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McClung e a determinação do sexo: do equívoco ao acerto

McClung and gender determination: from wrong to right

Resumos

Este artigo estuda algumas das contribuições apresentadas na etapa inicial do estabelecimento da teoria cromossômica com relação à determinação do sexo, focalizando principalmente a hipótese de McClung. Esta relacionava o cromossomo acessório (X) à determinação do sexo masculino. São analisados os argumentos empregados por McClung, outras alternativas, bem como as reações da comunidade científica da época. Conclui-se que, apesar de equivocada, a hipótese de McClung motivou uma série de pesquisas que, no decorrer do tempo, levaram ao esclarecimento da questão. Mesmo hipóteses equivocadas, quando adotadas como algo a ser investigado e testado, podem ser úteis para o desenvolvimento científico.

cromossomo acessório; determinação do sexo; McClung; Clarence Erwin; hipótese


Focusing primarily on McClung’s hypothesis linking the extra chromosome (X) to gender determination, the article studies some contributions derived from the initial stages in development of the chromosome theory of gender determination. The arguments of McClung and others are analyzed, along with the reaction of the era’s scientific community. Although McClung’s hypothesis was wrong, it triggered a series of research studies that eventually led to clarification of the question. Even mistaken hypotheses, when adopted for investigation and testing, can contribute to scientific development.

extra chromosome; gender determination; Clarence Erwin McClung; hypothesis


McClung e a determinação do sexo: do equívoco ao acerto

McClung and gender determination: from wrong to right

Lilian Al-Chueyr Pereira Martins

Doutora em ciências biológicas na área de genética, pesquisadora do grupo de história e teoria da ciência na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Caixa Postal 6059

13081-970 Campinas — SP Brasil

lacpm@uol.com.br

MARTINS, L. A-C. P.: ‘McClung e a determinação do sexo: do equívoco ao acerto’. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, VI(2): 235-56, jul.-out. 1999.

Este artigo estuda algumas das contribuições apresentadas na etapa inicial do estabelecimento da teoria cromossômica com relação à determinação do sexo, focalizando principalmente a hipótese de McClung. Esta relacionava o cromossomo acessório (X) à determinação do sexo masculino. São analisados os argumentos empregados por McClung, outras alternativas, bem como as reações da comunidade científica da época. Conclui-se que, apesar de equivocada, a hipótese de McClung motivou uma série de pesquisas que, no decorrer do tempo, levaram ao esclarecimento da questão. Mesmo hipóteses equivocadas, quando adotadas como algo a ser investigado e testado, podem ser úteis para o desenvolvimento científico.

PALAVRAS-CHAVE: cromossomo acessório, determinação do sexo, McClung, Clarence Erwin, hipótese.

MARTINS, L. A-C. P.: ‘McClung and gender determination: from wrong to right’. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, VI(2): 235-56, July.-Oct. 1999.

Focusing primarily on McClung’s hypothesis linking the extra chromosome (X) to gender determination, the article studies some contributions derived from the initial stages in development of the chromosome theory of gender determination. The arguments of McClung and others are analyzed, along with the reaction of the era’s scientific community. Although McClung’s hypothesis was wrong, it triggered a series of research studies that eventually led to clarification of the question. Even mistaken hypotheses, when adopted for investigation and testing, can contribute to scientific development.

KEYWORDS: extra chromosome, gender determination, Clarence Erwin McClung, hypothesis.

A teoria cromossômica que associa os elementos responsáveis pela transmissão das características hereditárias a entidades físicas (genes) localizadas no interior dos cromossomos (núcleo) é amplamente aceita atualmente. Entretanto, não foi isso que ocorreu durante sua proposta e desenvolvimento nas três primeiras décadas do século XX. Ela sofreu forte rejeição por boa parte dos biólogos, principalmente até 1910.

Na última década do século XIX, foram realizados estudos microscópicos do comportamento dos cromossomos durante os processos de divisão celular. As primeiras sugestões de que os cromossomos estavam relacionados à hereditariedade são atribuídas a Wilhelm Roux e August Weismann (Stubbe, 1972, p. 247; Dunn, 1965, p. 108; Portugal e Cohen, 1977, pp. 48-9).

Por ocasião da proposta da chamada hipótese cromossômica de Sutton-Boveri (1902-03), que procurava estabelecer um paralelo entre o comportamento dos cromossomos no interior do núcleo e os princípios mendelianos, a situação era muito confusa (Martins, 1998). Pode-se dizer que pairavam sérias dúvidas acerca da relação entre os fenômenos citológicos e aquilo que pressupunha a hipótese cromossômica; questionava-se a individualidade e constância dos cromossomos durante a divisão celular e não se tinha idéia do que ocorria durante a sinapse. Havia muitas exceções quanto à aplicação dos princípios mendelianos em animais e plantas. Boa parte do que era defendido pela referida hipótese não podia ser observado (idem, 1997, cap. 3). Desse modo, era fundamental que se conseguisse associar uma característica externa visível a um cromossomo específico, porque isso corroboraria a referida hipótese.

É importante lembrar ao leitor que no final do século XIX e nos primeiros anos do século XX havia duas correntes de pensamento sobre a determinação do sexo. A primeira defendia a idéia de que o sexo era determinado por fatores ambientais, como temperatura e quantidade de alimento disponível para o embrião (ou para a mãe) durante o período do desenvolvimento embrionário. Tal argumento provinha da observação de que mudanças nos fatores ambientais afetavam a proporção sexual em diversas espécies, particularmente em insetos. De acordo com a segunda corrente de pensamento, o sexo seria determinado no momento da fertilização ou talvez antes, por fatores internos existentes no espermatozóide, no óvulo ou em ambos. Esta enfatizava a influência de fatores hereditários em oposição aos fatores ambientais na diferenciação sexual (Smith, 1909-10; Jordan, 1910).

Em 1899, Lucien Cuénot (1866-1951), que estudou zoologia na França, publicou um trabalho, resultado de cuidadoso estudo, onde defendia a idéia de que o sexo era determinado por fatores internos. Ele encontrou evidências de que em insetos e anfíbios o sexo do indivíduo não era afetado pela sua primeira alimentação nem pela alimentação de seus progenitores. Entre 1901 e 1902, Clarence Erwin McClung (1870-1946) fez estudos com os cromossomos encontrados durante a espermatogênese em gafanhotos (Orthoptera), procurando esclarecer a possível relação entre o chamado "cromossomo acessório" (X) e a determinação do sexo. Entretanto, como McClung mesmo reconheceu, tratava-se apenas de uma hipótese. Mais tarde, verificou-se que a hipótese de McClung, que associava a determinação do sexo masculino ao cromossomo X, era equivocada. A única coisa que havia sido comprovada na época era que o "cromossomo acessório" era um cromossomo (McClung, 1902).

O objetivo deste artigo é discutir algumas das contribuições iniciais no sentido de relacionar cromossomos e sexo, a partir das investigações de pesquisadores que admitiam ser o sexo determinado na hora da fecundação, focalizando particularmente a hipótese de McClung e suas implicações para a teoria cromossômica na época. Serão analisados os argumentos empregados por McClung a favor de sua hipótese e as reações de alguns de seus coetâneos face a ela. Como poder-se-á perceber, houve os que a confirmaram, como Sutton (1902), e os que a rejeitaram, como Montgomery (1901, 1898). Este estudo de caso possibilita também uma reflexão sobre um interessante tema dentro da história da ciência: como uma hipótese parcialmente equivocada pôde ocasionar uma série de trabalhos que levaram, no decorrer de muitos anos, ao esclarecimento da questão.

1 (Pentatoma),Em seus estudos sobre a espermatogênese de um outro hemíptero Thomas Harrison Montgomery (1873-1912),1 então lente de zoologia na Universidade da Pensilvânia, deu bastante atenção ao nucléolo. Durante a "fase de repouso" (interfase) das espermatogônias, constatou que a cromatina parecia estar distribuída por uma rede, mas além disso notava-se um centro cromático mais forte: o nucléolo (Montgomery, 1898, pp. 15, 20, 22, 24, 25, 38). Após o aparecimento dos cromossomos, o nucléolo desaparecia. Por ocasião da divisão celular, quando os espermatócitos primários estavam sendo formados, Montgomery observou que, na anáfase, em cada núcleo-filho havia um cromossomo que apresentava uma reação diferente aos corantes em comparação com os outros: "Em cada núcleo, a partir do início da anáfase, um dos cromossomos ainda mantém a coloração vermelha característica de todos eles no período imediatamente precedente, e esse elemento em particular está destinado a se tornar o nucléolo de cromatina, cuja metamorfose será descrita mais tarde." Assim, dos 14 cromossomos originais, 13 se mantinham "normais" e um se transformava. Nessa fase, os cromossomos "normais" apresentavam uma coloração púrpura, bem distinta. Em todos os casos, segundo Montgomery, um único cromossomo sofria essa "transformação" ou "metamorfose", conservando-se distinto por sua coloração vermelha, quando se utilizava safranina e violeta de genciana, até a formação das espermátides. Percebeu que, em muitos casos, o "nucléolo de cromatina" se mantinha separado dos cromossomos durante a sinapse. Após a sinapse, ele se tornava arredondado. O verdadeiro nucléolo começava a aparecer durante a sinapse, mas sua coloração era diferente, e ele surgia no meio dos cromossomos. A respeito da vida e obra de Montgomery, ver Conklin (1913). Um corpúsculo especial: o nucléolo de cromatina

Em 1891, o citologista Hermann Henking identificou, no interior do núcleo de espermatócitos, um corpúsculo que chamou vagamente de "nucléolo", "elemento cromático" ou "corpúsculo de cromatina". Ele observara que na espermatogênese do hemíptero Pyrrochoris esse corpúsculo se distribuía desigualmente durante a divisão celular (Moore, 1986, p. 671). O X, como ele o chamou, parecia não se parear durante a prófase I da meiose. Na espermatogênese, metade dos espermatozóides recebia o X. Este pesquisador não tinha certeza de que se tratasse de um cromossomo ou de alguma outra variação nuclear (Maienschein, 1984, p. 468; Allen, 1981, p. 587). Inicialmente, essa descoberta não teve importância, mas alguns anos depois foi investigada mais detalhadamente.

Fig. 1 — Desenhos de Henking (1891) da espermatogênese em Pyrrhocoris. (a). Acima, um espermatócito na telófase da segunda divisão meiótica. O corpúsculo X, que se destaca dos outros cromossomos, deslocou-se para o pólo da direita. Os dois núcleos resultantes são mostrados abaixo, e o X está presente apenas no da direita. (b) Formam-se dois tipos de espermatozóide, um deles contendo o X, e o outro desprovido dele.

Este pesquisador interpretou essas mudanças como sendo a produção de um novo tipo de corpúsculo, pois nas duas divisões seguintes dos espermatócitos esse nucléolo de cromatina se mostrava distinto dos demais, em relação à sua coloração. Analisando estudos anteriores de outros autores, Montgomery constatou que eles já haviam observado corpúsculos semelhantes, sempre em espermatócitos, mas que pensaram tratar-se de um nucléolo comum.

Após a telófase, durante a fase de repouso, o nucléolo de cromatina tornava-se bem distinto no núcleo. Ele ficava próximo da membrana celular, e havia aumentado de tamanho. Podia ser claramente diferenciado do verdadeiro nucléolo.

Durante a prófase, os espermatócitos primários apresentavam sete cromossomos bem distintos, em vez dos 13 observados antes da sinapse (idem, ibidem, pp. 41-2, 53, 60-2, 66). O nucléolo de cromatina diminuía de tamanho, tornando-se depois um pouco alongado e estreito no centro como se fosse um cromossomo de tamanho reduzido. Quando a membrana nuclear desaparecia, os cromossomos passavam a ter a mesma coloração que o nucléolo de cromatina, e todos pareciam semelhantes. Todos eles moviam-se para a região equatorial do fuso, e os oito corpúsculos dividiam-se e separavam-se. De acordo com Montgomery, nas duas divisões meióticas (espermatócitos de primeira e segunda ordem), geralmente, o nucléolo de cromatina dividia-se novamente em dois, e todas as células recebiam números iguais de cromossomos e um nucléolo de cromatina. Havia exceções, no entanto.

Nesse primeiro artigo, Montgomery não discutiu a função do nucléolo de cromatina. Pode-se dizer que sua descrição difere das modernas. Entretanto, chamou atenção para um estranho corpúsculo e a possível transformação de um cromossomo em um tipo de nucléolo.

Os primeiros estudos de McClung

Durante o período em que fazia sua pós-graduação (1898-1900), o norte-americano Clarence Erwin McClung foi nomeado professor de zoologia, depois de histologia e, mais tarde, de morfologia da Universidade do Kansas. Enquanto fazia o doutorado, permaneceu um semestre na Universidade de Columbia, estudando sob a orientação de Edmund Beecher Wilson, um experto em citologia. Além disso, passou um verão (1898) na Universidade de Chicago, no laboratório de Morton Wheeler. Tanto Wilson como Wheeler tinham interesse pelos cromossomos (Allen, 1981, p. 587).

Provavelmente motivado pelo trabalho de Montgomery (que ele citou em vários pontos), McClung (1899) fez, em Chicago, um estudo semelhante na espermatogênese das Xiphidium fasciatum, uma espécie de gafanhotos. A descrição de McClung, no entanto, era muito diferente da de Montgomery. Em vez de observar a ‘metamorfose’ de um cromossomo em um nucléolo de cromatina, McClung descreveu que no estágio de repouso das espermatogônias já era possível distinguir um corpúsculo diferente, que se corava fortemente e era arredondado. Esse corpúsculo depois se alongava e adquiria forma de U, durante a prófase, estando ainda claramente distinto. Na metáfase, misturava-se aos cromossomos comuns, sendo difícil distingui-lo, mas na anáfase era possível percebê-lo de novo claramente (idem, ibidem, pp. 189, 190). No estágio de repouso do espermatócito de primeira ordem, quando os cromossomos não podiam mais ser distinguidos, esse corpúsculo ainda era claramente visível. Durante todas as fases seguintes, McClung explicou que era possível diferenciar o corpúsculo dos cromossomos comuns. Na anáfase dos espermatócitos, quando os cromossomos se separavam e formavam dois conjuntos bastante coesos, o corpúsculo adquiria uma forma de duas ferraduras ( ) unidas pela parte curva, ou seja, a forma de um X.

Fig. 2 — Desenhos de McClung (1899), a partir do estudo da espermatogênese do Xiphidium fasciatum. No início da prófase da espermatogônia (a), o cromossomo acessório (X) aparece na superfície do núcleo. Em uma fase posterior da prófase, ele adquire uma aparência alongada, em forma de U, antes que os demais cromossomos se tornem claramente diferenciados (b). Durante a anáfase, a divisão do cromossomo acessório ocorre após a divisão dos demais cromossomos (c). Na prófase do espermatócito, o cromossomo acessório também se torna claramente diferenciado antes dos demais (d). Na metáfase do espermatócito, o cromossomo acessório fica separado dos demais (e). Na anáfase do espermatócito, os cromossomos acessórios adquirem a forma de ferraduras duplas, ou seja, forma de X, nas duas células-filhas (f).

McClung considerou esse corpúsculo como um tipo especial de cromossomo, que chamou de "cromossomo acessório", representando-o em suas figuras pela letra X. O que o levou a isso foi o fato de o referido corpúsculo, na divisão celular durante a metáfase, ser muito semelhante aos outros cromossomos, e se dividir como eles. Por outro lado, reagia diferentemente aos corantes em comparação com os demais cromossomos nas outras fases, e podia ser percebido como um corpúsculo isolado durante a fase de repouso.

Embora tivesse estudado uma única espécie de inseto, McClung recorreu a trabalhos e desenhos publicados por outros autores para afirmar que o cromossomo acessório estava presente também em outras espécies.

As divergências entre Montgomery e McClung

Montgomery (1901) publicou um novo artigo sobre a espermatogênese de hemípteros. Ele criticou a denominação "cromossomo acessório" proposta por McClung por não ser bem definida (talvez quisesse dizer que o nome não descrevia suas características), e o nome "pequeno cromossomo" utilizado por Paulmier, nem sempre aplicável, pois algumas vezes ele era tão grande quanto os cromossomos comuns. Apesar de considerá-lo um cromossomo modificado, preferiu manter o nome de "nucléolo de cromatina" (idem, ibidem, pp. 201-2, 204). No entanto, corrigiu sua descrição anterior, afirmando que não havia metamorfose de um cromossomo comum em nucléolo de cromatina, uma vez que esse nucléolo já existia, e se dividia em dois, como os cromossomos comuns (conforme McClung havia descrito). Montgomery estudou 42 espécies diferentes de hemípteros, e em todas elas observou a existência desse corpúsculo, com idênticas propriedades de apresentar sempre uma reação diferente aos corantes e de permanecer distinto durante a interfase. Afirmou também que havia geralmente dois nucléolos de cromatina nas espermatogônias, que se uniam no estágio de sinapse como os cromossomos, e que o número deles nos espermatócitos era, em geral, a metade do encontrado nas espermatogônias. No entanto, consultando-se a tabela apresentada no artigo, verifica-se uma certa irregularidade. Em determinadas espécies, Montgomery indicou a existência de cinco ou até de oito nucléolos de cromatina nas espermatogônias, embora o número mais comum fosse dois. Nos espermatócitos, o número mais comum indicado por ele era de um nucléolo de cromatina, mas em muitos casos havia dois ou três, e em alguns casos, quatro ou cinco.

Moore (1986, p. 670) criticou, de forma anacrônica, esse trabalho de Montgomery: "Ele descreveu cromossomos acessórios mas não conseguiu relacioná-los à determinação do sexo." Na verdade, Montgomery rejeitou a designação de "cromossomo acessório"; e não havia nenhum motivo para concluir qualquer coisa sobre a relação entre estes e o sexo, pois todas as observações se referiam a machos. Apenas se Montgomery tivesse analisado tanto a espermatogênese quanto a ovogênese, faria sentido censurá-lo por não ter estabelecido esta correlação.

No mesmo ano, McClung (1901, p. 221) publicou outro artigo, no qual insistia no uso da expressão "cromossomo acessório". Essa poderia ser uma questão secundária na época, mas sob o ponto de vista daquilo que estamos estudando (a teoria cromossômica) devemos chamar atenção para ela. Sabemos hoje que a explicação da determinação do sexo pelos cromossomos acessórios foi depois considerada uma importante evidência a favor da hipótese cromossômica. Ora, se em vez de cromossomo acessório tivesse sido adotada a denominação "nucléolo de cromatina", a única hipótese que teria sido possível seria de que havia um corpúsculo especial no núcleo, que não era um cromossomo, e que determinava o sexo. Portanto, isso em nada reforçaria a hipótese cromossômica da hereditariedade. Já que havia tanto semelhanças quanto diferenças entre o corpúsculo X e os cromossomos, foi mais por um acaso histórico do que por qualquer outro motivo que se deu preferência à expressão cromossomo acessório.

Além do problema do nome, no entanto, McClung (idem, pp. 222-3) discutiu questões mais substanciais. Este citologista concordou com Montgomery que os cromossomos acessórios se dividiam ao meio, como cromossomos, na primeira divisão meiótica (divisão dos espermatócitos primários), mas negou que ocorresse a mesma coisa na segunda divisão, utilizando a seu favor observações de outros pesquisadores:

Quando os elementos do segundo espermatócito se organizam e se preparam para a divisão, o cromossomo acessório é novamente notado, mas neste caso deixa de se dividir, e assim é transferido apenas para a metade das espermátides resultantes (Henking, Paulmier). Como resultado disto, temos dois tipos de espermatozóides em números iguais.

A hipótese de McClung

2 2 Era geralmente difícil observar esse elemento nas espermatogônias, e quase todas as descrições anteriores se referiam aos espermatócitos. No entanto, a partir das poucas descrições existentes, McClung (idem, pp. 613) concluiu que na última espermatogônia (ou seja, antes da formação do espermatócito primário) o cromossomo acessório se destacava dos demais, permanecendo separado e sofrendo reação diferente aos corantes no núcleo em repouso. Nos espermatócitos primários, ele aparentemente se dividia longitudinalmente como os outros cromossomos. Na divisão dos espermatócitos secundários, havia uma divergência, já que Montgomery havia descrito uma nova divisão, mas outros autores haviam descrito que o cromossomo acessório não se dividia, e passava para uma das células-filhas apenas. Nas espermátides, segundo McClung, o cromossomo acessório deixava de se distinguir dos demais, e ele conjecturava se todos os cromossomos se fundiriam. McClung (idem, pp. 65, 69-71) estava certo de que o corpúsculo era um cromossomo, embora quase todos os autores o tivessem descrito como um nucléolo. Este autor o caracterizou da seguinte forma: Em 1894, Millardet descreveu casos de cruzamentos entre certas variedades, principalmente de morangos, em que a primeira geração, bem como seus descendentes produziam plantas exatamente iguais ao tipo materno, sem nenhum indício de características paternas. Em outros casos, a primeira geração podia apresentar, em parte, só características maternas puras, e a outra parte, só características paternas puras, que eram transmitidas aos descendentes. Millardet chamou-os de "falsos híbridos" ou "híbridos de cruzamento". Bateson constatou o mesmo fenômeno em seus estudos com Matthiola e De Vries observou-o na Oenothera lamarckiana.

Em novas observações, McClung (idem, ibidem, pp. 223-4) e outros pesquisadores constataram a presença do cromossomo acessório na espermatogênese de muitos outros insetos, e também em aranhas. Em camundongos, encontraram um corpúsculo parecido com o cromossomo acessório. Entretanto, o mesmo não se aplicava aos crustáceos.

A partir das propriedades observadas, McClung (idem, ibidem, p. 225) apresentou uma importante proposta de explicação para sua função biológica: a determinação do sexo:

Estando convencido a partir do comportamento das espermatogônias e dos espermatócitos primários da importância do cromossomo acessório, e atraído pelo método não usual de sua participação nas divisões do espermatócito, procurei uma explicação que fosse compatível com a importância desses fatos. Supondo que exista uma diferença qualitativa entre os vários cromossomos do núcleo, segue-se necessariamente que sejam formados dois tipos de espermatozóides que, pela fertilização do óvulo, produzirão indivíduos qualitativamente diferentes. Como o número de cada um desses tipos de espermatozóide é o mesmo, resultaria em um número aproximadamente igual desses dois tipos de descendentes. Sabemos que a única qualidade que separa assim os membros de uma espécie em dois grupos é o sexo. Portanto, cheguei à conclusão de que o cromossomo acessório é o elemento que determina que as células germinativas do embrião continuarão seu desenvolvimento a partir da célula ligeiramente modificada do ovo em espermatozóides altamente especializados.

Note-se que o argumento de McClung estava de acordo com os resultados posteriores obtidos por Boveri (1902) a respeito das diferentes funções fisiológicas dos cromossomos. Se todos os cromossomos fossem equivalentes, nada poderia ter sido concluído, pois os dois espermatozóides poderiam gerar indivíduos idênticos.

A hipótese de McClung (1901, p. 226) abriu espaço para uma influência do meio: o óvulo poderia "atrair" e selecionar um ou outro tipo de espermatozóide dependendo das circunstâncias, ou seja, o que se chamava na época de fertilização seletiva. Neste trabalho, no entanto, McClung não discutiu em detalhes a questão, reservando-a para um outro artigo mais extenso, publicado no ano seguinte.

Neste novo artigo (1902, p. 43), nosso citologista explicou inicialmente que o cromossomo acessório permitiria adotar uma nova estratégia nos estudos citológicos. Anteriormente, como se pensava que o conjunto completo de cromossomos sofria duplicação e passava para as células germinativas, era impossível descobrir o papel de qualquer cromossomo individual. A existência de cromossomos que se comportassem de modo diferente permitiria fazer comparações e tentar descobrir suas propriedades. Por isso, McClung havia se dedicado intensamente ao estudo deste corpúsculo, estimulando também seus estudantes (entre os quais se incluía, inicialmente, Walter S. Sutton) nesse sentido. O grupo de McClung concentrou-se principalmente no estudo de dois tipos de inseto, Brachystola e Hippiscus. Analisou, no entanto, toda a literatura que havia sido publicada, encontrando e citando 59 trabalhos que se referiam (com diferentes denominações) ao cromossomo acessório.

1) Pela notável uniformidade de poder corante semelhante àquele exibido pelos cromossomos na metáfase.

2) Pela contínua posição periférica no núcleo, pelo menos durante o estágio de espirema.

3) Pelo isolamento do retículo cromático e pela sua ausência de participação em suas mudanças.

4) Pela fissão durante a metacinese de modo análogo àquele dos cromossomos.

Ele combateu uma hipótese que havia sido sugerida por Paulmier e aceita como provável por Wilson, de que esse corpúsculo seria um cromossomo em vias de extinção, do ponto de vista evolutivo, já que não se dividia na última fase da meiose. Essa interpretação era incompatível, no entanto, com o fato de que a presença do corpúsculo não era notada apenas em uma espécie ou em um gênero, mas em todos os insetos observados (e também outros animais) e na regularidade dos processos envolvidos no seu comportamento. Em seguida, apresentou sua hipótese:

Brevemente apresentada, então, minha concepção da função desempenhada pelo cromossomo acessório é que ele é o portador dessas qualidades que dizem respeito ao organismo masculino, entre as quais figura primeiramente a de produzir células sexuais que têm a forma de espermatozóides. Fui levado a acreditar nisso pelas respostas favoráveis que esse elemento dá aos requisitos teóricos concebivelmente inerentes a qualquer estrutura que possa ter a função de determinante do sexo.

Note-se que, enquanto no artigo anterior McClung apenas afirmava que metade dos espermatozóides produzidos era diferente dos outros, neste afirmou que a presença do cromossomo acessório é que caracterizaria os machos, e sua falta, as fêmeas. Qual a fundamentação desse salto? Nenhuma. Nem ele nem qualquer outro dos autores em que se baseara tinham investigado fêmeas — todos os dados eram provenientes de estudos da espermatogênese. É possível ter havido neste caso a interferência de um preconceito cultural antigo: de que os machos são superiores às fêmeas, e que, portanto, possuem algo a mais do que elas. No entanto, McClung (idem, pp. 73-5) procurou justificar-se, afirmando que os machos possuíam maior necessidade de gasto de energia e outras considerações semelhantes, não muito convincentes. Apresentou também uma analogia com a teoria da seleção sexual de Darwin: os caracteres sexuais secundários masculinos seriam desenvolvidos através da escolha realizada pelas fêmeas; da mesma forma, o óvulo escolheria o espermatozóide contendo o cromossomo acessório ou sem ele.

...Mesmo antes do momento da fertilização os elementos femininos estão dispostos de modo a reagir prontamente aos estímulos da mãe. Os elementos masculinos se aproximam dos elementos femininos que devem escolhê-los — se é que se pode usar tal termo para aquilo que é provavelmente atração química — seja os espermatozóides contendo o cromossomo acessório ou aqueles nos quais ele está ausente. No elemento feminino, bem como no organismo feminino, entretanto, reside o poder de selecionar aquilo que for mais interessante para a espécie.

McClung (idem, pp. 73-4, 75) utilizou como pressupostos importantes as seguintes hipóteses: os cromossomos transportam as características hereditárias; o cromossomo acessório é um cromossomo; e são formados dois tipos de espermatozóide. No entanto, ele admitia que seria possível haver outros processos (como a divisão transversal dos cromossomos) que também poderiam gerar dois tipos de espermatozóide, mesmo sem a existência do cromossomo acessório. Ele repetiu, sob forma mais ampla, o argumento publicado no ano anterior:

Um fato mais significativo, e sobre o qual a opinião da maioria dos investigadores está de acordo, é que o elemento é transmitido apenas à metade dos espermatozóides. Assumindo como verdadeiro que a cromatina seja uma parte importante da célula em relação à hereditariedade, segue-se daí que temos dois tipos de espermatozóides que diferem um do outro num ponto vital. Esperamos, portanto, encontrar nos descendentes dois tipos de indivíduos em números aproximadamente iguais, sob condições normais, que exibam notáveis diferenças na estrutura. Uma consideração cuidadosa sugerirá que nada, exceto os caracteres sexuais, dividem os membros de uma espécie em dois grupos bem definidos, e somos logicamente forçados à conclusão de que um cromossomo peculiar traz algum suporte para esse arranjo.

Um importante aspecto metodológico é que McClung (idem, pp. 75-6) percebia uma possibilidade de testar sua hipótese: nem todas as espécies possuem simplesmente dois sexos distintos, mas podem exibir esquemas sexuais diferentes (por exemplo, abelhas e formigas). Se fosse possível estabelecer um paralelo entre caracterizações sexuais diferentes e comportamento diferente dos cromossomos acessórios, isso reforçaria muito a hipótese.

Em relação à determinação sexual na partenogênese, McClung afirmou que pouco se conhecia a esse respeito. Até então não haviam sido encontradas estruturas semelhantes ao cromossomo acessório nos óvulos (na verdade, não haviam sido procuradas) e ele julgava pouco provável que isso viesse a ocorrer. Sabia-se que dos óvulos partenogenéticos de afídeos originavam-se indivíduos de sexos diferentes e que isso era uma resposta às necessidades ambientais. Este pesquisador considerou por isso a partenogênese como sendo um método degenerado de reprodução sexual em que os glóbulos polares desempenhariam a função do espermatozóide.

McClung (idem, p. 72) foi, entretanto, cauteloso ao sugerir uma teoria para a determinação do sexo:

Ao oferecer uma teoria que dê conta da função do cromossomo acessório, eu o faço com uma relutância considerável, porque percebo quão escasso é o conhecimento que se tem a respeito dessa estrutura. Parece-me, entretanto, que alguma coisa é necessária para concentrar o interesse dos espermatologistas sobre o caráter fundamental do mais sugestivo elemento cromático, e não conheço nenhum caminho melhor para auxiliar nisso do que publicar essa hipótese de trabalho com a qual ataco o problema.

A hipótese de McClung pertencia ao grupo que assumia que a determinação do sexo ocorria durante a fecundação. No entanto, ele não ignorava a existência de trabalhos que pareciam comprovar a influência das condições ambientais na proporção sexual, mesmo quando essas influências agiam após a fecundação. Como seria possível explicar isso?

Nosso pesquisador sugeriu que haveria diferentes tipos de organismos, alguns em que a proporção sexual não sofreria praticamente influência do meio, e outros onde a influência do meio poderia ser maior. No caso dos sapos, por exemplo, aceitava o resultado dos experimentos que haviam alterado fortemente a proporção sexual (idem, ibidem, pp. 79, 80). No caso das abelhas, todos os ovos fecundados produziam sempre fêmeas, e todos os não-fecundados produziam apenas machos. Indicou também a evidência de que os gêmeos univitelinos eram sempre do mesmo sexo — se o sexo pudesse ser alterado por fatores como nutrição, poderia ser às vezes observado o surgimento de gêmeos univitelinos de sexos diferentes. "Sexo, portanto, é determinado algumas vezes pelo ato de fertilização e não pode ser alterado depois. Mas entre este extremo e o outro de forte instabilidade podem ser encontrados todos os graus de resposta ao meio."

33Em uma seção onde discutiam os "falsos híbridos" de Millardet, os autores indagaram: "Como regra, prevalece uma boa uniformidade entre os resultados do primeiro cruzamento (F1), e em todos os casos nos quais ocorre uma mistura de formas, deve ser feita agora a pergunta ‘se o fato não é uma prova de que um ou ambos os progenitores estejam realmente produzindo mais de um tipo de gameta’." No parágrafo seguinte, uma curta observação sugeriu que a determinação do sexo poderia ser um fenômeno produzido pela existência de mais de um tipo de gameta. Os pressupostos básicos que subjazem a esta conjectura são: a) todas as características hereditárias da prole são determinadas pelas características dos gametas; b) entre essas características deve ser incluído o sexo; c) se os gametas de cada progenitor fossem de um único tipo, haveria um único tipo de zigoto possível, e portanto não poderiam surgir indivíduos de dois sexos. Poderia ocorrer, no entanto, que as características sexuais obedecessem a regras diferentes das características independentes do sexo. Poderiam, aliás, depender do que acontece durante o desenvolvimento do embrião, não sendo determinadas no momento da fecundação. Assim, a sugestão de Bateson e Saunders era apenas uma conjectura. No entanto, depois que o corpo do relatório já estava escrito, foi adicionada uma nota (datada de março de 1902) que fazia referência aos estudos citológicos: Os autores citam o artigo mais curto (McClung, 1901). Reações à hipótese de McClung na época de sua proposta

A linha de investigação iniciada pela hipótese de McClung teve importantes desdobramentos nos anos seguintes, estimulando outros trabalhos citológicos como os de Edmund Beecher Wilson e Nettie Maria Stevens. Entretanto, é importante mostrar o que outros pesquisadores da época, como William Bateson, Edith Saunders e William E. Castle, pensavam a respeito da questão da determinação do sexo, dentro de uma linha de trabalho mendeliana.

Em seus trabalhos iniciais sobre hereditariedade, Bateson não discutiu a questão da determinação do sexo. Ele mencionou este assunto no primeiro Relatório para o Comitê de Evolução, em co-autoria com Edith Saunders (1902, p. 138).
44Nossa atenção foi chamada por uma nota de McClung, sugerindo que a diferenciação dos espermatozóides de muitos insetos e de alguns outros artrópodes, conforme eles contenham ou não o ‘cromossomo acessório’, possa ser uma indicação da diferenciação a respeito do sexo. Esse corpúsculo tem sido objeto de extensivo estudo, especialmente por parte dos pesquisadores citologistas americanos, e mais pesquisas em relação a ele podem ser úteis nesse campo de investigação. Sutton, considerado um dos proponentes da hipótese cromossômica, foi inicialmente aluno de McClung, sendo treinado por ele. Depois foi trabalhar com Wilson. Tanto McClung como Sutton enganaram-se ao supor que o macho possuísse um cromossomo a mais do que as fêmeas (o X).
Já existe um considerável corpo de evidência favorável à idéia de que a diferenciação sexual é primariamente um fenômeno de diferenciação gamética. A evidência, entretanto, parece indicar que a diferenciação é, às vezes, um fenômeno das células masculinas, às vezes das células femininas, e às vezes talvez de ambas.

Como se pode perceber, eles tinham conhecimento da sugestão feita por McClung e acreditavam que a determinação do sexo era, antes de tudo, um fenômeno de diferenciação gamética; no entanto, ao contrário de McClung, consideravam que essa diferenciação poderia ocorrer nas células germinativas masculinas, nas femininas ou em ambas.

Costuma-se considerar que Bateson foi um adversário sistemático da teoria cromossômica (Coleman, 1970; Cock, 1983). Note-se, no entanto, que ele reagiu rápida e positivamente à hipótese de McClung, que era um aspecto especial da chamada hipótese cromossômica de Sutton-Boveri. Note-se também que, nesse caso, havia uma evidência observável: o cromossomo acessório podia ser visto e identificado, produzindo uma diferença visível entre os dois tipos de espermatozóides formados, e isso concordava com a exigência da abordagem mendeliana de assumir a existência de gametas de tipos diferentes. No caso, porém, da aplicação da hipótese cromossômica a outras características, como a cor das ervilhas, a hipótese supunha que eram formados dois gametas diferentes, mas não havia sido constatada nenhuma diferença observável entre os gametas produzidos pelo híbrido. Havia, portanto, uma diferença bastante grande entre os dois casos.

Apesar de se mostrar simpático à hipótese de McClung (generalizada, como já vimos), Bateson e Saunders et al. (1902, pp. 138-9) logo apontaram vários casos especiais e fatos contrários à mesma, como era seu hábito. A partir de certos casos, era possível fazer algumas inferências:

O fato de que em Nematus ribesii, e na abelha, os óvulos não fertilizados produzirem apenas machos, parece provar que nesses casos as células femininas carregam apenas o caráter masculino, embora ainda não se saiba se existe diferenciação de sexo nas células masculinas. Por outro lado, temos casos mais freqüentes de óvulos não fertilizados que produzem apenas fêmeas.

Ou seja, na partenogênese, como não há participação dos gametas masculinos, se toda a prole é de um único tipo, isso indica que a mãe produz um único tipo de gameta. Isso era o que acontecia, e portanto, nesses casos, a fêmea só produzia um tipo de gameta. Mas em outros casos o gameta produzia apenas machos, e em certas espécies, apenas fêmeas. De qualquer forma, a existência de um único tipo de óvulo concordava com a hipótese inicial de McClung, de que os espermatozóides determinariam o sexo do zigoto. No entanto, em plantas, ocorria um fenômeno diferente (idem, ibidem, p. 139):

Mas a partir das observações de Buzareingues, parece existir uma distribuição mais ou menos definida de sexos entre as sementes das plantas dióicas, as fêmeas sendo mais comumente derivadas de sementes de uma região, e os machos daquelas de outra. Isso naturalmente não é prova da diferenciação original de sexo entre as células femininas, mas é bem consistente com aquela hipótese.

Significa que talvez nas plantas houvesse produção de dois tipos de óvulos, ao contrário do que ocorreria nos insetos. Por fim, Bateson e Saunders (idem, p. 139) discutiram casos que apresentavam evidências contra a hipótese de que o sexo dependia principalmente da diferenciação gamética:

55 de que a distribuição de sexo entre os primeiros cruzamentos mostra um grande distanciamento das proporções normais. O mesmo foi visto por muitos hibridizadores utilizando espécies de animais. Mas existe um fato a mais: ocorre uma variação ainda maior nas relações estatísticas dos sexos nos descendentes dos híbridos, que é mais favorável à hipótese. ...Podem ser mencionadas as observações — especialmente aquelas de Wichura (Bastardbefruchtung, p. 44) — de que a distribuição de sexo entre os primeiros cruzamentos mostra um grande distanciamento das proporções normais. O mesmo foi visto por muitos hibridizadores utilizando espécies de animais. Mas existe um fato a mais: ocorre uma variação ainda maior nas relações estatísticas dos sexos nos descendentes dos híbridos, que é mais favorável à hipótese. Bateson e Saunders estão se referindo ao trabalho de M. Wichura sobre híbridos e dão a seguinte referência:
M. Wichura, Die Bastardbefruchtung im Pflanzenreich, Breslau, 1865.

6 6 Sutton (1902, p. 39) inicialmente confirmou a hipótese de McClung, ao estudar os cromossomos de Brachystola magna. Observou que nas divisões dos espermatócitos secundários apenas a metade das espermátides resultantes apresentava o cromossomo acessório. Mais importante ainda: ele fez estudos sobre a ovogênese nesse gafanhoto. Muitas vezes se considera que Castle foi o primeiro a propor uma hipótese de determinação sexual baseada na teoria mendeliana. O próprio Castle (1903, p. 395), no entanto, afirmou mais tarde: "Em 1903, eu advoguei a visão de que o sexo é herdado como um caráter mendeliano. Minha idéia não foi original. A sugestão veio do famoso primeiro Relatório de Bateson e Saunders."

A ocorrência freqüente de hermafroditas entre os primeiros cruzamentos também é difícil de ser explicada pela presente hipótese.

Como se pode notar, a atitude desses estudiosos foi bastante cautelosa, apresentando as evidências existentes e evitando uma conclusão apressada, uma vez que havia tanto evidências favoráveis como contrárias a respeito da questão. De maneira geral, entretanto, nota-se uma atitude simpática à hipótese de determinação do sexo por diferenciação gamética associada a cromossomos especiais.

...Notamos que a espermatogônia tem 23 cromossomos, e que o ímpar deles é o acessório que através de sua idiossincrasia pode ser reconhecido facilmente em todos os estágios, exceto naqueles de mitoses ativas. Percebemos também que esse elemento se distribui de forma desigual nas divisões de maturação e, conseqüentemente, ocorre exatamente na metade dos espermatozóides. Na ovogônia e nas células foliculares ovarianas nas quais fui capaz de contar os cromossomos, encontrei 22; e o fato de nenhum deles se comportar da maneira característica do acessório indica que ele é o membro que está faltando.

O que pode ser notado aqui é que Sutton (idem, pp. 35-6) havia observado também a ovogênese de Brachystola, onde contou apenas 22 cromossomos, bem como a ausência do cromossomo acessório. Isso serviu para confirmar a hipótese de McClung:

Devemos, entretanto, esperar encontrar apenas um tipo de óvulo maduro quanto ao número de cromossomos, enquanto sabemos pelo mesmo modelo que existem dois tipos de espermatozóide. Obviamente então, o número de cromossomos na divisão do núcleo do óvulo fertilizado (22 ou 23) deve depender do número introduzido pelo núcleo do espermatozóide, uma vez que esse último pode conter tanto 11 como 12, conforme o cromossomo acessório esteja presente ou ausente. Ora, 23 é o número de cromossomos nas células masculinas, enquanto 22 é o número que encontrei nas células femininas, e isso parece ser a confirmação da sugestão de McClung de que o cromossomo acessório de alguma maneira diz respeito à determinação do sexo.

A argumentação de Sutton (idem, pp. 36-7) é bastante clara nesse trecho, e ele continuou confirmando a hipótese de McClung:

...Levando em conta a constituição das células femininas examinadas e a similaridade dos processos de redução nos dois sexos, tal comparação deve mostrar que esse cromossomo particular deve possuir um poder não inerente a nenhum dos outros: o poder de imprimir à célula que o contém a marca da masculinidade, de acordo com a hipótese de McClung.

Em outro artigo, Sutton (1903, p. 249) continuou escrevendo a respeito da hipótese de McClung:

Minhas observações a respeito do cromossomo acessório levam-me a apoiar a hipótese de McClung de que, dos quatro espermatozóides oriundos de um único espermatócito primário, os dois que contêm esse elemento entram na formação do descendente masculino, enquanto os outros dois, que recebem apenas os cromossomos ordinários, tomam parte na produção de fêmeas. Se essa hipótese for verdadeira, então está claro que no caráter sexual a redução ocorre na primeira mitose de maturação, uma vez que essa divisão é a que separa células capazes de produzir apenas machos daquelas capazes de produzir apenas fêmeas.

Entretanto, nem todos os citologistas estavam de acordo com a hipótese de McClung. Montgomery (1904, apud Maienschein, 1984, p. 469), por exemplo, sustentava que os cromossomos não mantinham sua continuidade genética e discordava de Sutton e Boveri no tocante aos processos de divisão dos cromossomos serem significativos para o processo de determinação sexual. Montgomery afirmava, a partir de estudos em aranhas, que o cromossomo acessório de McClung não retinha sua individualidade pelo fato de se dividir primeiro "longitudinalmente" e depois "equatorialmente", "resultando de apenas uma parte de um cromossomo particular da geração precedente".

Castle (1903) propôs uma teoria de determinação sexual bastante complexa, baseada em fatores mendelianos, onde recorreu a argumentos citológicos sem, entretanto, mencionar a teoria de McClung, embora tivesse conhecimento dela. Para Castle, haveria duas classes de óvulos e duas classes de espermatozóides: os óvulos produtores de machos e os óvulos produtores de fêmeas; os espermatozóides produtores de machos e os espermatozóides produtores de fêmeas. Considerou ainda a existência da fertilização seletiva, ou seja, apenas certos óvulos e certos espermatozóides poderiam se unir (ou pelo menos produzir um zigoto viável). Já para Morgan (1903, apud Gilbert, 1978, p. 331), em torno de 1903, a hipótese de McClung era especulativa, pois para ele não havia evidências suficientes acerca da relação entre o cromossomo acessório e a determinação do sexo: "McClung tem insistido que essa diferença está relacionada com a determinação do sexo; mas não existe nada além da suposição de que isso possa ocorrer assim. Não foi mostrado que uma diferença desse tipo tenha tido qualquer valor na determinação do sexo". Aliás, Morgan (1905, pp. 839-41) deixou transparecer sua posição extremamente cética em relação à determinação sexual em uma resenha sobre a questão, onde criticava a maioria das teorias existentes a respeito, inclusive as que se baseavam nos princípios mendelianos, principalmente a de Castle. Seu principal argumento era a existência de poucas evidências que substanciassem tanto a visão dos ambientalistas como a dos hereditaristas.

Conclusão

McClung estava equivocado ao considerar que os ortópteros machos possuíam um cromossomo a mais do que as fêmeas. Um pouco mais tarde (1905), Wilson e Stevens constataram que a fêmea do gafanhoto (Brachystola magna) possuía dois cromossomos "acessórios" (dois X), em vez de ser desprovida deles. Assim, nesses organismos, o cromossomo X (cromossomo acessório) não era determinante da masculinidade, mas sim da feminilidade (Moore, 1986, p. 673). Constatou-se depois que os machos possuíam ainda um outro cromossomo anômalo, menor (Y). Além disso, McClung acreditava que o óvulo poderia selecionar o espermatozóide que iria fecundá-lo (fertilização seletiva), o que constituía uma hipótese ad hoc. Entretanto, para a historiadora da ciência Jane Maienschein (1984, p. 468), a hipótese de McClung sobre o dimorfismo dos espermatozóides e a origem de dois tipos de ovos chamou atenção para o cromossomo acessório e sua possível relação com a determinação sexual. Por outro lado, McClung estava correto ao considerar o X como cromossomo e relacioná-lo à determinação do sexo.

Conforme Brush (1978, p. 166), apesar de se tratar de uma hipótese equivocada, o trabalho de McClung bem como sua hipótese foram importantes e estimularam outras pesquisas que se seguiram. Brush comenta ainda que, entre os historiadores da ciência, existem controvérsias acerca do crédito que McClung deveria receber em relação à determinação sexual cromossômica. Já Allen (1981, p. 586) considera que McClung contribuiu de maneira significativa para o estabelecimento da teoria cromossômica ao indicar, em 1901-02, que o cromossomo acessório (X) era possivelmente o elemento nuclear responsável pela determinação do sexo.

As conclusões a que chegou McClung (1902, p. 66) basearam-se em observações citológicas muito difíceis de realizar, utilizando os recursos da época. Essas foram efetuadas em ortópteros, hemípteros e coleópteros. Foram também consideradas as observações de outros pesquisadores, como Paulmier e Sutton, em outras ordens de insetos, ou mesmo em outros artrópodes, que sugeriam a possibilidade de que a ocorrência do cromossomo acessório fosse universal entre os insetos. A contribuição principal de McClung para a teoria cromossômica foi defender a hipótese de que o corpúsculo era realmente um cromossomo e que eram formados dois tipos de espermatozóides.

McClung não estudou a ovogênese desses insetos. Se tivesse feito isso constataria a presença de dois cromossomos acessórios e teria chegado a conclusões diferentes. Perceberia que não se tratava de um corpúsculo peculiar aos machos. Por que ele não estudou a ovogênese? A resposta é simples. Era bem mais fácil estudar a espermatogênese, que é um processo contínuo, no interior dos testículos (onde muitos espermatozóides são formados constantemente) do que acompanhar a ovogênese no interior dos ovários. Além disso, não foi apenas McClung que adotou esta atitude. A maior parte dos pesquisadores dedicou-se apenas à espermatogênese, deixando de lado a ovogênese, e só quase duas décadas depois é que houve o esclarecimento de vários pontos. Apesar de equivocada, a hipótese de McClung era plausível e condizente com a situação experimental da época.

A nosso ver, o trabalho de McClung foi fundamental no sentido de chamar atenção para a possível relação entre sexo e cromossomos especiais e estimular a série de pesquisas que o seguiu, como os diversos estudos sobre cromossomos em diferentes ordens de insetos feitos por Wilson, Stevens e pelo próprio Morgan, no sentido de confirmar ou refutar sua hipótese. Embora Stevens (1905, p. 326) não houvesse encontrado o cromossomo acessório nos cromossomos dos afídeos, encontrou-o em outros gêneros de insetos, como Blatella germanica e Tenebrio molitor (idem, 1906, p. 18). Em 1905, no segundo de seus oito estudos sobre os cromossomos, Wilson (1905a) propôs uma hipótese diferente daquela de McClung. Ele havia concluído que o cromossomo acessório era o resultado da perda de um dos idiocromossomos. Dessa maneira, supôs que o macho havia perdido um cromossomo e que a fêmea apresentava um cromossomo a mais que ele. Assim, no caso referido, as fêmeas teriam 22 cromossomos e seus óvulos sempre 11 cromossomos. Os óvulos fecundados por espermatozóides com 11 cromossomos produziriam fêmeas, e os fecundados por espermatozóides com dez produziriam machos (idem, 1905b, pp. 538-9).

Não se pode considerar que essas observações fossem suficientes para provar a relação entre os cromossomos acessórios e o sexo, pois, em princípio, haveria outras possibilidades. Poderia ocorrer que apenas um dos tipos de espermatozóide fosse capaz de fecundar os óvulos e que o dimorfismo nada tivesse a ver com o sexo. Poderia ocorrer também que houvesse dois tipos diferentes de óvulos, mas que cada um deles só pudesse ser fecundado por um dos tipos de espermatozóide e várias outras hipóteses possíveis, todas compatíveis com a falta de dados observacionais.

77Assim, nenhuma hipótese dava conta de todas as observações. Wilson (idem, p. 540) tinha esperanças de que mais observações viessem a esclarecer o problema: "Temos agora boas razões para esperar que a observação determine diretamente se o sexo é predeterminado no grupo cromos-sômico; e, além disso, se a função de determinação do sexo pode ser localizada em um cromossomo particular, ou em um par de cromossomos, como sugeriu McClung." Como vimos, muitas incertezas pairavam sobre toda essa situação. Havia dúvidas sobre as observações, a terminologia era confusa, havia resultados contraditórios obtidos por diferentes observadores etc. O cromossomo acessório de McClung era um corpúsculo único, diferente, observado na espermatogênese de alguns insetos, e para o qual Wilson sugeriu o nome de "cromossomo heterotrópico". Os "nucléolos de cromatina" de Montgomery não eram corpúsculos únicos, mas pares de corpúsculos iguais, que Wilson (idem, pp. 509-11) sugeriu chamar de "microcromossomos", ou "cromossomos-m". Os "idiocromossomos" de Wilson eram dois corpúsculos diferentes, que se pareavam e depois se separavam indo para espermátides diferentes. Mais tarde, Montgomery (1904) mudara de idéia sugerindo o nome "heterocromossomos" (expressão que significa, simplesmente, "cromossomos diferentes") para todos esses corpúsculos (aceitando, portanto, que se tratava de cromossomos). Mais para a metade da década de 1900, quando se constatou que a hipótese apresentada por McClung estava equivocada, esta sofreu muitas transformações, adaptando-se às descobertas citológicas e aos experimentos sobre hereditariedade, levando décadas até chegar a uma forma semelhante à atual. Juntamente com os problemas encontrados quanto à observação citológica na época, o que dificultou o estudo da determinação de sexo foi a existência de vários modelos diferentes, mesmo entre os insetos. Wilson, Stevens e outros, entre 1905 e 1912, constataram a extrema complexidade e diversidade dos modelos de determinação sexual, encontrando casos em que o macho era heterozigoto para o sexo (XY) e a fêmea homozigota (XX), outros em que a fêmea era heterozigota e o macho homozigoto, ou ainda o macho possuía um cromossomo sexual ímpar (XO). Além disso, havia espécies dotadas de múltiplos pares de cromossomos sexuais. Morgan (1907), ao estudar as formas partenogenéticas em Philloxera deparou-se com muitas dificuldades, sendo favorável nestes casos a uma herança citoplasmática. A hipótese de McClung foi fundamental na história da determinação do sexo e do estabelecimento da teoria cromossômica. Se não fosse o estímulo dado por este pesquisador, talvez os estudiosos não tivessem se empenhado tanto e feito uma quantidade tão grande de estudos procurando esclarecer a questão ou ela tivesse levado um tempo ainda maior para ser elucidada. Discordamos parcialmente do historiador da ciência Ernst Mayr (1982, p. 751) que, em um estudo sobre herança, diversidade e evolução, dedica apenas uma parágrafo a McClung, concluindo, no fim do mesmo, que "alguns detalhes das conclusões de McClung estavam errados. A história correta da determinação sexual através dos cromossomos logo ocorreu com Nettie Stevens e E. B. Wilson." Ao contrário, acreditamos que tanto na história da determinação sexual, como no processo que levou ao estabelecimento da teoria cromossômica, McClung é um personagem importante, tão importante quanto Stevens ou Wilson, pois não aceitamos uma visão linear da história da ciência, mas sim que ela é construída sobre acertos e erros e que, muitas vezes, a partir de equívocos surgem os acertos, e importantes questões são esclarecidas. Uma hipótese errada pode desviar a atenção dos pesquisadores de outras possibilidades e retardar o desenvolvimento da ciência apenas quando for adotada como ‘verdade’, em vez de algo a ser investigado e testado. Tomadas como simples hipóteses de trabalho, mesmo hipóteses errôneas podem ser úteis. Num apêndice, Wilson (1905b, p. 543) relatou as observações posteriores que confirmaram sua predição, no caso de Anasa: as ovogônias mostravam um cromossomo a mais que as espermatogônias.
Entretanto, as observações existentes ainda eram poucas e contraditórias. Sutton, aparentemente, havia confirmado a hipótese de McClung ao estudar o gafanhoto Brachystola, no qual o macho tinha 23 e fêmea parecia ter 22 cromossomos. Em 1904, Montgomery e Gross, ao contrário, haviam observado em hemípteros que o número de cromossomos era igual nas células germinativas de fêmeas e machos (Wilson, 1905b, p. 516).

Recebido para publicação em setembro de 1998.

Aprovado em março de 1999.

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  • (Pentatoma),

    Em seus estudos sobre a espermatogênese de um outro hemíptero Thomas Harrison Montgomery (1873-1912),
    1
    então lente de zoologia na Universidade da Pensilvânia, deu bastante atenção ao nucléolo. Durante a "fase de repouso" (interfase) das espermatogônias, constatou que a cromatina parecia estar distribuída por uma rede, mas além disso notava-se um centro cromático mais forte: o nucléolo (Montgomery, 1898, pp. 15, 20, 22, 24, 25, 38). Após o aparecimento dos cromossomos, o nucléolo desaparecia. Por ocasião da divisão celular, quando os espermatócitos primários estavam sendo formados, Montgomery observou que, na anáfase, em cada núcleo-filho havia um cromossomo que apresentava uma reação diferente aos corantes em comparação com os outros: "Em cada núcleo, a partir do início da anáfase, um dos cromossomos ainda mantém a coloração vermelha característica de todos eles no período imediatamente precedente, e esse elemento em particular está destinado a se tornar o nucléolo de cromatina, cuja metamorfose será descrita mais tarde." Assim, dos 14 cromossomos originais, 13 se mantinham "normais" e um se transformava. Nessa fase, os cromossomos "normais" apresentavam uma coloração púrpura, bem distinta. Em todos os casos, segundo Montgomery, um único cromossomo sofria essa "transformação" ou "metamorfose", conservando-se distinto por sua coloração vermelha, quando se utilizava safranina e violeta de genciana, até a formação das espermátides. Percebeu que, em muitos casos, o "nucléolo de cromatina" se mantinha separado dos cromossomos durante a sinapse. Após a sinapse, ele se tornava arredondado. O verdadeiro nucléolo começava a aparecer durante a sinapse, mas sua coloração era diferente, e ele surgia no meio dos cromossomos.
  • 2
    Era geralmente difícil observar esse elemento nas espermatogônias, e quase todas as descrições anteriores se referiam aos espermatócitos. No entanto, a partir das poucas descrições existentes, McClung (idem, pp. 613)
    concluiu que na última espermatogônia (ou seja, antes da formação do espermatócito primário) o cromossomo acessório se destacava dos demais, permanecendo separado e sofrendo reação diferente aos corantes no núcleo em repouso. Nos espermatócitos primários, ele aparentemente se dividia longitudinalmente como os outros cromossomos. Na divisão dos espermatócitos secundários, havia uma divergência, já que Montgomery havia descrito uma nova divisão, mas outros autores haviam descrito que o cromossomo acessório não se dividia, e passava para uma das células-filhas apenas. Nas espermátides, segundo McClung, o cromossomo acessório deixava de se distinguir dos demais, e ele conjecturava se todos os cromossomos se fundiriam.
    McClung (idem, pp. 65, 69-71) estava certo de que o corpúsculo era um cromossomo, embora quase todos os autores o tivessem descrito como um nucléolo. Este autor o caracterizou da seguinte forma:
  • 3
    Em uma seção onde discutiam os "falsos híbridos" de Millardet,
    os autores indagaram: "Como regra, prevalece uma boa uniformidade entre os resultados do primeiro cruzamento (F1), e em todos os casos nos quais ocorre uma mistura de formas, deve ser feita agora a pergunta ‘se o fato não é uma prova de que um ou ambos os progenitores estejam realmente produzindo mais de um tipo de gameta’." No parágrafo seguinte, uma curta observação sugeriu que a determinação do sexo poderia ser um fenômeno produzido pela existência de mais de um tipo de gameta.
    Os pressupostos básicos que subjazem a esta conjectura são:
    a) todas as características hereditárias da prole são determinadas pelas características dos gametas;
    b) entre essas características deve ser incluído o sexo;
    c) se os gametas de cada progenitor fossem de um único tipo, haveria um único tipo de zigoto possível, e portanto não poderiam surgir indivíduos de dois sexos.
    Poderia ocorrer, no entanto, que as características sexuais obedecessem a regras diferentes das características independentes do sexo. Poderiam, aliás, depender do que acontece durante o desenvolvimento do embrião, não sendo determinadas no momento da fecundação. Assim, a sugestão de Bateson e Saunders era apenas uma conjectura. No entanto, depois que o corpo do relatório já estava escrito, foi adicionada uma nota (datada de março de 1902) que fazia referência aos estudos citológicos:
  • 4
    Nossa atenção foi chamada por uma nota de McClung,
    sugerindo que a diferenciação dos espermatozóides de muitos insetos e de alguns outros artrópodes, conforme eles contenham ou não o ‘cromossomo acessório’, possa ser uma indicação da diferenciação a respeito do sexo. Esse corpúsculo tem sido objeto de extensivo estudo, especialmente por parte dos pesquisadores citologistas americanos, e mais pesquisas em relação a ele podem ser úteis nesse campo de investigação.
  • 5 de que a distribuição de sexo entre os primeiros cruzamentos mostra um grande distanciamento das proporções normais. O mesmo foi visto por muitos hibridizadores utilizando espécies de animais. Mas existe um fato a mais: ocorre uma variação ainda maior nas relações estatísticas dos sexos nos descendentes dos híbridos, que é mais favorável à hipótese.
    ...Podem ser mencionadas as observações — especialmente aquelas de Wichura (Bastardbefruchtung, p. 44) — de que a distribuição de sexo entre os primeiros cruzamentos mostra um grande distanciamento das proporções normais. O mesmo foi visto por muitos hibridizadores utilizando espécies de animais. Mas existe um fato a mais: ocorre uma variação ainda maior nas relações estatísticas dos sexos nos descendentes dos híbridos, que é mais favorável à hipótese.
  • 6
    Sutton (1902, p. 39)
    inicialmente confirmou a hipótese de McClung, ao estudar os cromossomos de
    Brachystola magna. Observou que nas divisões dos espermatócitos secundários apenas a metade das espermátides resultantes apresentava o cromossomo acessório. Mais importante ainda: ele fez estudos sobre a ovogênese nesse gafanhoto.
  • 7
    Assim, nenhuma hipótese dava conta de todas as observações. Wilson (idem, p. 540)
    tinha esperanças de que mais observações viessem a esclarecer o problema: "Temos agora boas razões para esperar que a observação determine diretamente se o sexo é predeterminado no grupo cromos-sômico; e, além disso, se a função de determinação do sexo pode ser localizada em um cromossomo particular, ou em um par de cromossomos, como sugeriu McClung."
    Como vimos, muitas incertezas pairavam sobre toda essa situação. Havia dúvidas sobre as observações, a terminologia era confusa, havia resultados contraditórios obtidos por diferentes observadores etc. O cromossomo acessório de McClung era um corpúsculo único, diferente, observado na espermatogênese de alguns insetos, e para o qual Wilson sugeriu o nome de "cromossomo heterotrópico". Os "nucléolos de cromatina" de Montgomery não eram corpúsculos únicos, mas pares de corpúsculos iguais, que Wilson (idem, pp. 509-11) sugeriu chamar de "microcromossomos", ou "cromossomos-m". Os "idiocromossomos" de Wilson eram dois corpúsculos diferentes, que se pareavam e depois se separavam indo para espermátides diferentes. Mais tarde, Montgomery (1904) mudara de idéia sugerindo o nome "heterocromossomos" (expressão que significa, simplesmente, "cromossomos diferentes") para todos esses corpúsculos (aceitando, portanto, que se tratava de cromossomos).
    Mais para a metade da década de 1900, quando se constatou que a hipótese apresentada por McClung estava equivocada, esta sofreu muitas transformações, adaptando-se às descobertas citológicas e aos experimentos sobre hereditariedade, levando décadas até chegar a uma forma semelhante à atual. Juntamente com os problemas encontrados quanto à observação citológica na época, o que dificultou o estudo da determinação de sexo foi a existência de vários modelos diferentes, mesmo entre os insetos. Wilson, Stevens e outros, entre 1905 e 1912, constataram a extrema complexidade e diversidade dos modelos de determinação sexual, encontrando casos em que o macho era heterozigoto para o sexo (XY) e a fêmea homozigota (XX), outros em que a fêmea era heterozigota e o macho homozigoto, ou ainda o macho possuía um cromossomo sexual ímpar (XO). Além disso, havia espécies dotadas de múltiplos pares de cromossomos sexuais. Morgan (1907), ao estudar as formas partenogenéticas em
    Philloxera deparou-se com muitas dificuldades, sendo favorável nestes casos a uma herança citoplasmática.
    A hipótese de McClung foi fundamental na história da determinação do sexo e do estabelecimento da teoria cromossômica. Se não fosse o estímulo dado por este pesquisador, talvez os estudiosos não tivessem se empenhado tanto e feito uma quantidade tão grande de estudos procurando esclarecer a questão ou ela tivesse levado um tempo ainda maior para ser elucidada. Discordamos parcialmente do historiador da ciência Ernst Mayr (1982, p. 751) que, em um estudo sobre herança, diversidade e evolução, dedica apenas uma parágrafo a McClung, concluindo, no fim do mesmo, que "alguns detalhes das conclusões de McClung estavam errados. A história correta da determinação sexual através dos cromossomos logo ocorreu com Nettie Stevens e E. B. Wilson." Ao contrário, acreditamos que tanto na história da determinação sexual, como no processo que levou ao estabelecimento da teoria cromossômica, McClung é um personagem importante, tão importante quanto Stevens ou Wilson, pois não aceitamos uma visão linear da história da ciência, mas sim que ela é construída sobre acertos e erros e que, muitas vezes, a partir de equívocos surgem os acertos, e importantes questões são esclarecidas. Uma hipótese errada pode desviar a atenção dos pesquisadores de outras possibilidades e retardar o desenvolvimento da ciência apenas quando for adotada como ‘verdade’, em vez de algo a ser investigado e testado. Tomadas como simples hipóteses de trabalho, mesmo hipóteses errôneas podem ser úteis.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Out 1999

    Histórico

    • Aceito
      Mar 1999
    • Recebido
      Set 1998
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