Acessibilidade / Reportar erro

Dinâmica populacional de Bemisia tabaci biótipo B em tomate monocultivo e consorciado com coentro sob cultivo orgânico e convencional

Population dynamic of Benisua tabaci B biotype in monoculture tomato crop and consortium with coriander in organic and conventional crop system

Resumos

A mosca-branca Bemisia tabaci Biótipo B (Hemiptera: Aleyrodidae), é um herbívoro de difícil controle devido à alta plasticidade genotípica da espécie. No tomateiro pode causar danos severos principalmente pela transmissão de diversas viroses. O manejo do sistema de produção e o consórcio de culturas podem ter um efeito direto nas populações desse herbívoro, sem que seja necessária a aplicação de inseticidas. Avaliou-se a influência dos sistemas de produção orgânico e convencional e o consórcio tomate-coentro na dinâmica populacional da mosca-branca no campo experimental da Embrapa Hortaliças, de maio a setembro/06. O monitoramento dos adultos da mosca-branca e de seus inimigos naturais foi realizado utilizando-se armadilhas adesivas amarelas fixadas nas bordas e no interior das parcelas experimentais e a amostragem de ninfas foi realizada por observação direta das folhas de tomate no campo. Embora as populações ao redor dos diferentes tratamentos fossem equivalentes, a abundância de adultos de mosca-branca foi significativamente menor nas parcelas de tomate consorciado com coentro, tanto no sistema convencional como orgânico. Apenas o consórcio tomatecoentro em sistema orgânico apresentou redução significativa na quantidade de ninfas por planta em relação aos demais tratamentos. Os inimigos naturais foram significativamente mais abundantes em sistema orgânico e foi verificada uma correlação negativa da abundância dos inimigos naturais e a quantidade de ninfas por planta. A associação tomate-coentro e o manejo orgânico do agroecossistema favoreceram ao controle biológico natural da mosca-branca.

Mosca-branca; Lycopersicon esculetum; flutuação populacional; agroecologia; controle biológico natural; inimigos naturais


Due to its high genotypic plasticity, the control of the silverleaf whitefly Bemisia tabaci B biotype (Hemiptera: Aleyrodidae), is difficult. This insect may cause severe damage to the tomato crop as a vector of several viruses. The management of the production system and the consortium with other crops may have a direct effect on this herbivore population, without the need of chemical insecticide spraying. The effect of organic and conventional production systems and the tomato-coriander consortium were evaluated in this study, in field, during May-September 2006. Adults of whitefly and its natural enemies were monitored using yellow adhesive traps installed at the edge and inside the experimental plots, and nymphs were sampled by direct observation on tomato plants. Although adult populations in the neighborhood of the different treatments were equivalent, the abundance of whitefly adults was significantly lower in the plots with the consortium tomato-coriander in both systems, conventional and organic. Significant reduction in the amount of nymphs per plant was only observed in the consortium tomato-coriander when all treatments were compared. There were more natural enemies in organic system and a negative correlation was observed between natural enemies abundance collected in the traps and whitefly nymphs' density. The association tomato-coriander and the organic management of the agroecossystem favored natural biological control of B. tabaci.

Silverleaf whitefly; Lycopersicon esculetum; population fluctuation; agroecology; natural biological control; natural enemies


PESQUISA RESEARCH

Dinâmica populacional de Bemisia tabaci biótipo B em tomate monocultivo e consorciado com coentro sob cultivo orgânico e convencional

Population dynamic of Benisua tabaci B biotype in monoculture tomato crop and consortium with coriander in organic and conventional crop system

Pedro HB TogniI; Marina R FrizzasIV; Maria A de MedeirosII; Erich YT NakasuIII; Carmem SS PiresIII; Edison R SujiiIII

IPós-graduando em Ecologia, Unb-Instituto de Ciências Biológicas, C. Postal 04457, 70919-970 Brasília-DF

IIEmbrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70359-970 Brasília-DF

IIIEmbrapa Cenargen, Av. W5 norte (final), 70770-900 Brasília-DF

IVUniCEUB-Faculdade de Ciências da Educação e da Saúde, SEPN 707/909, 70790-075 Brasília-DF; pedrohbtogni@yahoo.com.br; frizzas@#yahoo.com.br; maria.alice@embrapa.br; erichnakasu@cenargen.embrapa.br; cpires@cenargen.embrapa.br; sujii@cenargen.embrapa.br

RESUMO

A mosca-branca Bemisia tabaci Biótipo B (Hemiptera: Aleyrodidae), é um herbívoro de difícil controle devido à alta plasticidade genotípica da espécie. No tomateiro pode causar danos severos principalmente pela transmissão de diversas viroses. O manejo do sistema de produção e o consórcio de culturas podem ter um efeito direto nas populações desse herbívoro, sem que seja necessária a aplicação de inseticidas. Avaliou-se a influência dos sistemas de produção orgânico e convencional e o consórcio tomate-coentro na dinâmica populacional da mosca-branca no campo experimental da Embrapa Hortaliças, de maio a setembro/06. O monitoramento dos adultos da mosca-branca e de seus inimigos naturais foi realizado utilizando-se armadilhas adesivas amarelas fixadas nas bordas e no interior das parcelas experimentais e a amostragem de ninfas foi realizada por observação direta das folhas de tomate no campo. Embora as populações ao redor dos diferentes tratamentos fossem equivalentes, a abundância de adultos de mosca-branca foi significativamente menor nas parcelas de tomate consorciado com coentro, tanto no sistema convencional como orgânico. Apenas o consórcio tomatecoentro em sistema orgânico apresentou redução significativa na quantidade de ninfas por planta em relação aos demais tratamentos. Os inimigos naturais foram significativamente mais abundantes em sistema orgânico e foi verificada uma correlação negativa da abundância dos inimigos naturais e a quantidade de ninfas por planta. A associação tomate-coentro e o manejo orgânico do agroecossistema favoreceram ao controle biológico natural da mosca-branca.

Palavras-chave: Mosca-branca, Lycopersicon esculetum, flutuação populacional, agroecologia, controle biológico natural, inimigos naturais.

ABSTRACT

Due to its high genotypic plasticity, the control of the silverleaf whitefly Bemisia tabaci B biotype (Hemiptera: Aleyrodidae), is difficult. This insect may cause severe damage to the tomato crop as a vector of several viruses. The management of the production system and the consortium with other crops may have a direct effect on this herbivore population, without the need of chemical insecticide spraying. The effect of organic and conventional production systems and the tomato-coriander consortium were evaluated in this study, in field, during May-September 2006. Adults of whitefly and its natural enemies were monitored using yellow adhesive traps installed at the edge and inside the experimental plots, and nymphs were sampled by direct observation on tomato plants. Although adult populations in the neighborhood of the different treatments were equivalent, the abundance of whitefly adults was significantly lower in the plots with the consortium tomato-coriander in both systems, conventional and organic. Significant reduction in the amount of nymphs per plant was only observed in the consortium tomato-coriander when all treatments were compared. There were more natural enemies in organic system and a negative correlation was observed between natural enemies abundance collected in the traps and whitefly nymphs' density. The association tomato-coriander and the organic management of the agroecossystem favored natural biological control of B. tabaci.

Keywords: Silverleaf whitefly, Lycopersicon esculetum, population fluctuation, agroecology, natural biological control, natural enemies.

As práticas agrícolas modernas ou convencionais são caracterizadas principalmente pela alta dependência de insumos artificiais externos, como o uso intensivo de produtos químicos para o controle de pragas, o que afeta espécies não-alvo, uso intensivo do solo e o monocultivo de espécies comerciais (Gliessman, 2005). O plantio em monoculturas anuais torna as culturas mais expostas na paisagem, pois o recurso é distribuído de forma homogênea e abundante, favorecendo a localização das plantas hospedeiras por insetos herbívoros (Scriber & Feeny, 1979). Por isso, pode ocorrer um rápido crescimento populacional dessas espécies, levando-as a se tornarem pragas (Altieri et al., 2003). Ao contrário dos sistemas convencionais, a agricultura orgânica está fundamentada na conservação e melhoramento da capacidade produtiva do solo, diversificação do sistema de produção (por exemplo, consorciação de culturas) e aproveitamento dos processos ecológicos para a regulação das populações de herbívoros-praga (de Souza & Resende, 2006). Essa compreensão coloca em foco a importância das interações tróficas e da estrutura da comunidade local no controle do crescimento populacional de insetospraga (Altieri, 1999).

O tomate (Lycopersicon esculetum) destaca-se dentre as hortaliças cultivadas no Brasil em área plantada (56.275 ha), em produção (3.356.456 t) e produtividade (57,9 t/ha), sendo cultivado em todas as regiões brasileiras sob diferentes sistemas de manejo (IBGE, 2007). Essa cultura exige manejo constante, pois está sujeita a diversos problemas fitossanitários, em sua maioria relacionados aos danos causados por insetos como a mosca-branca e lagartas brocadoras. Tais problemas com pragas representam uma grande dificuldade para a produção dessa hortaliça em sistemas convencionais e principalmente orgânicos, onde não é permitido o uso de agrotóxicos (França et al., 2000).

No tomateiro, a mosca-branca Bemisia tabaci Biótipo B (Hemiptera: Aleyrodidae) pode comprometer a capacidade fotossintética da planta pela sucção de seiva e pelo favorecimento da proliferação de fungos (fumagina) (Villas Bôas et al., 1997). Porém, os principais danos são indiretos, por meio da transmissão de diversos vírus (Jones, 2003). O método mais largamente utilizado para o controle dessa praga é a aplicação de inseticidas químicos (Haji et al., 2005). Entretanto, devido à grande plasticidade genotípica e o grande número de plantas hospedeiras dessa espécie (EMPPO, 2004), o uso desse método favorece a rápida seleção de indivíduos resistentes e a grande dispersão de adultos. Estudos de ecologia populacional de mosca-branca mostram que os predadores e parasitóides podem representar os principais fatores bióticos de mortalidade (Naranjo & Ellsworth, 2005). Além disso, Letourneau & Goldstein (2001) demonstraram que o não uso de inseticidas em tomate é compensado pela atuação dos inimigos naturais. Portanto, o entendimento dos fatores que regulam a colonização e estabelecimento das populações da moscabranca na cultura do tomateiro podem subsidiar o desenvolvimento de métodos alternativos e mais sustentáveis de manejo da praga, baseados no controle biológico natural e na interação inseto-planta.

O objetivo deste trabalho foi avaliar se o plantio de tomate em associação com o coentro, em sistema orgânico e convencional, afeta a dinâmica populacional da mosca-branca com implicações para o seu manejo como praga. Para isso, foram investigadas as questões: a) há diferenças na abundância de ninfas e adultos da mosca-branca e conseqüentemente na taxa de colonização em áreas com maior ou menor diversidade vegetal e em sistema orgânico e convencional?; b) A abundância de adultos influencia o recrutamento de ninfas independente da diversidade vegetal na área e do sistema de produção?; c) há diferenças na abundância de inimigos naturais em sistema orgânico e convencional e esta diferença está relacionada com a flutuação populacional de mosca-branca? As repostas a essas questões nos permitirão fazer inferências às seguintes hipóteses: 1) a diversidade vegetal influencia na dinâmica populacional de mosca-branca, reduzindo sua densidade populacional, independente do manejo do sistema; 2) a diversidade vegetal nos sistemas orgânicos favorece ao manejo da praga em função da maior diversidade de interações tróficas na comunidade local e conseqüente preservação de inimigos naturais dessa espécie devido a não aplicação de inseticidas. Ao final deste trabalho espera-se fornecer subsídios que permitirão propor novas estratégias para o manejo da mosca-branca na cultura do tomate.

MATERIAL E MÉTODOS

Esse trabalho foi realizado no campo experimental da Embrapa Hortaliças (15º 56'S, 48º08'W e 997 m de altitude), de maio a setembro/06. O campo experimental possui uma área total de 110 ha de latossolo vermelho escuro, sendo 18 ha de Área de Pesquisa em Produção Orgânica de Hortaliças. Essa área encontra-se sob manejo orgânico desde 2001 e situa-se a cerca de 250 m de uma mata ciliar e 150 m da área experimental de produção convencional. A proximidade das áreas de produção convencional e orgânica permite o estabelecimento de experimentos comparativos entre sistemas orgânicos e convencionais de forma pareada, característica raramente encontrada nos trabalhos dessa natureza. Nas áreas não cultivadas é permitido o crescimento de vegetação espontânea onde predominam os capins Pennisetum purpureum (Poaceae) e Brachiaria decumbens (Poaceae) (Medeiros, 2007).

As parcelas experimentais (5 x 6 m cada) foram formadas por plantas de to-mate e de coentro dispostas nas combinações de plantio: 1) tomate monocultivo; 2) coentro monocultivo; e 3) tomate consorciado com coentro (policultivo). O coentro foi utilizado no experimento por ser uma planta não hospedeira de mosca-branca e por ser citado na literatura como uma planta não preferida por herbívoros específicos em parcelas com tomate consorciado (por exemplo, Hilje et al., 2001). As parcelas experimentais foram plantadas em sistemas de cultivo orgânico e convencional, distantes 150 m um do outro, com três replicações em blocos ao acaso, com a posição da parcela sorteada ao acaso. Ao redor das áreas experimentais havia linhas com plantas de milho e crotalária que serviam como bordadura para aumentar a diversidade vegetal e como barreira à dispersão de pragas. A área de plantio orgânico era cercada por faixas de girassol mexicano (Tithonia diversifolia).

As mudas de tomate foram transplantadas em 18/05/2006, com um par de folhas definitivas, em fileira dupla e tutorados por estacas, sendo uma planta por estaca. Cada parcela foi constituída por 80 plantas do hibrido F1 Duradouro, com espaçamento de 0,5 m entre plantas, 0,8 m entre linhas e de 2,0 m entre parcelas. O tratamento coentro monocultivo foi ressemeado em 16/08/ 06, após a primeira colheita, sendo mantido até o final do experimento (21/08/ 06) para floração. A irrigação foi por aspersão e os demais tratos culturais como desbaste e condução seguiram a recomendação técnica de Makishima & Miranda (1992). O solo na área orgânica foi preparado com aração, encanteiramento, adubado com compos-to no plantio e adubação de cobertura. No sistema convencional o solo foi preparado da mesma forma, e recebeu fertilização química com N-P-K (4-14-8) e cobertura quinzenal (sulfato de amônio e cloreto de potássio) (Makishima & Miranda, 1992). Na área convencional, os seguintes inseticidas e fungicidas foram aplicados, em dosagens recomendadas, em rotação de princípio ativo para o controle de pragas: imidaclopride, abamectina, clorotalonil, buprofezina, tebufenozida, cimoxanil + mancozebe, endossulfam, hidróxido de cobre, teflubenzurom, clorfenapir e lufenurom. Ao final do ciclo da cultura foi avaliada a produtividade média de cada tratamento, a fim de verificar o efeito do consórcio do coentro na produtividade do tomateiro.

Para amostragem da população de adultos de mosca-branca e da abundância de seus inimigos naturais foram instaladas, em estacas, quatro armadilhas adesivas amarelas (10,0 x 12,5 cm) nas bordas externas de cada sistema de plantio, a cinco metros das parcelas experimentais e duas armadilhas no interior de cada parcela, distantes quatro metros uma da outra. As armadilhas foram sempre posicionadas na altura correspondente ao terço superior das plantas de tomate. Semanalmente, as armadilhas eram coletadas, substituídas e levadas ao laboratório para identificação e contagem dos insetos. Onze espécies de inimigos naturais de mosca-branca foram selecionados para monitoramento nas armadilhas amarelas ao longo do presente estudo, de acordo com estudos anteriores realizados por Gerling et al. (2001) e Oliveira et al. (2003) (Tabela 1). O número de inimigos naturais capturados em cada armadilha e constantes na Tabela 1 foi usado para calcular a média e comparar a abundância entre os sistemas de produção.

A densidade de ninfas por parcela foi estimada a partir da quantidade média de ninfas de mosca-branca por planta de tomate. A amostragem foi feita, aleatoriamente, em cinco plantas por parcela. Para isso, a planta foi dividida espacialmente em três terços, sendo cada planta amostrada em um dos terços (Toscano et al., 2002).

As densidades médias de moscasbrancas (adultos e ninfas) nas armadilhas e plantas foram comparadas por análise de variância não-paramétrica (Kruskal-Wallis) seguida por teste de comparação de médias (Teste de Dunn). O mesmo procedimento foi utilizado para avaliar a produtividade média de cada parcela. As densidades médias dos inimigos naturais nas parcelas experimentais e de adultos de mosca-branca nas bordas dos dois sistemas, capturados nas armadilhas, foram comparadas por teste t, ou Mann-Whitney quando necessário. A correlação das populações de mosca-branca nos tratamentos e dos inimigos naturais e a praga foram calculadas utilizando o coeficiente de correlação de Pearson com auxílio do programa SigmaStat V 3.1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A população média de adultos de mosca-branca ao longo do ciclo do tomateiro nas bordas do sistema de cultivo orgânico foi de 1,86 ± 1,97 (média ± desvio padrão) indivíduos por armadilha, enquanto no convencional foi de 2,62+3,22 indivíduos por armadilha. As densidades dessas populações não diferiram (Mann-Whitney T= 3822 p=0,385), indicando que adultos de mosca- branca dispersavam-se livremente no entorno das parcelas experimentais nos dois sistemas de cultivo com populações semelhantes. Portanto, é possível considerar que o potencial de colonização das parcelas experimentais era equivalente. Esse mesmo padrão de distribuição de adultos foi observado na área para a traça-do-tomateiro utilizando armadilhas de feromônio (Medeiros, 2007).

Nos tratamentos tomate monocultivo orgânico e convencional não houve diferença em relação à abundância de adultos de mosca-branca no interior das parcelas (Tabela 2). Esse resultado difere dos apresentados por Medeiros (2007) para a traça-do-tomateiro (Tuta absoluta), que observou menor abundância de ovos, lagartas e adultos em parcelas de tomate cultivado em sistema orgânico quando comparado ao sistema convencional. O reduzido espectro de hospedeiros de traça-do-tomateiro, que é especialista em alguns gêneros de solanáceas (França et al., 2000; Michereff Filho & Vilela, 2000), é um fator que poderia explicar a capacidade do adulto de traça-do-tomateiro reconhecer a qualidade do alimento para sua prole. Em contraposição, a mosca-branca que é extremamente generalista e se alimenta em mais de 600 espécies de plantas (EMPPO, 2004), não reconhece a qualidade do alimento (Inbar et al., 2001) e coloniza indiscriminadamente plantas de tomateiro nos dois sistemas de cultivo.

A população de adultos de moscabranca nos tratamentos tomate consorciado com coentro e coentro monocultivo, tanto orgânico como convencional, foi significativamente menor do que nos tratamentos tomate monocultivo convencional e orgânico (Tabela 2). Esses resultados demonstram a não-preferência de B. tabaci pelas parcelas de tomate consorciado com coentro em cultivo orgânico e convencional. O coentro pode possuir uma ação repelente através da produção de compostos secundários e voláteis tóxicos ou pode dificultar a localização da planta hospedeira pelo inseto (Hilje, 2001). É possível que as plantas de coentro além da produção de voláteis repelentes também contribuam para o aumento de microhabitats para inimigos naturais e na interferência física na colonização de adultos.

O número médio de ninfas por folha apresentou um padrão diferente daquele observado para adultos capturados nas armadilhas adesivas. Apenas o tratamento consórcio tomate-coentro em sistema orgânico apresentou densidade de ninfas significativamente menor que os demais tratamentos (Tabela 2). Não foi verificada correlação entre as abundâncias de adultos e ninfas nos tratamentos, indicando que o recrutamento de ninfas não está relacionado com a população de adultos capturados nas respectivas parcelas. Esses resultados contrariam o esperado, onde mais adultos condicionariam a amostragem de mais ninfas e sugerem que outros fatores como inimigos naturais, atuam sobre a abundância de ninfas. A redução da densidade de ninfas observada no tomate consorciado com coentro neste trabalho concorda com resultados anteriores, como o de Ramappa et al. (1998) que verificaram menor infestação de ninfas em tomate consorciado com hospedeiras alternativas em sistema de cultivo convencional e com Bezerra (2001), que observou o mesmo padrão em tomate no Semi-Árido brasileiro. Esses resultados demonstram que mesmo sob a aplicação de agrotóxicos, que podem afetar negativamente os inimigos naturais, houve uma redução na abundância de ninfas nos sistemas de cultivo mais diversificados.

A abundância de inimigos naturais no sistema de produção orgânico (90,64±33,02) foi maior que no convencional (47,57±23,06), havendo diferença significativa entre os dois sistemas (t = 4,001 p<0,001, 26 G.L.). As espécies mais abundantes foram Encarsia sp., Scymnus sp., e Nephaspis sp., (Tabela 3) similar aos resultados previamente obtidos por Oliveira et al. (2003). Esses autores registraram 14 espécies de predadores, 12 espécies de parasitóides e dois hiperparasitóides das moscas-branca B. tabaci e Trialeurodes vaporariorum, em Brasília, sendo Encarsia formosa e Nephaspis gemini, as duas espécies mais abundantes. A abundância de inimigos naturais em sistema de cultivo convencional provavelmente foi menor do que no sistema orgânico devido à ação dos inseticidas. Estes podem afetar de forma inesperada organismos não-alvo como, por exemplo, os inimigos naturais causando a diminuição de sua abundância (Palumbo et al., 2001). Esse mesmo padrão é observado em vários trabalhos em diferentes localidades no mundo e dentre as principais causas atribuídas à redução da abundância de inimigos naturais em sistemas convencionais são os efeitos indiretos dos inseticidas nessas populações (ver referências em Hole et al., 2005).

Letourneau & Goldstein (2001) encontraram uma quantidade similar de insetos-praga em tomate orgânico e convencional e uma quantidade significativamente maior de artrópodes benéficos em tomate orgânico, na Califórnia, EUA, embora a abundância de moscabranca em particular não foi apresentada. Esses autores concluem que a não intervenção química nos campos de to-mate orgânico é compensada pela atuação dos inimigos naturais, que são mais abundantes e podem conseqüentemente ser mais eficientes em sistemas orgânicos. Da mesma forma, Berry & Wratten (1996), encontraram maior abundância e diversidade de predadores e parasitóides em cenoura sob sistema de cultivo orgânico em relação ao sistema de cultivo convencional, na Nova Zelândia. Aparentemente a não intervenção química favorece a abundância dos inimigos naturais no controle populacional de mosca-branca e de outros insetos-praga. Hole et al. (2005) revisaram 76 artigos que compararam os im-pactos de sistemas orgânicos e convencionais na biodiversidade de diferentes grupos taxonômicos. Dentre estes, 47 estudos compararam o efeito do manejo do sistema (orgânico e convencional) na biodiversidade de artrópodes sendo observado um efeito positivo na biodiversidade em 34 estudos, efeito negativo em oito e nenhuma diferença em relação ao sistema convencional em cinco estudos. Portanto, o sistema orgânico de produção, em geral, pode beneficiar a abundância e diversidade de artrópodes, principalmente predadores e parasitóides, no agroecossistema. Também é possível que ocorra um efeito somatório de redução da oviposição (menor recrutamento de indivíduos para as gerações futuras) somado a maior predação por inimigos naturais, principalmente de ninfas, em parcelas onde é feito consórcio de tomate com coentro em sistema orgânico. Essas interações devem ser melhor estudadas para utilização em favor do manejo de pragas.

Foi observado um coeficiente de correlação negativo e significativo entre o número médio de ninfas e a abundância de inimigos naturais (Coeficiente de Correlação de Pearson rconvencional= -0,611, P= 0,0267; rorgânico= -0,617, P= 0,0247) de monstrando que o aumento na densidade de inimigos naturais reduz a quantidade média de ninfas por planta, independente do sistema de cultivo. Os inimigos naturais analisados foram agentes importantes no controle populacional de B. tabaci, principalmente de ninfas, no sistema de cultivo orgânico. Isso demonstra que o sistema de plantio orgânico pode aumentar a abundância dos inimigos naturais, favorecendo também o controle biológico natural no agroecossistema em substituição aos inseticidas, seja pela eficiência dos inimigos naturais ou pela dificuldade em encontrar a planta hospedeira (Root, 1973). Assim, o consórcio com coentro em sistema orgânico mostrou ser mais eficiente do que em sistema convencional no controle populacional de moscasbranca em tomate, podendo reduzir os danos causados à cultura (Rammapa et al., 1998; Hilje et al., 2001; Palumbo et al., 2001; Morales, 2002). Além disso, a produtividade do tomateiro não foi afetada pelo consórcio com coentro ou pelo sistema de produção (orgânico ou convencional) (Kruskal-Wallis H=5,964 p=0,087, 3 G.L.). Apesar de não ter sido avaliado neste trabalho, o consórcio com coentro pode reduzir os custos da produção, devido à redução ou o não uso de insumos químicos como inseticidas, no caso de sistemas orgânicos.

O consórcio tomate-coentro pode influenciar positivamente o manejo de B. tabaci, ao afetar sua dinâmica populacional e reduzir a densidade de adultos no sistema convencional e orgânico. Dessa forma, além de reduzir o número de ninfas nas gerações seguintes, o consórcio tomate-coentro em sistemas orgânicos favorece o estabelecimento de uma maior abundância de inimigos naturais e menor densidade de ninfas nas plantas de tomate com possíveis conseqüências na sobrevivência dos diferentes estágios de desenvolvimento da mosca-branca. Portanto, o policultivo tomate-coentro, principalmente em sistemas orgânicos, é favorável ao controle biológico natural de mosca-branca.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Raúl A. Laumann pela ajuda na identificação dos inimigos naturais. À Michele Erdman e Kelly R. Cavalcante pelo auxílio no trabalho de campo e ao M.Sc. Ronaldo Setti (Embrapa Hortaliças) pela manutenção do experimento e apoio em campo.

(Recebido para publicação em 28 de maio de 2008; aceito em 31 de março de 2009)

(Received in May 28, 2008; accepted in March 31, 2009)

  • ALTIERI MA. 1999. The ecological role of biodiversity in agroecosystems. Agriculture, Ecosystems & Environment 74: 19-31.
  • ALTIERI MA; SILVA EM; NICHOLS CI. 2003. O Papel da Biodiversidade no Manejo de Pragas São Paulo: Editora Holos. 226p.
  • BERRY NA; WRATTEN SD. 1996. Abundance and diversity of beneficial arthropods in conventional and "organic" carrot crops in New Zealand. New Zealand Journal of Crop and Horticultural Science 24: 307-313.
  • BEZERRA MA. 2001. Flutuação populacional da mosca branca Bemisia tabaci (Hemiptera: Aleyrodidae) e seus inimigos naturais em tomate e plantas invasoras do semi-árido. Recife: UFPE. 52p. (Tese mestrado).
  • De SOUZA JL; RESENDE P. 2006. Manual de horticultura orgânica 2Ş ed. Viçosa: Aprenda Fácil Editora. 843p.
  • EUROPEAN AND MEDITERRANEAN PLANT PROTECTION ORGANIZATION (EMPPO). 2004. Diagnostic protocols for regulated pests -Bemisia tabaci. Bulletin OEPP/EPPO 34: 281-288.
  • FRANÇA FH; VILLAS BÔAS GL; CASTELO BRANCO M; MEDEIROS MA. 2000. Manejo integrado de pragas. In: SILVA JBC; GIORDANO LB (orgs.). Tomate para processamento industrial Brasília: Embrapa Informação Tecnológica/ Embrapa Hortaliças. p. 112-127.
  • GERLING D; ALOMAR O; ARNO J. 2001. Biological control for Bemisia tabaci using predators and parasitoids. Crop Protection 20: 835-852.
  • GLIESSMAN SR. 2005. Agroecologia: Processos ecológicos em agricultura sustentável. 3Ş ed. Porto Alegre: Editora Universidade UFRGS. 653p.
  • HAJI FNP; MATTOS MAA; ALENCAR JA; BARBOSA FR; PARANHOS BJ. 2005. Manejo da Mosca-Branca na Cultura do Tomate. Embrapa-Semi-Árido, Petrolina, PE. Circular Técnica da Embrapa Semi Árido 81. 16p.
  • HILJE L; COSTA HS; STANSLY PA. 2001. Cultural practices for managing Bemisia tabaci and associated viral diseases. Crop Protection 20: 801-812.
  • HOLE DG; PERKINS AJ; WILSON JD; ALEXANDER IH; GRICE PV; EVANS AD. 2005. Does organic farming benefit biodiversity? Biological Conservation 122: 113-130.
  • IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2008, 10 de outubro. Levantamento sistemático da produção agrícola Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica
  • INBAR M; DOOSTDAR H; MAYER RT. 2001. Suitability of stressed and vigorous plants to various insect herbivores. Oikos 94: 228-235.
  • JONES D. 2003. Plant viruses transmitted by whiteflies. European Journal of Plant Pathology 109: 197-221.
  • LETOURNEAU DK; GOLDSTEIN B. 2001. Pest damage and arthropod community structure in organic vs. conventional tomato production in California. Journal of Apllied Ecology 38: 557-570.
  • MAKISHIMA N; MIRANDA JEC. 1992. Cultivo do tomate (Lycopersicum esculetum Mill.). EMBRAPA-CNPH, Brasília, DF, instruções técnicas da Embrapa Hortaliças 11. 22p.
  • MEDEIROS MA. 2007. Papel da Biodiversidade no manejo da traça-dotomateiro Tuta absoluta (Meyrick, 1971) (Lepidoptera: Gelechiidae) Brasília: UnB. 145p. (Tese doutorado).
  • MICHEREFF FILHO M; VILELA EF. 2000. Traça-do-tomateiro, Tuta absoluta (Lepidoptera: Gelechiidae). In: VILELA EF; ZUCCHI RA; CANTOR F (eds.). Histórico e impacto das pragas introduzidas no Brasil Ribeirão Preto: Holos. p. 81-84.
  • MORALES H. 2002. Pest management in traditional agroecosystems: Lessons for pest prevention research and extension. Integrated Pest Management Reviews 7: 145-163.
  • NARANJO SE; ELLSWORTH PC. 2005. Mortality dynamics and population regulation in Bemisia tabaci. Entomologia Experimentalis et Applicata 116: 93-108.
  • OLIVEIRA MRV; AMANCIA E; LAUMANN RA; GOMES O. 2003. Natural enemies of Bemisia tabaci (Gennadius) B biotype and Trialeurodes vaporariorum (westwood) (Hemiptera: Aleyrodidae) in Brasília, Brazil. Neotropical Entomology 32: 151-154.
  • PALUMBO JC; HOROWITZ AR; PRABHAKER N. 2001. Insecticidal control and resistance management for Bemisia tabaci. Crop Protection 20: 739-765.
  • RAMAPPA HK; MUNYAPPA V; COLVIN J. 1998. The contribution of tomato and alternative host plants to tomato leaf curl virus inoculum pressure in different areas of South India. Annals of Applied Biology 133: 187-198.
  • ROOT RB. 1973. Organization of a plant-arthropod association in simple and diverse habitats: the fauna of collards (Brassica oleracea). Ecological monographs 43: 95-124.
  • SCRIBER JM; FEENY P. 1979. Growth of herbivorous caterpillars in relation to feeding specialization and to growth form of their food plants. Ecology 60: 829-850.
  • TOSCANO LC; BOIÇA JÚNIOR AL; MARUYAMA WI. 2002. Fatores que afetam a oviposição de Bemisia tabaci (Genn.) Biótipo B (Hemiptera: Aleyroididae) em tomateiro. Neotropical Entomology 31: 631-634.
  • VILLAS-BÔAS GL; FRANÇA FH; ÁVILAAC; BEZERRA IC. 1997. Manejo integrado da mosca branca Bemisia argentifolii Embrapa Hortaliças, Brasília-DF, Circular Técnica 9. 11p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    31 Mar 2009
  • Recebido
    28 Maio 2008
Associação Brasileira de Horticultura Embrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70275-970 Brasília-DF, Tel. (61) 3385 9099, Tel. (81) 3320 6064, www.abhorticultura.com.br - Vitoria da Conquista - BA - Brazil
E-mail: associacaohorticultura@gmail.com