código-fonte aberto", ao contrário de sistemas "proprietários", como o Windows/Microsoft e diferentes versões do Unix. Vejamos as explicações de Linus - forma como ele é chamado na Internet, pois, segundo ele, "Torvalds" é muito "complicado" - sobre os pressupostos que sustentam o código-fonte aberto:

no caso de um sistema operacional, o código-fonte - as instruções de programação implícitas no sistema - é livre. Qualquer pessoa pode melhorá-lo, transformá-lo, explorá-lo. Porém, essas melhorias, transformações e explorações precisam ser disponibilizadas livremente. Pense Zen. O projeto não pertence a ninguém e pertence a todos. Ao abri-lo a todos, há um aperfeiçoamento rápido e contínuo. Com equipes de colaboradores trabalhando em paralelo, os resultados podem acontecer muito mais depressa e com muito mais sucesso do que se estivessem sendo conduzidos a portas fechadas. (Torvalds; Diamond, 2001, p. 261).

Essa forma de produção de software - cooperativa, descentralizada e "anárquica" - foi chamada, por Eric S. Raymond,3 de "método bazar", como contraponto ao "método catedral", "forma centralizada e controlada de se desenvolver software" e que "necessita de um arquiteto central" (Gonçalves Jr.; Silva, 1999, p. 2-3).

Para compreender um pouco melhor esse modelo de desenvolvimento de software, seria importante falarmos um pouco sobre Richard Stallman, também conhecido por RMS.4 Linus, em sua autobiografia, refere-se a ele como o "Deus do Software Livre" (essa parece ser uma história de muitos deuses, afinal, Linus também é considerado um). Em 1984, RMS começou a desenvolver um sistema operacional baseado no Unix, que viria a se chamar GNU, um acrônimo de "GNU is Not Unix" (GNU Não é Unix).5 Posteriormente, ele criou o Manifesto pelo Software Livre e a General Public Licence (Licença Pública Geral), esta última sendo conhecida por GPL ou Copyleft. Conforme Linus, RMS tornou-se, assim, o "pioneiro da idéia da disponibilidade do código-fonte livre como uma coisa intencional, não apenas por acidente como aconteceu com o desenvolvimento aberto do Unix original" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 83). Importante notar que não necessariamente código-fonte aberto corresponde a software gratuito. Se um software estiver sob a licença GPL, ele pode ser vendido por qualquer valor. A única restrição é que as fontes devem ser disponibilizadas, e a pessoa que recebe o software passa a ter todos os direitos sobre ele (Torvalds; Diamond, 2001, p. 123).

Foi a partir desse esquema que o sistema Linux se estruturou. Depois de desenvolver o primeiro kernel (programa-núcleo do sistema operacional), baseado no Minix (sistema proprietário, "pequeno clone do Unix", criado por Andrew S. Tanembaum), Linus optou por abrir o código-fonte do sistema operacional e oferecê-lo, gratuitamente, na Internet.6 As trocas de mensagens através dos fóruns de discussão, antes fóruns do Minix, foram uma constante desde o início da criação do primeiro kernel. Através do feedback de outros geeks (especialistas ou gênios em informática), o sistema ia sendo aperfeiçoado. Embora, segundo Linus, haja no mundo dos PCs "uma forte tradição de partilhamento de programas", o que faz com que, ao dar o download de um programa, a pessoa envie cerca de 10 dólares para o autor, ele mesmo não quis que as coisas funcionassem dessa forma. Perguntavam se ele queria que lhe enviassem 30 dólares, mas ele recusava. Embora sem grandes posses e com o seu PC comprado através de um financiamento de três anos, ele preferiu que, em troca, as pessoas o enviassem cartões-postais, para saber onde elas estavam utilizando o Linux. Ele explica: "não estava apenas partilhando meu trabalho para que os outros pudessem achá-lo útil; eu também queria feedback (tudo bem, e elogios). Não via razão para cobrar de pessoas que podiam de fato me ajudar a melhorar meu trabalho." (Torvalds; Diamond, 2001, p. 121).7

Como as coisas têm funcionado desde então. Geeks de diversas partes do mundo têm participado do desenvolvimento do Linux, corrigindo bugs (erros) e contribuindo para o seu aperfeiçoamento. Suas contribuições são enviadas para os diversos grupos de discussão, que abrigam desenvolvedores de diferentes partes do mundo, e para o mantenedor, que libera as novas versões do kernel. No início, essa função de mantenedor era exclusivamente de Linus. Provavelmente pelas mudanças em sua vida: Califórnia, Transmeta..., o "Ditador Benevolente" - forma como certa pessoa o chamou para descrever a maneira como administrava as contribuições para o kernel (Torvalds; Diamond, 2001, p. 199) - passou a função, inicialmente, para o inglês Alan Cox, "segunda figura na hierarquia informal da comunidade Linux" (Fortes, 2002, p. 53). Hoje, na Red Hat, Alan Cox não trabalha mais como o principal mantenedor. Essa posição está sendo ocupada, no momento, pelo jovem brasileiro Marcelo Tosatti. Como ele foi escolhido? Tosatti explica que "existe um grupo de pessoas que fica trabalhando no kernel mais tempo que os demais desenvolvedores, e, por mexer muito com isso desde que [entrou] na [empresa] Conectiva, [fazia] parte desse 'anel'". Nesse "anel", estavam Linus e Alan Cox. Este último indicou Tosatti a Linus, que não viu qualquer impedimento. Segue o relato de suas funções enquanto mantenedor:

tenho que arrumar todos os bugs e deixar o kernel 2.4 funcionando o mais perfeitamente possível. Mas eu tenho que maneirar um pouco no aprimoramento da versão, porque já existe a 2.5, que está sendo desenvolvida em paralelo por centenas de desenvolvedores e gente que gosta do Linux. Meu trabalho é basicamente olhar toda a mudança de código que as pessoas gostariam que fosse incorporada ao kernel e, se for o caso, passar o que eu arrumei na versão 2.4 para a 2.5 com o objetivo de chegar numa nova versão estável, a 2.6. O volume de trabalho é extremamente grande, é um desafio dar conta do recado e cumprir todas as minhas obrigações. Para você ter uma idéia, recebo mais de mil e-mails por dia, inclusive nos finais de semana, de várias listas de discussões, com sugestões de contribuições. (Fortes, 2002, p. 55).

Linus faz o diagnóstico do sucesso do Linux. Esse sistema teria permitido a junção de dois elementos: "entretenimento de um desafio intelectual" e "motivações sociais associadas à participação na criação de tudo" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 284). A compreensão do Linux como o "maior projeto colaborativo da história do mundo" parece passar, conforme sinaliza Linus, pela compreensão da "mentalidade dos hackers no universo do software livre" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 149).8 O modelo código-fonte aberto funciona porque esses programadores

que trabalham com o Linux e outros projetos de código-fonte aberto deixam de lado o sono, a ginástica, os jogos de basquete dos filhos pela Liga Infantil e sim, de vez em quando o sexo, porque adoram programação. E adoram fazer parte de um esforço colaborativo global - o Linux é o maior projeto colaborativo do mundo - que se dedica a construir a melhor e mais bela tecnologia disponível a quem a desejar. É simples. E é divertido. (Torvalds; Diamond, 2001, p. 149).9

Do breve sobrevôo feito acima no universo Linux, gostaria de retomar a idéia de software livre, modelo código-fonte aberto, em oposição (no sentido de como as pessoas se organizam para produzir software) a sistemas proprietários, como o Windows/Microsoft. A GPL tende a garantir o partilhamento das informações (informação livre não implica ausência de custo) e a consolidação de um espaço de sociabilidade, marcado por características como: gratuidade e retorno, interesse e desinteresse, liberdade e obrigação, desigualdade nas trocas, prazer em dar, espontaneidade, etc. Não estaríamos, enfim, próximos dos horizontes da dádiva - de uma dádiva lida através do "terceiro paradigma" - conforme sugeri logo na introdução?

Pistas teóricas

A partir das idéias de Godbout e Caillé, pesquisadores da Revue du Mauss, Francisco Coelho dos Santos, no artigo Peripécias de Agosto: Alguns Episódios da "Cena Hacker" (2002), afirma que a lógica que move o Linux é a lógica da dádiva.

Ao investigar a circulação obrigatória de riquezas, tributos e dádivas existente na Polinésia, Melanésia e nas sociedades americanas, Mauss constatou a presença do sistema de prestações com os seus três momentos complementares e interdependentes: as obrigações de retribuir, de dar e de receber. Tais obrigações constituem o que Mauss chamou de uma "teoria geral da obrigação" em que "tudo vai-e-vem como se houvesse uma troca constante de uma matéria espiritual compreendendo coisas e homens, entre os clãs e os indivíduos, repartidos entre as categorias, sexos e gerações" (Mauss, 1974, p. 59). Direitos e deveres, que se mostram simétricos e contrários, dão vazão à circulação de dádivas entre os diversos grupos. Tudo circula, as dádivas circulam, mas, na realidade, o que está em jogo são as alianças espirituais. Trocam-se matérias espirituais por meio das dádivas. Os homens estão ligados espiritualmente a seus bens que, quando passados a outrem, estabelecem ligação espiritual com o doador. E, nesse sentido, misturam-se doadores e beneficiários, homens, coisas e matéria espiritual.10

Recuperemos, rapidamente, o percurso feito por Santos em seu texto. Ele apresenta o criador do Linux, Linus Torvalds, designando-o, não por acaso, por "hacker de Helsinque" e explica as características desse software livre. O Linux seria o "modelo dos programas open source" e teria a capacidade de "atrapalhar o sono dos executivos da Microsoft" (Santos, 2002, p. 2). Nesse contexto é que as idéias maussianas são utilizadas pelo autor para a compreensão do processo de produção do Linux, enquanto software livre, e da forma como se estabelecem os laços nessa comunidade. Inspirado no "paradigma da dádiva", ele afirma: "a lógica da dádiva repousa sobre a fórmula dar-receber-retribuir, mencionada antes, quando se tratou do processo de produção de softwares open source. Ela se aplica muito bem à elaboração do sistema operacional Linux e também, como se verá, à formação da comunidade que o construiu" (Santos, 2002, p. 6). Para introduzir a discussão da dádiva, objetivando explicar a forma de produção do Linux e os laços entre os membros dessa comunidade, Santos cita uma afirmação de Eric Raymond, segundo a qual "a cultura hacker é o que os antropólogos chamam de cultura da dádiva" (2002, p. 6). Essa associação ("linuxers"/"hackers") parece ser explicada pelo fato da "ética hacker" pressupor o "compartilhamento de informações", sendo "dever ético dos hackers compartilhar sua perícia escrevendo softwares de código-fonte aberto e facilitando o acesso a informações e a recursos de computação sempre que possível" (Santos, 2002, p. 3). Em suma, Santos defende a força do "paradigma da dádiva" para explicar o universo Linux e a insuficiência de outros modelos para pensarem a formação do laço social - vide o caso de teorias que colocam os interesses individuais como propulsores de alianças, ou aquelas que substituem o indivíduo pelo social, "estrutura capaz de fornecer aos indivíduos as regras, as normas e os valores" (2002, p. 9).

Mauss já dizia que há, nas sociedades modernas, elementos típicos do sistema de dádiva-troca como o "dar espontânea e obrigatoriamente", ainda que estejam um pouco nebulosos. Seguem seus esclarecimentos:

instituições desse tipo forneceram realmente a transição para nossas próprias formas de direito e de economia. Elas podem servir para explicar historicamente nossas próprias sociedades. [...] Uma parte considerável de nossa moral e mesmo de nossa vida continua estacionada nessa mesma atmosfera da dádiva, de obrigação e de liberdade misturadas. Felizmente, nem tudo está classificado exclusivamente em termos de compra e venda. As coisas têm ainda um valor sentimental além de seu valor venal, tanto é que há valores que pertencem somente a este gênero. Não temos apenas uma moral de comerciantes. Restam-nos pessoas e classes que guardam ainda os costumes de outrora, e quase todos dobramo-nos a eles, pelo menos em certas épocas do ano ou em determinadas ocasiões. (Mauss, 1974, p. 163).

Alargando a visão do próprio Mauss acerca da presença da dádiva nas sociedades contemporâneas, Godbout e Caillé reforçam: "longe de estar morta ou moribunda, a dádiva [está] ainda bem viva" nas sociedades contemporâneas (Godbout, 1999, p. 21). Eles recuperam as idéias de Mauss sobre o dom e afirmam que a dádiva estaria não só viva, nessas sociedades, como não estaria restrita aos interstícios sociais - visão do próprio Mauss, embora, paradoxalmente, ele a considere "uma das rochas sólidas sobre as quais estão erigidas nossas sociedades" (Mauss, 1974, p. 42), e de autores como Lévi-Strauss (Godbout, 1999, p. 20).

Conforme Godbout, parece ser impossível pensar o universo das trocas humanas, nas sociedades contemporâneas, somente a partir da lógica utilitária do modelo contratual. Tentar compreender o vínculo somente pelo modelo de mercado seria mesmo que fazer um corte horizontal e observar apenas "a rede simples e plana do mercado, regida por uma só lei, a da equivalência, que neutraliza os vínculos e sua variabilidade contextual" (Godbout, 1999, p. 232). Seria matar a diversidade e as inúmeras possibilidades de troca. Seria fechar os olhos para a complexidade e a delicadeza do ato mesmo de produção da vida, da experiência humana em sociedade.

Explicar certos fatos sociais a partir do "paradigma da dádiva" parece, no entanto, não ser uma tarefa fácil. Afinal, como diz Godbout, essa forma de pensar impõe o "paradoxo da gratuidade". Para o pensamento mercantil, só existe dádiva se houver gratuidade. Qualquer retribuição faz com que uma relação baseada na dádiva passe a ter o status de troca - relação baseada no interesse. Mas, ainda que tal pensamento considere a possibilidade de existência da dádiva gratuita, ou seja, sem retorno, esta não deixa de ser vista maliciosamente como um "mau negócio", um "deixar-se enganar". Em outras palavras, é vista como exploração ou algo anormal. O que ocorre, segundo Godbout, é que o pensamento mercantil consegue explicar apenas as trocas efetuadas no mercado, na medida em que suas chaves explicativas são: racionalidade das decisões, interesse "natural" motivando os comportamentos, regra de equivalência, dentre outras. De acordo com esse paradigma, o indivíduo toma as suas decisões visando sempre maximizar a diferença custo-benefício, independente dos seus valores, de forma a buscar sempre o melhor resultado de acordo com os seus interesses "naturais". O fato de haver retribuição na dádiva parece associá-la a uma "troca mercantil disfarçada". Como diz Godbout, o retorno no mercado perfaz um circuito normal e a idéia de não-retorno, por parecer inerente à dádiva, faz com que seu retorno perfaça um "circuito estranho". Percebe-se que são inúmeras as especificidades da dádiva em relação às trocas efetuadas no mercado. Mesmo quando retribuída, a dádiva é vista como gratuita e espontânea. Não se pode esquecer do sentimento de dívida que acompanha aqueles que retribuem, por pensarem que receberam mais do que efetivamente retribuíram - o retorno na dádiva não obedece às regras da equivalência mercantil. A dádiva escapa ao modelo mercantil, por suas características paradoxais, como: gratuidade e retorno, interesse e desinteresse, liberdade e obrigação, desigualdade nas trocas, prazer em dar, espontaneidade, fortalecimento do vínculo, etc.

Provavelmente, a dádiva só é "paradoxal" ou "estranha" quando vista pelas lentes do mercado, sem esquecer que estamos em um contexto em que o pensamento mercantil parece reinar e ser a chave de explicação por excelência. Fora do sistema mercantil de interpretação, ela deixa de ser a "coisa estranha". Para compreendê-la, é preciso sair deste círculo do pensamento mercantil e buscar outras abordagens que não "estranhem" a possibilidade do paradoxo, da contradição. Sem esquecer que o paradoxo e a contradição só existem enquanto tal, na medida em que são criados e sustentados pela razão moderna.11

O "puro" e o "impuro"

Concordo com Santos e penso que o paradigma da dádiva, realmente, traz elementos para pensar esse "fenômeno do mundo dos sistemas operacionais", o Linux. Observando a trajetória desse sistema, a questão parece, no entanto, "complexificar-se". Entram em cena novos personagens na cena Linux. Constitui-se, em torno desse sistema operacional, um espaço de sociabilidade em que passam a participar, além dos geeks, as empresas/suits, os órgãos governamentais e os usuários comuns. Dessa nova configuração, surge o lamento de alguns nativos, "geeks mais radicais", de que o Linux não seria mais um "bastião de pureza". Uma nova questão é colocada: com esses novos atores envolvidos e a expansão do universo Linux para ambientes corporativos poderíamos ainda sustentar que estamos diante da lógica da dádiva? Vejamos.

De acordo com os discursos nativos, são citados dois fatores (provavelmente interligados) que contribuiriam para a modificação do Linux e a perda da sua "pureza", o que não é visto sem maiores problemas. Um primeiro fator refere-se à sua entrada no mundo corporativo. Um segundo, ao esforço que tem sido realizado para abrigar o usuário "comum" nesse universo (ou "Planeta Linux", como brinca Diamond). De 17 de setembro de 1991, quando Linus fez o upload da versão 0.01 (protocolo para numeração dos releases) do Linux, quase Freax,12 e a divulgou entre, no máximo, dez e-mails particulares, até os dias de hoje, muitas coisas aconteceram...

Consideremos o primeiro fator que teria contribuído para a modificação do Linux e para a perda de sua "pureza": sua entrada no mundo corporativo. Um dos momentos que ilustra essa passagem foi aquele em que apareceram os primeiros rumores de que Linus seria contratado para trabalhar na Transmeta Corporation, empresa instalada na Califórnia que fabrica hardwares/chips. Na época de sua admissão (fevereiro de 1997), foi um alvoroço.13 Segue seu relato:

o centro da discussão passou a ser se eu teria condições de me manter fiel à minha filosofia do código-fonte aberto em um terrível ambiente no qual imperava a comercialização, em oposição a uma instituição acadêmica neutra [Universidade de Helsinque, onde Linus trabalhava como professor assistente] (Torvalds; Diamond, 2001, p. 171).14

Em sua autobiografia, embora se mostre um entusiasta e grande defensor do código-fonte aberto, Linus não se opõe à possibilidade de ele ser vendido e de entrar no mundo corporativo. Posição essa não compartilhada por alas mais radicais dos geeks, que tentam manter uma certa "pureza" do sistema. Segundo Linus, essa discordância aparecia (e talvez ainda apareça) na imprensa de forma um tanto maniqueísta:15 "a imprensa dava destaque à dicotomia entre os Idealistas e os Pragmatistas (não são termos meus) no meio dos agora centenas de milhares de usuários do Linux. Nessa divisão, quem temia que os ideais do sistema fossem incompatíveis com os objetivos do capitalismo fez o papel dos idealistas. Eu liderei os pragmatistas." (Torvalds; Diamond, 2001, p. 193).

Sem perder de vista os perigos de uma visão maniqueísta, o cenário relatado ajuda-nos a vislumbrar campos de divergências, não obstante as convergências,16 entre os participantes do circuito Linux e o surgimento de novos atores. Já não estamos falando apenas de um grupo homogêneo de geeks e nem mesmo só de geeks. Há também os suits.

Vejamos, mais de perto, esses novos personagens que, cada vez mais, entram em cena: os suits, ou "administradores que tomam as decisões gerenciais" (entre os quais alguns geeks, como Linus, transitam melhor do que outros. Assim como alguns suits parecem aceitar melhor certos geeks que outros) (Torvalds; Diamond, 2001, p. 189).17 De acordo com a Revista Info-Exame, o movimento aponta para

um servidor aqui, 100 terminais ali, uma dúzia de micros no BackOffice. Quase silenciosamente, o Linux conquista adeptos entre as empresas. Por aqui, o varejo vem encabeçando a lista dos entusiastas. Lojas Renner, Droga Raia e Lojas Colombo são alguns dos nomes que levaram a turma do pingüim para seus PDVs [pontos de venda, os terminais usados pelos operadores de caixa]. A Casas Bahia está no mesmo caminho. Também não falta espaço nos mainframes, como no caso do provedor de acesso gratuito Brfree. Mas é nos servidores que a briga com os rivais Windows e vários sabores de Unix esquenta. (Fortes, 2002, p. 60).

Importante ressaltar que, dentro das próprias empresas, existem técnicos desenvolvendo software livre. Devemos incluir, aqui, empresas tradicionalmente ligadas à Microsoft, ou ao "sistema azul", para utilizar um termo nativo. Vide o caso da IBM. Na palestra proferida no Congresso Catarinense de Software Livre 2003, em Joinville (SC), Marcel Ribas, representante da IBM e com vasto currículo ligado ao "software do concorrente" (engineer, developer e trainer da Microsoft), mostrou-nos a forte presença do Linux na IBM. Ele falou sobre o Linux Integration Center@IBM, o Open Source Development Lab, o Linux Porting Center@IBM, os Linux Centres of Competence, além do site dedicado aos desenvolvedores, http://www.ibm.com/developerworks/linux, e do portal http://www.ibm.com/linux. Menos sugestiva não foi a frase com que encerrou sua palestra: "temos que nos unir e não nos separar". Sem negar a importância da penetração do software livre no mundo corporativo e em outras esferas da vida social, o palestrante seguinte, Djalma, fez questão de frisar que, não obstante as parcerias e expansão de sistemas open source, não poderíamos esquecer que o desenvolvimento desses últimos não veio das empresas, mas de desenvolvedores, de milhares de jovens que acreditavam que tinham que mudar algo. Em seu discurso, no dia anterior, junto ao governador do Estado e outras figuras públicas, ele enfatizou que mais do que uma questão economicista, o que está por detrás do software livre são valores. Para que não se caia em esparrelas dogmáticas ou ideológicas, seria necessário perceber que, na verdade, trata-se da construção de uma sociedade solidária, livre e igualitária para todos. Não é à toa que ele pediu, em sua palestra, para que os presentes levantassem, suspendesse os braços e gritassem, diversas vezes, "liberdade". Essa palavra foi também o mote de outra palestra: de César Melquior, que representou o OpenOffice.org - Projeto Brasil. Ao apresentar o OpenOffice, não apenas convidava as pessoas para serem voluntárias do projeto, que conta hoje com mais de 30 mil colaboradores, como também aconselhava os futuros bacharéis de ciências da computação, ali presentes, para especializarem-se no OpenOffice para prestarem consultoria no mercado. Disse que não existe suporte ao OpenOffice e seria, portanto, uma boa idéia para aqueles que gostariam de ganhar dinheiro com software livre. Depois de César, Evandro Oliveira, coordenador geral de segurança da informação do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação da Casa Civil, falou sobre software livre e políticas públicas e explicou como este governo pretendia popularizar a certificação digital e promover a inclusão digital. Falou muito sobre os aspectos social e ético envolvidos no debate do software livre, que não se resumiria apenas à sua faceta econômica.

O segundo fator, relacionado a modificações do Linux e à perda da sua suposta "pureza", refere-se a sua expansão para além do mundo dos programadores e entrada junto ao grupo dos não-iniciados. Temos aqui mais uma categoria: "os usuários domésticos", que se mostram, pelo menos até o momento, um tanto quanto à margem quando se fala do Linux. Para alguns, esse sistema ainda tem restrições para o uso doméstico. Os usuários parecem ter resistência à "cultura" do desktop open source, como o OpenOffice. Sem dizer que há problemas em certos drives (DVD), e certos programas ainda não rodam nesse sistema. Para John "Maddog" Hall, ou "Cachorro Louco", forma como Linus o chama em seu livro, "o suporte técnico mais freqüente para os usuários domésticos é o vizinho da porta ao lado. Deixando de lado quem usa o sistema por hobby, o Linux não vai prevalecer nas casas até que pegue de verdade nos desktops das empresas" (Fortes, 2002, p. 54). Já para Marcelo Tosatti, o "guardião do kernel", ou o "garotão de 19 anos que cuida do coração do Linux", como anuncia a revista Info-Exame, existem distribuições, como a KDE, que são muito fáceis de usar e não há impedimento para os "não-iniciados". O problema, segundo Tosatti, está na transição da "cultura" do Windows para a do Linux. Ele afirma que "mudar sempre é complicado, principalmente um sistema operacional. Se você está acostumado com o Windows, realmente leva um tempo para você se acostumar com o Linux. Mas, se você nunca usou nada, nunca viu um computador na frente, o Linux é tão simples quanto o Windows" (Fortes, 2002, p. 57). Novamente, Linus e Linux mudaram. Nas palavras do "criador":

o Linux era um animal diferente quando tinha apenas 50 usuários técnicos, ao contrário das 25 milhões (ou sei lá quantas hoje) de pessoas comuns que o usam pelo menos de vez em quando. E era mais diferente ainda no tempo em que as únicas pessoas que trabalhavam com ele eram as que o faziam porque ele era divertido e interessante - sem qualquer dos interesses comerciais que obviamente existem hoje. O mesmo vale para a pessoa Linus. [...] O Linux não é o mesmo movimento de cinco anos atrás e eu não sou a mesma pessoa daquela época. [...] E não são apenas desafios tecnológicos, mas sobre como todo o sentido do Linux muda em face do sucesso. [...] Melhores [criador e criatura], em muitos aspectos. Entretanto, também menos puros. O Linux costumava ser apenas para o pessoal técnico, e um porto seguro para os geeks. Um bastião de pureza, em que quase nada importava, além da tecnologia. Aquela época não existe mais. O sistema continua a ter um forte backgroud técnico, mas com milhões de usuários é necessário que você tenha plena consciência de que precisa ser muito mais cuidadoso com o que faz. (Torvalds; Diamond, 2001, p. 272).18

Interessante perceber que, dentre certos nativos, parece haver o compartilhamento de uma visão senso comum sobre a dádiva (vide o caso da afirmação de Raymond acima, que associa cultura hacker à cultura da dádiva). Essa explicaria apenas a dinâmica de um primeiro momento do sistema, de um "Linux puro"? "Seria possível manter a filosofia do código-fonte aberto em um terrível ambiente no qual impera a comercialização?" "Os ideais do sistema seriam incompatíveis com os objetivos do capitalismo?" Não quero aqui explicar a questão pelo próprio discurso nativo, mas propor uma reflexão sobre esse dilema que parece estar presente depois da entrada do Linux no mundo corporativo - leia-se mundo das empresas e do dinheiro.

Se, na análise de Santos, falávamos de uma ética hacker, que pode ser explicada pelo paradigma da dádiva, como pensarmos esse universo Linux, agora com outros elementos? Estamos partindo de pistas nativas que sugerem a existência de um Linux "antes" e outro "depois" - "puro" e "impuro". A entrada de novos atores, como as corporações, e a aproximação de interesses capitalistas permitiriam a sobrevivência da dádiva? Em outras palavras, a análise da dádiva seria restrita apenas a um universo "Linux puro", não cabendo ao caso "Linux impuro"?

Conforme dito acima, a GPL tende a garantir que as trocas, ou o partilhamento das informações, ultrapassem o círculo restrito dos geeks e seja consolidado um espaço de sociabilidade, no qual também participam outros atores, como corporações capitalistas, representadas pelos suits e compostas, também, por desenvolvedores de software livre. Retomando a discussão inicial, posta pelo "paradoxo da gratuidade", o fato do Linux entrar em ambientes corporativos não implica que sua chave de leitura deva ser o pensamento mercantil. Se isso for feito, pode-se correr o risco de fazer um corte horizontal e observar apenas "a rede simples e plana do mercado, regida por uma só lei, a da equivalência, que neutraliza os vínculos e sua variabilidade contextual" (Godbout, 1999, p. 232). "Linux impuro" não necessariamente está associado à ausência de "nódulos de dádiva" (Perez; Oliveira; Apgaua, 2001). Sobre a relação entre ambientes corporativos e dádiva, podemos dizer que

mesmo no que poderia ser considerado um momento de mercado, há espaço para a dádiva e vice-versa. A dádiva não possui uma localização, mas ela surge na relação das pessoas com as coisas, as pessoas e os acontecimentos, o que pode ocorrer mesmo [...] [em] um momento de mercado. Não existem, necessariamente, hora e local para o surgimento da dádiva. Ela é relacional, contextual e imprevisível. Talvez existam momentos propícios, mas a imprevisibilidade e o mistério caracterizam a própria dádiva. (Apgaua, 1999, f. 66).

Recebido em 31/12/2003

Aceito em 01/03/2004

Referências bibliográficas

  • APGAUA, Renata. A dádiva universal: reflexões em um debate ficcional. 1999. Dissertação (Mestrado em Sociologia)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/renatapgaua/trab/dissertacao.pdf>.
  • CAILLÉ, Alain. Nem holismo nem individualismo metodológicos - Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 38, p. 5-37, out. 1998.
  • CAILLÉ, Alain. Antropologia do dom: o terceiro paradigma. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • FORTES, Débora. Linux: o que você pode ganhar ou perder com a revolução do pingüim. Revista Info-Exame, São Paulo, ano 17, n. 200, p. 48-74, nov. 2002.
  • GODBOUT, Jacques. O espírito da dádiva Em colaboração com Alain Caillé. Rio de Janeiro: Editora-Fundação Getúlio Vargas, 1999.
  • GONÇALVES Jr., Clenio B.; SILVA, Francisco José. A revolução digital e a sociedade ao conhecimento São Paulo, 1999. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~is/ddt/mac333/aulas/tema-6-15abr99.html>. Acesso em: 5 out. 2001.
  • MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: SOCIOLOGIA e antropologia. São Paulo: EPU, 1974. v. 2, p. 37-184.
  • PEREZ, Léa Freitas; OLIVEIRA, Luciana; APGAUA, Renata. Igreja Universal do Reino de Deus e Nova Era: nódulos de dádiva na sociedade brasileira contemporânea? Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, n. 8, p. 30-77, jul./dez. 2001.
  • SANTOS, Francisco Coelho. Peripécias de agosto: alguns episódios da "cena hacker". Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002. Mimeografado.
  • TORVALDS, Linus; DIAMOND, David. Só por prazer: Linux, os bastidores da sua criação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
  • *
    Doutoranda em Antropologia Social.
  • 1
    Este artigo é fruto das primeiras reflexões feitas sobre meu projeto de doutorado. Um dos desafios é o fato de serem escassas as análises sociais sobre o "fenômeno Linux". A proposta mostra-se, assim, inovadora, na medida em que o objetivo é entender o objeto de uma perspectiva antropológica. Considerando, ainda, que a motivação dos estudos antropológicos sobre o ciberespaço está vinculada à busca de compreensão das formas de relação social geradas nesse espaço de sociabilidade, a abordagem da dádiva, até então pouco explorada, pode trazer alguma contribuição para o debate. Vale lembrar, ainda, a atualidade das discussões acerca da presença da dádiva nas sociedades contemporâneas. Discussões, em muito, alimentadas pelos pesquisadores da
    Revue du Mauss, como Jacques Godbout e Alain Caillé. Essa iniciativa encaixa-se na linha de pesquisa Cultura e Comunicação do PPGAS da UFSC, na qual foram e têm sido desenvolvidos, sob a coordenação do professor Theophilos Rifiotis, outros projetos ligados à antropologia do ciberespaço. Aproveito para registrar meu agradecimento ao professor Theophilos pela revisão deste artigo e pelas dicas sugeridas. Não poderia deixar de agradecer também ao Benjamin pela leitura atenta e pelas sugestões, que tornaram sua presença no texto inegável e fundamental.
  • 2
    "Embora teorias como as de Mauss [e o paradigma da dádiva ou terceiro paradigma] já sejam em si interpretações 'sintéticas', conforme diz Sperber, elas se mostram como 'fontes de inspiração interpretativa, repertórios de 'significações' possíveis'" (Apgaua, 1999, f. 53).
  • 3
    Para maiores informações, ver o site pessoal de Eric S. Raymond, em: <
  • 4
    Para maiores informações, ver o site pessoal de Richard Stallman, em: <
  • 5
    Sobre o GNU, ver: <
    /www.gnu.org/home.pt.html>.
  • 6
    Embora o Linux possa ser considerado um dos propulsores do conceito de
    software aberto e livre, é importante frisar que não foi o primeiro. Pelo contrário, sua criação tornou-se possível, dentre outros fatores, porque Linus teve acesso a outros
    softwares open source. Interessante lembrar que, pelo fato de Linus ter utilizado o GNU para a criação do Linux, RMS reivindica a modificação do nome do Linux para GNU/Linux (Torvalds; Diamond, 2001, p. 193). Mas, se já existiam outros sistemas operacionais
    open source, por que seria o Linux e não outro o "maior projeto colaborativo da história do mundo" para lembrar a afirmação de Diamond? A resposta, para os participantes do mundo dos bits, parece estar no fato de o Linux, criado em 1991, ser um sistema operacional, que roda em um PC (
    personal computer) 386. Vale dizer que, no início, o Linux, nome resultante da junção do nome Linus com a palavra Unix, referia-se apenas ao
    kernel. Hoje, ele se tornou sinônimo de um conjunto que envolve outros programas e utilitários (Fortes, 2002, p. 51).
  • 7
    Para não esquecer, além de cartões-postais, Linus foi "presenteado" com a quitação de dois anos da dívida de seu PC. Seu professor, Ari Lemke, encabeçou uma corrente, mobilizando as pessoas para isso. Linus relata: "acredito que eu abordaria a questão de modo inteiramente diferente se não tivesse sido criado na Finlândia, onde qualquer pessoa que exiba um mínimo sinal de ganância é vista com desconfiança, se não inveja [ ]. Também teria, sem dúvida, abordado de forma diferente toda essa questão de não aceitar dinheiro, se não tivesse crescido sob a influência de um obstinado avô acadêmico e um obstinado pai comunista." (Torvalds; Diamond, 2001, p. 221). Interessante ressaltar o esforço que Linus faz, em seu livro, para desfazer a imagem do "monge", que, segundo ele, todos, talvez mais a imprensa, insistem em lhe atribuir.
  • 8
    Linus diz evitar o termo "hacker", pois ele passou a significar "garotos que não têm nada melhor a fazer do que invadir eletronicamente os centros de dados de empresas, quando deveriam estar se oferecendo para ajudar nas bibliotecas locais ou, no mínimo, trepando" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 149).
  • 9
    Da mesma forma que Linus esforça-se para mostrar que não é um monge porque não cobrou pelo Linux, ele insiste para o fato de que "os hackers do código-fonte aberto não são a contrapartida high-tech da Madre Teresa" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 149). Sobre esse entusiasmo
    hacker, vale uma palavra de Gustavo Celso Mazzariol, gerente de informática do Metrô de São Paulo: "os leigos são indiferentes: 'o que eles querem é que o micro funcione. Não importa o que roda lá dentro'. Os programadores ficam entusiasmados. Têm orgulho de pertencer a uma comunidade internacional de iniciados. 'Todos querem ser o Marcelo Tosatti'" (Fortes, 2002, p. 65).
  • 10
    Um relato de um informante
    maori mostra-se bastante elucidativo para a compreensão desta moral dos presentes: "o
    hau não é o vento que sopra. Nada disso. Suponha que o senhor possui um artigo determinado (
    taonga) e que me dê esse artigo; o senhor o dá sem um preço fixo. Não fazemos negócio com isso. Ora, eu dou esse artigo a uma terceira pessoa que, depois de algum tempo, decide dar alguma coisa em pagamento (
    utu), presenteando-me com alguma coisa (
    taonga). Ora esse
    taonga que ele me dá é o espírito (
    hau) de
    taonga que recebi do senhor e que dei a ele. Os
    taonga que recebi por esses
    taonga (vindos do senhor) tenho que devolver-lhe. Não seria justo (
    tika) de minha parte guardar esses
    taonga para mim, quer sejam desejáveis (
    rawe) ou desagradáveis (
    kino). Devo dá-los ao senhor, pois são um
    hau de
    taonga que o senhor me havia dado. Se eu conservasse esse segundo
    taonga para mim, isso poderia trazer-me um mal sério, até mesmo a morte. Tal é o
    hau, o
    hau da propriedade pessoal, o
    hau dos
    taonga, o
    hau da floresta [ ]." (Mauss, 1974, p. 53).
  • 11
    Uma das grandes contribuições de Godbout em seu livro
    O Espírito da Dádiva pode ser vista quando ele não só se recusa a pensar a dádiva a partir de modelos deterministas como o modelo econômico, mas sugere a utilização de outras abordagens não-deterministas presentes no campo da inteligência artificial (IA) e das ciências cognitivas. Como diz Godbout (1999, p. 226), a IA parece abrir caminhos para a compreensão de um fenômeno "sem regra de funcionamento explícita" que não só "possui tantas características aparentemente opostas a qualquer formalização – livre, indecidível, contextual, espontâneo", como também se negaà "distinção sujeito-objeto que está no cerne do pensamento moderno". Embora existam duas abordagens distintas da IA, interessa-nos apenas aquela que traz elementos para um maior entendimento da dádiva: o modelo chamado de "redes neuronais" ou "conexionista", e que vem ganhando maior visibilidade nos últimos dez anos. Um de seus adeptos, Marvin Minsky, chega a falar da IA como uma sociedade "heterárquica". Já Hofstadter fala de "hierarquia emaranhada", que perfaz "estranhos circuitos". De acordo com as "redes neurais", o problema da inteligência não se reduz a uma dimensão lógica e dedutiva. Ao contrário, busca-se apreender como "[ ] a inteligência emerge de conexões simples entre os neurônios" (Godbout, 1999, p. 227). Nesse caso, parte-se do princípio de que é impossível predeterminar todas as situações possíveis, pois estas são sensíveis a contextos específicos. Sendo assim, o que se deve fazer é criar condições para que as máquinas aprendam por si a não transportar um conhecimento prévio a elas. Sistemas como este visam ao aprendizado das máquinas:"elaboram-se redes de relações possíveis e faz-se funcionar a rede, que aprenderá a desenvolver- se à medida que funciona" (Godbout, 1999, p. 227). Aqui o contexto é decisivo. Não se pode dizer que o sistema obedece a regras, o que não implica dizer que não se possam subtrair regras do sistema. Hierarquia emaranhada, estranhos circuitos são noções presentes na abordagem da IA que nos ajudariam a compreender um pouco mais a dádiva e "seu funcionamento contextual, sua lógica de rede e de circulação das coisas 'conforme a resposta emocional que ela suscita'" (Godbout, 1999, p. 229). Como diz Godbout, a dádiva é "[ ] um fenômeno emergente que implica todos os níveis, emergente do circuito estranho que perfazem os diferentes níveis entre si" (1999, p. 233). Considerando a dádiva como uma projeção do sistema de consciência – emaranhado de níveis heterárquicos –, Godbout (1999, p. 233) afirma: "o emaranhado de níveis de dádiva é similar: retorno imediato no próprio prazer da dádiva, contradádiva, reações em cadeia, amplificação da consciência do oferente, reforço do vínculo, tudo que se passa numa dádiva se situa em múltiplos níveis em interação, em hierarquia emaranhada, formando circuitos estranhos que o modelo do mercado só pode visualizar como paradoxo, e fundamentando o vínculo social [ ]".
  • 12
    Digo quase Freax (
    freaks – "fanáticos" – mais o x, que especifica o Unix), pois esse foi o primeiro nome reservado para o lançamento, que não vingou por causa da recusa do seu professor Ari Lemke, que não gostou do nome.
  • 13
    Se bem que o alvoroço começou meses antes, quando vazou a informação de que nasceria sua primeira filha em dezembro de 1996. Linus relata: "os participantes mais francos do newsgroup de usuários queriam saber como eu pretendia equilibrar as necessidades de manutenção do Linux com as de uma família" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 171). Linus e Linux, criador e criatura, em muitos momentos se confundem. Nas palavras do próprio Linus, programar está ligado à criatividade, os frutos da programação também são arte. "É arte,com A maiúsculo. É a Mona Lisa, mas é também o resultado final de uma longa noite de programação, um resultado final do qual você, como programador, está incrivelmente orgulhoso.É algo tão precioso que vendê-lo parece impossível: é para sempre uma parte de si, o criador, uma parte do que você é. Esse tipo de criatividade – seja na forma de pintura, desenho, música, escultura, literatura ou programação – deveria ser sagrado: o criador e a coisa criada têm um vínculo que ninguém pode romper" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 238). Não obstante, a identificação do criador com a sua criatura, a forma como o Linux foi estruturado– modelo "ditador benevolente" – tende a protegê-lo de um eventual afastamento de Linus. Fica claro que se, por um lado, ele fala sobre as relações entre criador e criatura, por outro, ele admite que "não há versão 'oficial' do Linux", o que parece ser o reconhecimento de uma certa autonomia da criatura. Ele diz: "há a minha versão e há a versão de todas as outras pessoas. A verdade é que a maioria delas confia na minha versão e se baseia nela como a verdadeira versão oficial, porque me vêem trabalhar nela há nove anos. Fui eu que a comecei e as pessoas em geral concordam que tenho feito um bom trabalho" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 220). Certos geeks ou milhões de nerds provavelmente não concordarão com isso e não irão se consolar caso Linus opte pelo afastamento. Na feira Comdex de 1999, "um fã foi até o microfone reservado para as perguntas da platéia e declarou apenas: 'Linus, você é meu herói'" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 213).
  • 14
    Para esse momento de ânimos exaltados, Linus tem a seguinte resposta: "se alguma coisa fosse afetar de modo negativo meu trabalho com o sistema, eu tomaria as óbvias medidas necessárias para passar o controle dele para alguém em que confiasse" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 171).
  • 15
    Nas palavras de Linus: "mas considerei essa análise um absurdo jornalístico – uma tentativa simplista de encaixar tudo de modo sistemático em um mundo de preto versus branco (tenho o mesmo problema com o modo corno as pessoas encaram o fenômeno como uma guerra Linux versus Microsoft, quando na verdade é uma coisa inteiramente diferente e muito mais abrangente. É um modo mais orgânico de expandir tecnologia, conhecimento, riqueza e de se divertir, que o mundo do comércio jamais conheceu)" (Torvalds; Diamond, 2001, p. 193). Interessante recuperar os termos utilizados por alguns palestrantes do Congresso Catarinense de Software Livre 2003, que aconteceu nos dias 8 e 9 de agosto em Joinville (SC), para distinguirem o Linux do Windows. Eles se recusavam a utilizar o nome Windows e, ironicamente, quando tinham que se referir a este sistema operacional, diziam: o sistema do"concorrente", aquele do "outro lado", "do lado de lá do rio", ou o sistema "azul". Um professor da Universidade de Brasília, convidado para falar na palestra inaugural, dizia, em seu discurso, que "o software livre mostrava a evolução natural da tecnologia de informação que caminha no sentido do desenvolvimento". Estaríamos, segundo ele, ainda em um momento como o da "inquisição", por "estarmos sendo atacados no plano jurídico e ideológico", mas isso passaria.
  • 16
    Parece haver um consenso quanto à qualidade superior do Linux, resultado do "método bazar" (Eric S. Raymond), e da possibilidade, se não da gratuidade, pelo menos dos baixos custos. Sobre sua qualidade, os usuários (programadores e usuário final) parecem compartilhar a idéia de que a "enorme quantidade de participantes, faz com que bugs sejam tirados do software com uma eficiência inacreditável", "more users find more bugs" (Gonçalves Jr.; Silva, 1999, p. 4). Quanto ao dinheiro ou ausência dele, o sistema está disponível em diversos sites e pode ser obtido gratuitamente por
    download. Como é composto por arquivos muito pesados, as pessoas têm a opção de comprar CDs com o Linux. Nesse caso, cobra-se pelo serviço de distribuição. Conectiva Linux 8, Red Hat Linux 8.0, Mandrake Linux 9.0, Debian 3.0, Turbolinux 7, SuSe Linux 8.1, Slackware 8.1 são distribuições diferentes, sendo que a diferença está "nos programas incluídos, na compatibilidade com dispositivos de hardware e no suporte técnico" (Fortes, 2002, p. 52).
  • 17
    Diamond cita episódios curiosos que aconteceram no dia da conferência de Linus na feira Comdex de 1999, em Las Vegas. "Parecia uma estratégia tirada do Jornalismo 101: encontrar quem tivesse esperado mais tempo pelo discurso de Linus e não desgrudar dele (sem dúvida, dele) na fila. Não poderia haver melhor forma de conseguir a opinião das hordas excêntricas que o seguiam como se ele fosse uma espécie de Deus disfarçado em fornecedor de software.Às cinco da tarde, estava em uma escada rolante, descendo para a Woodstock dos Geeks. No coração da longa e sinuosa fila estava um animado aluno de ciência da computação do Walla Walla College, que, impacientemente, concordou que eu ficasse ao seu lado. [ ] Pareciam ter dividido convenientemente o universo dos adultos em dois grupos – hackers e suits – e estavam com freqüência apontando para os pertencentes à segunda categoria na fila que não parava de crescer, dizendo coisas como 'Cara, veja aqueles suits todos ali' [ ] Depois começaram a falar sobre o Linus. Seu nome era bem pronunciado, como em 'LINUS não trabalharia em uma empresa que não pretendesse ter código-fonte aberto, é claro que ELE não faria isso'. Esmiuçavam servilmente sites da Internet em que circulavam boatos sobre as atividades secretas da Transmeta como se fossem detalhes sensacionalistas da vida amorosa de uma aspirante ao estrelato de Hollywood. Essa paixão e a especulação/fascinação não estavam acontecendo apenas entre os fãs que chegavam aqui primeiro. Fui ao banheiro e ocupei o último mictório livre, interrompendo uma conversa em andamento. 'Esse discurso vai ser muito chato em comparação ao de Gates [Bill Gates falara no dia anterior]', disse o sujeito à minha esquerda. 'O que você queria?', respondeu o outro, 'Linus é um hacker, não um suit. Deixe ele em paz'." (Torvalds; Diamond, 2001, p. 213).
  • 18
    Parece ser interessante repensar a conotação revolucionária dada ao Linux, já que estaria ocorrendo um movimento contrário, na medida em que ele sai do controle dos
    geeks, talvez mais próximos a um espírito
    anti-establishment, passando a ser "compartilhado" por
    suits, que, no limite, são aqueles que mantêm o
    status quo. Segundo Linus, "o sentimento
    antiestablishment [ ]. É aquela coisa da Grande e Má Microsoft Corporation & o Cruel, Ganancioso e Podre de Rico Bill Gates versus o Estamos Unidos Pelo Amor e Pelo Software Livre para Todos & o Autodestruído (Parecendo) Herói Popular Linus B. Torvalds". Mesmo empregada em grandes corporações, essa "garotada" leva consigo o amor pelo Linux – vale lembrar que existem "listas de créditos" e "arquivos de histórico", anexados a cada projeto, que são procurados por empregadores em busca dos melhores programadores (Torvalds; Diamond, 2001, p. 149, 192). Tudo isso parece lembrar o que Linus diz, em certo momento do livro, a respeito da "mentalidade" dos adeptos do Unix, quando este surgiu no final da década de 1960. Doidos, "embora não doidos de pedra", mas "gente com um estilo de vida
    muito alternativo". Essa foi a época da geração paz e amor, ou melhor, "paz e amor
    técnica"."Muito da filosofia 'o Unix deve ser livre' tem mais a ver com as circunstâncias da época do que com o sistema operacional. Foi um período de idealismo desenfreado. Revolução. Liberdade de qualquer autoridade. Amor livre (que deixei de aproveitar, mas provavelmente não teria sabido o que fazer com ele, de qualquer forma). E a relativa abertura do Unix, ainda que devida sobretudo à falta de interesse comercial na época, tornou-o atraente para esse tipo de gente." (Torvalds; Diamond, 2001, p. 83). Richard Stallman parece ser uma das figuras que, ainda hoje, encarna Woodstock. Tosatti confessa: "sem um cara como o Richard Stallman, por exemplo, o Linux não seria o que é hoje. E antes mesmo aconteceu o Unix O que eu quero dizer é que todos têm de levar o crédito, não uma pessoa só. O Linux é um fenômeno muito grande, muito abrangente, envolveu muitas pessoas. O Stallman eu endeuso um pouco, porque o cara precisa ser muito louco para fazer o que ele fez (risos). Ele é bem mais doido que o Linus, acho que por isso me identifico um pouco mais com ele." (Fortes, 2002, p. 56).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      01 Mar 2004
    • Recebido
      31 Dez 2003
    location_on
    Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: horizontes@ufrgs.br
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