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Da medicina psicossomática à psicologia médica: a trajetória teórica e institucional de Julio de Mello Filho

From psychosomatic medicine to medical psychology: the theoretical and institutional trajectory of Julio de Mello Filho

Resumo

Os estudos sobre as causalidades das patologias e da relação médico/paciente a partir de formulações psicanalíticas receberam duas denominações no Brasil: medicina psicossomática e psicologia médica. O médico e psicanalista Julio de Mello Filho assumiu o protagonismo dessa proposta a partir da doença incapacitante do psiquiatra e psicanalista Danillo Perestrello. A estruturação da concepção teórica do movimento psicossomático e as estratégias institucionais utilizadas para a consolidação desse campo disciplinar no cenário brasileiro são o objeto deste estudo. Por meio de um referencial epistemológico e histórico, conclui-se que a proposta inicial de transformação do modelo médico hegemônico perde força e observa-se um deslocamento da psicologia médica como um campo da psicologia da saúde.

medicina psicossomática; psicologia médica; Julio de Mello Filho (1933-2018); psicanálise; história

Abstract

Studies on the causality of pathologies and the doctor/patient relationship based on psychoanalytic formulations received two denominations in Brazil: psychosomatic medicine and medical psychology. The physician and psychoanalyst Julio de Mello Filho took a leading role in this movement after the psychiatrist and psychoanalyst Danillo Perestrello was incapacitated by illness. This study investigates how the theoretical concepts of the psychosomatic movement were structured and the institutional strategies used to establish this discipline in Brazil. From an epistemological and historical point of view, the initial notion of transforming the hegemonic medical model was seen to lose force, followed by a shift in medical psychology as a field of health psychology.

psychosomatic medicine; medical psychology; Julio de Mello Filho (1933-2018); psychoanalysis; history

A medicina psicossomática foi elaborada a partir de constructos que pretendiam unificar os saberes sobre o corpo e a mente, com o objetivo de compreender as causalidades psíquicas para o adoecimento físico. O principal expoente dessa corrente de pensamento foi o Instituto Psicanalítico de Chicago, nos EUA, nas décadas de 1930 e 1940. Os pioneiros Franz Alexander (1891-1964) e Helen Flanders Dunbar (1902-1959) contribuíram para os estudos das origens das patologias a partir de formulações psicanalíticas ( Birman, 1980BIRMAN, Joel. Enfermidade e loucura: sobre a medicina das inter-relações. Rio de Janeiro: Campus, 1980. ; Matta, Camargo Jr., 2010).

Foi o médico e psicanalista húngaro, radicado no Reino Unido, Michael Balint (1896-1970) que propagou mais fortemente essa proposta ao introduzir na prática médica conceitos e técnicas provenientes da psicanálise, tais como inconsciente, transferência e contratransferência. O seu livro O médico, seu paciente e a doença , publicado em 1958, é um marco da abordagem psicanalítica na relação médico/paciente.

A partir desse referencial que mesclava os conhecimentos médicos e psicanalíticos, surge no Brasil, na década de 1950, um campo que passou a ser designado por duas denominações: medicina psicossomática e psicologia médica. Danilo Perestrello (1916-1989), psiquiatra e psicanalista, foi o precursor e o responsável por divulgar seus pressupostos teóricos. As suas principais noções podem ser sintetizadas nos seguintes postulados: o corpo e a mente são indissociáveis; o ser humano constitui-se como um “todo” psíquico e somático; toda doença é considerada psicossomática; o adoecer está relacionado com a história de vida do doente; a enfermidade é uma manifestação de conflitos psíquicos; e o tratamento está centrado na relação médico/paciente.

A base desses postulados encontrava-se na crítica ao modelo médico organicista vigente. Pretendia-se reformular a teoria e a prática médica a partir de bases ampliadas e ancoradas na perspectiva psicanalítica (Camargo Jr. et al., 1999; Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

Além da proposta teórica, o movimento psicossomático brasileiro é caracterizado desde o princípio por um projeto institucional: a criação de um campo disciplinar, sobretudo no Rio de Janeiro, com a ocupação de algumas instituições médicas e de psicanálise, assim como as faculdades de medicina (Camargo Jr. et al., 1999). Esse processo começou a ganhar corpo em 1957, quando o grupo de psicanalistas ao qual Danilo e sua esposa Marialzira Perestrello (1916-2015) pertenciam foi reconhecido pela Associação Internacional de Psicanálise (IPA), e que dois anos depois tornou-se a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ). Nesse mesmo período, em 1958, ocorre a fundação de um Centro de Medicina Psicossomática na Santa Casa de Misericórdia, hospital-escola da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ), serviço composto por médicos psicanalistas (Guedes, Rangel, Camargo Jr., 2020).

No momento em que esse projeto institucional alçava mais uma conquista com a criação da disciplina de psicologia médica no Rio de Janeiro, em 1976, Danilo Perestrello, candidato natural à cátedra, é acometido por uma doença incapacitante (Guedes, Rangel, Camargo Jr., 2020). A partir de então, o médico e psicanalista Julio de Mello Filho (1933-2018), nascido em Recife e formado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), em 1957, assume o protagonismo do movimento psicossomático.

Este artigo visa investigar a consolidação desse campo disciplinar no cenário brasileiro, em especial no Rio de Janeiro, por meio da trajetória teórica e institucional de Julio de Mello Filho. Pretende-se lançar luz para a estruturação da proposta teórica, bem como para as estratégias institucionais.

Referenciais teórico-metodológicos

Este estudo integra um projeto de pesquisa sobre a história do movimento psicossomático no Brasil que utiliza um arcabouço teórico-metodológico com dois eixos: histórico e epistemológico (Guedes, Rangel, Camargo Jr., 2020).

O eixo que compõe a metodologia histórica consistiu em um levantamento das obras que abarcam análises sobre a medicina psicossomática e/ou psicologia médica no país (Camargo Jr. et al., 1999; Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ; Matta, Camargo Jr., 2010; Santos, Jacó-Vilela, 2009). Recorreu-se também a livros e textos sobre o movimento psicanalítico brasileiro, particularmente no período da ditadura civil-militar (1964-1985) ( Coimbra, 1995COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Guardiãs da ordem: uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre. Rio de Janeiro: Editora Oficina do Autor, 1995. ; Facchinetti, Castro, 2015; Russo, 2002RUSSO, Jane. O mundo psi no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. , 2008RUSSO, Jane. O movimento psicanalítico brasileiro. In: Jacó-Vilela, Ana Maria; Ferreira, Arthur Arruda Leal; Portugal, Francisco (org.). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2008. , 2012RUSSO, Jane. The social diffusion of psychoanalysis during the Brazilian military regime; psychological awareness in an age of political repression. In: Damousi, Joy; Plotkin, Mariano (ed.). Psychoanalysis and politics. New York: Oxford University Press, 2012. p.165-184. ; Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. ; Silveira, 2015SILVEIRA, Fernando. O trabalho com grupos e as fronteiras do movimento analítico brasileiro, 1967 a 1976. Jornal de Psicanálise, n.48, v.88, p.257-270, 2015. ).

No eixo epistemológico foram analisadas a produção discursiva de Julio de Mello Filho em publicações, documentos e material audiovisual (revistas especializadas, livros, entrevistas, currículo Lattes e homenagens) com públicos-alvo e objetivos distintos, abarcando o período de 1959 a 2018 (ano de seu falecimento).

Em relação ao referencial teórico, a pesquisa baseia-se em autores que abordam a questão da produção do conhecimento. O conceito de “campo” de Pierre Bourdieu (1983)BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: Ortiz, Renato (org.). Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. permite a compreensão do processo de construção e consolidação do campo disciplinar da medicina psicossomática/psicologia médica e suas inter-relações. Esse projeto teórico-institucional pretendeu produzir saberes, práticas e formas de organização política e científica no campo da medicina, da psicanálise e da psicologia, travando uma disputa epistemológica e pelo mercado de ideias, até então dominado pelo discurso médico e psiquiátrico. Essa disputa, que é característica do campo científico, constitui uma arena política em busca de prestígio, recursos e poder entre seus diversos atores ( Bourdieu, 1983BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: Ortiz, Renato (org.). Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. ; Matta, Camargo Jr., 2010).

A outra abordagem epistemológica para este trabalho considera o olhar de Pfuetzenreiter (2002)PFUETZENREITER, Marcia Regina. A epistemologia de Ludwik Fleck como referencial para a pesquisa no ensino na área de saúde. Ciência e Educação, v.8, n.2, p.147-159, 2002. sobre a obra de Ludwik Fleck (1986)FLECK, Ludwik. La genesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza, 1986. , quando assinala o modo de pensar médico baseado no caráter interdisciplinar e a partir de um coletivo de pensamento. Essa noção é elaborada no livro Gênese e o desenvolvimento de um fato científico ( Fleck, 1986FLECK, Ludwik. La genesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza, 1986. ), publicado originalmente em 1935, em que o autor percebe a ciência como uma atividade coletiva complexa, que deve ser estudada por filósofos, historiadores, sociólogos, antropólogos e linguistas. A origem e o desenvolvimento de um fato científico são relacionados às circunstâncias passadas, ou seja, são produtos historicamente determinados. O que significa que não podem ser entendidos sem recorrer ao seu desenvolvimento histórico e coletivo. As noções que embasam um fato vão sendo modificadas e sofrendo reinterpretações de acordo com o pensamento em vigência, passando por adaptações ao meio, em consonância com o sistema do momento. Dessa forma, a partir da diversidade de pensamento, certas “ideias diretrizes” se tornariam dominantes, entretanto, com um caráter temporário e baseado na evolução dos conhecimentos. A persistência de determinados sistemas de ideias seria condicionada pelo que Fleck chamou de estilo de pensamento, sendo uma disposição para o perceber orientado.

Assim, o conceito de “coletivo de pensamento” ( Fleck, 1986FLECK, Ludwik. La genesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza, 1986. ) está impregnado do estado de conhecimento e do meio cultural no qual se encontra o sujeito cognoscente ou o sujeito porta-voz do estilo de pensamento. O conhecer é, portanto, uma atividade condicionada socialmente, fruto dos esforços coletivos e resultante de um processo sócio-histórico.

Esse referencial de Ludwik Fleck (1986)FLECK, Ludwik. La genesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza, 1986. permite analisar a trajetória de Julio de Mello Filho dentro do movimento psicossomático abrangendo três coletivos de pensamento: a medicina psicossomática, a psicanálise e a psicologia médica. Pretende-se identificar as principais ideias que constituem cada um desses coletivos, além de compreender as estratégias de configuração desse campo disciplinar no Brasil, em especial no Rio de Janeiro.

A medicina psicossomática

A inauguração da trajetória institucional de Julio de Mello Filho ocorreu em 1959, quando ele começou a atuar como médico na Santa Casa de Misericórdia, hospital-escola da Universidade do Brasil, dedicando-se especialmente ao tratamento de doenças do colágeno. Em 1962, seu último ano na instituição, passou a frequentar as reuniões coordenadas pelo médico e psicanalista Danilo Perestrello, o que lhe propiciou, segundo ele, elaborar “mais cientificamente as ideias que vinha desenvolvendo” (Mello Filho, 1988, p.108).

Nesse momento, as bases teóricas estavam estabelecidas no livro da Medicina psicossomática, publicado em 1958 por Perestrello, considerado a obra inaugural desse campo no contexto brasileiro. Por sua vez, o projeto de implantação dessa proposta começava a ser colocado em prática, e uma das principais estratégias era a institucionalização. Os hospitais de ensino foram um solo fértil para o crescimento do movimento psicossomático brasileiro, principalmente no Rio de Janeiro, pelo trabalho de médicos psicanalistas (Guedes, Rangel, Camargo Jr., 2020).

Uma das principais formas de esses atores abordarem os fenômenos psicossomáticos com os demais médicos se dava com os chamados grupo Balint. Esses grupos têm origem nos trabalhos de Michael Balint, na Clínica Tavistock, na Inglaterra. Tratava-se de uma reunião de clínicos gerais que se encontravam semanalmente para estudos de casos. Nos encontros se propunha uma reflexão sobre os afetos envolvidos na relação médico/paciente e a construção de novas possibilidades de intervenções clínicas (Balint, 1958).

Foi como médico do Hospital Pedro Ernesto (transformado posteriormente em hospital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Uerj), no período de 1963 a 1965, que Mello Filho conduziu o seu primeiro grupo Balint 1 1 Em 1967, Mello Filho teve a oportunidade de estar frente a frente com Michael Balint em sua visita ao Brasil, quando proferiu a conferência “Medicine and psychossomatic medicine” na primeira Reunião Nacional de Medicina Psicossomática, na Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro ( Marchon, 2012 ). voltado para o ensino em medicina, tendo a parceria de alguns professores e estudantes. Nele eram discutidos casos ocorridos nas enfermarias e ambulatórios, com tentativas de estabelecer atendimentos em psicoterapia breve, a partir do referencial psicanalítico (Mello Filho, 1988). Essa intervenção pode ser considerada o trabalho inaugural de Mello Filho no campo da “medicina psicossomática”.

O período coincide com a fundação da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (ABMP), em 1965, marco da institucionalização do movimento psicossomático brasileiro (Camargo Jr. et al., 1999), que tinha como objetivo:

A promoção de uma nova atitude na assistência, educação e pesquisa médicas, a atitude psicossomática, a qual visava a integração dos elementos psicodinâmicos e biológicos da patologia e conformar a conduta assistencial dentro de um novo parâmetro ( Eksterman, 1992EKSTERMAN, Abram. Medicina psicossomática no Brasil. In: Mello Filho, Julio (org.). Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. , p.30).

Os 11 anos (1966 a 1977) em que Mello Filho atuou como médico no Hospital São Francisco de Assis, vinculado à disciplina de clínica médica da Faculdade de Medicina da UFRJ, foram muito frutíferos em termos de parcerias e produções (Mello Filho, 1988; Farha, 2018FARHA, Jorge. Julio no Hospital Escola São Francisco de Assis. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qT1105GT4V0 . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Em conjunto com membros da equipe, produziu vários artigos que abordavam a busca de causas psíquicas para fenômenos somáticos como hepatopatias, doenças cardíacas, asma, doenças reumáticas e artrite reumática juvenil (Mello Filho, 1988). Esses trabalhos diziam respeito a casos clínicos atendidos na instituição e buscavam articular a medicina e a psicanálise.

Foram publicados também textos sobre a relação médico/paciente no ambulatório e no hospital e sobre dinâmicas grupais analíticas com pacientes da clínica médica (Mello Filho, 1988). As produções teóricas desse período trazem a marca desse coletivo de pensamento, que apresenta um modelo de base psicanalítica para a etiologia das doenças, na qual os fatores psíquicos são considerados elementos fundamentais na formação das enfermidades somáticas; além de visar à modificação da relação médico/paciente, trazendo contribuições da psicanálise, como os conceitos de transferência e contratransferência.

Em 1977, seu último ano no São Francisco de Assis, Mello Filho defendeu a tese de livre-docência intitulada Concepção psicossomática: da teoria à prática médica . Publicada em 1979 com o título Concepção psicossomática: uma visão atual (Mello Filho, 1988), é considerada referência da etapa de “expansão” da trajetória do movimento psicossomático brasileiro (Camargo Jr. et al., 1999). Essa obra é marcada por uma escrita bastante autoral e dedicada à narrativa de experiências clínicas do âmbito da psicossomática e da relação médico/paciente, como havia feito o seu antecessor em A medicina da pessoa ( Perestrello, 1974PERESTRELLO, Danilo. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro: Atheneu, 1974. ). Nota-se também uma tentativa de organizar um painel do campo com a apresentação das correntes médicas e psicológicas que estruturam a concepção psicossomática.

Em seu livro, Mello Filho (1988) argumenta que o dualismo cartesiano dividiu o homem em corpo e alma como unidades funcionando separadamente. A doença passa a ser estudada no campo da física e das ciências naturais. Embora a medicina materialista tenha adquirido força com as descobertas da microbiologia e devido aos progressos da anatomia patológica, surgem movimentos antitéticos, principalmente com as modificações no campo da física, com relevância para a teoria da relatividade de Einstein. Assim como a de Marx, sobretudo ao relacionar fatos da conduta do homem a fatores socioeconômicos.

Segundo Mello Filho (1988), Freud demonstrou, no campo da medicina, que as reações humanas são regidas por relações de sentido, podendo ser compreendidas, e não explicadas, como afirmaria o modelo científico. Por essa razão, a biografia do paciente torna-se relevante; por meio dela pode-se contextualizar a sua vida e o seu adoecer. O criador da psicanálise também é considerado o primeiro a ter uma visão integradora de uma enfermidade, a denominada histeria de conversão, que unia o psíquico e o somático. O referencial freudiano, para o autor, influenciou vários estudos que pretendiam investigar as relações mente/corpo e que possibilitaram a fundação da medicina psicossomática (Mello Filho, 1988).

O modelo psicossomático sugere que a doença é uma integração entre o psíquico e o somático, não sendo possível os dissociar: “Toda doença humana é psicossomática, já que incide num ser sempre provido de soma e psique, inseparáveis anatômica e funcionalmente” (Mello Filho, 1988, p.17). A doença passa a ser concebida tal como estabeleceu Perestrello (1974)PERESTRELLO, Danilo. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro: Atheneu, 1974.: é global e sempre em função da pessoa que adoece na sua relação com o mundo. É a expressão de um conflito existencial, de uma disfunção no percurso da vida (Mello Filho, 1988).

Mello Filho (1988) ressalta ainda que relação médico/paciente é considerada central em sua proposta e é explicitada à luz da teoria psicanalítica, sobretudo por meio dos conceitos de “transferência” e de “contratransferência”. Entre médico e paciente forma-se uma corrente de duplo sentido transferencial; o paciente transfere para o médico sentimentos inconscientes relacionados a figuras significativas do seu passado. Do lado do médico, a reação contratransferencial também se instala nessa relação. Essas configurações não conscientes podem se tornar problemas nucleares para a medicina, uma vez que o seu desconhecimento pode causar grandes prejuízos no curso de um tratamento médico.

Percebe-se que, na perspectiva teórica de Mello Filho (1988), não se vê mais a proposta de Perestrello (1974)PERESTRELLO, Danilo. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro: Atheneu, 1974. de reorientar e refundar a medicina a partir de bases humanistas (Guedes, Rangel, Camargo Jr., 2020). Pode-se, portanto, demarcar uma nova fase desse movimento, com atenuação à proposta original de transformação do estilo de pensamento médico organicista em prol de um estilo de pensamento psicossomático. Nela, a ênfase recai cada vez mais na busca da gênese das doenças e na relação médico/paciente a partir dos referenciais psicanalíticos.

A psicanálise

Os médicos ligados ao movimento da medicina psicossomática carioca tradicionalmente integravam instituições de formação psicanalítica. A maior parte deles estava vinculada à Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ) (Camargo Jr. et al., 1999).

Seguindo essa mesma trilha, Mello Filho fez sua formação na SBPRJ, entre 1964 e 1972. A SBPRJ, juntamente com a Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), ambas filiadas à Associação Internacional de Psicanálise (IPA), dominaram a formação em psicanálise nesse período (Mello Filho, 1988) e detinham o monopólio da legitimidade da prática psicanalítica, exigindo que os seus candidatos tivessem o diploma de medicina.

A psicanálise carioca tem a peculiaridade de ter sido, desde os anos 1950, monopolizada pelo establishment psiquiátrico. Os médicos psiquiatras – responsáveis pela fundação dessas escolas, entre eles Danilo e Marialzira Perestrello (1916-2015), filiados à SBPRJ –, reivindicavam para si a difusão da “verdadeira psicanálise” e construíram um monopólio do controle e da transmissão do título de psicanalista ( Coimbra, 1995COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Guardiãs da ordem: uma viagem pelas práticas psi no Brasil do milagre. Rio de Janeiro: Editora Oficina do Autor, 1995. ; Russo, 2008RUSSO, Jane. O movimento psicanalítico brasileiro. In: Jacó-Vilela, Ana Maria; Ferreira, Arthur Arruda Leal; Portugal, Francisco (org.). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2008. ).

O início da formação psicanalítica de Mello Filho ocorreu no período da instauração da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Os “anos de chumbo” são caracterizados por repressão, censura e tortura de presos políticos. A década de 1970 despertou nas camadas médias urbanas um grande interesse pela psicanálise. Os psicanalistas começaram a frequentar a mídia e a televisão, as pessoas conversavam sobre psicanálise, e as relações pessoais eram interpretadas em termos psicanalíticos ( Russo, 2002RUSSO, Jane. O mundo psi no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. ).

Enquanto isso, no interior das instituições vinculadas à IPA no Brasil, os referenciais teóricos e clínicos que regiam as formações psicanalíticas eram ancorados nas teses da psicanalista austríaca, radicada no Reino Unido, Melanie Klein (1882-1960), acrescidas da leitura do psicanalista britânico Wilfred Bion (1897-1979) ( Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. ).

Em torno de 1968, Mello Filho entrou em contato com a obra de Donald Wood Winnicott (1896-1971) por meio das aulas de Inaura Carneiro Leão (1916-2002) 2 2 Pertenceu ao grupo de psicanalistas que fundou com Danilo e Marialzira Perestrello a SBPRJ. na SBPRJ (Mello Filho, 2001). Winnicott foi uma das principais figuras da psicanálise da Grã-Bretanha na geração seguinte à de Sigmund Freud (1856-1939). Na Sociedade Psicanalítica Britânica juntou-se ao que veio a ser conhecido como o Middle Group, composto por Michael Balint (1896-1970), Ronald Fairbairn (1889-1964), Sylvia Payne (1880-1976), Ella Sharpe (1875-1947) e Marjorie Brierley (1893-1984). Seus textos abordam especialmente a natureza das relações, a começar pela que envolve mãe e bebê ( Rodman, 2017RODMAN, Robert. Introdução. O gesto espontâneo/D.W. Winnicott. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017. p.XV-XXXIX. ).

Mello Filho deu seguimento a esses estudos de forma autodidata, visto que a abordagem winnicottiana pautada no ambiente e nas relações sujeito/objeto era desprezada no meio psicanalítico ipeísta (Honigsztejn, 2018). Conforme ele se aprofundava na leitura de Winnicott, passou a ter críticas ao referencial teórico dominante na sua formação, com enfoques clínicos rígidos, calcados no modelo judaico-cristão e voltados de forma excessiva para a questão da culpa, dos ataques ao próximo e com foco na instância do superego em vez do ego: “Foi com Winnicott que aprendi que a saúde mental não é apenas a possibilidade de atingirmos uma ‘posição depressiva’, é também a alegria, a descoberta e a criatividade, o amor ao próximo, mais que o ódio e a destrutividade” (Mello Filho, 2001, p.14).

Distinguiu-se de muitos de seus colegas analistas não só pelo referencial teórico e clínico que elegeu. Embora tenha exercido uma clínica privada, sua trajetória teve forte vinculação ao serviço público e à atuação como analista de grupo ( Penna, 2018PENNA, Carla. Júlio e os grupos. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t4GZM1Z7fuE . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Tornou-se membro da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupos (Spag-RJ) – em 1974, ano de sua fundação –, que era predominantemente composta por psicanalistas ligados à SPRJ.

Segundo Mello Filho (2007), apesar de inúmeras tentativas de introduzir o trabalho de grupo em sua sociedade, a SBPRJ, este foi recebido com grande frieza por não ser bem visto por Melanie Klein e tampouco pela IPA. De fato, a psicoterapia analítica de grupos era bastante estigmatizada no meio psicanalítico, considerada uma “psicanálise dos pobres” por alguns, “menos profunda” por outros e, ainda, “uma concorrência ao trabalho psicanalítico tradicional” devido aos custos mais baixos ( Silveira, 2015SILVEIRA, Fernando. O trabalho com grupos e as fronteiras do movimento analítico brasileiro, 1967 a 1976. Jornal de Psicanálise, n.48, v.88, p.257-270, 2015. ). Essa modalidade teve realmente uma crescente demanda daqueles que não podiam arcar com os altos preços das sessões individuais ( Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. ).

Muitos analistas das sociedades oficiais passaram a ser conhecidos como “barões da psicanálise, alguns passando a cobrar seus honorários em dólares” ( Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. , p.82). O elitismo da clínica psicanalítica beneficiava-se do chamado milagre econômico, uma clientela de alto poder aquisitivo, originária de uma burguesia esclarecida ou das camadas médias em ascensão ( Russo, 2012RUSSO, Jane. The social diffusion of psychoanalysis during the Brazilian military regime; psychological awareness in an age of political repression. In: Damousi, Joy; Plotkin, Mariano (ed.). Psychoanalysis and politics. New York: Oxford University Press, 2012. p.165-184. ; Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. ).

Dois movimentos ocorridos ao longo da década de 1970 começaram a abalar o monopólio das sociedades reconhecidas pela IPA. O primeiro relaciona-se com a vinda de psicólogos e psicanalistas argentinos, vários refugiados da repressão política da ditadura militar. Ao se estabelecer em solo carioca, criticaram duramente o elitismo e a pretensa neutralidade social da psicanálise. O segundo refere-se à criação de várias sociedades de formação em psicanálise “não oficiais”, grande parte apoiada na obra do francês Jacques Lacan (1901-1981) ( Russo, 2008RUSSO, Jane. O movimento psicanalítico brasileiro. In: Jacó-Vilela, Ana Maria; Ferreira, Arthur Arruda Leal; Portugal, Francisco (org.). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2008. ).

Esse cenário produziu uma reorientação no meio psicanalítico do Rio de Janeiro, no final dos anos 1970 e durante toda a década de 1980, com grande pressão de profissionais não médicos ao título de psicanalistas e pela disputa teórica do campo – feita pelos representantes da teoria lacaniana visando substituir a kleiniana, que até então tinha hegemonia nas sociedades oficiais ( Russo, 2008RUSSO, Jane. O movimento psicanalítico brasileiro. In: Jacó-Vilela, Ana Maria; Ferreira, Arthur Arruda Leal; Portugal, Francisco (org.). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2008. ).

Mello Filho, um crítico da soberania da teoria kleiniana, dirigiu seus esforços para incluir uma terceira força na disputa teórico-clínica vigente, o pensamento winnicottiano. Em 1979, conseguiu organizar na SBPRJ a primeira mesa-redonda sobre a obra de Winnicott.

Notam-se os impactos da disputa no campo no âmbito psicanalítico quando, a partir de 1980, a SBPRJ e a SPRJ passam a admitir candidatos psicólogos. No final desse mesmo ano, um novo acontecimento trouxe sérias consequências na hegemonia das instituições vinculadas à IPA. Em mesa-redonda promovida pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro intitulada “Psicanálise e fascismo”, o caso Amílcar Lobo é trazido a público por meio da denúncia de um ex-preso político. Lobo era médico e trabalhava no Destacamento de Operações e Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão de repressão da ditadura militar, ao mesmo tempo que fazia sua formação na SPRJ, sendo analisado pelo analista didata Leão Cabernite. Ele já havia sido denunciado anteriormente, mas foi defendido por seu analista e por representantes dessas instituições no processo. Em 1981, o caso alçou as manchetes dos principais jornais cariocas com o depoimento de vários presos políticos, e não mais foi possível para os envolvidos ignorar as atividades de Lobo junto ao DOI-Codi. Após esse episódio, o establishment psicanalítico sofreu um grande abalo político e moral ( Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. ; Russo, 2008RUSSO, Jane. O movimento psicanalítico brasileiro. In: Jacó-Vilela, Ana Maria; Ferreira, Arthur Arruda Leal; Portugal, Francisco (org.). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2008. ).

Pode-se dizer que as instituições psicanalíticas contavam com membros e candidatos identificados com diferentes espectros políticos – direita, esquerda ou democratas ( Oliveira, 2017OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Sob o discurso da “neutralidade”: as posições dos psicanalistas durante a ditadura militar. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, supl., p.79-90, 2017. ). Julio, cujo pai havia sido deputado em Recife pelo partido conservador União Democrática Popular (UDN), ao mesmo tempo que sua mãe esteve próxima a alas mais progressistas da Igreja católica, ligadas a dom Hélder Câmara (1909-1999), 3 3 Padre e confessor de sua mãe e que Mello Filho (2003) considera exemplo de um “verdadeiro self ”. era considerado pelos amigos e parentes um democrata ( Melgaço, 2018MELGAÇO, Ana Lucia. Julio e a psicanálise. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_NRkU . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_N...
; Honigsztejn, 2018; Fontes, 2018FONTES, Virginia Gomes de Mattos. A pessoa do Júlio. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7D04RvEngVU . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=7D04RvEn...
). Mello Filho teve, aliás, importante participação nas primeiras eleições com voto direto durante a ditadura militar, realizadas em 1982, para o governo do estado no Rio de Janeiro. Nessa ocasião, apoiou a candidatura do futuro governador Leonel Brizola (1922-2004), do Partido Democrático Trabalhista (PDT), tendo organizado encontros com o seu candidato a vice, Darcy Ribeiro (1922-1997). Com o fim do governo militar, Mello Filho (2003, p.185) analisou a política no livro Vivendo num país de falsos selves , à luz do referencial winnicottiano, e posicionou-se de forma crítica à ditadura militar e aos militares:

É inerente à busca do poder pelo militar a sua própria escolha profissional: um militar tem sempre em princípio (inconsciente coletivo) mais poder que o civil. E acrescente-se no Brasil isto se tornou ainda mais relevante após 20 anos de ditadura militar em que tivemos mesmo a tortura de civis e muitos homens de farda funcionando como verdadeiros títeres.

Nos anos 1980, Mello Filho seguiu sua trajetória na SBPRJ empenhado em romper com o estilo de pensamento vigente pautado na obra de Melanie Klein. Em 1985, finalmente conseguiu oferecer na instituição um curso eletivo sobre Winnicott, que não fazia parte da grade oficial da formação ( Melgaço, 2018MELGAÇO, Ana Lucia. Julio e a psicanálise. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_NRkU . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Dois anos depois, organizou um grupo de estudos com colegas da sociedade, o que o estimulou a escrever livros sobre a obra de Winnicott: O ser e o viver: uma visão sobre a obra de Winnicot (2001), publicado em 1994, e Winnicott 24 anos depois (1995), com Ana Lucia Melgaço. 4 4 Psicanalista e membro efetivo da SBPRJ. Aproximou-se de Julio de Mello no terceiro ano de sua formação psicanalítica na sociedade, em 1987, quando foi sua aluna em um curso sobre Winnicott. A partir de então, passou a fazer parte do grupo de estudos coordenado por ele e tornou-se uma das professoras responsáveis por ministrar o curso sobre o pensamento winnicottiano. Juntos organizaram eventos e um livro ( Melgaço, 2018 ).

Divulgou intensamente a obra de Winnicott em nível nacional por meio dos núcleos psicanalíticos em algumas cidades brasileiras vinculadas à sociedade da qual fazia parte, entre elas: Recife, sua cidade natal, e Belo Horizonte. Em Minas Gerais esse processo iniciou-se pela condução, por Mello Filho, de um grupo de estudos de psicossomática, que veio a ser nomeado Ser e viver, uma referência ao livro em que abordou o seu próprio saber winnicottiano ( Kedney, 2018KEDNEY, Sérgio. Julio e a psicanálise. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_NRkU . Acesso em: 23 abr. 2021.
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).

Em seus escritos também estabeleceu relações entre os referenciais teóricos da psicanálise winnicottiana e da psicossomática, seguindo os do texto “A mente e sua relação com o psicossoma” (Winnicott, 2000), publicado originalmente em 1949. Durante o período em que Winnicott exerceu a pediatria e no início de sua trajetória como psicanalista (nas décadas de 1930 e 1940), escreveu artigos que podem ser considerados pilares de uma pediatria integral ou psicossomática para Mello Filho (2001). Nesses trabalhos são levadas em consideração as predisposições biológicas, as ações do meio ambiente e a estruturação progressiva da vida mental no processo de adoecer das crianças. Obras que, segundo ele, contribuíram para a compreensão da gênese das doenças, nas quais sintomas físicos infantis podem ser decorrentes de conflitos emocionais e desejos inconscientes.

Atribuiu também um papel fundamental desse psicanalista na formação do pediatra, com orientações que parecem úteis para qualquer especialidade em medicina: “Podemos ver em Winnicott um mestre em educação médica, como também um dos precursores do campo hoje conhecido como Psicologia médica” (Mello Filho, 2001, p.266). Mello Filho (2001) lamenta que, de forma geral, médicos e pediatras evitem penetrar o mundo psicológico de seus pacientes, uma das razões pelas quais se criou uma nova disciplina no curso médico, a psicologia médica.

A psicologia médica

Uma série de mudanças ocorreu na carreira de Julio de Mello Filho a partir de 1977, com a sua transferência para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, recém-inaugurado no novo campus da Faculdade de Medicina da UFRJ. A sua passagem pela Ilha do Fundão foi breve, e, insatisfeito com a inserção na nova instituição, aceitou um convite para lecionar no curso de medicina na Uerj ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

A promessa de retorno à Uerj pelas mãos do professor e médico Aloysio Amâncio ( -1979) assumiu outro contorno: o ensino da disciplina de psicologia médica – que tinha profundas conexões com a medicina psicossomática e com a psicanálise – e a aproximação com um grupo de psicólogas que atuava no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

O falecimento de Amâncio na ocasião da nomeação de Mello Filho na Uerj mudou a configuração de poderes e deixou mais explícita a disputa entre as abordagens teóricas dos docentes da psiquiatria, com forte marca biológica, e a de Julio, calcada na teoria psicanalítica. Essa disputa de campo ( Bourdieu, 1983BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: Ortiz, Renato (org.). Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. ) entre as duas correntes pela hegemonia no interior da medicina marcou sua trajetória nessa instituição ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

Ao assumir em 1979 os cargos de professor adjunto de psiquiatria e psicologia médica e o de chefe do setor de psicologia médica, Mello Filho começou a formar sua equipe, preparando-se para a disputa com a psiquiatria. Para tal, convidou alguns médicos psicanalistas que o acompanhavam no período da UFRJ, entre eles José Roberto Muniz 5 5 Médico, psicanalista e professor da Uerj. Fez formação analítica de grupo na Spag e na SBPRJ. No terceiro ano de sua graduação em medicina na UFRJ, em 1974, fez clínica médica no Hospital São Francisco de Assis e aproximou-se do setor de psicossomática coordenado por Mello Filho. A partir dessa data, passou a trabalhar no serviço como estagiário e monitor ( Guedes, 2003 ; Muniz, 2018 ). e Luiz Fernando Chazan, 6 6 Médico, psicanalista e professor da Uerj. Fez formação analítica de grupo na Spag e na SBPRJ. Graduou-se na Universidade Federal Fluminense, em 1979. Conheceu Mello Filho no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho ainda como estudante e a convite dele passou a acompanhar os grupos Balint conduzidos por Julio ( Guedes, 2003 ; Chazan, 2018 ). que vieram a se tornar aliados, parceiros e amigos de toda a vida ( Muniz, 2018MUNIZ, José Roberto. Júlio na Uerj. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU-RU . Acesso em: 23 abr. 2021.
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; Chazan, 2018CHAZAN, Luiz Fernando. Júlio na Uerj. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU-RU . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU...
). Durante o período inicial, também tiveram a colaboração de profissionais voluntários, a maioria advinda da SBPRJ.

Inicialmente, Mello Filho e sua equipe receberam como incumbência ministrar aulas de psicologia médica em conjunto com os professores de psiquiatria em duas disciplinas da medicina: psicopatologia e psiquiatria; bem como implementar um serviço assistencial no Hupe. As tensões, no entanto, não demoraram a aparecer e perduraram durante a década de 1980. Após sérios desentendimentos de Mello Filho com o assistente de chefia do Departamento da Psiquiatria, a situação teve como desfecho a proposta de separação das disciplinas psicologia médica e psiquiatria No decorrer do processo de criação da disciplina psicologia médica, os psiquiatras se reposicionaram e propuseram continuar integrados, porém, já era tarde demais.

Mello Filho colocava em curso o projeto de expansão do grupo de psicanalistas e da corrente psicossomática na instituição. Em entrevista a Guedes (2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. , p.171), Mello Filho explicita: “Nós queríamos um poder próprio e deixar o corpo da Psiquiatria. Isto foi vivido pela Psiquiatria como se nós tivéssemos a abandonado. No fundo era isso. A Psiquiatria temia muito um crescimento maior nosso fora de lá, acho que inconsciente ou conscientemente...”.

A ruptura teve seu preço: receberam uma nova sala em estado precário, sem infraestrutura de material, sem uma secretária, além de perder a possibilidade de ministrar durante um ano corrido o conteúdo da psicologia médica nas disciplinas de psicopatologia I e II. No novo formato curricular, passaram a lecionar com um semestre de intervalo, o que era considerado descontinuidade que trazia prejuízos pedagógicos. A maior perda desse processo, contudo, foi a impossibilidade de Mello Filho assumir a coordenação da nova disciplina de psicologia médica. As relações políticas ficaram muito comprometidas, e havia certo consenso entre professores e colegas de que Julio não seria bem-vindo ao assumir o cargo ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

Pode-se considerar que esse foi o ápice da disputa do campo: ao assumir que o grupo da psicologia médica queria fortalecer o protagonismo institucional, Mello Filho despertou um forte movimento de resistência entre os psiquiatras ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

Nesse momento, Mello Filho já havia se tornado um dos protagonistas do movimento psicossomático brasileiro, sobretudo ao assumir em 1980 a presidência da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (ABMP). A sua gestão caracterizou-se por alçar a ABMP à projeção nacional, com a realização do terceiro e do quarto Congresso Nacional da Medicina Psicossomática no Rio de Janeiro e a expansão de regionais por todo o Brasil (Camargo Jr. et al., 1999).

Os anos que se seguiram marcaram a institucionalização da psicologia médica em praticamente todas as faculdades de medicina do estado do Rio de Janeiro e apontam para a etapa de consolidação desse movimento no cenário brasileiro, especialmente no carioca (Camargo Jr. et al., 1999). Consolida-se, então, um campo disciplinar no Brasil e um projeto institucional de ocupação de espaços das escolas médicas do Rio de Janeiro, iniciado por Perestrello nos anos 1950 (Guedes, Rangel, Camargo Jr., 2020).

Para Camargo Jr. et al. (1999), a obra que corresponde ao período de consolidação do ponto de vista teórico é Psicossomática hoje , publicada em 1992. Essa não traz marca única tão clara quanto as anteriores, Medicina da pessoa (1974) e Concepção psicossomática: uma visão atual (1988). Até por ser uma coletânea de outros autores, tem caráter fragmentário e desigual nas temáticas e na qualidade (Camargo Jr. et al., 1999).

No entanto, ao se aproximar a visada, viu-se um abandono da proposta de refundar a teoria e a prática médica sobre bases mais amplas. Nas palavras de Mello Filho (1992, p.20):

Tivemos que mudar nossa bússola de uma direção que via em todo médico o agente de uma visão psicossomática e da prática de uma autêntica psicologia médica para uma visão pragmática, ensinada pelos tempos, da força secular de uma dicotomia mente-corpo e de uma prática que fundamentalmente acentua esta dissociação.

Ao assumir a derrota desse propósito, não deixou de valorizar as conquistas, no que tangia à inclusão das dimensões sociais e psicológicas na prática médica:

Nossa luta, todavia, valeu. Hoje há um número maior de médicos e estudantes de Medicina com uma visão sociopsicossomática com uma prática diferente, voltada para nuances do psicossocial, do familiar, do relacional, com um investimento da chamada psicoterapia da prática médica (Mello Filho, 1992, p.20).

A partir disso, produziu uma inflexão à proposta original, com a formação de um novo campo disciplinar formado por profissionais da área da saúde tais quais: psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas e, principalmente, psicólogos e todos aqueles que interagem com o universo dos fenômenos psicossomáticos e buscam uma prática de saúde integral (Mello Filho, 1992).

Os profissionais de psicologia aderiram fortemente ao movimento: “Estes (os psicólogos), por razões várias, que incluem desde aspectos ideológicos a problemas de mercado de trabalho, têm acudido em massa a este campo e é nossa tarefa atual bem acolhê-los e atendê-los” (Mello Filho, 1992, p.20).

Mello Filho estava, então, de braços abertos para receber os psicólogos na Uerj. Impulsionado pela sua importância no cenário nacional, o setor de psicologia médica ofereceu, no período de 1991 a 1993, um curso de extensão com carga horária prática em que os profissionais de psicologia contribuíram de forma voluntária para uma reorganização do setor assistencial. Em 1994, o curso foi substituído por uma pós-graduação lato sensu em psicologia médica com aulas teóricas e um estágio nas enfermarias e nos ambulatórios do Hupe ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ).

Dez anos antes, em 1983, havia sido criado o primeiro curso de Pós-graduação em Psicologia Médica no Brasil, no Instituto de Pós-graduação Médica Carlos Chagas, no Rio de Janeiro, afinado com o referencial teórico desenvolvido no Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, fundado por Danilo Perestrello (Santos, Jacó-Vilela, 2009).

O avanço da psicologia médica na Uerj deu projeção a Mello Filho e aos trabalhos desenvolvidos por esse setor, sobretudo no âmbito da psicologia e no meio psicanalítico. O que pode ser constatado na análise da sua produção teórica nos anos 2000. Nesse período, foram organizadas duas coletâneas e outra foi reeditada, as três com forte presença das experiências desenvolvidas no hospital universitário da Uerj. Foram elas: Grupo e corpo: psicoterapia de grupo com pacientes somáticos (Mello Filho, 2000), Doença e família (Mello Filho, Burd, 2004) e uma nova edição de Psicossomática hoje (Mello Filho, Burd, 2010), com a inclusão de novos capítulos. Os dois últimos livros tiveram a colaboração da psicanalista Miriam Burd, parceira de muitos trabalhos desenvolvidos ao longo de vários anos no Hospital Pedro Ernesto (Burd, 2018).

A produção teórica aliada à formação de pessoal na pós-graduação alçou a psicologia médica na disputa de campo no interior da psicologia. Santos e Jacó-Vilela (2009)SANTOS, Fabia Monica Souza; JACÓ-VILELA, Ana Maria. O psicólogo no hospital geral: estilos e coletivos de pensamento. Paideia, n.43, v.19, p.189-197, 2009. identificam quatro coletivos de pensamento da psicologia no hospital geral: psicologia hospitalar, psicologia médica, saúde mental e psicologia da saúde.

O coletivo de pensamento da psicologia médica é situado como uma área de conhecimento profundamente ligada ao saber médico, uma vez que não é uma especificidade do psicólogo. Apresenta-se como uma disciplina interligada às diferentes especialidades presentes nos serviços de saúde, tendo como objeto principal a relação médico/paciente, ou, de forma mais genérica, a relação profissional de saúde/paciente, em abordagem predominantemente psicanalítica (Santos, Jacó-Vilela, 2009).

A perspectiva psicossomática ocorre pela interação entre corpo e mente, ou seja, os fatores psicológicos que afetam a condição médica. Ancora-se, portanto, na proposição do caráter dinâmico dos processos de adoecimento e de promoção de saúde, considerando fundamentais os processos psicossomáticos. Esse arcabouço teórico privilegia ainda as formas como os pacientes se vinculam aos profissionais de saúde e com eles interagem, tendo como referencial os processos psicanalíticos de transferência envolvidos nessas relações. A interconsulta (atendimentos conjuntos por médicos e psicólogos) é apontada como instrumento primordial de atuação, visto que “a inter-relação é a possibilitadora de uma visão psicodinâmica sobre o processo de promoção de saúde” (Santos, Jacó-Vilela, 2009, p.193).

Matta e Camargo Jr. (2010) identificam alguns objetivos fundamentais nesse projeto institucional: a inserção do psicólogo em hospitais e unidades de saúde; a supervisão da psicologia na relação médico/paciente (alertando-o para a identificação dos mecanismos inconscientes de transferência e contratransferência na relação terapêutica), e, por fim, o ensino da psicologia médica na maioria das faculdades de medicina do país. Ressalta-se que este último objetivo se mantém nesse coletivo de pensamento desde a criação desse campo disciplinar no Brasil.

Embora a trajetória da psicologia médica na Uerj tenha sido tortuosa, não significa que Mello Filho tenha deixado o ensino na graduação de medicina. Foi fundador do projeto de atendimento psicopedagógico voltado para os estudantes da universidade, o Pape. Em 2002, embalado pela promulgação das novas diretrizes curriculares do curso de medicina, criou e coordenou o projeto de tutoria na Uerj. O ensino-aprendizagem era compreendido como um processo baseado na dinâmica das relações e na importância da relação professor/aluno, que inclui criatividade, iniciativa e perspectiva de transformação ( Serra, 2018SERRA, Sandra. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU-RU . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Consistia na reunião de um grupo de alunos com um professor tutor que tinha como objetivo acompanhar o percurso acadêmico dos seus “tutorandos”. A proposta era produzir um espaço em que os estudantes pudessem compartilhar as ansiedades e as angústias que atravessam a formação médica, e o professor se deslocaria do lugar de mestre transmissor do saber para o de troca e de fala. Um grupo de reflexão sobre os relacionamentos produzidos junto a professores, colegas e pacientes ( Serra, 2018SERRA, Sandra. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU-RU . Acesso em: 23 abr. 2021.
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).

Essa descrição assemelha-se aos grupos Balint que Mello Filho começou a conduzir em meados dos anos 1960. Nesse caso, no lugar do médico (ou do profissional de saúde) discutindo com colegas sobre as relações estabelecidas com os seus pacientes, vê-se o professor e os seus estudantes. Esses são temas de seu último livro publicado, Identidade médica (Mello Filho, 2006), em que aborda questões relacionadas à formação, decorrentes do trabalho desenvolvido na tutoria na Uerj.

Considerações finais

O movimento psicossomático experimentou uma série de inflexões e transformações sob o protagonismo de Julio de Mello Filho. A proposta inicial de transformação do paradigma biomédico perde força e observa-se um gradual abandono da expressão “medicina psicossomática”, com o uso cada vez mais frequente de “psicossomática”. Paralelamente, lançou-se luz para a psicologia médica com tamanha força, que acabou por produzir um coletivo de pensamento no interior da psicologia do campo da saúde.

A sua história profissional conjuga a psicanálise e a medicina. A valorização das relações expressas na prática dialógica, na reflexão, no vínculo e na escuta tem ressonância em proposições atuais como a clínica ampliada ( Campos, 2003CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Saúde paideia. São Paulo: Hucitec, 2003. ) e as tecnologias leves ( Merhy, 2004MERHY, Emerson Elias. Um dos grandes desafios para os gestores do SUS: apostar em novos modos de fabricar os modelos de atenção. In: Merhy, Emerson Elias et al. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2004. p.15-35. ). A sua aposta no poder transformador dos grupos também ressoa no cenário atual que resgata as contribuições de Balint para o trabalho em saúde (Cunha, Dantas, 2008). O próprio Mello Filho deixou um livro sobre Balint ainda não publicado.

Não se sabe ainda quais serão os impactos de sua ausência para um campo que se mantinha fortemente em torno de seus projetos institucionais e teóricos. Sabe-se que deixa um importante legado marcado por sua obra e pelos rastros de sua trajetória que não podem ser esquecidos.

REFERÊNCIAS

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  • MELGAÇO, Ana Lucia. Julio e a psicanálise. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_NRkU . Acesso em: 23 abr. 2021.
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  • WINNICOTT, Donald Wood. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

NOTAS

  • 1
    Em 1967, Mello Filho teve a oportunidade de estar frente a frente com Michael Balint em sua visita ao Brasil, quando proferiu a conferência “Medicine and psychossomatic medicine” na primeira Reunião Nacional de Medicina Psicossomática, na Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro ( Marchon, 2012MARCHON, Paulo (org.). A psicanálise no Rio de Janeiro e sua difusão pelo Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2012. ).
  • 2
    Pertenceu ao grupo de psicanalistas que fundou com Danilo e Marialzira Perestrello a SBPRJ.
  • 3
    Padre e confessor de sua mãe e que Mello Filho (2003) considera exemplo de um “verdadeiro self ”.
  • 4
    Psicanalista e membro efetivo da SBPRJ. Aproximou-se de Julio de Mello no terceiro ano de sua formação psicanalítica na sociedade, em 1987, quando foi sua aluna em um curso sobre Winnicott. A partir de então, passou a fazer parte do grupo de estudos coordenado por ele e tornou-se uma das professoras responsáveis por ministrar o curso sobre o pensamento winnicottiano. Juntos organizaram eventos e um livro ( Melgaço, 2018MELGAÇO, Ana Lucia. Julio e a psicanálise. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_NRkU . Acesso em: 23 abr. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=qE6IVp_N...
    ).
  • 5
    Médico, psicanalista e professor da Uerj. Fez formação analítica de grupo na Spag e na SBPRJ. No terceiro ano de sua graduação em medicina na UFRJ, em 1974, fez clínica médica no Hospital São Francisco de Assis e aproximou-se do setor de psicossomática coordenado por Mello Filho. A partir dessa data, passou a trabalhar no serviço como estagiário e monitor ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ; Muniz, 2018MUNIZ, José Roberto. Júlio na Uerj. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU-RU . Acesso em: 23 abr. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU...
    ).
  • 6
    Médico, psicanalista e professor da Uerj. Fez formação analítica de grupo na Spag e na SBPRJ. Graduou-se na Universidade Federal Fluminense, em 1979. Conheceu Mello Filho no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho ainda como estudante e a convite dele passou a acompanhar os grupos Balint conduzidos por Julio ( Guedes, 2003GUEDES, Carla Ribeiro. A psicologia médica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Um estudo de caso. Psicologia e Sociedade, v.15, n.1, p.161-181, 2003. ; Chazan, 2018CHAZAN, Luiz Fernando. Júlio na Uerj. Homenagem ao Julio de Mello Filho (1933-2018) no auditório Ney Palmeiro do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU-RU . Acesso em: 23 abr. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=t0gR3DOU...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2021
  • Aceito
    04 Set 2021
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