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Recursos naturais, meio ambiente e desenvolvimento na Amazônia brasileira: um debate multidimensional

Natural resources, the environment, and development of the Brazilian Amazon: a multi-dimensional debate

E N S A I O B I B L I O G R Á F I C O

Recursos naturais, meio ambiente e desenvolvimento na Amazônia brasileira: um debate multidimensional

Natural resources, the environment, and development of the Brazilian Amazon: a multi-dimensional debate

Nos últimos vinte anos, a região amazônica brasileira vem sendo foco de um debate científico, político e ideológico extenso, diversificado e polarizado a respeito das relações entre a sua ocupação humana e os seus componentes biofísicos, ou seja, entre sociedade e natureza. Embora não seja possível garantir com precisão, a Amazônia deve ser atualmente a região do planeta mais discutida em livros, artigos científicos e paracientíficos que abordam esses dois aspectos conjuntamente. Este ensaio analisará apenas uma amostra dessa bibliografia, constituída por alguns livros que tratam do desenvolvimento, ou subdesenvolvimento, recente da região, tanto no que tange à exploração de recursos naturais como à preservação de seus ecossistemas.

Parte considerável dessa literatura é movida pela expectativa de um colapso social e ecológico iminente em toda a vasta região. Por vezes, o colapso é dado como fato consumado ou então é sugerido como iminente a partir de dados limitados submetidos a análises que, indevidamente, os extrapolam. Alguns dos títulos dessa amostra têm um tom que vai do profético ao apocalíptico e freqüentemente incidem em prescrições normativas e condenam liminarmente certos interesses e atores cuja legitimidade é impossível negar.

Uma parcela dos textos sobre a Amazônia — e de seu tom dramático —, assim como a literatura mais ampla sobre a região, tem origem na percepção ainda recente da excepcional riqueza biológica e ecológica dos biomas de florestas úmidas tropicais de todo o planeta, dos quais a Amazônia contém os remanescentes maiores e menos estudados. Foi apenas nos últimos vinte anos, com base em estudos empíricos comparativos sobre a diversidade de plantas e animais, em escala planetária, que se constatou a primazia dos biomas de florestas tropicais úmidas quanto ao número de espécies de seres vivos. Apesar dessa constatação, a preocupação com o destino desses biomas e com o empobrecimento e a extinção de sua biodiversidade — termo que ganhou notoriedade precisamente ao longo desse debate — limitou-se inicialmente aos círculos de cientistas naturais dos países desenvolvidos, considerados os maiores peritos na matéria. No entanto, logo depois, o tema chegou até ativistas, ONGs, cientistas naturais e sociais e governantes de países desenvolvidos e não-desenvolvidos, além de bancos multilaterais, agências desenvolvimentistas internacionais, para não mencionar os próprios habitantes desses biomas. Não obstante esse interesse crescente e generalizado, é de se registrar que nenhum país desenvolvido contém, em seus territórios, remanescentes significativos dessas florestas tropicais.

A constatação da biodiversidade abundante em florestas tropicais úmidas, assim como o próprio tema da biodiversidade, nasceu global e, mais do que isso, vem seguindo os eixos da nova divisão Norte-Sul, que orientam as relações internacionais nos últimos dez anos. Norman Myers (1985, 1979) é exemplo de um cientista natural que esteve entre os primeiros e mais eficazes divulgadores da riqueza biológica das florestas tropicais úmidas e dos riscos globais criados pela sua acelerada conversão em áreas agrícolas e pastoris. Prance (et al., 1980) e Lovejoy (et al., 1985) são outros dois cientistas naturais que combinaram trabalho estritamente ecológico ou biológico nas florestas tropicais úmidas da Amazônia com uma preocupação em relação aos seus usos humanos contemporâneos. Sioli (1988) produziu um texto sintético e acessível a leigos em ciências naturais sobre os aspectos básicos da ecologia da Amazônia. Ehrlich (et al., 1983) escreveram um livro famoso sobre a extinção de plantas e animais em todo mundo contemporâneo, destacando a importância das matas tropicais úmidas como os mais ricos repositórios de formas de vida a serem protegidos. Wilson (1994, 1992), um dos mais conceituados biólogos da atualidade, interessou-se pelo estudo e pela defesa da biodiversidade dessas florestas, quando já era um cientista consagrado pelo estudo de outros temas. Dessa forma, a recentemente percebida riqueza biológica levou as florestas tropicais úmidas — que cobrem apenas 8% da superfície terrestre do planeta e talvez contenham mais da metade das formas de vida — a serem encaradas pela comunidade científica internacional como ‘santuários’ únicos e preciosos, ou como os principais volumes da ‘enciclopédia da vida’. A Amazônia, detentora da maior extensão de florestas neotropicais úmidas obviamente virou o ponto central dessa preocupação. Apesar de suas dimensões quase continentais, as florestas úmidas amazônicas ganharam, quase da noite para o dia, o status de escassas e ameaçadas.

Como seria de se esperar, essa é a preocupação de muitos brasileiros (e dos povos de cerca de 35 outros países cujos territórios também hospedam florestas tropicais úmidas), que em geral consideram suas áreas florestais como regiões de ‘fronteiras’, que permitirão a expansão das respectivas sociedades nacionais. Assim, o tema da salvaguarda da biodiversidade dessas áreas, e mesmo do seu desenvolvimento em bases sustentáveis, tem implicações delicadas em termos de soberania nacional, relações internacionais, políticas nacionais e regionais de desenvolvimento, além de políticas de conservação ambiental. Por último e não menos importante, existem, por vezes há milênios, sociedades humanas estabelecidas nos biomas de matas tropicais úmidas, cujos interesses quase sempre são distintos dos da comunidade científica e, mesmo, das respectivas sociedades nacionais.

É nesse campo minado que nasceram os numerosos livros e artigos de historiadores, sociólogos, antropólogos, economistas, cientistas políticos, demógrafos, biólogos, ecologistas, jornalistas, viajantes e escritores free-lance sobre a Amazônia brasileira, sua riqueza natural, seus habitantes e as perspectivas de ambos face à intensificação da exploração econômica da região. Essa literatura, apesar de recente, já é muito extensa e continua a crescer, e não pode ser totalmente dominada por qualquer pesquisador.

Como disse, a maior parte dessa literatura tem uma visão pessimista, quando não negativista e apocalíptica, das perspectivas e das mudanças recentes na região. Alguns autores fazem jogos de palavras com os próprios títulos dos seus textos para criticar o conceito — e mesmo a possibilidade — de ocorrer qualquer tipo de desenvolvimento na Amazônia brasileira. Esses textos geralmente focalizam projetos e programas fracassados ou problemáticos, ciclos extrativos encerrados, ou processos marcados por formas extremas de desordem social, violência e deslocamento de culturas e populações locais (migrações em massa, crises comunitárias, disrupção de famílias, invasões de terras indígenas, fome, doenças, assassinatos, conflitos fundiários, ausência do poder público etc.). A mensagem geral desses títulos é que ‘nada’ deu certo ou pode dar certo na Amazônia: estradas não devem ser abertas porque atraem pessoas ‘demais’, hidrelétricas não devem ser construídas por causa de impactos ambientais e sociais, grandes fazendas de gado provocam desmatamento e criam poucos empregos, pequenas fazendas de colonos fracassam por causa do clima, dos solos e das imensas distâncias dos mercados, pessoas de outras regiões não devem se deslocar para lá pois seus níveis de vida cairão, minérios não devem ser extraídos por motivos estratégicos, e assim por diante. Por vezes, populações ribeirinhas ou caboclas isoladas e pobres são louvadas nessa literatura como praticantes das formas ‘tradicionais’ legítimas de se viver na região. Isso em geral corresponde a uma posição normativa favorável ao ‘congelamento’ dessas formas que, na verdade, nasceram de disrupções profundas e por vezes ainda recentes nas maneiras de viver das populações nativas, estas sim verdadeiramente tradicionais. No fim das contas, para quem lê apenas essa literatura, parece que a Amazônia não foi habitada por muitos milhões de pessoas, por milhares de anos, que nunca houve mudanças sociais na região, e que o seu cenário atual é um desastre social e ambiental irredimível.

Vejamos alguns dos títulos que compartilham dessa perspectiva que vê a Amazônia como uma região ‘tradicional’, cuja abertura ao ‘desenvolvimento’ tende apenas a resultados social e ambientalmente deletérios. Moran (1981) e Fearnside (1986) estudaram migrações inter e intra-regionais de colonos assentados ao longo da rodovia Transamazônica na década de 1970, focalizando os muitos erros e fracassos ocorridos. Foweraker (1981) fez um estudo comparativo de áreas de fronteira no território brasileiro, apontando um quadro especialmente violento e conturbado na Amazônia da década de 1970. Weinstein (1983) estudou a origem, a ascensão e o colapso do ciclo da borracha, focalizando de perto as suas muitas mazelas sociais e econômicas. Textos escritos por brasileiros como José M. M. da Costa (1987) e Edna Castro e cols. (1994) têm uma posição sistematicamente crítica e mesmo hostil aos chamados ‘grandes projetos’ amazônicos da década de 1970. Stephen Bunker (1986) estudou vários empreendimentos intensivos de capital na Amazônia e chegou à conclusão de que tais realizações não só são causadoras de danos sociais e ambientais virtualmente irrecuperáveis como fazem parte de um processo irreversível de subdesenvolvimento de toda a região. Susanna Hecht e Alexander Cockburn (1989) trataram de um amplo quadro de processos e fatos social e ambientalmente desagregadores na Amazônia contemporânea, entrevendo pouca margem a qualquer possibilidade de desenvolvimento regional. Marianne Schmink e Charles Wood (1992), cujo texto examinarei em detalhe, analisaram empreendimentos minerais, florestais, colonizadores e rodoviários, priorizando os aspectos destrutivos da natureza e da sociedade amazônicas.

Há, no entanto, títulos com perspectivas menos negativistas, os quais reconhecem a ocorrência de alguma forma de desenvolvimento regional, ou focalizam usos ‘apropriados’ ou ‘sustentáveis’ dos recursos naturais, ou então encaram os processos amazônicos contemporâneos como instâncias turbulentas, mas ainda assim típicas, de ocupação de fronteiras. Nenhum deles nega a ocorrência de mazelas sociais e ambientais, mas não as priorizam analiticamente. Esses títulos são, porém, minoritários. Do primeiro subgrupo de textos, cito apenas o de Haller et alii (1996), por ser o único conhecido. Aplicando testes estatísticos a uma base de dados macrorregionais sem similar na literatura publicada, os autores concluíram que 325 entre 327 municípios da Amazônia Legal melhoraram seus índices de desenvolvimento socioeconômico entre 1970 e 1980, contrariando frontalmente os achados ou as inferências macrorregionais de toda a literatura mencionada anteriormente.1 1 Versão adaptada desse texto de Haller et alii faz parte deste número especial de Manguinhos, sob o título ‘Os níveis de desenvolvimento socioeconômico da população da Amazônia brasileira 1970-80’. Esses dados referem-se a variáveis tradicionalmente usadas em estudos de estratificação social e bem-estar social: analfabetismo, matrícula escolar de crianças e jovens, anos de escolaridade formal, acesso doméstico a rádio, televisão, geladeira e automóvel, consumo de energia para fins industriais, conexão de domicílios a redes de energia elétrica, percentagem de trabalhadores empregados em indústrias e volumes de transações comerciais. Todas essas variáveis foram medidas para todos os municípios da Amazônia Legal existentes em 1970. Até o momento, significativamente, os seus achados não foram contestados, nem metodologicamente nem com referência a uma base de dados equivalente nem sequer pontualmente.

Entre os títulos do segundo subgrupo, focalizados nos usos apropriados, sustentáveis ou alternativos, destaco Anderson et al. (1991) e Anderson (1990), que estudam usos (tradicionais e não-tradicionais) dos recursos naturais capazes de contemplar os interesses das populações mais pobres da Amazônia (inclusive inserindo-as de forma mais competitiva em atividades ligadas ao mercado) e de promover o uso conservacionista dos recursos naturais por outros atores. Anderson e seus colaboradores examinam criticamente, sem se deixar levar por um tom acusatório ou apocalíptico, quase todas as atividades humanas — inclusive as não-tradicionais — que afetam os recursos naturais amazônicos. Juan de Onis (1992), por sua vez, examinou alguns grandes projetos amazônicos (e outros de menor dimensão) focalizando não apenas as suas mazelas, mas buscando também ver seus possíveis papéis ‘fundacionais’ de processos sustentáveis de desenvolvimento. Talvez seja o único título da literatura a assumir essa perspectiva. Outro título que se insere no subgrupo que focaliza simultaneamente a sustentabilidade do uso dos recursos naturais e do bem-estar das populações amazônicas é o de Paulo Choji Kitamura (1994), que examinarei mais à frente.

No terceiro subgrupo de títulos, destaco o importante livro de Anna Luiza Osório de Almeida (1992), que mostrou pioneiramente os altos índices de concentração de propriedade fundiária na Amazônia, extraindo daí as conclusões analíticas cabíveis. A autora demonstrou que tal concentração significava um ‘fechamento’ político prematuro da fronteira para pequenos proprietários, dificultando ainda mais a implantação de migrantes nas áreas rurais. Bertha Becker (1990), uma das maiores autoridades brasileiras no desenvolvimento da Amazônia, resumiu em um opúsculo muitos anos de estudos sobre como a região vem sendo objeto de investimentos empresariais e governamentais que levam a mudanças sociais e ambientais marcantes. Mahar (1979) fez um estudo pioneiro dos resultados dos incentivos fiscais com que o governo federal estimulou investimentos agropecuários que, embora em grande parte fracassados, mudaram muito a fisionomia social e natural de muitos recantos da Amazônia, principalmente através do estímulo à migração e dos subsídios para a criação de grandes fazendas de gado.

Nesses três subgrupos de textos, embora muitas vezes se focalizem as mazelas regionais e os fracassos de projetos específicos, há o reconhecimento de que a região é habitada por milhões de pessoas, há milhares de anos, e que as mudanças sociais e ambientais vêm ocorrendo há muito tempo, sofrendo apenas uma aceleração recente. Assim, essas mudanças na sociedade e na natureza aparecem em um contexto que permite encará-las como partes legítimas da experiência planetária da espécie humana em ocupar porções distintas da biosfera, e não como disrupções de uma tradição milenar, aberrações ou excrescências recente e únicas, ou episódios inéditos de destruição de um paraíso.

É pouco produtivo abordar a região amazônica dessas formas negativistas ou apocalípticas. É mais produtivo encarar as sociedades amazônides, assim como quaisquer outras, como passíveis de sofrerem novas mudanças, que podem ser para melhor ou pior. Não enxergo desastres sociais ou ambientais iminentes por trás de cada mudança pretendida ou tentada na região, mas isso não significa que eu ignore a existência de sérios problemas sociais e ambientais, muitos deles intimamente interligados. No entanto, raciocino também a partir de fatos e processos que vão na contramão das perspectivas apocalípticas, como as de Haller (1982). Ele constatou há quase vinte anos (sem ser refutado) que os brasileiros mais pobres em 1970 ‘não’ viviam na Amazônia, e sim no interior rural do Nordeste árido e semiárido. Ora, esse fato não é sequer suspeitado por quem conheça o desastroso quadro social amazônico traçado pela maior parte da literatura sobre a Amazônia. Com esse fato em vista, percebe-se que faz sentido, sim, para muitos pobres nordestinos tentarem a vida na Amazônia, onde, na média, as pessoas vivem melhor do que no Nordeste. Outro exemplo significativo diz respeito às constatações sobre a extensão relativamente pequena de áreas desmatadas na Amazônia nos últimos trinta anos (reunidas e muito bem discutidas por Pádua, 1997), que desmentem cifras altíssimas geradas por extrapolações equivocadas e por meras adivinhações veiculadas com destaque em parte dessa mesma literatura. Constatações realistas, além de obedecer o cânone da ciência, ajudam a dimensionar melhor os vetores de mudança social e ambiental e a desenhar programas de recuperação e proteção das florestas úmidas amazônicas e de desenvolvimento sustentável.

Selecionei quatro textos da literatura pertinente sobre desenvolvimento e recursos naturais da Amazônia, para apresentar resenhas que prioritariamente ilustram as questões colocadas, por considerá-los suficientemente representativos do quadro esboçado até agora e por serem todos relativamente recentes e baseados em pesquisa original. Os autores desses textos são de origem e de procedência acadêmica variada. Daniel Brito, um acadêmico nascido e criado na Amazônia e formado no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPa); os co-autores Marianne Schmink e Charles Wood, dois acadêmicos norte-americanos, pesquisaram a região por quase 15 anos e são herdeiros de uma linhagem clássica de estudos amazônicos criada por Charles Wagley (1953), um acadêmico britânico; Anthony Hall, baseado na London School of Economics, referência em estudos internacionais de desenvolvimento, e um pesquisador brasileiro da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Paulo Choji Kitamura, formado numa das maiores universidades de pesquisa do Brasil (Unicamp). Brito e Hall examinaram dois ‘grandes projetos’ amazônicos; Schmink e Wood trataram de numerosos fatos e processos em toda a Amazônia e se concentraram nas mudanças locais associadas à abertura de uma nova estrada no Pará; e Kitamura examinou os fundamentos e resultados de muitos empreendimentos amazônicos de exploracão de recursos naturais, sob a lente do conceito de desenvolvimento sustentável. Veremos que esses quatro títulos, além de representativos, permitem uma rica discussão sobre metodologia, empiria, análise e normatividade nos estudos sobre desenvolvimento, recursos naturais e preservação ambiental na Amazônia.

Extração mineral na Amazônia: a experiência da exploração de manganês da Serra do Navio no Amapá,2 2 Vale destacar que nada menos que cem teses (inclusive a de Daniel Brito) foram defendidas nesse programa do NAEA entre 1981 e 1997. A lista completa delas (UFPa/NAEA/PLADES, 1997) mapeia bem os resultados de diversas linhas de pesquisa ao longo de mais de duas décadas no NAEA, algumas delas voltadas para o desenvolvimento regional. texto ainda inédito de Daniel Brito (1995b), valeu ao autor o grau de mestre em planejamento do desenvolvimento, no NAEA da UFPa.3 3 Vejamos uma analogia em escala nacional. O Brasil tem sido um constante importador de farinha de trigo (um bem típico de regiões temperadas). A sociedade brasileira paga por esse luxo de importar trigo para ter o pão de trigo. Ela ignora ou despreza uma opção local, o pão feito com a nativa farinha de mandioca. Mas importar trigo não é causa de fome, muito menos a causa única de fome, e sequer significa que falte pão de trigo no Brasil. Apesar de ter feito a sua graduação também na UFPa, Brito (natural do Amapá) produziu uma síntese teórica e analítica bem distinta das abordagens mais correntes na literatura do NAEA. O autor refuta explicitamente duas perspectivas ‘críticas’ em relação à participação do Estado nacional em empreendimentos de exploração de recursos naturais na Amazônia, as quais afirma serem correntes no NAEA. A primeira é exemplificada pelo texto de Aluízio Nunes Leal (1988) — tese concluída no mesmo programa — em que é sustentada a posição de que o Estado nacional se alia com capitais não-amazônicos para ‘dilapidar o patrimônio público’ de recursos naturais. A segunda é ilustrada pelo trabalho de Mendes et alii (1974) que, de acordo com Brito, tem um viés ‘regionalista’ que, por um lado, proclama a legitimidade de um ‘homem amazônico’ e de uma ‘cultura amazônica’ tradicionais e, por outro, denuncia qualquer interferência externa apoiada pelo Estado nacional que possa vir a modificar esses componentes da Amazônia. Brito (1995b, pp. 64, 12-3) critica Leal pela falta de comprovação empírica e faz restrições a Mendes e a Leal por omitirem a participação ativa das elites amazônicas nas ‘interferências externas’, que, na verdade, não são externas. Assim, Brito abre a porta para o seu estudo renovador.

Brito escreveu o primeiro estudo acadêmico de fôlego sobre a mineração de manganês em Serra do Navio, Amapá, o mais antigo e duradouro dos grandes projetos contemporâneos na Amazônia, inIciado em 1953 e fechado em 1998. No entanto, fugiu da abordagem tradicional no NAEA, ao rejeitar, explicitamente, por exemplo, o conceito de ‘enclave’ para qualificar esse e outros empreendimentos ‘modernos’ ou intensivos de capital como corpos estranhos na região. O autor sustenta convincentemente que tais empreendimentos, além de não serem nunca enclaves isolados dos interesses locais, criam efeitos sensíveis na sociedade e no ambiente natural. Segundo Brito, distintamente da literatura sobre a região, as modernas ‘organizações produtivas’ tendem, em geral e não apenas na Amazônia, a "alterar as estruturas sociais de regiões de baixa produtividade econômica" e a causar mudanças no emprego, nos impostos, na estrutura de poder e no ambiente natural. Ou seja, tais organizações nada têm de isoladas, mesmo que não gerem uma estrutura produtiva diversificada, nem grande número de empregos.

Elmar Altvater, Stephen Bunker e Franz Bruseke são três autores cujas abordagens inovadoras influenciaram a perspectiva analítica de Brito. Altvater (1995, 1993) forneceu-lhe fundamentos para argumentar que o empreendimento de Serra do Navio resultou de uma transferência arbitrária de ‘estruturas produtivas’ capitalistas para uma região marcada por ‘relações de produção não-capitalistas’, em resposta a demandas da economia internacional. Houve, sim, tal transferência, mas não tão arbitrária como pensa Brito, pois Altvater afirma que as estruturas produtivas entrópicas do industrialismo fordista e capitalista exploram sistematicamente ‘ilhas de sintropia’: grandes depósitos de recursos naturais cuja localização e conteúdo dependem exclusivamente de processos naturais, sendo, portanto, externos ao âmbito da ação humana. Serra do Navio, com seus enormes depósitos de minério de manganês de alto teor, era apenas mais uma dessas ilhas. Com base em Bunker (1986), Brito sustenta que um empreendimento mineral intensivo de capital tende a transtornar as estruturas sociais preexistentes e esgotar o patrimônio ecológico de locais como o Amapá. Na trilha de Bruseke (1996, 1993), Brito sustenta que o resultado final de um empreendimento desses é uma ordem social ‘dual’, expressa na imagem de uma ‘ilha de racionalidade’ cercada por uma mar de ‘irracionalidade’ — uma empresa moderna cercada por uma rede dissolvida de estruturas sociais tradicionais, alteradas mas não abrangidas pela ‘ilha’.

Esses conceitos e ângulos analíticos são inusitados e produtivos. Brito, por exemplo, é praticamente o único analista do empreendimento que evita repetir antigas acusações não-fundamentadas de conspirações e corrupção na origem de Serra do Navio. Ao contrário, o autor dá ênfase ao desempenho da Icomi, a empresa que extrai o manganês, tomando-a como ator legítimo. Ainda assim, Brito esvazia demais o caráter privado do empreendimento, atribuindo muito peso ao papel do Estado nacional na sua implantação. Os regulamentos sobre prospecção e mineração discutidos por Brito valiam e valem para todos os empreendimentos minerais, grandes ou pequenos, privados ou públicos, dentro ou fora da Amazônia. Essa ambigüidade quanto à questão política não compromete, no entanto, a sua análise da questão dos efeitos desenvolvimentistas e ambientalistas do empreendimento. Brito explica bem os usos industriais do minério de manganês, os seus mercados, a tecnologia de mineração e os tipos de minério produzidos por Serra do Navio, permitindo que o leitor aprenda sobre o empreendimento, que, dessa forma, não é ‘demonizado’.

No texto de Brito, cujos capítulos IV, V e VI constituem o seu cerne, são examinadas, com base em dezenas de entrevistas em profundidade, as visões que os empregados têm da empresa e do seu próprio trabalho. Essas entrevistas originais dão ao texto um rico veio ‘antropológico’, revelando várias trajetórias sociais até o emprego em Serra do Navio. Quase todas as entrevistas, que são mais exploradas pelo autor em texto à parte (Brito 1995c), mostram um quadro um tanto previsível da adaptação de trabalhadores ‘tradicionais’ aos rigores de um empreendimento ‘fordista’. Vale acrescentar que, a meu ver, a avaliação em geral positiva que os entrevistados fazem dos seus empregos e da empresa não combina com a ‘arbitrariedade’ e a ‘disrupção social’ que Brito vê na sua presença no Amapá.

Brito é saudavelmente cético quanto à possibilidade de desenvolvimento regional a partir da extração de recursos naturais, hipótese essa que se constitui na questão mais importante abordada pela literatura em exame, e focaliza corretamente a "finitude" do manganês do Amapá como um limite natural ao seu papel desenvolvimentista, mas isso não é suficientemente explicativo, pois todo minério é finito. Um fator natural ainda mais limitante — notado por ele, mas pouco aproveitado analiticamente — foi a escassez de minério de ferro no Amapá, o que impediu investimentos (geopoliticamente improváveis, de toda forma) na única indústria consumidora de manganês, uma usina siderúrgica, capaz de diversificar a economia amapaense. O empreendimento mineral, assim, formou um ‘corredor’ de exportação de uma matéria-prima não-processada, com capacidade notoriamente fraca de causar diversificação produtiva e desenvolvimento. A ordem ‘dual’ que teria sido gerada no Amapá não é bem argumentada por Brito, embora ele mostre que Serra do Navio foi muito mais ‘moderno’ do que qualquer outro empreendimento local, antes e depois de sua implantação.

Outra dimensão examinada é a demográfica, pois, na Amazônia, grandes movimentos populacionais tendem a coincidir com o agravamento de problemas sociais e de destruição ambiental. De acordo com Brito, teria ocorrido uma grande onda de imigração para o Amapá quando da instalação de Serra do Navio (década de 1950). Essa questão do crescimento populacional acelerado tem sido um ponto comum a quase todas as análises dos grandes projetos amazônicos, no entanto, os dados apresentados pelo autor não comprovam a sua argumentação. Por exemplo, a maior parte da amostra (não-aleatória) de empregados da Icomi entrevistados por Brito nasceu no Amapá ou vivia lá antes da abertura da mina de manganês. Os dados dos recenseamentos de 1950 a 1991 mostram que cerca de 80% dos residentes não-nativos do Amapá são oriundos do vizinho Pará, o que não caracteriza uma migração inter-regional de longa distância. Os mesmos dados mostram que a proporção de não-nativos entre os habitantes do Amapá tem caído sem parar desde 1950, ou seja, a contribuição da imigração para crescimento populacional tem sido declinante (o que não significa que a população parou de crescer, nem que tenha crescido lentamente). Assim, o Amapá é mais exceção do que regra na questão da chegada de massas migrantes oriundas de locais distantes.

Embora a discussão conceitual e teórica de Brito (1995a, pp.16-7) sobre as limitações desenvolvimentistas da extração de manganês seja muito boa, verifica-se um exagero, quando argumenta que as economias extrativas são singularmente sujeitas à ‘entropia’ por causa da finitude dos recursos. Na verdade, ‘todas’ as modalidades de transformação industrial — e mesmo atividades intensivas de informação — sofrem do mesmo condicionamento ‘termodinâmico’ e enfrentam o problema da entropia. Apesar de afirmar corretamente — seguindo Bunker (1986) — que o extrativismo em regiões periféricas "transfere valor e energia para regiões com maior potencial industrial", as quais se beneficiam disso, Brito não enfatiza que essa transformação pode se dar na própria região extrativa, diversificando a economia local. Essa é uma consideração analítica importante porque, na verdade, a co-localização de atividades extrativas — mineração de ferro e carvão — e industriais — siderurgia, principalmente — foi uma característica fundadora de todos os principais países desenvolvidos do mundo contemporâneo, com exceção do Japão.

Como nunca se cogitou seriamente de instalar uma grande siderurgia no Amapá (e Brito sabe disso), as suas oportunidades de desenvolvimento a partir do manganês eram virtualmente nulas. Tendo esses outros pontos bem claros, fica mais plausível sustentar (como faz o autor) que o Amapá não poderia decolar industrialmente à base de uma única atividade extrativa sem desdobramentos industriais locais.

O maior problema que vejo é que, em seu texto, Brito, com base na hipótese de Bunker, sem fundamentação mínima em dados estatísticos ou mesmo impressionistas, afirma, sem contudo demonstrar, que houve uma disrupção social e ambiental no Amapá. Além do mais, em seu texto, adota como a base da sociedade amapaense, que teria entrado em colapso a partir de 1953, aquela que resultou do colapso (este sim, muito bem documentado para a região como um todo) da economia da borracha na década de 1910. Não é consistente atribuir a algo que resultou de um colapso o status de uma ‘ordem’ que teria sido quebrada pela mineração de manganês. Brito nem tenta mostrar que a economia e a sociedade amapaenses entraram em colapso depois de 1950, e muito menos tenta ligar isso aos investimentos em Serra do Navio. O autor apenas supõe que o Amapá está pior do que antes e que Serra do Navio foi o único responsável por isso. Tal posicionamento, nesse ponto do texto de Brito, deixa perceber a influência da literatura mais negativista sobre a Amazônia, apesar das tentativas de superação desse viés pelo autor.

Enfim, Brito produziu um estudo bem fundamentado e organizado, teoricamente inovador, equilibrando bem a consideração de fatores naturais e sociais e tratando com serenidade as mudanças sociais ocorridas em torno de um ‘grande projeto’. Ele estabelece um novo marco para estudos similares na região amazônica.

O segundo livro resenhado é Contested frontiers in Amazonia (Schmink et al., 1992) que foi escrito pelos norte-americanos Marianne Schmink (antropóloga) e Charles Wood (demógrafo) e resume cerca de15 anos de pesquisas contínuas na Amazônia. A longa gestação do texto coincidiu com a citada emergência da importância ‘biofísica’ da Amazônia entre cientistas naturais. Na esteira do clássico trabalho de Wagley (1953) na região, Schmink e Wood incorporaram temas e variáveis ambientais ao seu estudo, examinando também desmatamento, mineração e extrativismo.

Examinarei mais detidamente a parte do estudo relativa à abertura de uma estrada, empreendimento sempre prenhe de efeitos sociais e ambientais na Amazônia. O desenho de pesquisa permitiu o estudo da comunidade ribeirinha de São Félix do Xingu (SFX) ‘antes-e-depois’ da abertura da estrada PA-279. Até então, a comunidade (tal como a fictícia "Itá" de Wagley), só podia ser alcançada de barco (ou avião). Antes mesmo de a estrada ser completada, houve uma migração maciça e uma verdadeira explosão demográfica, esta, sim, muito bem documentada, ao contrário das afirmações de Brito sobre o Amapá. Assim, os autores montaram uma valiosa ‘experiência natural’ e investigaram efeitos aparentemente específicos da abertura da estrada sobre o bem-estar da população. Um outro aspecto positivo do texto é o respeito pela diversidade da Amazônia, ou seja, o cuidado com as generalizações. Os autores partem da escala macro da Amazônia Legal, passam a um perímetro menor no sul do Pará e concluem na escala local de SFX e imediações, evitando, assim, um dos piores aspectos de muitos estudos sobre a Amazônia: prever mazelas e desastres gerais com base em eventos, experiências e bases de dados estritamente locais

Schmink e Wood fizeram dois levantamentos residenciais, cobrindo 120 e 125 residências em 1978 e 1984, respectivamente, e outro levantamento intermediário de 181 residências, em 1981. Antes de focalizar, principalmente, os seus resultados, que fundamentam a análise dos efeitos da abertura da estrada sobre a qualidade de vida dos residentes, quero mostrar como as expectativas dos autores, quanto aos resultados de sua investigação, eram tipicamente catastróficas. Embora não cheguem a ter uma visão idílica sobre as comunidades ribeirinhas amazônicas, Schmink e Wood mostram nítido desconforto com os efeitos da turbulenta dinâmica de fronteira que tende a impactar os amazônides. Utilizando palavras e expressões candentes — "caos", "violência", "brigas em bares", "guerrilhas", "fazendeiros ricos usando botas de couro de cano longo e pistolas na cintura, voando em seus aviões particulares para fazer negócios" (p. 22) —, recordam a chegada da rodovia Transamazônica a Marabá (outra cidade até então isolada de estradas), no início da década de 1970, temendo que o "pacífico vilarejo" de SFX tivesse destino similar. Mais adiante no texto (pp. 309-10), a paisagem urbana de SFX, depois da abertura da estrada, é descrita em palavras igualmente sombrias:

Ao longo da estrada que chegava à cidade, nuvens de poeira vermelha se espalhavam pelo ar seco, levantadas pelo tráfego incessante de caminhões carregados de madeira, de carros-tanque cheios de gasolina, e das idas e vindas de calhambeques de todos os tipos. A margem da estrada estava cheia de postos de gasolina, oficinas mecânicas e borracharias. Cada oficina estava cercada por pneus estragados e carcaças de fuscas, pick-ups Ford e caminhões Mercedes capotados. No céu, um avião voa a baixa altitude para chamar atenção de um dos 28 motoristas de táxi que queira pegar um passageiro na pista de pouso. Na beira do rio, dúzias de pequenos barcos estão amarrados a um cais improvisado usado pelas serrarias e outras empresas.

Outras cenas um pouco menos deprimentes da ex-pacata vila de SFX, como, por exemplo, de pessoas vendo tevê ou aglomeradas em torno das bancas de jornais cheias de revistas publicadas alhures ou ainda entrando em fila para usar o novo telefone público são descritas pelos autores, que parecem preferir que aquelas pessoas, em vez disso, conversassem com os vizinhos nas calçadas ou ouvissem rádio ou que aquele serviço telefônico não chegasse lá. Essas imagens banais de uma comunidade fervilhante, acompanhadas de prescrições moralizantes sobre o comportamento supostamente adequado que os seus moradores deveriam ter, criam um quadro apocalíptico de ‘mazelas da civilização’, de uma virtuosa vida tradicional que se dissolve e que só pode ser substituída pelo pior. É um caso típico do que Haller et alii (1996) apontam como um foco equivocado na ‘anomia’ em face do contexto de mudança social acelerada e de confusão normativa típicas das áreas de fronteira. Schmink e Wood destacam os fatos ‘anômicos’ — brigas de bar, lutas pela terra, poeira, pobreza e até botas de couro de cano longo e aviões — como se só ocorressem na Amazônia, e como se negassem liminarmente qualquer melhora socialeconômica na região. Essa perspectiva é pouco promissora.

Dando continuidade à resenha, vejamos os capítulos X e XI, cujos títulos hiperbólicos, ‘O fechamento da fronteira em São Félix do Xingu’ e ‘O fim da estrada: São Félix do Xingu, 1978-1984’, mais uma vez, expressam a visão negativista dos autores. Apesar de mostrarem a decadência, a baixa produtividade e a baixa produção do extrativismo (pp. 277-80), Schmink e Wood idealizam os estilos de vida pré-modernos dos extratores, lembrando que eles combinavam atividades de subsistência com caça e pesca. Há aqui a sugestão, explicitada mais tarde pelos autores, de que os amazônides estariam melhor se produzissem, de preferência caçando e pescando, sua própria comida e outros materiais. Ora, isso nega liminarmente qualquer vantagem do progresso tecnológico, da divisão de trabalho, da diversificação produtiva e da produção para o mercado, encapsulando normativamente o ribeirinho num conhecido ciclo de empobrecimento ligado à produção de valores de uso. Mesmo a migração dos extratores pobres para áreas urbanas é apresentada pelos autores como um problema alarmante, apesar de eles mesmos mostrarem como é dura a vida de quem depende da produtividade natural das florestas. Há nessas observações um claro viés antimodernização: por que aspectos comuns da sociedade moderna — agricultura e pecuária comerciais, urbanização, divisão do trabalho, produção de valores de troca — deveriam ser excluídos da Amazônia, se ocorrem no resto do país?

A cidade de SFX pré-PA-279 também não é idealizada pelos autores. O analfabetismo era alto, existia apenas uma bica de água em 1972, eletricidade doméstica e iluminação pública eram escassas, o comércio local era modesto, e escolas e postos de saúde eram raros. Não obstante, Schmink e Wood examinam as ondas de imigrantes como se tivessem destruído em SFX uma ordem social modelar: "A oferta de serviços públicos não acompanhou a expansão física da cidade. Por isso, a proporção de casas dotadas de luz elétrica e água encanada diminuiu entre 1978 e 1981. Os bairros mais novos, nos quais se alojava a maioria dos migrantes, tendiam a carecer desses serviços mais que os demais" (p. 286).

O influxo de pessoas foi de fato maciço, e a estrutura da cidade não conseguiu acompanhá-lo, mas, de novo, nada há de especial nisso. Quase todas as cidades grandes e médias brasileiras, dentro e fora da Amazônia, passaram por situações iguais nas décadas de 1960 e 1970, quando a sociedade se urbanizava a uma velocidade sem similares no mundo contemporâneo. Pode-se, por causa disso, negar que o Brasil tenha se desenvolvido?

Schmink e Wood mostram que viver em SFX antes da estrada significava, entre outras dificuldades, pagar muito caro por bens básicos, como leite em pó, arroz, feijão, farinha, açúcar, sabão, óleo de cozinha etc., que chegavam de barco, pelo rio Xingu (p. 288). Quando analisam com simpatia as atividades de uma cooperativa de consumo que entre 1979 e 1984 obteve preços mais baixos, não contabilizam os penosos esforços organizativos como custos adicionais exigidos pelo isolamento. Os autores reconhecem que a estrada "melhorou o sistema de abastecimento da cidade", que os preços dos bens caíram e que a cooperativa fechou por falta de sócios. Incrivelmente, o seu viés a favor de uma SFX isolada não lhes permite listar esses três fatos como benefícios trazidos pela estrada. A iminência da chegada da estrada é narrada como se apenas forças externas à comunidade fossem favoráveis a ela e como se a comunidade fosse uma vítima indefesa. No entanto, a verdade, como os próprios autores registram (p. 290), é que as autoridades locais e os migrantes que vieram antes de a estrada ser completada eram ativamente a favor dela. Os que chegaram depois como que ‘votaram’ a favor dela com a sua decisão espontânea de migrar para SFX.

Refletindo a literatura do NAEA, os autores qualificam como "enclaves" as companhias madeireiras, as serrarias e as mineradoras que se estabeleceram em torno de SFX depois da abertura da estrada, pois "não compravam quase coisa alguma no mercado local" (p. 294), embora reconheçam que o modesto comércio local, antes de a PA-279 ser completada, não tinha como atender essas companhias. Na verdade, a decisão de buscar suprimentos em outros lugares muito provavelmente contribuiu para o bem-estar dos residentes antigos e novos da comunidade, que assim se viram livres de uma forte pressão sobre os escassos suprimentos locais.

Schmink e Wood deram-se ao trabalho de contar 36 bordéis instalados em torno de SFX em 1978-79, quando oito a dez mil garimpeiros de cassiterita residiam por lá (p. 295). De novo vemos uma mazela ‘social’ — a prostituição, fenômeno comum no resto do Brasil e do mundo — redefinida como algo específico à desordem da fronteira amazônica, supostamente causada por um fato tão corriqueiro quanto a abertura de uma estrada, abalando uma ‘saudável’ sociedade tradicional. Como num jogo no qual ‘se der cara eu ganho, se der coroa você perde’, a substituição dos numerosos garimpeiros por empresas mineradoras mecanizadas e com menos empregados tinha que trazer outra mazela: os autores assinalam vilas operárias "estratificadas" a partir de "três níveis de empregados", gerentes, técnicos e trabalhadores manuais (pp. 297-9). Essa estratificação é citada como se fosse uma característica perversa da fronteira amazônica, quando na verdade é lugar comum em vilas operárias do mundo inteiro, inclusive nos países desenvolvidos.

Como se essa estratificação não fosse suficientemente "perversa", os autores, que antes denunciam vários efeitos negativos da presença de grandes números de garimpeiros, entre os quais havia muitos residentes de SFX, acusam as empresas mineradoras de serem enclaves que "pouco tinham a ver com a economia ou a população locais". No entanto, é patente que muitos residentes de SFX não tinham as qualificações exigidas pela nova atividade de trabalho representada pela mineração mecanizada — um dos preços que eles pagaram por décadas de isolamento, supostamente, ‘virtuoso’. A extração mecanizada de cassiterita era uma atividade nova que dificilmente poderia se encaixar com alguma atividade tradicional da região. É interessante notar que os autores não admitem que o garimpo manual de cassiterita — que antes recrutara garimpeiros principalmente entre a população da sede municipal — tivesse ligações com a economia e a população locais, o que é óbvio, pois empregava centenas de residentes. É evidente que o viés dos autores tanto contra as companhias madeireiras e mineradoras quanto contra a presença de garimpeiros vem de um viés mais forte que se caracteriza por ser contra quaisquer mudanças sociais em SFX.

A especulação fundiária foi sem dúvida abundante em SFX, conforme mostrado de forma eloqüente pelos autores (pp. 302-6). Como no resto do Brasil, organismos federais, estaduais e municipais não conseguiram disciplinar o acesso à terra e contribuíram para aumentar os conflitos. Muito antes de a PA-279 ter sido completada, especuladores, grileiros e migrantes chegaram a SFX para conseguir terras, barrando parte das pretensões dos migrantes que viriam apenas quando a estrada abrisse. Isso evidentemente criou condições desfavoráveis ao estabelecimento de pequenos proprietários rurais, o grupo social implicitamente preferido por Schmink e Wood.

Como já afirmei, no entanto, a desordem fundiária é comum ao Brasil como um todo e apenas se agrava na Amazônia. Aliás, a história da expansão da fronteira norte-americana, sujeita às regras mais democráticas que se conhecem, também teve nos especuladores e nos ladrões de posses (claim jumpers) personagens típicos. É interessante notar que Schmink e Wood, apesar de registrarem muitas e legítimas reclamações sobre injustiças, dificuldades e violências ligadas às lutas pela terra, descobriram que mais da metade dos seus entrevistados tinha garantido as suas parcelas de terra (por vezes, mais de uma por família) antes da PA-279 ser completada. Vê-se, portanto, que muitas supostas "vítimas de forças desagregadoras externas" participaram dos males denunciados e se beneficiaram delas.

Eis como os autores descrevem o resultado final da especulação fundiária local:

Apesar da aparente abundância, a terra disponível para os pequenos fazendeiros em torno da cidade de SFX era bem limitada. Embora grandes áreas continuassem desocupadas, a maior parte das terras da municipalidade fora apossada antes de os migrantes chegarem. São Félix foi um lugar no qual o ciclo usual da fronteira foi ‘fechado’ pelas ações de órgãos governamentais, e pelos esforços das companhias mineradoras, empresários de construção e grandes fazendeiros de conseguir grandes parcelas de terra.

Visto no contexto da ocupação de fronteiras brasileiras em quase todos os outros lugares do país, esse quadro, embora prenhe de injustiça social, é nada mais do que um lugar-comum. Numa sociedade em expansão territorial, forte crescimento populacional, problemas fundiários crônicos e disseminados, viés institucional pró-latifúndio, a terra usada como fundo de reserva numa economia cronicamente inflacionária, com tudo isso, a pergunta que cabe cientificamente é: por que não ocorreria esse quadro em torno de uma nova estrada em SFX?

Um fator estritamente local, amazônico, que aparece em Weinstein (1983) e Santos (1980), por exemplo, foi desprezado pelos autores na discussão do problema fundiário. Não havia um sistema estabelecido de titulação de terras na região antes da chegada da estrada para proteger os direitos de um campesinato, antigo ou novo. As formas tradicionais de controle e uso da terra prescindiam de titulação formal, exercendo-se através do controle tanto dos transportes fluviais de passageiros e de cargas através do sistema de aviamento característico do extrativismo, num contexto de investimentos mínimos ou nulos. No entanto, os usos ‘modernos’ ligados à mineração, à criação de gado e mesmo ao corte e beneficiamento de madeira exigem uma segurança especificamente fundiária, pois demandam investimentos produtivos e de infra-estrutura para gerar riqueza a partir dos recursos naturais. A superação do extrativismo tradicional, pelo qual Schmink e Wood nutrem uma ponta de nostalgia normativa, se deu pela introdução de atividades com demandas institucionais e ambientais diferentes. Eles não registram essa dimensão das mudanças. Evidentemente, a nova estrutura fundiária da área em nada se parece com as fronteiras agrárias democráticas "turnerianas" prometidas em planos e panfletos governamentais, mas nem por isso deixaram de ocorrer mudanças que merecem análise, e não crítica social.

A seguir listarei e comentarei as principais conclusões a que Schmink e Wood chegaram, quando, no capítulo 11 (pp. 314-42), expuseram e debateram os resultados dos seus levantamentos residenciais com o objetivo de "avaliar a magnitude e a direção das mudanças ocorridas no bem-estar dos habitantes de SFX". A população da cidade praticamente dobrou, de 2.032 para 3.840 habitantes, entre 1981 e 1984; a demanda por lotes urbanos superou a capacidade reguladora do governo municipal; números crescentes de não-amazônides se estabeleceram; a maioria dos forasteiros buscava terra barata; os forasteiros preferiam morar em SFX do que no seu último local de residência; três quartos deles pretendiam permanecer em SFX, embora a maioria citasse a falta de alternativa melhor como o motivo para sua permanência; metade dos chefes de domicílio entrevistados disse que não chamaria parentes para se juntar a eles em SFX.

Schmink e Wood descobriram que a maioria dos migrantes tinha passado rural e experiência migratória prévia e que a conquista de um lote de terra fora a sua principal motivação para ir para SFX; em 1984, 50% dos chefes de domicílio ou seus familiares tinham uma parcela de terra; 10% tinham duas; a maioria tinha títulos precários; apenas um terço dos proprietários plantava algo nas suas terras, geralmente culturas de subsistência; dos lotes cultivados, um quarto era trabalhado por parceiros ou parentes não-proprietários; e 75% dos entrevistados urbanos eram proprietários de suas residências. Os níveis educacionais eram bastante baixos, e os mais bem instruídos tendiam a ter empregos urbanos. O asssalariamento tinha praticamente substituído o sistema de aviamento como relação de trabalho. O número de prostitutas residentes no perímetro urbano crescera. A qualidade dos materiais de construção das casas caíra, pois muitas casas novas tinham sido construídas com materiais inferiores ou improvisados. A proporção de casas ligadas ao sistema de distribuição de energia elétrica diminuiu, mas outros aspectos das casas melhoraram, fazendo com que o "índice de qualidade residencial" calculado pelos autores subisse de 1,02 para 2,06, entre 1978 e 1984.

Os autores encontraram evidências de mudanças na dieta dos entrevistados, as quais indicavam uma pequena queda na diversidade de alimentos e menor consumo de comidas tipicamente amazônicas. No entanto, registram que o transporte terrestre fizera com que "uma maior variedade de alimentos estivesse à disposição" na cidade e afirmam que, "embora alguns domicílios tivessem uma dieta bastante diversificada, a variedade de alimentos consumidos pela maioria das famílias era limitada" (p. 331). Tal registro é seguido (p. 332) de mais uma sugestão dos autores de que as dietas melhorariam se as pessoas plantassem a sua própria comida, já que várias famílias alegaram não ter dinheiro para comprar alimentos mais variados.

Foi na variável ‘mortalidade infantil’ — medida pela proporção de crianças falecidas antes de completar dois anos de idade — que os autores encontraram a mais forte evidência de queda nas condições de vida de SFX depois da abertura da estrada. Na verdade, a mortalidade estava crescendo antes do início da obra rodoviária e piorou depois que ela foi completada: 133 por mil (1970), 145 por mil (1980) e 171 por mil (1984). Evidentemente, ocorreu uma deterioração na condição de vida da população em geral (antigos residentes e migrantes), ligada à má qualidade da água, à nutrição deficiente e à falta de serviços médicos, além de péssimas condições habitacionais dos migrantes recentes.

Schmink e Wood constataram também maior incidência de malária, embora os serviços de saúde tivessem se expandido no mesmo período. No questionário, uma das perguntas se destaca pela sua intenção de constatar mazelas: os chefes de domicílio foram indagados se algum dos seus membros esteve doente durante o último ano. Mesmo na mais desenvolvida das comunidades tal pergunta tende a receber mais respostas positivas do que negativas. As doenças mais comuns registradas foram malária, vermes, disenteria e sarampo. Entre os ‘defeitos permanentes’ registrados, uma em cada seis pessoas sofria de cegueira, surdez, retardamento mental ou paralisia.

Os autores concluem (p. 341), com base nesses achados, que ocorreu "uma deterioração sensível em indicadores cruciais dos padrões de vida" em SFX. Na verdade, apenas dois indicadores são citados para apoiar essa conclusão: empobrecimento da dieta (que os próprios autores consideraram inconclusivo) e crescimento da mortalidade infantil. Depois de examinar algumas dezenas de indicadores, sem lhes dar pesos específicos, apenas esses dois apontaram mudanças negativas. No entanto, os autores escolheram exatamente esses dois para apoiar a sua conclusão, sem explicar por que eles são cruciais e por que os demais não o são. Esse é um procedimento insustentável, mesmo para quem concorda, como eu, que os dados desenham um quadro de mudanças aceleradas, quase explosivas, refletindo muitas dificuldades da comunidade e dos migrantes. Houve aqui claro viés na eleição dos critérios de avaliação.

Vejamos uma explicação alternativa. O que aconteceu na pacata SFX foi um volume enorme de mudanças em menos de uma década, algo que ocorreria quase da mesma forma em qualquer lugar do mundo em que uma comunidade ‘isolada’ fosse exposta por via rodoviária aos influxos de uma sociedade nacional em expansão. Ora, sabe-se que mudanças sociais, tema fundador das ciências sociais, nunca são apenas indolores, mas também causam desequilíbrios, estranhamentos, resistências, deslocamentos e adaptações. Quando as mudanças ocorrem em áreas de fronteira, a fraqueza dos laços comunitários é ainda maior e a ‘anomia’ se alastra mais (Haller et alii, 1996).

Schmink e Wood não discutem a questão da suscetibilidade à mudança, mas é razoável assumir a hipótese de que o próprio isolamento de SFX (e o de muitas outras comunidades amazônicas) a tornasse altamente suscetível a mudanças drásticas. Vejamos o que podemos aprender a partir dessa hipótese. De acordo com a classificação de Haller et al. (1992), SFX era, até a chegada da estrada, uma mistura de um "sistema aborigine imediatamente pós-colombiano" (tipicamente amazônico) com um "sistema colonial-imperial" (presente em várias regiões do país), mistura essa que sofreu a intrusão repentina da vanguarda de um "sistema científico-capitalista" (baseado na região Centro-Sul do país). Quando a estrada foi concluída, os três sistemas se misturaram em termos de fontes de energia (humana, animal e combustíveis líquidos + eletricidade), de atividades produtivas (extração + agricultura de subsistência, agricultura comercial + gado, mineração + corte mecanizado de árvores) e de meios de transporte (canoas, animais, carros + caminhões + helicópteros + aviões).

É fácil perceber por que o primeiro tipo de sistema é inerentemente suscetível a ser modificado de forma radical pelos outros dois, como diagnosticado por Brito no caso do Amapá. No caso de SFX, pode-se dizer que a chegada plena do segundo sistema foi retardada em mais de um século exatamente pela falta de transporte terrestre. Quando a estrada chegou lá, no entanto, a comunidade sofreu o influxo das forças de mudança ‘represadas’ do segundo sistema e das forças de mudança ‘modernas’ do terceiro sistema. Os vetores ‘modernos’ de mudança foram estradas, veículos terrestres, minas e serrarias mecanizadas, eletricidade e óleo diesel, máquinas, telefones, completados por vetores ‘coloniais-imperiais’ como fazendas de gado, garimpo e agricultura comercial. Esse foi o ‘pacote’ trazido para SFX através da PA-279. Tantos e tão fortes vetores de mudança, introduzidos em tão pouco tempo, devem levar um cientista a esperar mudanças sociais generalizadas e profundas, em lugar de se surpreender com elas, ou lamentá-las.

No entanto, Schmink e Wood ficaram sobreimpressionados com a ‘anomia’ das mudanças na fronteiriça SFX, supondo erradamente que o seu caráter pacato e isolado seria um obstáculo às mudanças, ou um talismã imunizador. No entanto, SFX sofreu — como tantas outras comunidades antes e depois dela — o assédio repentino de um grande número de pessoas desconhecidas entre si e que desconheciam a área, convencidas de que meios de enriquecimento estavam ao alcance da mão, num contexto de fraco controle comunitário ou governamental (Haller et alii, 1996). Ora, nessas circunstâncias, comunidades locais, quando existem, acabam atropeladas e, com sorte, reconstruídas. Não houve escassez de fatos e processos ‘anômicos’ na SFX estudada por Schmink e Wood, mas não há fundamento para considerar que a abertura da PA-279 causou um caos singular e irrecuperável que manchou uma ordem social amazônica tradicional e benigna, a não ser que normativamente se defenda o ‘congelamento’ da pacata SFX de antanho.

Quero agora comentar os achados de pesquisa de Schmink e Wood, em face das insuficiências da sua perspectiva analítica enviesada e da sua conclusão altamente discutível. Muitos achados apontam para melhoras, ou para mudanças ‘desejadas’ pelos atores entrevistados. Por exemplo, é questionável que o empobrecimento da dieta possa ser revertido com auto-abastecimento, especialmente se for levada em conta a baixíssima produtividade da agricultura tradicional. Além do mais, como garantir que alguém vá se nutrir melhor porque produz a própria comida em vez de comprá-la? A pessoa que planta a sua própria comida pode acabar apenas trabalhando mais para obter uma nutrição equivalente, ou até inferior. Nutrição, produção de alimentos e consumo de alimentos são três fatos distintos. Nesse sentido, sair do sistema de aviamento e ingressar no emprego autônomo ou assalariado foi uma melhoria nada desprezível, que deu a muitas pessoas condições de comprar os alimentos mais variados, mais abundantes e mais baratos que a estrada permitiu chegarem a SFX.

O fato distinto, apontado pelos autores, de as pessoas ingerirem uma variedade menor de alimentos do que a variedade efetivamente disponível, em vez de ser um indicador de precariedade alimentar, pode ser constatado em qualquer família de cidades grandes e médias, mesmo de países desenvolvidos. Dada a possibilidade de escolher entre alimentos mais variados, a escolha dos consumidores não recai necessariamente sobre os alimentos mais nutritivos, nem sobre a totalidade dos alimentos disponíveis. Essa questão nada tem a ver com a Amazônia em especial. Da mesma forma, o fato de menos pessoas adotarem uma "tradicional dieta amazônica", também registrado pelos autores como tendência deletéria, é na verdade coerente com o achado de que a maioria das pessoas novas na cidade não era da Amazônia. Assim, seria de se esperar que ao menos tentassem manter as suas dietas antigas. Aliás, os autores teriam que provar que as dietas locais são mesmo mais nutritivas do que as dos migrantes, mas não fazem isso.

Quando a malária é citada sombriamente como uma doença em expansão em SFX, é difícil esquecer que ela não apenas ocorria lá antes da estrada, como se tornou endêmica há décadas em quase toda Amazônia e outras áreas florestais do Brasil, independentemente da abertura de estradas. Das três outras doenças citadas pelos entrevistados, duas — vermes e disenteria — são endêmicas em quase todo Brasil e a outra, sarampo, é uma doença infantil comum aqui e até em países desenvolvidos, e nada têm a ver com estradas novas e migrações recentes. É quase supérfluo destacar que os defeitos permanentes citados — cegueira, retardamento mental, surdez e paralisia — também não são amazônicos, nem se ligam a obras rodoviárias e migrações, e sequer têm relação com mudanças sociais aceleradas.

Há lacunas analíticas sérias também na abordagem da questão fundiária. Mesmo que muitos não tenham alcançado a propriedade de lotes de terra, a razoável proporção de pessoas que têm um e até dois lotes tinha que ser listada pelos autores como uma variável ‘crucial’ , indicando melhora das condições de vida, pois a aquisição de terra era o objetivo ‘principal’ de quase todos os migrantes. No entanto, os autores preferem destacar as dificuldades com a titulação da terra, as quais afetam inclusive os donos de grandes parcelas. Outros indicadores de satisfação dos entrevistados foram analiticamente menosprezados: 50% tinham casa própria; a maioria preferia viver em SFX do que em seu lugar anterior de moradia; 75% pretendiam continuar a viver em SFX; as casas melhoraram de qualidade; os serviços médicos se expandiram.

Eu poderia expor outras contradições, lacunas e tendenciosidades, mas paro aqui. O livro de Schmink e Wood baseia-se em pesquisa sólida e original, combina muito bem diferentes escalas geográficas de análise e evita generalizações sem fundamentos. No entanto, algumas de suas principais conclusões são minadas pela falta de percepção da instabilidade potencial representada pelo isolamento de SFX. Isso revela um viés dos autores contra a mudança social em comunidades amazônicas tradicionais. Esse viés os faz ignorar a suscetibilidade dessas comunidades à mudança, em grande parte causada pelas novas e mais intensas formas de uso dos recursos naturais, quando finda o seu isolamento decenal. Confundindo o isolamento das comunidades amazônicas com ‘tradicionalidade’, e considerando-a equivocadamente um fator que favorece a continuidade da tradição, os autores não conseguem lida r serenamente com as mudanças produzidas pela quebra do isolamento, e exageram as mazelas decorrentes.

Vejamos agora um texto de Anthony Hall, professor da London School of Economics. Ele produziu outro estudo extenso e bem pesquisado sobre um grande projeto amazônico, o Programa Grande Carajás (PGC), intitulado Amazônia: desenvolvimento para quem? — desmatamento e conflito social no Programa Grande Carajás. Tal como Brito e Schmink e Wood, Hall (1991) lida com as relações entre a exploração de recursos naturais (minérios, solos agrícolas, água, florestas, carvão vegetal etc.) e o desenvolvimento, no âmbito de investimentos intensivos de capital feitos em regiões ‘tradicionais’ da Amazônia. O autor não estuda, no entanto, uma pequena comunidade isolada como SFX, e sim uma região maior e sujeita a mudanças e conflitos anteriores ao grande projeto. É difícil, portanto, isolar os fatores explicativos, tal como Schmink e Wood tentaram fazer com a sua ‘experiência natural’. Como indica o subtítulo, Hall também se propõe a identificar os beneficiários das mudanças sociais e ambientais.

A abordagem de Hall é a da sociologia política, tratando extensamente do papel do Estado nacional num cenário de muitas classes e grupos sociais com interesses complementares ou conflitivos: caboclos, migrantes rurais recentes, indígenas, investidores estrangeiros, fazendeiros de gado, empreiteiras, mineradoras, garimpeiros. O autor mostra como planejadores e burocratas do governo tomaram decisões que favoreceram alguns grupos e projetos, revelando casos evidentes de viés de classe em decisões supostamente técnicas. A profundidade da análise é exigida pela complexidade do cenário do projeto, que contrasta com as situações típicas dos recantos mais remotos da Amazônia, nos quais os interesses locais se limitam aos primeiros dois sistemas adotados por Haller et al. (1992) e, em princípio, são mais facilmente atropelados ou cooptados pelas forças sociais correspondentes ao terceiro sistema. O PGC é o mais complexo dos grandes projetos amazônicos e Hall o aborda com instrumentos analíticos adequados a essa complexidade.

Hall pesquisou numa época em que a questão da preservação da biodiversidade das matas amazônicas já se tornara importante e deu ênfase à questão ambiental do desmatamento, de fato grave numa região onde em poucos anos foram implantadas uma enorme hidrelétrica, operações mineradoras de grande escala, uma ferrovia, fazendas de gado e usinas metalúrgicas consumidoras de carvão vegetal.

Tal como Schmink e Wood, Hall tem o cuidado de evitar generalizações macrorregionais sem fundamentos e tenta não singularizar certas mazelas como especificamente amazônicas. Na p. 13, por exemplo, ele adverte que

as grandes forças que empurram os imigrantes pobres e atraem investimentos especulativos para a Amazônia têm as suas raízes na própria estrutura da economia e da sociedade brasileira. Concentração da propriedade fundiária, escassez de terras e pobreza ainda alimentam a migração dos pequenos agricultores para a fronteira amazônica, ao mesmo tempo que a inflação descontrolada transforma a especulação com terras numa atividade financeiramente atraente.

Assim, ele lida com a realidade da economia brasileira em expansão, encarando o isolamento de algumas comunidades amazônicas como fato contingencial, perecível, e não como um talismã protetor.

No entanto, mais adiante, na p. 14, Hall diz: "A experiência do Programa Grande Carajás tem pelo menos uma virtude redentora: a de ter fornecido uma saudável, se bem que cara, lição aos formuladores de políticas sobre os perigos iminentes de qualquer abordagem do desenvolvimento regional, que seja míope, estritamente setorial e que ignore as repercussões sociais e ecológicas mais amplas."

Ao mesmo tempo que considera os problemas do PGC enraizados na sociedade e economia brasileiras como um todo, Hall tem a esperança de que eles possam ser evitados se certas decisões forem tomadas. Assim, o ideal de uma ocupação ‘ordeira’ da fronteira amazônica ainda se insinua no horizonte de sua perspectiva, fazendo com que ele também enfatize excessivamente as mazelas da mudança social.

A sua expectativa de ordem aparece já em algumas passagens do capítulo 1, em que revê recentes políticas de desenvolvimento regional na Amazônia. Hall registra (p. 25), como fato alarmante, que a rodovia Belém—Brasília, completada em 1960, atraíra, até 1970, 174 mil migrantes. Isso é colocado como se fosse um absurdo que estradas atraiam pessoas, e como se uma média anual de apenas 17 mil pessoas estabelecidas ao longo de mais de 1.500 quilômetros de estrada fosse uma migração torrencial. Ora, a população brasileira estava em 1960 entre as duas ou três que mais cresciam no mundo, e em 1970 havia mais de noventa milhões de brasileiros. As cifras não combinam com o alarmismo e, além do mais, em qualquer parte do mundo estradas são feitas para atrair pessoas.

Na p. 29, encontramos a primeira das muitas exigências de que o Estado nacional brasileiro garanta ordem na fronteira amazônica, especificamente através do estabelecimento de comunidades de pequenos proprietários, fato que Hall reconhece não ter ocorrido no restante do país. Episódios de lobbying de grandes empreiteiras são mostrados como especialmente malignos (p. 33). O fracasso de projetos de colonização ao longo da rodovia Transamazônica é diligentemente recitado (p. 35). A opção pública do governo federal, depois de 1975, por empreendimentos de grande escala e/ou intensivos de capital é discutida (pp. 37-52) como um condenável abandono de compromissos anteriores com projetos intensivos de mão-de-obra. As fazendas de gado são corretamente apresentadas como grandes agentes de desmatamento e criadoras de poucos empregos. Apesar da ênfase nesses fracassos supostamente ‘endêmicos’ à Amazônia, o capítulo 1 funciona bem como um contexto histórico, social, econômico e institucional das políticas desenvolvimentistas expressas no PGC.

O capítulo 2 descreve as linhas gerais do PGC, dando idéia precisa da sua enorme escala e de suas potencialidades, já que a sua área cobre 900.000km2, mais de 10% do território nacional e mais do que a soma dos territórios da França e da Grã-Bretanha, permitindo assim que o leitor entenda a diversidade das situações dentro da sua enorme área de estudo. Na p. 61, Hall dá uma idéia da complexidade das próprias motivações do projeto:

necessidade de gerar divisas para pagar os serviços crescentes da dívida externa do país; frustração com a incapacidade dos projetos pecuários amazônicos de gerar receitas; a decisão do Estado de rejeitar o modelo de ‘colonização social’ — assentamento de pequenos proprietários na fronteira — em favor da agroindústria e da mineração; a pressão da Companhia Vale do Rio Doce de transferir a produção de ferro e aço de Minas Gerais, onde as florestas tinham sido dizimadas, para a Amazônia; a tendência de maior centralização do planejamento em Brasília; e, finalmente, a pressão das companhias transnacionais e dos governos estrangeiros no sentido de subordinar o desenvolvimento regional do Brasil às necessidades de suas próprias companhias e economias nacionais.

Esse me parece um conjunto excessivamente complexo de variáveis (que ainda interagem com outras, como os conflitos fundiários, talvez o assunto principal do texto) para ser tratado em um estudo de caso. Na verdade, o livro é mais bem qualificado como um abrangente estudo de desenvolvimento regional amazônico num contexto internacional do que como o estudo de caso de um projeto específico.

Vale a pena destacar que Hall cita diversas vezes a justificativa oficial de que minérios, madeira, carne e outros recursos naturais extraídos do perímetro do PGC ajudariam a pagar a enorme dívida externa brasileira e a adquirir insumos desenvolvimentistas. É intrigante que o autor não critique isso de forma mais detalhada, pois sabe que tais esperanças e alegações têm base econômica muito frágil, dada a tendência decenal de queda dos preços relativos de matérias-primas e bens agrícolas no mercado mundial. Essa é uma oportunidade autêntica de crítica desperdiçada por Hall.

No mesmo capítulo 2, o autor descreve o perfil operacional da mineração de ferro em Carajás, enfatizando a sua modernidade tecnológica e os baixos custos, à época, os menores do mundo. A ferrovia de quase 900km que liga o coração do projeto ao litoral do Maranhão também é descrita como uma obra importante, que inclusive melhorou a mobilidade de cargas e de pessoas da região, especialmente na estação mais chuvosa. Esse reconhecimento do valor da tecnologia moderna é raro nos estudos sobre o desenvolvimento da Amazônia, os quais em geral preferem destacar os seus fracassos e/ou exaltar as tecnologias ‘apropriadas’ locais cuja produtividade é, em geral, baixíssima. Ao destacar o uso da ferrovia pelos locais, Hall também mostra, implicitamente, que o isolamento das comunidades amazônicas não é uma virtude, sequer uma vantagem. O capítulo 2 destaca ainda as múltiplas facetas do PGC: pequenas usinas de ferro-gusa, as grandes usinas Alunorte e Alumar, a usina hidrelétrica de Tucuruí, fazendas de gado, áreas de colonização, fabricação de carvão vegetal, plantio de árvores para fins comerciais, mostrando os elos do projeto com os variados recursos naturais da região. O desmatamento, com as suas conseqüências ambientais — um dos temas centrais do livro —, que de fato ocorreu em massa em torno dos vários empreendimentos listados, foi causado em boa parte em virtude das atividades especulativas induzidas pelos grandes investimentos produtivos e de infra-estrutura feitos no perímetro do projeto.

Hall destaca que apenas 17% de todas as terras agrícolas distribuídas dentro do PGC foram para pequenos proprietários, uma proporção que contrariou os planos governamentais e as recomendações de consultores estrangeiros, que consideravam importante aumentar a produção local de comida. O próprio Hall nos lembra (p. 93) que isso não é surpreendente: "Dar a prioridade mais baixa aos interesses de pequenos fazendeiros é inteiramente coerente com a formulação de políticas de desenvolvimento, não apenas na Amazônia, mas em todas regiões brasileiras." Ele mostra também que a configuração dos solos em muitas áreas do PGC não é apropriada para os cultivos permanentes preferidos pelos gerentes do programa. De outro lado, o seu otimismo com as perspectivas dos cultivos ‘tradicionais’ dos pequenos fazendeiros me parece excessivo, principalmente se se levar em conta que muitos deles não são da região e sequer os praticam. De toda forma, Hall conclui convincentemente (p. 93) que "vários componentes do Programa Grande Carajás são claramente discriminatórios contra os camponeses", pois o PGC não os trata como um grupo de interesse legítimo e na verdade enfraquece a sua posição já periclitante.

Hall menciona estudos que indicam que as usinas de ferro-gusa planejadas só seriam rentáveis se usassem carvão vegetal retirado de florestas nativas. Essa é uma avaliação correta e oportuna de um importante elo entre recursos naturais e as perspectivas de desenvolvimento, ainda mais porque a poderosa Companhia Vale do Rio Doce admitia isso abertamente. O que Hall considera uma destruição inútil de florestas nativas (e eu concordo com ele) era para os diretores da companhia mineradora estatal a busca de uma margem competitiva através do uso de um insumo natural ‘gratuito’.

No capítulo 3, Hall identifica a fome (e a perda de segurança alimentar) como uma das principais resultantes do PGC para as populações locais. Como esse mesmo achado surgiu na pesquisa de Schmink e Wood, examinemos as evidências e os argumentos de Hall. O autor afirma que o "acesso aos alimentos foi sem dúvida afetado negativamente, já que os pequenos produtores foram expulsos dos empreendimentos de grande escala, comerciais e especulativos" (p. 42). Mas esse cenário, recorrente na literatura, é logo qualificado por Hall, que admite haver, sim, dúvidas. Não há prova direta de que tenha havido concentração de renda agrícola na área do projeto. Ele menciona pesquisas parciais que indicam a queda da participação dos fazendeiros mais pobres na renda agrícola, entre 1970 e 1980 — período pouco influenciado pelo PGC, que começou em 1980. No entanto, não se pode inferir disso uma tendência de deterioração, pois nada se diz sobre o crescimento da renda total. Embora a ‘participação’ possa ter caído, o ‘volume’ de renda dos fazendeiros pobres pode ter crescido.

Hall cita (p. 142) como outra evidência do declínio da produção agrícola local (e possivelmente das dietas locais) o fato de que as cidades amazônicas servidas por estradas estavam pagando preços altos por parcelas (não definidas) de seus suprimentos alimentares, transportados do Sudeste. Na verdade, a importação de alimentos do Sudeste e até do exterior é um traço corriqueiro da vida regional. Importações são registradas pelo menos desde o início do ciclo da borracha, há quase 150 anos. Não é um fato novo que o custo de vida nas cidades amazônicas seja mais caro do que no resto do Brasil. Comida importada e carestia não resultam dos grandes projetos recentes. Ademais, o fato de o alimento vir de longe não significa que haja menos alimento disponível, nem que as pessoas estejam consumindo menos alimentos. Esses são três fatos distintos cuja relação tem que ser mostrada, e não invocada. O declínio, registrado pelo autor, na produção comercial de alimentos amazônicos tradicionais acompanha o aumento da proporção de não-amazônides na população, correlação que, como vimos, parece ter ocorrido também em SFX. Assim, esse declínio não significa necessariamente fome ou empobrecimento da dieta, sendo provável que indique o crescimento da demanda por alimentos não-regionais importados de grandes distâncias e, por isso, caros.4 4 Um caso mais convincente relatado por Hall, com escassos detalhes, é o das 65 mil pessoas "despejadas à força" de suas terras, aparentemente sem qualquer compensação, em torno da hidrelétrica de Tucuruí (PA) e do porto de Itaqui (MA). Eis dois casos relevantes a serem estudados para verificar se as vidas das pessoas deslocadas melhoraram ou pioraram.

Para o estado do Pará como um todo, no entanto, Hall cita dados que na verdade mostram um forte crescimento da produção de alimentos básicos — juntamente com a expansão de culturas comerciais de café, cacau, banana e pimenta-do-reino, as quais o autor constantemente critica como agentes do deslocamento dos pequenos produtores e, conseqüentemente, de sua fome. Hall reconhece (p. 143) que "não há dados desagregados relativos à Amazônia que permitam uma análise profunda da distribuição espacial da falta de nutrição nas áreas rurais da região". O autor menciona uma pesquisa nacional que concluiu pela ocorrência de um déficit calórico de 15% em áreas de fronteira não-especificadas da Amazônia. No entanto, acrescenta que as áreas rurais da Amazônia não foram incluídas nessa pesquisa, o que elimina as populações rurais com as quais ele se preocupa. Ele ao menos lembra que no Brasil a fome urbana tende a ser pior que a fome rural. Hall passa então a comentar (pp. 144-5) estudos sobre a fome rural em países da África e da Ásia, nos quais a produção comercial competia com a agricultura tradicional de subsistência, mas admite que não há estudos similares sobre a Amazônia. Essas analogias, no entanto, não servem como demonstração.

Num estudo tão bem documentado, essa discussão sobre a fome como possível conseqüência do PGC se baseia apenas em impressões e evidências indiretas. É claro que o deslocamento de tantas pessoas e a chegada de tantas outras criaram problemas sérios ou mesmo piores que a fome. No entanto, Hall, nesse caso, apela para uma crítica genérica de processos anômicos, numa tentativa de convencer o leitor de que não houve qualquer melhora, ou de que o PGC significou simplesmente o caos.

No seu capítulo conclusivo — sugestivamente intitulado ‘Carajás: desenvolvimento para quem?’ —, Hall começa afirmando (p. 244) que "é altamente duvidoso que o projeto (Carajás) tenha melhorado os níveis de vida de cinco milhões de habitantes rurais que atualmente habitam um décimo do território brasileiro por ele afetado". Os achados posteriores de Hall et alii (1996) o desmentem redondamente. Mais surpreendente, no entanto, do ponto de vista metodológico, é que Hall considere possível afirmar que os efeitos de um único projeto sejam capazes de explicar por si sós a piora (ou a melhora) das condições de vida de tantas pessoas, disseminadas por uma área tão grande. Numa situação tão complexa, não parece prudente desprezar outras variáveis explicativas fora do âmbito do PGC.

Hall usa o resto do capítulo conclusivo para resumir as provas de falta de melhora e de caos na área do PGC. Bate na tecla dos pequenos fazendeiros deslocados e na dos migrantes sem terra, uma mazela inegável, mas que sabe não ser específica da Amazônia. Apresenta ainda quatro outros indicadores de piora: crescimento da violência, novos modelos de posse de terra e de emprego, a falta de segurança alimentar e a destruição ecológica. Vamos examiná-los um a um. Hall mostra que os assassinatos ou as mortes violentas de camponeses e as invasões de terras indígenas aumentaram muito em números absolutos durante a década de 1980. O autor faz questão de não apresentar os camponeses como vítimas passivas, enfatizando que muitos atos de violência foram propiciados também pela sua resistência crescente ao ‘fechamento’ da fronteira. Essas violências são ignominiosas, mas dificilmente podem ser consideradas típicas da área do PGC, ou mesmo da Amazônia.

A mera escala dos investimentos do PGC provocou o segundo tipo de mazela. Hall sustenta que o preço da terra subiu e mudou toda a estrutura de posse e controle da terra de maneira a prejudicar os pequenos fazendeiros. Embora o pesquisador não apresente dados específicos, essa mudança é evidente (e similar à que ocorreu em SFX), mas fica difícil imaginar como poderia ser evitada, a não ser que os investimentos não fossem feitos e o status quo anterior persistisse. A matéria é espinhosa, pois qualquer obra urbana pública ou particular, por exemplo, aumenta o valor imobiliário de alguns bairros e diminui o de outros, e ninguém em sã consciência propõe que isso seja motivo para interromper os investimentos. Mesmo que o governo federal tivesse gasto muitos recursos com outro objetivo — digamos, o assentamento de dezenas de milhares de rurícolas pobres em terras ‘vazias’ —, esse investimento também aumentaria o valor da terra e desencadearia efeitos secundários de todos os tipos, fora do controle de qualquer ator específico. Não é razoável supor que, entre os hipotéticos, prejudicados estaria uma ‘segunda onda’ de migrantes sem terras, atraídos pelo investimento inicial, e que agora teriam que pagar mais pela terra? Será possível negar que os pequenos proprietários também são beneficiados pelo aumento especulativo dos preços de suas terras? Assim, dado qualquer grande investimento público e privado numa área de fronteira, não vejo como os preços, usos e controles da terra possam permanecer inalterados.5 5 Para dar uma idéia do tamanho da literatura em questão, e de como ela continua a crescer, listo a seguir outros títulos de livros e algumas poucas teses recentes (escritos aproximadamente nos últimos vinte anos) que estudam as relações entre a sociedade, a natureza e o desenvolvimento na Amazônia brasileira. Muitos títulos são coletâneas que reúnem artigos de numerosos autores. A lista está longe de ser exaustiva. Excluí livros que tratam apenas da Amazônia não-brasileira, dos quais há também um bom número; artigos de revistas científicas e publicações sem circulação comercial; um bom número de títulos referentes apenas a aspectos da natureza e da ecologia amazônicas; livros de autores institucionais (PNUD, ONU, Sudam etc.); e muitas teses recentes. Alguns dos títulos não se enquadram nas três subcategorias mencionadas no início do ensaio, mas todos são focalizados em questões sociais, econômicas ou culturais. Por último, devo lembrar que não fiz um levantamento específico da produção dos três principais centros brasileiros de estudos sobre a Amazônia: o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Universidade Federal do Pará), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi. Informações sobre suas linhas de pesquisa, suas equipes e sua produção científica podem ser encontradas nas suas home pages, respectivamente, < www.naea.ufpa.br>, < www.inpa.gov.br> e < www.museu-goeldi.br>. Com essas qualificações, eis a relação complementar de títulos pertinentes: Almeida, 1996; Almeida Jr., 1986; Alton et alii, 1999; Anderson, 1999; Léna et al., s. d.; Aragon, 1991; Arnt, 1994; Barbira-Scazzocchio, 1980; Barham et al., 1994; Becker et al., 1990; Becker, 1982; Bolonha, 1992; Brito, 1990; Browder et al., 1997; Browder, 1989; Cardoso et al., 1987; Castro et al., 1989; Castro, 1998; Cleary, 1990; Conceição, 1996; Costa, 1989, 1995; Costa, 1992; Cummings, 1990; Dean, 1987; Eden, 1990; Faminov, 1998; Filocreão, 1992; Foresta, 1991; Goodman et al., 1990; Goulding et al., 1995; Goulding, 1981; Hall, 1998; Hames et al., 1983; Hardman, 1988; Hébette, 1991; Hébette et al., 1979; Hecht et al., 1989; Hemming 1987; Hemming, 1985; Homma, 1989; Jordan, 1990, 1987; Keck, 1991; Kohlhepp et al., 1987; Lobo, 1996; Machado, 1989; MacMillan, 1995; Mathis et al., 1997; Moran, 1993, 1990, 1983, 1976; Mougeot, 1990; Neves, 1989; Nugent, 1995; Oliveira, 1988, 1987; Oliveira, 1992; Padoch, 1999; Pandolfo, 1994; Parker 1985; Pavan, 1996; Pinto, 1986; Pontes, 1997; Posey et al., 1997; Posey et al., 1989; Procópio, 1992; Rattner et al., 1987; Redford et al., 1982; Revkin, 1990; Ribeiro, 1990; Robinson, 1997; Sachs, 1991; Salati, 1983; Santos, 1981; Santos, 1980; Sautchuk, 1980; Schmink et al., 1984; Schubart, 1991; Skillings et al., 1979; Smith, 1999, 1982, 1981; Sponsel, 1995; Stone, 1985; Teixeira, 1996; Tresse, 1987; Val et alii, 1991; Valverde, 1989; Valverde et al., 1980; Velho, 1981, 1976; Vergolino, 1985; Wesche et al., 1990.

A fraqueza dos dados e dos argumentos de Hall sobre fome e empobrecimento da dieta já foi discutida. Os dados sobre o último indicador de disrupção — destruição ambiental, via desflorestamento — são impressionantes e inegáveis. Os efeitos ambientais conexos citados por Hall — compactação do solo, assoreamento de rios e reservatórios, degradação de pastos, poluição atmosférica, mudança climática etc. — aparecem constantemente na literatura. Concordo com Hall que boa parte dos subprojetos do PGC parece insustentável, embora subsídios diversos possam permitir que eles continuem a ser rentáveis para proprietários, gerentes, empregados e comunidades que recebem salários, lucros, dividendos, impostos e royalties. No entanto, Hall mostra que um volume enorme de externalidades vem sendo despejado no ambiente natural da área do PGC. O tempo dirá se esses usos imprudentes dos capitais naturais ‘gratuitos’ formarão um capital social permanente. É provável que não.

Hall sustenta que há "opções desenvolvimentistas mais sustentáveis que permitiriam à região gerar meios de subsistência mais estáveis para a enorme e persistente população de pequenos fazendeiros", grupo social que, segundo ele, foi "ignorado" pelo governo. O autor conclui o livro apresentando uma estratégia geral de reorientação do PGC em favor dos pequenos fazendeiros e dos pobres rurais e urbanos da área do programa (pp. 268-79). Ele acredita na sustentabilidade da agricultura de pequena escala (de subsistência e comercial) do manejo agroflorestal e das atividades ‘nativas’ intensivas de mão-de-obra, excluídas do PGC "por causa da simples ignorância dos planejadores sobre o enorme potencial oferecido pelos métodos mais nativos, localmente adaptados, para alcançar progresso social e econômico". Sua confiança na tecnologia ‘apropriada’ dos amazônides mais pobres é excessiva, especialmente em face da crescente evidência da inadequação dos solos de terra firme para a agricultura de pequenos produtores destituídos de capital.

Na verdade, seu otimismo mais parece um conservadorismo, pois ele propõe deixar como estão as pessoas, terras e recursos da Amazônia. Hall não considera legítimo tentar mudar os padrões de vida dos amazônides através da ampliação da divisão do trabalho, da incorporação de tecnologias modernas, ou da produção para o mercado. Sua meta é a formação de uma economia de pequena escala de fazendeiros-extratores, com ênfase na horticultura, produção de subsistência e no manejo agroflorestal, ou seja, uma sociedade ‘pós-extrativa’ (o termo é meu), com uma economia intensiva de recursos naturais e de mão-de-obra, cujas perspectivas considero muito limitadas. Hall não se ocupa de especular sobre o fato de essa sociedade pós-extrativa ser construída e mantida no contexto de uma fronteira invadida por mecanismos agrícolas, industriais e pós-industriais desencadeados pela economia nacional em expansão. A segregação da Amazônia, embora não sugerida por Hall, é a única resposta lógica, mas beira a utopia. Além do mais, vimos que isolamento não garante a ‘tradição’, mais facilmente a dissolve.

O último livro a ser resenhado é o de Paulo Choji Kitamura, intitulado Desenvolvimento sustentável: uma abordagem para as questões ambientais da Amazônia. O autor é brasileiro, pesquisador da Embrapa, e o texto é baseado na sua tese de doutoramento em economia, defendida na Unicamp. Esse é um dos poucos livros acadêmicos publicados originalmente em português sobre o assunto, e talvez o primeiro a aplicar o conceito de desenvolvimento sustentável especificamente à Amazônia. Focalizado na região como um todo, o texto trata de muitos temas, processos e fatos com bom embasamento de pesquisa, evitando superficialidades, mostrando equilíbrio e serenidade para analisar muitas situações complexas da turbulenta fronteira amazônica. O veio central do texto é a relação entre o desenvolvimento socioeconômico e as suas bases ecológicas. Kitamura busca atores, tecnologias e instituições coerentes com modalidades sustentáveis de desenvolvimento regional, os quais, ao contrário dos ciclos extrativos crônicos da região, garantam bem-estar continuado à população.

Embora crítico a todas as formas de desperdício e destruição de recursos, no início do livro (p. 32), Kitamura não deixa de explicitar a delicada questão sobre a proteção da biodiversidade amazônica, criar limites estreitos ao desenvolvimento, mesmo que sustentável. Mesmo que a conversão dos ecossistemas amazônicos em sistemas produtivos seja feita em bases sustentáveis e racionais, e apenas com o fim de sustentar as populações locais, Kitamura lembra que ainda assim as mudanças ecológicas serão muitas e profundas. Afinal de contas, o desenvolvimento sustentável amazônico, para pelo menos fazer jus a essa designação, significará uma ampliação das pautas de consumo e produção dos 12% dos brasileiros que hoje vivem na região, e não a sua redução. Ou seja, o desenvolvimento sustentável de uma população pobre aumenta — em vez de diminuir — a sua demanda agregada por recursos naturais.

Kitamura lembra argutamente que o valor da biodiversidade das matas tropicais úmidas não está embutido nos sistemas de preços e que, por isso, os países que têm mais biodiversidade em seus territórios não recebem compensações de mercado para preservá-la, ou mesmo para usá-la de forma prudente. Por outro lado, esses mesmos países ganham alguma coisa — ou pensam que ganham — quando usam as matas para fins produtivos, mesmo que destrutivos e efêmeros. Kitamura sabe que um ‘congelamento’ da atividade econômica na Amazônia como um todo, em benefício da biodiversidade, é tão absurdo quanto impossível. Em escala mundial, a dificuldade é ainda maior, pois dezenas de milhões de pessoas vivem nas matas tropicais úmidas de quase quarenta países e, além do mais, muitos dos seus produtos se destinam aos países desenvolvidos.

Kitamura introduz uma discussão particularmente feliz quando lembra que o uso racional de todas as terras amazônicas sob propriedade privada (22% da Amazônia Legal em 1985) seria mais do que suficiente "para servir a qualquer estratégia (regional) de desenvolvimento sustentável, incluindo sistemas (produtivos) que exigem a conversão da cobertura florística original" (p. 34). Isso dá uma idéia do quão distante está a região de uma condição natural ‘intocada’, e esvazia posições ‘fundamentalistas’ a favor do esvaziamento demográfico da região em prol da defesa da biodiversidade. Mais importante, Kitamura mostra que não existe necessidade premente de empurrar as frentes de ocupação para além dos seus limites atuais. Isso contradiz as argumentações das lideranças políticas regionais e locais e das forças que os apóiam no sentido de pedir enfaticamente apoio a empreendimentos que façam avançar ainda mais a fronteira, para "pagar a dívida externa", ou "produzir mais comida". Tecnologias adequadas, segundo Kitamura, podem fazer com que essa imensa quantidade de terras já apropriadas produza comida e matérias-primas em quantidade e variedade suficientes para embasar o desenvolvimento da região. Assim, Kitamura defende a ‘intensificação’ do uso das terras apropriadas, a partir de tecnologias mais modernas, em contraposição ao congelamento dos usos extensivos, defendido por Hall, Schmink e Wood.

Kitamura está mais próximo de Hall quando destaca as profundas "desigualdades no acesso e no uso dos recursos naturais da Amazônia" (p. 35), resultantes de políticas e investimentos que favorecem grandes propriedades e empreendimentos. O autor lista os fracassos habitualmente assinalados na literatura (novas estradas, projetos de colonização, fazendas de gado etc.), os quais enchem o mapa da região com focos de conflitos sociais causados pelas grandes quantidades de migrantes sem acesso aos recursos naturais que eles imaginavam estar ao alcance da mão. Essa parece ser, de fato, uma característica comum aos empreendimentos fracassados na região.

Kitamura (pp. 43-8) examina outro aspecto muito criticado dos empreendimentos fronteiriços na região: incentivos fiscais e outras formas de subsídio dados a grandes empresas. Muitos empresários grandes e médios criaram empresas na região, usaram pouco capital próprio e reinvestiram localmente pouco do que ganharam. As terras de fazendas de gado, por exemplo, valorizaram-se, mas as fazendas geraram poucos impostos capazes de construir e manter serviços governamentais básicos para o conjunto da população, transferindo para ela mais um encargo na ocupação da fronteira. Essa dupla ‘evasão fiscal’ é um fato que merece ser estudado de perto, em empreendimentos singulares e com dados precisos, pois configura um desperdício sistemático de recursos fiscais, que por sua vez estimula usos insustentáveis de recursos naturais.

Como Schmink e Wood, Kitamura (p. 48 e ss.) destaca que vários ‘grandes projetos’ funcionam como ‘enclaves’, embora não entre no mérito do conceito nem estude a fundo qualquer um deles. Embora critique esses empreendimentos por trazerem poucos benefícios para as populações locais e por despejar nelas seus custos sociais e ambientais, não cita pesquisas que ilustrem ou demonstrem isso. Nesse particular, Brito é mais equilibrado do que Kitamura, Schmink e Wood, e Hall, pois reconhece que esses projetos, apesar de alguns efeitos deletérios, acabam atendendo expectativas e interesses de pelo menos uma parte da população local.

Kitamura (p. 53) ilustra as dificuldades de acesso às terras amazônicas ao mostrar e discutir os elevados índices de GINI referente à distribuição da propriedade fundiária de todos os estados da Amazônia, com base em dados de 1985. As cifras dos estados amazônicos são as mais altas do Brasil. Esses dados ainda surpreendem e confundem muitos observadores da cena amazônica, e por isso deve ser lembrado que eles se referem apenas às terras tituladas e registradas. Cada estado amazônico tem extensões de terras públicas, geralmente remotas, as quais podem contribuir para melhorar ou agravar a concentração fundiária, de acordo com a adoção de políticas fundiárias mais ou menos democráticas, e também de acordo com a disposição de migrantes de outras regiões de residir na Amazônia, a qual parece ter diminuído ao longo dos últimos vinte anos. Contrastando com Hall, Kitamura parece-me estar mais perto da verdade quando adverte (p. 54) que as pequenas propriedades — em 1985, 50% das propriedades rurais da Amazônia tinham menos de dez hectares —, especialmente quando trabalhadas por migrantes de outras regiões, têm se revelado não-sustentáveis, mesmo para a agricultura de subsistência. Assim, não se pode tomar como dada a sustentabilidade dos pequenos fazendeiros amazônicos, a qual depende de fatores complexos como tecnologia, configuração de solos, acesso a mercados, segurança fundiária e estabilidade.

Um ângulo distinto e altamente pertinente da dificuldade de acesso aos recursos naturais amazônicos é colocado de forma instigante por Kitamura (pp. 57-60). O autor mostra que as permissões de prospecção e lavra mineral decretadas para a Amazônia se tornaram instrumentos de especulação e uma maneira legal de restringir a instalação de pequenos fazendeiros. Em 1986, 28% do subsolo da Amazônia Legal estavam alocados a companhias de mineração ou garimpeiros na forma de permissões de prospecção e lavra. Essa imensa porção da Amazônia corresponde à soma de 23.973 perímetros individuais e a 82% de todas as áreas permitidas. Desses 23.973 perímetros, 81% (correspondendo a 97% da área total concedida), estavam reservados a empresas, e o restante a garimpeiros. O Amapá, que em 1986 tinha nada menos que 57% do seu território ‘bloqueado’ por permissões de prospecção ou lavra, era o campeão regional na matéria.

Kitamura está certo quando afirma que essas permissões funcionam como uma barreira legal efetiva contra a entrada de pequenos fazendeiros, e que uma grande parte (talvez a maioria) das permissões não significa que as áreas estejam produzindo ou sequer sendo estudadas. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) concede prazos longos para que os estudos sejam completados). O autor mostra, com razão, que muitas companhias solicitam uma permissão, ‘sentam’ em cima da área por vários anos sem fazer prospecção, para depois protestar quando da eventual invasão de mineradores ilegais ou fazendeiros. Kitamura não esclarece, no entanto, que esse tipo de barreira — mesmo absurda do ponto de vista de distribuição e acesso aos recursos — não é uma aberração, e sim uma conseqüência previsível da legislação brasileira de mineração. A questão é complexa, e envolve o entendimento de soluções institucionais que remontam à década de 1930. As permissões são emitidas por um único órgão (o DNPM) e uma de suas intenções é precisamente garantir que as empresas de mineração obtenham retornos dos seus investimentos. A legislação brasileira separa a propriedade da terra da propriedade do subsolo e, coerentemente, busca garantir que o minerador possa atuar sem entrar em conflito com agricultores e pecuaristas que usam os solos que cobrem os minérios. Se uma companhia mineradora não tiver a garantia de minerar sem conflitos com outros atores, ela tenderá a não investir.

Complementarmente, Kitamura não destaca que as empresas privadas têm sido a regra na mineração brasileira, em todo país, e que a sua prevalência na Amazônia contemporânea não é excepcional nem surpreendente. Igualmente, não fica claro na discussão de Kitamura que as empresas minerais não têm direitos legais expressos sobre solos, águas, florestas e outros recursos (sequer a outros minérios além dos que se propuseram a pesquisar ou lavrar) nos perímetros de mineração e lavra, embora a fraqueza institucional dos órgãos de política agrícola e florestal e do próprio DNPM os impeça de controlar, especialmente em regiões remotas, a extrapolação ilegal dos direitos estritamente minerais. Outro fato que não surpreende nos dados apresentados por Kitamura é a pequena parcela de terras concedidas para a mineração na forma de garimpo. Em primeiro lugar, o garimpo é definido pelo seu caráter artesanal, não-mecanizado, o que o impede de minerar grandes extensões, e em segundo lugar, os garimpeiros em geral só solicitam permissões para minerar ouro, prata e pedras preciosas, bens por definição escassos e de ocorrência altamente localizada, e que combinam alto valor com pequenos volumes.

De toda forma, o ponto levantado por Kitamura é vital e se constitui em questão que também merece estudos específicos. Um estado como o Amapá, por exemplo, com grande parte de seu território ‘bloqueado’ para investimentos não-minerais, pode na verdade estar sofrendo um sério handicap para o seu desenvolvimento, especialmente se essas áreas não são mineradas e nada rendem para a população local em termos de investimentos, emprego, impostos ou royalties.

Kitamura (pp. 60-5) trata de outro indicador da ausência de bem-estar entre muitos amazônides: as ligações entre a pobreza e a destruição ambiental. Tal como Schmink e Wood, e como Hall (mas não como Brito), Kitamura rende-se à idéia aparentemente evidente de que a abundância de recursos naturais na Amazônia ‘deveria’ se traduzir num nível elevado de bem-estar dos seus habitantes. Essa idéia vem sendo contraditada há muito tempo, mas não discutirei esse ponto (ver Brito, 1995a; Bunker, 1986). Kitamura levanta mais uma questão de grande relevância analítica, quando estabelece (citando dados compilados por outros estudiosos) que a maioria dos amazônides mais pobres vive nas cidades e comenta o seguinte sobre a relação entre pobreza rural e destruição ambiental:

Para as populações pobres, os ecossistemas são fonte de comida, lenha, remédios, de bens de subsistência, em suma. Nesse particular, a Amazônia oferece uma série de exemplos de situações em que as populações locais, incluindo extratores e pescadores, não destroem o meio ambiente. Nesses casos, as origens dos processos destrutivos são encontradas no deslocamento de sistemas (produtivos) tradicionais. Como dependem de ambientes ecologicamente frágeis para a sua sobrevivência, em reação a diferentes fatores, elas (as populações tradicionais) podem dar início a um ciclo em que a pobreza e a destruição ambiental se ligam fortemente uma à outra. Muitas vezes essas populações são forçadas a degradar o meio ambiente para satisfazer as suas necessidades imediatas, mesmo que isso implique um risco à sua sobrevivência futura. Esse processo é simplesmente a troca da sustentabilidade a longo prazo pela sobrevivência no presente.

Kitamura sustenta, em suma, que existe muita pobreza na Amazônia, que a pobreza urbana é pior do que a rural, e que os pobres rurais estão mais bem servidos se não foram afetados por fatores ‘externos’ como as demandas de mercado. Se forem afetados, eles tornam-se ambientalmente destrutivos, pois passam a descontar os benefícios futuros dos recursos, tornam-se imediatistas e sabotam a sua própria base natural de sobrevivência. Argumentemos com o autor que, em primeiro lugar, em seu texto não fica demonstrado, mas apenas afirmado, que haja mais pobreza na Amazônia do que no resto do país, nem que a pobreza amazônica seja de alguma forma pior que a do resto do país. No entanto, os dados censitários de 1970 estudados por Haller (1982) e já mencionados, mostram que a Amazônia não era, na época, a região mais pobre do país. Os recém-divulgados escores de IDH (Índices de Desenvolvimento Humano) para os estados e regiões do Brasil, com dados para 1970, 1980 e 1991, confirmam esse achado e o constatam de novo para datas mais recentes (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et alii, 1998). Assim, faz sentido para os rurícolas pobres do interior do Nordeste irem para a Amazônia (cidades ou campos), pois, na média, os amazônides vivem melhor que eles.

Ao afirmar que a pobreza rural é menos grave que a urbana e ao acoplar isso com a ameaça que forças ‘externas’ trazem para o agravamento da pobreza rural, Kitamura ao mesmo tempo se afasta e se aproxima de Schmink e Wood. Afasta-se porque tem coragem de chamar as populações tradicionais de ‘pobres’ e de destacar que elas vivem à beira de uma pobreza ainda mais abjeta, se ocorrerem mudanças, e aproxima-se porque, como eles, não diagnostica a fragilidade inerente das populações rurais tradicionais face às forças de expansão da sociedade nacional e porque quase as elege como exemplos de sociedades ambientalmente sãs. Escrevi ‘quase’ porque Kitamura modera a sua afirmação e reconhece a limitação dessas sociedades tradicionais, quando diz (p. 65) que, apesar da sua convivência equilibrada com o ambiente natural, elas "não elevam as pessoas acima da condição de pobreza". Esse parece-me o ponto mais importante dessa parte da obra. A admissão de que as atividades amazônicas ‘tradicionais’ estão imbricadas com a pobreza — e em alguns casos com a degradação ambiental — raramente é feita por analistas que simpatizam política e eticamente com o destino dos amazônides mais pobres.

Kitamura, sem apresentar evidências, afirma que morar nas cidades (e talvez nas vizinhanças dos grandes projetos) parece aumentar as chances do amazônide típico ser pobre. Haller et alii (1996) desmentem-no cabalmente, mostrando que é nas metrópoles (Belém e Manaus), outras capitais estaduais, e cidades médias da Amazônia Legal que os índices per capita de desenvolvimento socioeconômico são mais altos. Além do mais, os índices de urbanização da Amazônia como um todo continuam a crescer, sugerindo que a pobreza rural talvez não seja melhor que a pobreza urbana aos olhos dos que a vivenciam. Mas, como Kitamura, afirma também que os sistemas rurais tradicionais tendem a reproduzir a pobreza, e parece que não há saída. Não custa lembrar que temos dados que nos permitem afirmar que os amazônides, rurais ou urbanos, não são os brasileiros mais pobres.

De toda forma, a discussão de Kitamura permite ver que os ‘grandes projetos’ amazônicos, como pólo oposto às comunidades rurais tradicionais, não se constituíram até agora como um caminho desenvolvimentista alternativo, intensivo de capital, modernizador. Talvez isso se deva mais ao fracasso de alguns deles e aos muitos problemas e atrasos enfrentados pela maioria, do que ao fato de serem ‘grandes’ e intensivos de capital. Sua capacidade de desarticular as comunidades tradicionais é inquestionável, mas cabe ao analista ir além da denúncia, e tentar explicar essa fragilidade da ‘tradição’ .6

Encerro este ensaio, em primeiro lugar, destacando a riqueza de perspectivas teóricas, de estratégias analíticas, de métodos de pesquisa, de fontes e de atitudes valorativas-ideológicas presentes apenas nesses quatro textos, uma amostra pequena da literatura sobre a Amazônia contemporânea. Em segundo lugar, afirmando a necessidade de mais estudos como esses, fundamentados em dados confiáveis e apropriados à escala de análise pretendida. Em terceiro lugar, lembrando que os estudiosos precisam moderar a vontade de fazer generalizações infundadas a partir de realidades locais ou setoriais, pois a Amazônia é enorme, complexa e diversificada. Em quarto lugar, sugerindo aos estudiosos, que idealizam a vida social e as virtudes ambientais das comunidades rurais amazônicas, que precisam decidir se o isolamento das mesmas é o seu talismã protetor contra as forças sempre ‘externas’ da mudança, ou se ele é o signo da sua fragilidade e incapacidade de mudar sem entrar em colapso.

José Augusto Drummond

Professor do Departamento de Ciência Política

da Universidade Federal Fluminense (UFF)

SQN 304 Bloco D ap. 507

70736 Brasília — DF Brasil

jaldrummond@uol.com.br

NOTAS:

Recebido para publicação em abril de 2000.

Apravado para publicação em maio de 2000.

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  • 1
    Versão adaptada desse texto de Haller
    et alii faz parte deste número especial de
    Manguinhos, sob o título ‘Os níveis de desenvolvimento socioeconômico da população da Amazônia brasileira 1970-80’.
  • 2
    Vale destacar que nada menos que cem teses (inclusive a de Daniel Brito) foram defendidas nesse programa do NAEA entre 1981 e 1997. A lista completa delas (UFPa/NAEA/PLADES, 1997) mapeia bem os resultados de diversas linhas de pesquisa ao longo de mais de duas décadas no NAEA, algumas delas voltadas para o desenvolvimento regional.
  • 3
    Vejamos uma analogia em escala nacional. O Brasil tem sido um constante importador de farinha de trigo (um bem típico de regiões temperadas). A sociedade brasileira paga por esse luxo de importar trigo para ter o pão de trigo. Ela ignora ou despreza uma opção local, o pão feito com a nativa farinha de mandioca. Mas importar trigo não é causa de fome, muito menos a causa única de fome, e sequer significa que falte pão de trigo no Brasil.
  • 4
    Um caso mais convincente relatado por Hall, com escassos detalhes, é o das 65 mil pessoas "despejadas à força" de suas terras, aparentemente sem qualquer compensação, em torno da hidrelétrica de Tucuruí (PA) e do porto de Itaqui (MA). Eis dois casos relevantes a serem estudados para verificar se as vidas das pessoas deslocadas melhoraram ou pioraram.
  • 5
    Para dar uma idéia do tamanho da literatura em questão, e de como ela continua a crescer, listo a seguir outros títulos de livros e algumas poucas teses recentes (escritos aproximadamente nos últimos vinte anos) que estudam as relações entre a sociedade, a natureza e o desenvolvimento na Amazônia brasileira. Muitos títulos são coletâneas que reúnem artigos de numerosos autores. A lista está longe de ser exaustiva. Excluí livros que tratam apenas da Amazônia não-brasileira, dos quais há também um bom número; artigos de revistas científicas e publicações sem circulação comercial; um bom número de títulos referentes apenas a aspectos da natureza e da ecologia amazônicas; livros de autores institucionais (PNUD, ONU, Sudam etc.); e muitas teses recentes. Alguns dos títulos não se enquadram nas três subcategorias mencionadas no início do ensaio, mas todos são focalizados em questões sociais, econômicas ou culturais. Por último, devo lembrar que não fiz um levantamento específico da produção dos três principais centros brasileiros de estudos sobre a Amazônia: o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Universidade Federal do Pará), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi. Informações sobre suas linhas de pesquisa, suas equipes e sua produção científica podem ser encontradas nas suas
    home pages, respectivamente, <
    www.museu-goeldi.br>. Com essas qualificações, eis a relação complementar de títulos pertinentes: Almeida, 1996; Almeida Jr., 1986; Alton
    et alii, 1999; Anderson, 1999; Léna
    et al., s. d.; Aragon, 1991; Arnt, 1994; Barbira-Scazzocchio, 1980; Barham
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    et al., 1990; Goulding
    et al., 1995; Goulding, 1981; Hall, 1998; Hames
    et al., 1983; Hardman, 1988; Hébette, 1991; Hébette
    et al., 1979; Hecht
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    et al., 1987; Lobo, 1996; Machado, 1989; MacMillan, 1995; Mathis
    et al., 1997; Moran, 1993, 1990, 1983, 1976; Mougeot, 1990; Neves, 1989; Nugent, 1995; Oliveira, 1988, 1987; Oliveira, 1992; Padoch, 1999; Pandolfo, 1994; Parker 1985; Pavan, 1996; Pinto, 1986; Pontes, 1997; Posey
    et al., 1997; Posey
    et al., 1989; Procópio, 1992; Rattner
    et al., 1987; Redford
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2000
    • Aceito
      Maio 2000
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