Open-access O poeta não existe mais: Pedro Nava e os impasses da institucionalização da reumatologia no Brasil, 1949-1961

Gone is the poet: Pedro Nava and the impasses in the institutionalization of rheumatology in Brazil,1949-1961

Resumo

O artigo analisa um aspecto pouco conhecido da trajetória de Pedro Nava: seu envolvimento na institucionalização da reumatologia no Brasil. Por meio de uma gama de materiais de arquivo, como revistas médicas, correspondência, cadernetas, relatórios técnicos e matérias de jornal, procura recuperar diversos mecanismos mobilizados por Nava no movimento de legitimação de uma nova área da medicina no Brasil a partir dos anos 1940. Como se busca demonstrar, seus esforços incluíram a criação de redes no exterior, a fundação de departamentos, a participação ativa no periódico Brasil Médico , o desenvolvimento de um léxico próprio para a reumatologia, relações com o Estado e a criação de associações.

Pedro Nava (1903-1984); história das ciências; medicina; reumatologia; pensamento social

Abstract

A little-known facet of the trajectory of Pedro Nava is analyzed, namely, his involvement in the institutionalization of rheumatology in Brazil. Drawing on multiple primary sources, including medical journals, correspondence, notebooks, technical reports, and newspaper stories, the range of mechanisms Nava galvanized in the effort to legitimize this new area of medicine in Brazil as of the 1940s are shown. These include his efforts to forge networks outside the country, create new departments, take active part in the journal Brasil Médico, develop a specialized lexicon for rheumatology, liaise with the State, and found new associations.

Pedro Nava (1903-1984); history of science; medicine; rheumatology; social thinking

A que coisa é fiel o poeta?

(Agamben, 1999, p.37)

Pedro Nava (1903-1984) ficou nacionalmente conhecido na década de 1970, ao iniciar a publicação de suas Memórias , um surpreendente sucesso editorial. Surpreendente por se tratar de um gênero narrativo relativamente pouco visitado na história da literatura brasileira, mas também pelo fato de que Nava há muito não se dedicava à escrita literária. Quando Baú de ossos , o primeiro volume das Memórias , foi lançado, em 1972, havia mais de vinte anos que o autor praticamente não publicava nenhum texto que pudesse remotamente se confundir com a cena cultural brasileira mais ampla. 1 Talvez não por acaso, também havia pouco mais de vinte anos que Nava se dedicava incansavelmente a sua carreira médica, publicando artigos científicos, dando aulas, produzindo conferências e, principalmente, ajudando a institucionalizar no Brasil sua área de especialização, a reumatologia. Em certos momentos, a relação entre medicina e literatura parecia ser inclusive antes conflituosa do que harmônica.

É o que observamos, por exemplo, em junho de 1953, quando, por ocasião de seu cinquentenário, recebe no salão de seu apartamento na rua da Glória o jornalista Jorge Laclette, do Diário Carioca . Laclette desejava realizar uma entrevista com o aniversariante, mas inicia sua matéria com uma citação algo desalentadora para os leitores do jornal que esperassem encontrar ali uma conversa literária:

Toda poesia que fiz – diz Nava – foi mais por influência do grupo em que eu andava e das amizades literárias do que propriamente por necessidade poética. Quem quiser ficar de mal comigo basta andar citando ‘O defunto’ ou republicar qualquer poesia minha; o que fiz é ruim porque passou por dentro de mim, ou melhor, o espírito baixou algumas vezes mas o cavalo do santo é que não prestava... Quando percebi que seria apenas um poeta de segunda ordem e um pintor de quarta me passei para a medicina, se você quiser uma entrevista do médico Pedro Nava muito bem, mas o poeta Pedro Nava não existe mais e nada tem a declarar (Nava, 7 jun. 1953, p.2).

Ao fim e ao cabo uma pequena entrevista é conduzida, na qual Nava conta um pouco dos anos da juventude modernista em Belo Horizonte ao lado de Carlos Drummond de Andrade, enumera referências presentes em seu poema “O defunto” e narra as tentativas de emular os estilos de Candido Portinari e Maurice Utrillo. O mais interessante, no entanto, é mesmo a “apresentação do eu”, para lembrarmos Erving Goffman (2013), proposta por ele ao iniciar a conversa. Nessa autoapresentação, a impressão que temos é a de que o médico necessariamente anulava o artista, ou que ao menos não pudessem conviver no mesmo espaço – um público e outro privado, os hospitais e os salões, Dr. Jekyll e Mr. Hyde.

Alguns intérpretes já notaram, a partir de diferentes perspectivas, a presença da medicina na escrita memorialística de Nava (Arrigucci Jr., 1987; Bueno, 1998; Villaça, 2007; Botelho, 2015). No entanto, e apesar de sua reconhecida carreira profissional, pouco se sabe sobre a atuação médica do autor das Memórias , o que em certa medida corrobora o sucesso estratégico em separar as duas grandes vocações. A proposta deste artigo é de que, ao examinar a atuação médica de Nava como personagem importante do processo de especialização da reumatologia no Brasil, possamos ver uma face diferente do autor das Memórias , mas também do historiador da medicina.

Como entender essa espécie de ruptura entre o médico e o escritor? É evidentemente difícil determinar uma causa ou apontar um marco de inflexão preciso. Já em 1938, Affonso Arinos de Mello Franco (2 out. 1938, p.11) se referia ao amigo, um pouco de brincadeira, como “o grande poeta que esconde os versos por causa das promoções na Assistência”. Mesmo não se vinculando mais diretamente ao modernismo da juventude, Nava esteve presente na famosa Antologia dos poetas bissextos , organizada por Manuel Bandeira, de 1946. Para embaralhar ainda mais as datas, é significativo o fato de que a maioria dos textos que compõem Território de Epidauro – volume de história médica lançado em 1947 – foi publicada originalmente em um caderno cultural organizado três anos antes pelo poeta Vinicius de Moraes.

Correndo o risco de criar balizas algo arbitrárias, 1949 parece um ano simbolicamente decisivo para o afastamento de Nava da literatura. É nele que abandona o último registro preservado de uma empreitada literária anterior à escrita das Memórias , o “romance burocrático” Sete palmos de terra translúcida , deixado de lado ainda em suas primeiras páginas por “várias circunstâncias”, como ele mesmo escreve, mas não detalha (Nava, 2013). Em março inaugura a Unidade de Reumatologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro (PGRJ), o primeiro serviço para tratamento exclusivo dos reumáticos no Brasil, e em julho torna-se o primeiro vice-presidente da recém-criada Sociedade Brasileira de Reumatologia (Seda, 1969). Ainda no mesmo ano publica Capítulos de história da medicina no Brasil , um livro que, a despeito de guardar certas semelhanças com Território de Epidauro , é muito mais acadêmico do que este último (Bittencourt, 2017a). A literatura como prática, portanto, ia progressivamente se esvaindo quase simultaneamente a um novo movimento em sua trajetória profissional.

Os poucos trabalhos que se preocuparam em analisar a obra médica de Nava, sobretudo com base em seus dois livros de história médica, Território de Epidauro (1947) e Capítulos da história da medicina no Brasil (1949), têm acertadamente ressaltado a presença de uma ferrenha crítica à especialização, além da defesa de uma medicina mais humana e totalizadora (Bittencourt, 2017a; Bittencourt, Botelho, 2015; Botelho, 2015; Aguiar, 1999). Nesse sentido, destacam-se textos como “Esboço dos fundamentos históricos das especializações no terreno da medicina interna”, em que procura esclarecer quais foram os mecanismos que possibilitaram o desencadeamento do processo de especialização médica, bem como avaliar os prejuízos daí decorrentes para uma perspectiva “unitária” do organismo, visto tanto na relação entre suas partes quanto na relação com o ambiente externo (Nava, 2003, p.185).

A crítica, contudo, não se restringia a doutrinas médico-filosóficas, mostrando-se o autor particularmente preocupado com a prática clínica e a multiplicação de médicos especialistas, reféns das visões fragmentárias e verdadeiramente incapazes, pelo desenvolvimento da profissão, de enxergar o organismo doente como um todo. Estruturada sobre essas bases, a medicina seria capaz de formar, quando muito, “táticos exemplares” e “executores hábeis” (Nava, 2003, p.137), mas jamais profissionais verdadeiramente vocacionados. É nesse contexto que deve ser lido, por exemplo, o elogio que faz aos “médicos do subúrbio”, mas também a bruxos e curandeiros, que retiram justamente da precariedade de seus cotidianos suas grandes virtudes. Da falta de aparelhos tecnológicos e laboratórios, por exemplo, o médico suburbano aguça sua formação e “se enriquece da força generalizadora que a facilidade dos exames complementares atrofia e que a especialização limita e mutila” (Nava, 2003, p.115).

O que ocorre, porém, quando observamos Nava efetivamente atuante à frente de uma clínica médica ou na direção de um hospital? Neste artigo veremos nosso personagem em circunstâncias diferentes, distantes daquelas experiências narradas nas Memórias . Nava estará executando pesquisas, desenvolvendo dados estatísticos, formando profissionais, tomando o mando de iniciativas editoriais, da organização e de arranjos institucionais, estabelecendo vínculos internacionais e até polêmicos contatos políticos em uma obstinada busca por transformar a reumatologia em uma especialidade autônoma e respeitada dentro da medicina brasileira. Ao investigar a pouco conhecida trajetória médica de Nava, este artigo se insere e pretende também contribuir para as pesquisas sobre os processos de especialização e institucionalização da medicina brasileira e para os debates sobre a relação entre literatura e história das ciências. No primeiro caso, a reumatologia ainda não recebeu a atenção devida de pesquisadores, ao contrário de áreas como a cardiologia (Souza, 2017), a pediatria (Sanglard, Ferreira, 2010) ou a cancerologia (Araújo Neto, 2019), entre outras. No segundo, trata-se de um campo de investigações particularmente caro à formação da cultura científica brasileira, que se viu desde pelo menos o final do século XIX em diálogo intenso (e muitas vezes tenso) com a literatura (Sá, 2006). 2 Apesar de contar com trabalhos já clássicos (Lima, 2013), a discussão vem ganhando força nos últimos anos, especialmente com o debate sobre medicina e interpretações do Brasil (Bittencourt, 2017b; Hochman, Lima, 2015; Lima, Botelho, 2013), que aponta para a importância de olhar as conexões entre cientistas, médicos, escritores e artistas, inclusive valorizando personagens poliédricos, indicando como uma dimensão pode valorizar a compreensão da outra.

“O espírito de decisão e de energia”

Em 30 de junho de 1948 uma Assembleia Extraordinária se reunia na Policlínica Geral do Rio de Janeiro e decidia nomear Pedro Nava o novo chefe de Clínica Médica da instituição, após concurso de títulos e trabalhos (PGRJ, 1 jul. 1948). Para alcançar esse posto, nosso médico deixava o Hospital de Pronto Socorro, onde desempenhava a função de chefia. Já em agosto daquele mesmo ano a Congregação da PGRJ aprova um pedido de licença por seis meses para que pudesse viajar para a Europa representando o Brasil no Congresso de Medicina Industrial, em Londres, e, em seguida, estagiasse na clínica de Louis Pasteur Vallery-Radot no Hospital Broussais, em Paris (PGRJ, 17 ago. 1948).

É difícil reconstituir a experiência europeia de Nava, pela falta de documentos disponíveis nos acervos consultados, tanto no Brasil quanto no exterior. No entanto, foi preservado no arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa um pequeno “Caderno de viagem” relativo à sua estada na Europa e que traz alguns apontamentos significativos. Nele podemos ler como o médico se interessava especialmente em perceber o funcionamento da academia médica e dos debates que a mobilizavam. Em 16 de novembro de 1948, por exemplo, assiste a uma sessão da Sociedade de Alergia da Academia Francesa em que presencia um debate entre seu supervisor, Vallery-Radot, e Arnault Tzanck, sobre o qual anota: “Tzanck critica os que se apoiam na ‘Medicina Experimental’, segundo ele, livro de mocidade de Claude Bernard, para afirmarem que o último não é um vitalista. Acha que nos Phénomènes de la vie , livro de maturidade, há uma grande base de filosofia vitalista” (Nava, 1948-1949). Na mesma folha, indica que foi eleito como membro da Sociedade de Alergia. Um dia depois, já no Hospital Broussais, relata a visita e a discussão no anfiteatro dos pacientes que obtiveram alta, tomando algumas notas dos casos observados. Logo em seguida, registra:

Notei uma grande liberdade de discussão – os assistentes discordam do chefe com toda franqueza.

(Palmas interrompendo as boas pilhérias do chefe).

Nas reuniões, consultas gerais sobre os casos difíceis de cada um (Nava, 1948-1949).

As anotações são sempre entremeadas de bulas de remédios, indicações terapêuticas, cartões de médicos, horários marcados de reuniões, endereços de hospitais, trajetos detalhados de como chegar a esses hospitais etc. Também aparecem, mais escassamente, certos comentários que não se vinculam à medicina e indicam outros interesses e círculos sociais de Nava em Paris. A lápis, por exemplo, escreve sobre um “requerimento dos existencialistas ao Conselho Municipal [de Paris] propondo transformar o Arco do Triunfo no maior mictório do mundo”. Em 30 de novembro, telegraficamente, faz referência ao “batizado da menina de Cícero Dias. Almoço em casa dele. Estavam lá [Paul] Eluard e [Fernand] Leger. Depois fomos a uma exposição [de] cerâmica onde conheci [Pablo] Picasso” (Nava, 1948-1949).

Também no caderno estão referências explícitas à reumatologia, que Nava observava com cuidado. Mesmo que Valery-Radot não fosse um reumatologista, seus dias eram igualmente ocupados por estágios no Hospital Lariboisière, onde às segundas e sextas-feiras encontrava Stanislas de Sèze, um eminente especialista na área que o médico brasileiro procurava seguir, e, às terças-feiras, André Lichtwitz. No caderno também fazia anotações de cursos sobre reumatismos oferecidos por outros médicos, como Florent Coste, e detalhava algumas “Bases indispensáveis à reumatologia” que observava em serviços especializados.

Logo após seu retorno ao Brasil, em 1949, Nava inaugura uma Unidade de Reumatologia dentro de seu Serviço de Clínica Médica da PGRJ e mantém uma ativa correspondência com os colegas franceses, da qual se destacam as muitas cartas trocadas com Lichtwitz e de Sèze. A primeira carta deste último após o retorno de Nava ao Brasil é reveladora do impacto da viagem:

Caro Colega, estou extremamente comovido pelas palavras lisonjeiras que você me endereçou. É uma grande alegria para mim saber que sua estada no Lariboisière foi útil e eu observo com verdadeira admiração o espírito de decisão e de energia que você engajou no seu retorno ao caminho das conquistas. Costumo estimar as boas intenções, mas reservo minha admiração aos realizadores, dos quais você faz parte.

Acredite que eu aprovo inteiramente o seu projeto de iniciar imediatamente uma série de lições sobre o Reumatismo. Durante toda a minha vida experimentei a força dessa verdade, de que é ensinando que instruímos a nós mesmos o melhor. Estou verdadeiramente persuadido de que com trabalhadores intensos, dos quais você faz parte, a Reumatologia brasileira ocupará rapidamente um lugar ao lado das melhores. Será uma grande honra para mim e para Dijan ter contribuído um pouco (Sèze, 16 jun. 1949). 3

Como não há registro da primeira carta de Nava, não temos como saber quais foram as “palavras lisonjeiras” endereçadas a de Sèze, mas como o próprio médico francês faz questão de frisar, Nava parecia extremamente animado em colocar em prática no Brasil seu aprendizado no Lariboisière e especialmente em desenvolver um projeto de ensino sobre os reumatismos. Ao longo dos anos 1950, tanto de Sèze quanto Lichtwitz iriam seguidas vezes ao Rio de Janeiro dar cursos e seminários a convite da PGRJ, assim como Nava voltaria à França já em 1951 para estudar suas clínicas reumatológicas e “principalmente na Faculdade de Medicina de Paris a organização do ensino de reumatologia” (O ensino..., 10 dez. 1951, p.2).

Em “Retrospecto” das atividades didáticas feito pela própria Unidade de Reumatologia da PGRJ por ocasião de seus dez anos, vemos que foram ministrados 16 cursos entre 1950 e 1959, sendo o primeiro oferecido por André Lichtwitz ao longo de seis aulas (Retrospecto..., fev. 1959). Se a maior parte desses cursos era dada por Nava e seus assistentes, vieram ao Brasil, a convite, além de Lichtwitz, Florent Coste, catedrático da Universidade de Paris (1953, 12 aulas); J.A. Lièvre, chefe de serviço do Hospital Ténon de Paris (1954, dez aulas) e Stanislas de Sèze (1956, seis aulas). Muitos desses cursos foram ministrados em outras instituições, e mesmo em outros estados. Em 1951, por exemplo, o curso foi realizado na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, e considerado o primeiro de reumatologia na instituição. Em 1953, a sede foi a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais e, em 1954, a Universidade do Paraná, que contou com 181 inscritos para assistir às as dez aulas dadas por Nava e seu assistente Hilton Seda.

Além dos cursos oferecidos anualmente (e por vezes mais de uma vez por ano), a Unidade de Reumatologia passou a promover, a partir de 1952, encontros semanais chamados “Conferências de prática reumatológica” e que se tornariam conhecidos como os “encontros do Anfiteatro” da PGRJ (cf. Penido, 2003). Como lemos na ata da primeira reunião, feita dia 5 de maio de 1952, o funcionamento regular era apresentado da seguinte forma:

Essas conferências, abertas aos médicos e estudantes de medicina, realizam-se todas as quartas-feiras, às 10 horas, na Unidade de Reumatologia do Serviço de Clínica Médica da PGRJ, Av. Nilo Peçanha, 38, 8º andar, com o seguinte programa: 1ª parte (30 minutos) – Palestra de atualização reumatológica. 2ª parte (15 minutos) – Estudo de chapas radiográficas. 3ª parte (30 minutos) – Apresentação de doentes e discussão terapêutica (Ata, 1952, p.38).

Vimos que prática semelhante fora observada nos hospitais de Paris em 1948. Algumas vezes encontravam-se presentes nas reuniões médicos de outros serviços da PGRJ, que tiravam dúvidas específicas sobre suas especialidades ou davam opiniões sobre casos que escapavam do domínio dos reumatologistas. Não era incomum ainda a visita de médicos estrangeiros nos encontros semanais. Um pequeno relatório sobre os primeiros cinco anos da Unidade de Reumatologia indica que os seguintes professores estrangeiros por lá passaram: Fernando Herrera Ramos (Uruguai), Robert Stecher (Estados Unidos), Pasteur Vallery-Radot (França), Lucien de Gennes (França), Marcelle Peillon (França), Léon Michotte (França), Jean Bernard (França), J.J. Herbert (França), Assunção Teixeira (Portugal) e Francis Bach (Inglaterra) (Atividades..., 1954). Até 1971 (último registro) foram nada menos do que 1.235 reuniões, todas elas com atas publicadas no periódico Brasil Médico . Junto às conferências e aos encontros das quartas-feiras, a Unidade de Reumatologia organizava palestras semanais com os doentes e que envolviam médicos e assistentes sociais. 4

Como podemos perceber, o Serviço de Clínica Médica chefiado por Nava, e especialmente sua Unidade de Reumatologia, além de pioneiro no Brasil, era extremamente ativo, com diversos tipos de reuniões, grande circulação de médicos estrangeiros e inclusive procurando ampliar sua zona de atuação em outros centros de ensino e pesquisa, mesmo fora do Rio de Janeiro. Vale ainda assinalar que os esforços eram também atinados com o contexto do campo internacional da reumatologia. Na França, o país precursor na área, a reumatologia se estabelece institucionalmente em 1928, com a criação da Liga Francesa Contra o Reumatismo, mas somente em 1948 é aberta a primeira clínica reumatológica, no Hospital Cochin, e, em 1949, a primeira cadeira universitária, na Faculdade de Medicina de Paris (Coelho, 1994). Já o primeiro serviço hospitalar, o Centro Viggo Petersen, no Hospital Lariboisière, foi inaugurado em 1953, sob a coordenação de Sèze (Sèze et al., 1954). Nos EUA, por sua vez, apesar de contar com pesquisas e médicos pioneiros desde o início do século XX, a criação de programas de treinamentos, organizações profissionais e de uma literatura especializada deu-se também no final dos anos 1940, tendo sido o período entre 1948 e 1952 a fase de crescimento mais acentuado, como indicam os registros da Associação Americana de Reumatismo, quando a reumatologia passou a se firmar como uma subespecialidade no país (Benedek, 1987).

“É quase inacreditável o que vejo hoje”

Dissemos que as atas das “Conferências de prática reumatológica” eram publicadas na revista Brasil Médico , e esse não é um dado pouco importante. Fundada em 1887, por Azevedo Sodré, e inicialmente vinculada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Brasil Médico foi uma das primeiras revistas dedicadas exclusivamente à medicina no país. Como notou Schwarcz (1993), originalmente tratava-se de uma publicação com proposta editorial moderna e agressiva, recheada de longos ensaios sobre assuntos clínicos e especializados, afastando-se, assim, de sua congênere mais antiga, a Gazeta Médica da Bahia . Principalmente a partir dos anos 1910, Brasil Médico apresentou importantes mudanças editoriais, tornando-se espaço privilegiado para a publicação de artigos sobre medicina tropical e temas ligados ao higienismo, não disfarçando uma autoproclamada visão “salvadora” da prática médica, capaz de “‘curar’ a nação, entendida, por sua vez, como um “imenso hospital” (p.227).

A partir dos anos 1940 a revista volta a se especializar em temas clínicos, em um processo que culmina no primeiro número de 1949, quando se torna, assim estampava o cabeçalho, “Órgão oficial da PGRJ”. Como procurava esclarecer outro editorial, de 1951, com o expressivo título “Tradição e renovação”, o periódico não deixava de estar aberto a outras instituições nem tencionava afastar-se do caminho trilhado por Azevedo Sodré, mas gostaria de abrir suas páginas principalmente aos anais e boletins das sociedades médicas brasileiras, a eles dedicando uma seção fixa. Ao longo das décadas seguintes ninguém fez mais uso desse espaço do que Nava, que por ali publicou todas as atas das “Conferências de prática reumatológica” e anunciou um sem-número de eventos relativos à reumatologia e a sua equipe de colegas.

Na revista, nosso médico não apenas divulgava as atas e os trabalhos da Unidade de Reumatologia, como organizava dossiês, números especiais, resenhas e estatísticas sobre reumatologia no Brasil e no mundo durante exatas duas décadas, tornando a revista quase um órgão próprio de seu serviço. Já em 1953, por exemplo, um avultado número inteiro da Brasil Médico foi dedicado à reumatologia, reunindo trabalhos completos de especialistas de sete países (Argentina, Bélgica, EUA, França, Grã-Bretanha, Uruguai e Brasil). Em 1959, outro número especial é editado, dessa vez com a transcrição de um grande simpósio de reumatologia coordenado por Pedro Nava e Hilton Seda, que contou com a presença de médicos de diversos estados. Além disso, Nava e sua equipe publicariam histórias da reumatologia e das doenças reumáticas, modelos de procedimentos clínicos e diagnósticos, propostas de padronização terminológica para afecções e doenças reumáticas em português, além, claro, de centenas de artigos. A partir dos números 1-7 (janeiro-julho) de 1961, Nava chega à direção do Brasil Médico , mas não sozinho. Toda a equipe da Unidade de Reumatologia (Hilton Seda, Adolfo Biberman, Paulo Penido e Aldo Leite Ribeiro) assume a responsabilidade do periódico. Na capa lemos: “Brasil-Médico: Revista de Medicina e Cirurgia. Fundada em 1887. Órgão Oficial da Unidade de Reumatologia da PGRJ”.

É notável como Nava, a partir de 1949, buscava efetivamente institucionalizar uma especialidade nova no Brasil desde duas bases bastante claras: a PGRJ e a revista Brasil Médico . O esforço passava principalmente por estabelecer os padrões científicos e procedimentais dessa nova área da medicina – instituir uma história, especificar um léxico comum, ensinar e treinar novos médicos, publicar artigos, equipar um serviço hospitalar, criar contatos com especialistas estrangeiros e trazê-los ao Brasil. Se Nava e seus colegas conseguiam, pouco a pouco, construir um “saber” propriamente reumatológico, faltava ainda dar outro passo, talvez mais difícil: como legitimá-lo? Como propriamente validar a necessidade de uma nova especialidade? Nosso personagem era consciente da necessidade de responder a essas questões, e não haveria melhor justificativa do que apontando a quantidade de reumáticos no Brasil. Mais do que uma doença localizada e individual, seria fundamental demonstrar como o reumatismo era, afinal, uma doença social. As estatísticas, no entanto, ainda estavam por ser feitas.

A primeira grande tentativa no sentido de criar dados novos para uma especialidade nova foi levada a cabo em 1953, num empreendimento conjunto da equipe de reumatologia e da equipe de serviço social da PGRJ. Trata-se de um inquérito médico-social realizado entre três mil alunos de dez colégios do Rio de Janeiro para calcular a incidência do reumatismo poliarticular agudo em crianças entre 10 e 15 anos de idade. No já referido trabalho de Dorá Americano (1961, p.42), esta considera o empreendimento “o primeiro passo na tentativa de uma ação profilática de combate ao reumatismo ... em nosso país”. A pesquisa consistia em uma série de triagens, primeiro com o preenchimento de formulários por pais e alunos, em seguida com exames clínicos e radiológicos, com o objetivo de identificar quais crianças poderiam apresentar indícios de doenças reumáticas. O relatório apresenta uma série de dificuldades para alcançar resultados efetivamente conclusivos, mas as considerações finais indicavam um número provável elevado (5,4% de suspeitos) e a indicação de haver incidências semelhantes em climas quentes e frios (Americano, 1961, p.41-45).

A importância desse levantamento fica mais clara quando vemos que, no ano seguinte, em 1954, o deputado Joaquim Coutinho Cavalcanti (11 nov. 1954, p.1), do Partido Trabalhista Nacional (PTN), propõe o projeto de lei n.4.933, que “torna compulsória a notificação do reumatismo poliarticular agudo”. 5 A proposta tornava obrigatório que o médico que diagnosticasse casos desse tipo de reumatismo notificasse as autoridades sanitárias competentes. O projeto é todo ele baseado nas pesquisas de Nava e utiliza como justificativa o inquérito da PGRJ que “constatou a incidência, no Rio de Janeiro, entre escolares, da doença reumática, semelhante à que se observa nos climas frios, o que é realmente alarmante para nós” (p.1). Sustenta ainda que o “ilustre professor lembrou a necessidade de, como se faz em outros países, se tornar obrigatória a notificação da doença para o fim especial de evitar-lhe as consequências e poder ser estudada convenientemente por meio de estatísticas, decorrente da notificação” (p.1). Como se pode notar, não apenas a lei ajudaria na prevenção e no diagnóstico precoce da doença como também permitiria a construção de uma base de dados confiável sobre a real dimensão dos reumatismos no país, que sem isso ficavam subnotificados.

O projeto de lei não caminha no Congresso, mas, em 1955, Nava, junto com Dorá Americano e Hilton Seda (1955, p.37), publica o artigo “Alguns aspectos do problema social do reumatismo”, com novo levantamento estatístico, dessa vez chamando a atenção para os casos de invalidez associados às consequências das doenças reumáticas, como comprovam, “irrefutavelmente”, “inúmeras estatísticas americanas, francesas e de diversos outros países”. Os autores chegam a sugerir, a partir de dados do National Health Survey dos EUA, que naquele país o reumatismo seria a doença crônica numericamente mais relevante, assim como a maior causa de invalidez, à frente inclusive do câncer, das doenças de coração e da diabetes.

Na falta de dados brasileiros sobre o assunto, os autores propõem uma pequena amostra representativa dos doentes da Unidade de Reumatologia da PGRJ. Não apenas os reumatismos perfariam um total de 8,7% dos matriculados na PGRJ como, dos 250 casos analisados, 81% de pacientes apresentariam dificuldades funcionais e 39,9% estariam desempregados. Novamente, as estatísticas viriam a dar uma “ligeira ideia das dificuldades dos reumatismos, cuja frequência em nosso meio é bastante elevada” (Nava, Americano, Seda, 1955, p.41).

Certamente, a busca de Nava por estatísticas e sua ênfase no problema da invalidez, que transformaria o reumatismo em um “problema social”, não eram aleatórias. Menos de duas décadas antes, a área da saúde do trabalho começava a ganhar corpo nas políticas médicas e de proteção social do Estado brasileiro. Como sugere Almeida (2015), foi nesse período que “os estudos e inquéritos sobre a relação entre condições de trabalho e saúde e, particularmente, acerca das doenças profissionais (as inerentes ou peculiares a determinada atividade ou função)” passaram a se constituir como “questões fundamentais” da agenda dos médicos e técnicos de saúde (p.75). Justamente nesse mesmo contexto, como já indicaram Kropf (2012), Souza (2017) e Araújo Neto (2019), especialidades como a cardiologia e a cancerologia afirmaram sua importância vis à vis às transformações perpetradas pelo governo de Getúlio Vargas no mundo do trabalho. No caso da cardiologia, aponta Kropf (2012, p.222), “as doenças do coração emergiram na agenda da saúde e do Estado justamente porque foram vistas como problemas para os trabalhadores”.

Nava e sua equipe procuravam, portanto, criar dados e estatísticas que pudessem, a um só tempo, ratificar a gravidade da doença reumática, apontar para a importância de políticas públicas voltadas para o tema e, no limite, justificar a própria área recém-institucionalizada e ainda em processo de estabelecimento no Brasil. A militância parecia trazer frutos rapidamente. Em 1955, o importante reumatologista argentino Samuel Tarnopolsky (citado em Houli, 1958, p.27), em visita ao Rio de Janeiro, mostrava-se admirado com o estágio em que se encontrava a especialidade na cidade: “Mas eu estive no Rio há dez anos e ninguém fazia reumatologia! É quase inacreditável o que vejo hoje”. O principal e mais ousado dos passos de Nava em defesa da reumatologia, no entanto, seria dado dois anos depois da visita de Tarnopolsky.

“Um Serviço de Reumatologia em cada hospital”

Em março de 1956, Pedro Nava, mantendo as atribuições na PGRJ, comemorava sua investidura na direção do Hospital dos Servidores do Estado (HSE) com um banquete oferecido no Automóvel Clube do Brasil. O cargo era de grande prestígio, principalmente por se tratar de um dos hospitais mais importantes e modernos do país à época, sob gestão do governo federal. Essa empreitada de Nava, no entanto, durou pouco mais de um ano. Os episódios que cercam sua curta passagem no HSE nos interessam especialmente.

O cerne da polêmica estada de Nava no HSE reside precisamente na implantação de um Serviço de Reumatologia, que deixaria de ser um setor subordinado ao Serviço de Clínica Médica. Apesar de a criação ter ocorrido apenas em março de 1957, imediatamente após a posse o tema já rondava as conversas de Nava. É o que vemos, por exemplo, em carta de Carlos Silveira, também médico, enviada em maio de 1956. Antes mesmo dos usuais elogios epistolares, Silveira (23 maio 1956) já sinalizava uma espécie de missão: “Creio, Nava amigo, que possivelmente está em suas mãos a possibilidade de um dos maiores impulsos à Reumatologia nacional”. Sem anunciar qual seria esse impulso, o médico retrata Nava como a pessoa certa para levá-lo a cabo, sobretudo por “sua personalidade científica [que] muito está contribuindo para a configuração da Escola brasileira de Reumatologia, para cuja aceitação no conceito internacional evidente é, ainda, a sua contribuição como membro da Liga [Pan-americana para Estudos das Doenças Reumáticas]” (23 maio 1956). Afinal, a proposta de Silveira era a seguinte: “É um problema da Reumatologia nacional, seu, nosso, de todos – médicos e doentes: o aparelhamento condigno de um serviço capaz de diagnosticar, tratar e investigar no mais elevado plano de recursos materiais”. E, mais à frente, a pergunta: “Criar um Serviço no Hospital?”. Literalmente cheio de reticências, torna a se questionar: “Ora... será essa autonomia viável no HSE?... Infelizmente, no nosso grande nosocômio parece não ter ainda a Reumatologia adquirido a receptividade necessária e que tanto consagra os grandes centros médicos atuais...” (23 maio 1956).

Não há, nos arquivos de Nava, sua resposta, mas, em 1º de março de 1957, e seguindo o decreto n.41.078, assinado por Juscelino Kubitschek, a reumatologia passava a ser a 14 a especialidade autônoma do HSE, junto a cardiologia, cirurgia, clínica médica, dermatologia e sifilografia, ginecologia, neurologia, obstetrícia, oftalmologia, ortopedia e traumatologia, otorrinolaringologia, pediatria, proctologia e urologia. Era, sem dúvida, um grande feito. Nava tinha ali a oportunidade perfeita: não apenas Kubitschek era seu amigo desde os tempos de faculdade em Belo Horizonte, mas o médico-presidente implementava uma nova agenda na saúde pública brasileira, que modificava o leque de enfermidades de combate prioritário. Mesmo com o foco prevalecendo sobre as endemias rurais, aprofundava-se o processo que já observamos anteriormente de incluir, entre as preocupações do Estado, as doenças típicas de sociedades urbano-industriais, como as crônico-degenerativas, em que podiam se incluir os reumatismos, e outras consideradas do “Primeiro Mundo”, como o câncer (Hochman, 2009, 2015).

Porém, antes mesmo de o decreto ser publicado no Diário Oficial , a empreitada de Nava já se encontrava sob cerrada polêmica que, afinal, dava razão à cautela de Carlos da Silveira. Durante o expediente da Sessão da Câmara dos Deputados do dia 22 de fevereiro de 1957, o então parlamentar Antonio Chagas Freitas, do Partido Social Progressista (PSP), subia à tribuna para pedir esclarecimentos à direção do HSE sobre uma série de pontos relativos à possibilidade de criação de um serviço autônomo de reumatologia. Chagas Freitas, que poucos anos antes havia fundado o jornal O Dia , em sociedade com Adhemar de Barros (também do PSP e candidato derrotado por Juscelino Kubitschek nas eleições presidenciais de 1955), relatava a seus pares algumas perguntas a serem encaminhadas para as autoridades responsáveis do HSE, tais como: se de fato havia sido proposta pela direção a criação de um novo serviço; quais seriam as razões para a “mutilação” do Serviço de Clínica Médica; quais as verbas necessárias para a criação e manutenção do serviço; e se o governo tinha conhecimento do “pronunciamento generalizado do corpo médico do HSE, contrário à criação do Serviço” (Freitas, 23 fev. 1957, p.7).

Não encontramos referência à resposta oficial da direção do HSE aos questionamentos do deputado, mas dois dias depois, em 25 de fevereiro, a Tribuna da Imprensa , de Carlos Lacerda e francamente oposicionista ao presidente da República, faz uma matéria sobre o assunto com o forte título “JK intervém no HSE para proteger amigo” (JK intervém..., 25 fev. 1957). Em resumo, o jornal acusava Nava de ter criado o Serviço de Reumatologia simplesmente para poder dirigi-lo, contando para isso com o pronto auxílio de Kubitschek e ignorando apelos em contrário de funcionários do hospital. Em declarações à mesma matéria, Nava se defendia, afirmando que “o protesto ... é insuflado pelo chefe da Clínica Médica”, mas admitia que “pleiteio a direção do novo serviço e quanto ao Hospital dos Servidores do Estado, continuarei à sua frente, enquanto merecer a confiança do presidente da República” (25 fev. 1957). A partir daí, a polêmica ganhou ampla repercussão nos jornais cariocas.

Em 26 de fevereiro, o Correio da Manhã , o Diário de Notícias e a Tribuna da Imprensa dedicaram longas matérias ao ocorrido, com particular destaque a uma nota de protesto assinada por 120 médicos contrários às atitudes de Nava e endereçada ao Conselho Técnico do HSE. O Diário de Notícias , por exemplo, ressaltava que “a quase unanimidade dos médicos do HSE está indignada com a atitude do diretor Dr. Pedro Nava que aproveitando a ausência do chefe do Serviço de Clínica Médica fez aprovar, de afogadilho, ... um departamento autônomo de Reumatologia” (Protesto..., 26 fev. 1957). No dia seguinte, o Correio da Manhã publica uma nova entrevista com Nava, que dá sua versão sobre a celeuma. Nela, enfatizava a aprovação de sua proposta não apenas no Conselho Técnico do HSE, mas também pelo presidente do Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (Ipase), pelo ministro do Trabalho e pelo presidente da República, minimizando as críticas sofridas. Todo o debate, argumenta, estaria ignorando a única questão realmente importante e que dá título à entrevista: “É útil ou não a criação do Serviço de Reumatologia?”. A resposta, segundo ele, seria afirmativa, não sendo a opinião dos médicos a que mais deveria contar nesse assunto, mas a dos “serventuários federais que são reumáticos ou que têm caso de reumatismo nas suas famílias” (Nava, 27 fev. 1957, p.9). O médico chega a considerar que o reumatismo é “possivelmente o primeiro [grupo de afecções] em morbidade no país” (p.9).

Nessa mesma entrevista, ressalta também que a luta por um serviço autônomo era um dever relativo à posição assumida como presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia e membro da diretoria da Liga Pan-americana para o Estudo e Controle das Doenças Reumáticas, motivo pelo qual

tenho obrigação de me empenhar pela criação de uma cadeira de reumatologia em cada Faculdade e de um Serviço de Reumatologia em cada Hospital. Não posso fugir ao que é uma imposição estatutária de duas associações, nacional e internacional, que ajudo a dirigir e como especialista do assunto reumatológico conheço a falta de informação que existe sobre o mesmo entre a generalidade dos médicos (Nava, 27 fev. 1957, p.9).

Nava traz aqui seu grande mote à frente da Sociedade Brasileira de Reumatologia – “Uma cadeira de reumatologia em cada Faculdade e um Serviço de Reumatologia em cada Hospital” –, cumprido à risca, diga-se, em sua carreira de especialista. Acatando os argumentos de Nava, o Correio da Manhã publica na mesma edição um pequeno editorial, não assinado, defendendo o novo serviço (Reumatismo, 27 fev. 1957).

A réplica à entrevista e ao editorial é imediata. Theobaldo Vianna, o inconformado chefe de Clínica Médica do HSE, publica uma carta procurando confrontar os argumentos de Nava. O mais interessante desta é o fato de Vianna criticar Nava por sua visão excessivamente especializada, defendendo, por sua vez, uma visão da medicina muito próxima daquela que em um livro como Território de Epidauro o futuro autor das Memórias parecia esboçar. Leiamos um trecho:

O problema, sr. redator [do Correio da Manhã ], é que para dar eficiência a um setor, não é mister transformá-lo em Serviço, mutilando a Clínica Médica, cujos trabalhos têm sido pautados por um verdadeiro espírito de equipe, dentro de um princípio aristotélico perene que é o da diferenciação na Unidade. Um enfermo, admitido no Serviço de Clínica Médica, de acordo com os seus sintomas, é estudado por diversos especialistas, sem perda de tempo. Medicina não se faz apenas com aparelhos, mas também com bom senso (Vianna, 28 fev. 1957, p.6).

E um pouco mais adiante:

Ora, sr. redator, não é multiplicando ao infinito os serviços que se dará força a uma Instituição, nem que se fará progredir a medicina. É preciso uma doutrina, é mister que haja um conjunto atuante, trabalhando unitariamente, embora na diferenciação como já dissemos, para não se encarar o enfermo como aqueles cegos que tendo examinado um elefante, tocando-o, cada um, numa região diferente, foram incapazes de reconstituírem o paquiderme (Vianna, 28 fev. 1957, p.6).

A vitória das partes sobre o todo, a incapacidade de pensar princípios unitários, a precedência da tecnologia sobre o senso médico, todos esses argumentos que exatos dez anos antes eram criticados por Nava frente à dinâmica de avanço de uma medicina excessivamente profissional, passavam agora a ser computados em seu lado. Nava parecia não apenas escolher especializar-se em reumatologia, mas a própria dinâmica “na” especialização sugeria caminhos até pouco tempo inesperados.

As polêmicas ainda se desenrolariam, animando os matutinos da capital. Apesar disso, o alarido em torno da criação de um serviço autônomo não parece ter minado o prestígio de Nava. Em abril de 1957, ainda sob o frisson da controvérsia, seria eleito para a prestigiosa Academia Nacional de Medicina. Na posse, ocorrida em 18 de julho, fez questão de lembrar os desentendimentos. Em seu discurso, articula uma verdadeira defesa da reumatologia, essa “irmandade bastarda e enjeitada aqui e ali nos vários setores da medicina”, enquanto especialidade (Nava, 1957, p.96). Recuperando as estatísticas dos diversos tipos de reumatismo no Brasil e nos EUA, que permitiriam reconhecer a doença enquanto uma “calamidade pública”, considerava a si próprio um “pioneiro”, ao lado de outros grandes nomes que inauguraram a área no Brasil e no mundo, “legitimando-as” e conferindo “foros de setor-clínico autônomo” (p.96).

Especificamente sobre o HSE, afirma que este “teria a primazia de possuir o primeiro Serviço oficial de reumatologia do Rio de Janeiro, do Brasil e das três Américas – porque em nenhum outro país de nosso hemisfério, ao contrário do que sucede na Europa, a luta contra esse grupo de enfermidade saiu de iniciativa dos hospitais particulares e das sociedades filantrópicas para se colocar sob o patrocínio estatal” (Nava, 1957, p.97-98). Não é à toa que dedique os três parágrafos finais de sua fala não somente a agradecer a figuras do Estado, mas a justificar veementemente o Serviço e atacar seus críticos: 6

Aproveito a mais alta tribuna de que pode falar um médico brasileiro para apontar à benemerência nacional os nomes dos Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, do Ministro Parfisal Barroso e do Presidente do IPASE, Luis Gonzaga de Paiva Muniz – cujos atos de governo e administração deram início à participação do Estado numa luta que se destina ao benefício de 3.500.000 reumáticos que existem na Federação.

Aos que me atacaram da maneira mais violenta pela criação desse Serviço, aos que desencadearam contra mim o ódio e a injúria, agradeço também. Aos sofrimentos que tenho tido na minha profissão, eles permitiram que eu juntasse o espinho acerbo que me faltava de curtir por um pensamento, de penar por uma causa, de padecer por um princípio. Nunca minha modéstia esperou semelhante consagração. Consola-me prodigiosamente a ideia de que as mãos que me apedrejaram são as mesmas que lapidaram Francisco Castro, no ‘caso Abel Parente’; Oswaldo Cruz, na vacina obrigatória; Carlos Chagas, no da moléstia que identificou; e Miguel Couto, no problema imigratório.

Nessa eventualidade, como sempre, procedi como Médico fiel à ciência, à consciência e às leis da Arte. Promovendo a criação de mais um Serviço de Reumatologia num dos nossos grandes hospitais, cumpri o meu dever de fazer concorrer ‘os circunstantes e as coisas exteriores’ em benefício dos enfermos, como foi escrito e preceituado nas letras de bronze com que Hipócrates traçou o aforismo que é o pórtico monumental da Medicina: ‘A arte é longa, a vida é breve, a ocasião passageira, a experiência falaz e o juízo difícil. Não somente é preciso fazer por si mesmo tudo o que convém, mas concorrer para que também o façam os doentes, os circunstantes e as coisas exteriores’ (Nava, 1957, p.98).

Apesar de bastante longa, a citação é interessante porque resume alguns significados importantes da polêmica, sobretudo no que diz respeito às relações estabelecidas entre o projeto de especialização proposto por Nava com a política e o Estado. Os dois primeiros parágrafos acenam a personagens elevados da administração pública, até mesmo ao presidente da República, que permitiram (e em certo sentido bancaram) a criação do Serviço de Reumatologia e compara a incompreensão com a qual seu projeto foi recebido a casos célebres em termos de políticas nacionais de saúde pública. Essa espécie de introjeção da política é curiosamente justificada no terceiro parágrafo, a partir de um preceito clássico da medicina, escrito por Hipócrates: “os circunstantes e as coisas exteriores” precisam ser considerados – o que torna sua adoção por parte de Nava uma obrigação ética, um “dever”, como ele diz. Interessante, a citação hipocrática, que manda não apenas “fazer por si mesmo tudo o que convém”, mas “concorrer para que também o façam os doentes, os circunstantes e as coisas exteriores”, poderia muito bem ter saído diretamente de alguma página de Maquiavel. O que faz o bom político, afinal, não é a capacidade de, por sua virtù , manejar os dados lançados pela fortuna ? 7

Menos de um mês após a posse na Academia Nacional de Medicina Nava deixava suas funções na direção do HSE, exonerado “a pedido”. Não sabemos até que ponto a grande polêmica sobre o Serviço de Reumatologia contribuiu para abreviar sua passagem pelo hospital. A carta pública do presidente do Ipase por ocasião da troca de direção fala que o afastamento se deve ao fato de “ter sido convidado pelo excelentíssimo senhor presidente da República para o desempenho de outra comissão” (Muniz, 10 ago. 1957, p.2). No mesmo dia da declaração, o Diário Nacional publica, em um canto de página, a seguinte nota com o título “Substituição do Ministro da Saúde”:

Voltou a circular ontem a notícia da substituição do ministro da Saúde, embora ainda sem confirmação. Adianta-se que o sr. Maurício de Medeiros será substituído pelo ex-diretor do Hospital do IPASE, sr. Pedro Nava. No ato em que concedeu, ontem mesmo, demissão ao sr. Pedro Nava, o presidente do IPASE declarou que o fazia por ter sido ele convidado pelo presidente da República para exercer outra comissão (Substituição..., 10 ago. 1957).

Conhecendo as antigas relações de Nava com Juscelino Kubitschek, a tentativa de furo jornalístico não parecia descabida. A nomeação ao Ministério da Saúde provavelmente resultaria na maior glória de Nava em sua vida pública na medicina, alcançando os altos degraus da política que outros colegas de geração haviam galgado, principalmente sob a égide justamente de um ministro da Saúde (e da Educação, claro), Gustavo Capanema. Contudo, os rumores jamais se concretizariam. Logo após deixar a direção do HSE, Nava passou uma longa temporada na Europa para... especializar-se.

Considerações finais

Tomar o caso de Pedro Nava, ou seja, de “um” médico, certamente não nos permite observar todo o campo da reumatologia, tampouco estabelecer uma “leitura distante” (Moretti, 2013) da medicina brasileira em meados do século XX. Contudo, ao seguir essa trajetória – ou essa “ação”, para falarmos como Latour (2000) –, operando os recortes temáticos e cronológicos propostos por diferentes fontes empíricas, pensamos ter sido possível caminhar “entre” processos macro (a especialização médica no Brasil, por exemplo) e micro (as escolhas de Nava em diferentes etapas de seu percurso), apontando os dilemas inerentes a esse movimento. O desafio, portanto, passou por articular ação e contextos sociais mais amplos, evitando cair em determinismos (que reduzem o ator ao seu contexto mais imediato ou sua posição em um determinado campo) e em voluntarismos (que concebem atores movidos exclusivamente por interesses individuais).

No artigo procurei jogar algumas luzes sobre um período pouco conhecido da trajetória de Nava, ainda que bastante significativo tanto para compreendermos sua relação com a medicina quanto a própria história de uma especialidade médica no Brasil. O debate sobre “especialização” e “generalismo” é central para o processo de profissionalização da medicina ao longo dos séculos XIX e XX. Assim como em outras profissões modernas, a medicina necessitou estabelecer uma série de mecanismos de controle, regulação e credenciamento que criava parâmetros padronizados para sua prática (Machado, 1996; Pereira-Neto, 2002), que, por sua vez, não estavam desconectados de mudanças mais amplas da sociedade, como o estabelecimento da racionalidade administrativa do moderno Estado-nação (Weisz, 2006). Vimos que os esforços de Nava incluíram a criação de bem-sucedidas redes no exterior, a fundação de departamentos, a participação ativa em periódicos científicos, a gestão hospitalar, o estabelecimento de um léxico próprio, relações com o Estado e a criação de associações. Seu papel foi, assim, fundamental para que a reumatologia, em um curto período, pudesse se estruturar e institucionalizar como uma especialidade legítima, conforme notado e ressaltado por seus pares no Brasil e no exterior. Esse processo tampouco se fez sem crises e eventuais dissabores.

Não estaria dentro do escopo deste artigo realizar uma análise dos legados de Nava para a medicina brasileira em geral ou do quanto seus esforços impactaram os desenvolvimentos mais recentes da reumatologia. Contudo, algumas ponderações nesse sentido nos servirão como forma de encerramento – e talvez de abertura para novas pesquisas. Apesar de peça-chave na execução do processo de especialização e institucionalização de uma área da medicina, narrativas sobre a história da saúde no Brasil não chegam a incluir Nava como um ator pioneiro, assim como conferem quase nenhum destaque à reumatologia (cf. Teixeira, Pimenta, Hochman, 2018; Porto et al., 2008; Cintra, 22 mar. 1975). Como vimos ao longo do texto, nosso médico esteve muito restrito às suas intensas atividades na PGRJ, não tendo chegado a se estabelecer em postos de chefia em outras instituições que talvez lhe dariam ainda maior projeção.

No entanto, nos espaços da reumatologia, especialmente no Rio de Janeiro, seu nome seguiu e ainda segue carregando um forte peso simbólico. Nava é patrono da Academia Brasileira de Reumatologia e dá nome a um dos principais prêmios conferidos pela Sociedade Brasileira de Reumatologia. Cerca de um ano depois de sua morte, Caio Villela Nunes (27 maio 1985), na época professor de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Carlos Chagas Filho, publicou um artigo no Jornal do Commercio em que apontava nosso médico como “lumiar da reumatologia” e elencava suas muitas contribuições para a área, entre elas as pesquisas sobre “patologias da coluna vertebral”, os “mecanismos da inflamação da artrite reumatoide” e o “reumatismo alergobacteriano e/ou de Poncet”, esta última tratada como “justo orgulho para ele e da medicina brasileira” (p.6). Em 2003, a Revista Brasileira de Reumatologia chegou a republicar dois artigos de Nava sobre o reumatismo alergobacteriano, e, no mesmo número, Geraldo Guimarães da Gama (2003), professor da Universidade Federal de Minas Gerais, considera sua conceituação desse tipo de reumatismo a principal inovação da medicina de Nava. Já Hilton Seda, “aquele que deu continuidade à escola de Pedro Nava” (Daniel-Ribeiro, 2019, p.2), hoje professor emérito da PUC-Rio e chefe por décadas do serviço de reumatologia da PGRJ, tornou-se um dos principais divulgadores da reumatologia e de sua história no país. Em manuais e tratados recentes, as referências são mais escassas, e, principalmente, como historiador ou personagem fundador (cf. Cecin, Ximenes, 2015; Carvalho et al., 2014).

Considerando os tempos de maturação e obsolescência dos artigos científicos, sabidamente mais curtos nas áreas de medicina e saúde do que nas ciências sociais (Strehl, 2005), não chega a ser estranho que Nava seja lembrado hoje mais como um símbolo ou como um historiador. Além do mais, talvez não fossem sem razão suas reticências em misturar as vocações médica e literária. Não tivesse ocorrido seu enveredamento para a escrita das Memórias , e a enorme repercussão que estas tiveram, sua presença como médico seria ainda mais pronunciada? Aqui só conseguiremos ficar no terreno das especulações. Fato é que sua aposentadoria e as relações tardias com colegas de profissão estiveram longe da tranquilidade que se poderia esperar.

Como dissemos, a PGRJ foi a principal base da prática reumatológica de Nava, muito mais do que seu consultório privado, inclusive. No entanto, entre 1973 e 1975 (portanto já após o sucesso do primeiro livro das Memórias ), o médico se vê em uma grande disputa interna que termina em um pedido público e nada amistoso de demissão. Como se lê nos jornais da época, Nava afirmava estar “incompatibilizado com o mandonismo que passou a imperar” na instituição, cuja diretoria impunha um “mecanismo burocrático-ditatorial”, acrescentando que “não me foi possível assistir impassível à mutilação do que levei quase 30 anos construindo com amor e onde dei minha melhor capacidade de médico” (Pedro Nava..., 7 maio 1975, p.20). Ainda segundo a matéria, as dependências do serviço de reumatologia teriam sido diminuídas “porque os diretores do estabelecimento entendiam que a reumatologia é uma especialidade pouco procurada” (p.20).

De certa forma, esse revés ao final da vida representava um duro golpe em sua trajetória e esforços que aqui acompanhamos. Era também um golpe – talvez definitivo – da ciência moderna e sua lógica do progresso infinito e do provisório, para lembrarmos a caracterização clássica de Max Weber (2004a). Lógica, aliás, que Nava parecia ter compreendido tão bem e da qual compartilhava, afinal, encampou a especialização de sua área, mesmo contra a posição de muitos de seus pares, e tornou-se um especialista em sentido estrito. Percebia, talvez, que já se fora o tempo de certo diletantismo, ou daquele “tipo fáustico de homem universalista” (Weber, 2004b, p.164). Daí que não chegue a surpreender sua renúncia pública e recorrente à persona literária e à juventude boêmia e modernista, como vimos no início deste artigo. Nesse sentido, nosso personagem foi uma figura intimamente conectada ao seu tempo e que jamais dele abriu mão. E justamente quando se encerrava a carreira do médico, quando os esforços de uma vida toda para garantir espaços institucionais e demonstrar como as doenças reumáticas eram importantes encontravam um limite, o poeta voltava a existir plenamente e pôde começar, outra vez, na escrita de suas Memórias . 8

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NOTAS

  • 1
    A exceção significativa é “Evocação da rua da Bahia”, uma homenagem aos 50 anos de Carlos Drummond de Andrade, de 1965.
  • 2
    O tema é mais amplo e perpassa diferentes países e tradições intelectuais. A referência clássica é a palestra de Charles P. Snow (1995) sobre o que chamou de “duas culturas”, o hiato ou a incompreensão entre cientistas e literatos.
  • 3
    Nessa e nas demais citações de textos em outras línguas a tradução é livre.
  • 4
    As atas desses encontros não eram publicadas. No entanto, o setor de serviço social da Unidade de Reumatologia foi objeto do trabalho de conclusão de curso da assistente social da PGRJ, Dorá Americano (1960), formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Os procedimentos da área de serviço social da PGRJ chegaram a ganhar matérias de jornal à época. A Tribuna da Imprensa , por exemplo, ao ressaltar os novos métodos de trabalho de serviço social em grupo no país, destacou as experiências da Unidade de Reumatologia junto às da Colônia Juliano Moreira e da Sociedade Pestalozzi do Brasil (Técnica... 11 dez. 1951).
  • 5
    Coutinho Cavalcanti foi médico e político. Muito próximo de Nava, aparece constantemente nas Memórias , principalmente em O círio perfeito , onde ganha destaque na experiência de Egon, o alter ego do escritor, no Oeste Paulista.
  • 6
    Segundo o Brasil Médico , estavam presentes na posse de Nava, entre outros, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Orozimbo Nonato da Silva; o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Luiz Gallotti; o secretário-geral de Saúde e Assistência da Prefeitura do Distrito Federal, Darcy Monteiro; o presidente do Ipase, Luís Gonzaga de Paiva Muniz; os deputados Afonso Arinos, Geraldo Mascarenhas e Pontes Vieira; além de representantes do Ministério do Trabalho e do chefe do Estado-Maior da Armada. Juscelino Kubitschek não estava presente, mas sim um representante da Presidência da República (A posse..., 1957).
  • 7
    Seguindo Skinner (2010, p.52), Maquiavel “trata a virtù como aquela qualidade que permite a um príncipe enfrentar os golpes da Fortuna, atrair os favores da deusa e se elevar, em decorrência disso, aos pináculos da fama de príncipe, conquistando honra e glória para si e segurança para seu governo”. Segundo o autor, a grande revolução operada por Maquiavel no gênero dos manuais de aconselhamento dos príncipes se deve principalmente à redefinição do conceito de virtù , que deixa de se vincular às virtudes cardiais, conferindo maior flexibilidade moral à atuação dos príncipes.
  • 8
    É aspecto interessante e pouco trabalhado a presença das disputas médicas nas Memórias . Especialmente os dois últimos livros, Galo das trevas e O círio perfeito , são marcados por um profundo rancor com colegas de profissão, que inclusive não são citados por seus nomes verdadeiros. O próprio narrador das Memórias deixa de ser Pedro Nava para se tornar o alter ego José Egon Barros da Cunha. A justificativa dada é precisamente a possibilidade de falar mal de familiares e colegas com mais liberdade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Aceito
    18 Jan 2021
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