Open-access O cerrado goiano na literatura de Bernardo Élis sob o olhar da história ambiental

Resumo

O artigo analisa as representações de natureza na literatura de Bernardo Élis, a partir dos pressupostos teóricos e metodológicos da história ambiental. Élis fez parte de um grupo de intelectuais que apresentava, por meio da literatura, as condições de vida na fronteira goiana e as relações humanas nessas paisagens “gerais”. Nas gerais, os dramas de suas personagens misturavam-se ao ambiente físico do cerrado, numa narrativa realista e denunciadora das condições de vida na isolada fronteira (ermos e gerais). Em seu diálogo com a literatura, os fundamentos desse campo da pesquisa historiográfica podem ser adotados como instrumentos analíticos, aliados a concepções relativas à integração entre sociedade e natureza, como as de fronteira e wilderness.

fronteira; natureza; cerrado/história ambiental; Bernardo Élis (1915-1997)

Abstract

This article analyzes the representations of nature in the literature of Bernardo Élis based on the theoretical and methodological assumptions of environmental history. Élis was part of a group of intellectuals whose literature presented the living conditions in the frontier of Goiás and the human relationships occurring in these landscapes. In these scrublands, the dramas of their characters are mixed with the physical environment of the cerrado region in a realistic narrative denouncing the living conditions in this isolated frontier area. In their dialog with literature, the fundamentals of this field of historiographic research can be adopted as analytical instruments, combined with concepts related to the integration between society and nature, such as the frontier and wilderness.

frontier; nature; cerrado/environmental history; Bernardo Élis (1915-1997)

Começou a escurecer nevroticamente. Uma noite que vinha vagarosamente, irremediavelmente, como o progresso de uma doença fatal.

Bernardo Élis (2005, p.4)

Um significativo número de estudos, em diferentes áreas da historiografia, vem promovendo seu diálogo com os estudos literários. Neste trabalho temos em vista refletir, especificamente, sobre a literatura do escritor goiano Bernardo Élis, a partir de concepções hauridas da história ambiental. Buscamos compreender a função que a natureza assume em sua literatura e a percepção do autor acerca dos dramas vividos pelo homem em sua relação com o ambiente natural, por meio da representação ficcional das condições de vida na fronteira Oeste durante o século XX. Para tal, lançamos mão dos termos do autor, que nomeia seu espaço de referência como “ermos e gerais”, categoria que definimos como “antropofitogeográfica” e que aqui será articulada aos conceitos de “domínios da natureza” (Ab’Saber, 2003), “fronteira” (Turner, 2010; Martins, 1997) e wilderness (Nash, 1982; Cronon, 1996). Acreditamos que a ficção de Élis apresente vários momentos em que narrador, narrativa, cenário natural, real e hiper-realidade fundem-se na dramatização da vida na fronteira, às margens do rio Corumbá.

Quando do lançamento da obra Ermos e gerais (2005), em 1944, Mário de Andrade definia a literatura de Bernardo Élis como a reverberação da oralidade e das paisagens goianas (Marchezan, 2005). Essa observação, credenciada por um ator fundante da literatura modernista no Brasil, demonstra o impacto das descrições de paisagens goianas e da busca, por Élis, de reproduzir a sonoridade da expressão popular regional. Assim, sua obra destaca-se tanto por veicular um modo de dizer, de colocar-se para o mundo, quanto uma maneira de perceber os domínios do cerrado, na fronteira Oeste, Planalto Central brasileiro. Paisagens, sociabilidades e sensibilidades características da relação do homem com a natureza estão presentes na composição da visão de mundo expressa nos contos de Élis, que valorizam o ambiente como cenário dos dramas humanos nos rincões do Brasil. É a partir desse lugar de isolamento apresentado por Élis que nos propomos a realizar uma análise que aproxima a história ambiental e a literatura.

Domínios da natureza, fronteira e wilderness

Os cenários das gerais apresentam campos, rios, fazendas, pastagens, buritizais e florestas que expressam as vivências do sertão goiano na fronteira Goiás: “Corumbá sempre foi uma entrada para o sertão, aonde os moradores distantes vinham se abastecer de artigos de metal, arame farpado, sal e alguns artigos manufaturados ou de fábrica, além de um pouco de farinha de trigo, café e remédios” (Élis, 1997, p.21-22). No início do século XIX, o naturalista Saint-Hilaire registrou, em suas visitas à província de Goiás, sua percepção do arraial de Corumbá, descrevendo a pobreza herdada da mineração, a reorganização econômica promovida pela agricultura e o trabalho das mulheres fiando algodão, trocado por mercadorias. O destaque era a produção do fumo de qualidade, uns dos produtos mais valorizados da província, nas terras altas dos Pirineus. Transportado nas rotas do sertão, era distribuído pelo Brasil e no exterior (McGreery, 2006). Sobre o vilarejo, o viajante assim se referia: “O pequeno Arraial de Corumbá tem o formato de um triângulo, achando-se situado na encosta de um morro, tendo a seus pés o rio que lhe dá o nome. Suas ruas são largas, e as casas pequenas e extremamente baixas” (Saint-Hilaire, 1975, p.32). A descrição do sertão goiano nas observações de Saint-Hilaire demonstra a natureza externalizada e evidenciada como ambiente físico.

O conceito de domínios da natureza pode assumir o significado de paisagem, segundo Ab’Saber (2003). No entanto, ele transcende as representações meramente paisagísticas que caracterizam, geralmente, os biomas, podendo ser compreendido como “uma herança em todo o sentido da palavra: é herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram, como território de suas comunidades” (Ab’Saber, 2003, p.9). Compreendido como território natural e como espaço de interações e heranças culturais, o conceito de domínios da natureza converge com as ideias defendidas por Frederick Jackson Turner (2010) no clássico ensaio The frontier in American history, publicado originalmente em 1893. A frontier, compreendida como um espaço de expansão da presença humana no território, significou o encontro do esforço colonizador com a realidade de uma natureza externalizada, natureza em si, compondo uma nova paisagem. Referendada pela obra de Turner, estabeleceu-se uma dualidade entre as noções de frontier e border (ou boundary). Border designava a linha que demarcava os limites políticos do país, enquanto frontier referia-se a uma zona de expansão, uma faixa de domínio territorial que ia se expandindo juntamente com a expansão da população norte-americana, ou seja, era o limite da zona povoada, a chamada zona pioneira, significado limitado, entretanto, aos EUA (Magnoli, 1996). Naquele país, a literatura da frontier esteve vinculada à construção da identidade e de um estilo de vida constituído na relação entre o pioneiro, a frontier e o cenário natural, a wilderness (Turner, 2010; Cronon, 1996; Nash, 1982). Na frontier são identificadas as origens do estilo de vida norte-americano, o que gerava o sentimento de incerteza quanto ao futuro do país após o esgotamento dos territórios selvagens. Empregaremos, neste trabalho, o termo fronteira exclusivamente no sentido de frontier.

Na historiografia brasileira, Sérgio Buarque de Holanda dialogou com a obra de Turner a partir de seus estudos sobre o deslocamento de populações da vila de São Paulo, no século XVII, em direção a terras ainda livres, onde eram fundados novos núcleos urbanos. Tal necessidade provinha da progressiva saturação das vilas, em particular à medida que as terras férteis se esgotavam, sob a pressão das técnicas de cultivo predatórias. Como escreveu o autor no clássico Raízes do Brasil, “a verdade é que a grande lavoura, conforme se praticou e ainda se pratica no Brasil, participa, por sua natureza perdulária, quase tanto da mineração quanto da agricultura” (Holanda, 1976, p.18). As novas vilas assumiam a função de atuar como “válvula de segurança” nos momentos em que o excesso demográfico podia tornar-se uma ameaça à manutenção da estrutura social. O próprio Sérgio Buarque anotou a semelhança entre essa dinâmica populacional e o processo descrito por Turner, ainda que o historiador brasileiro observasse, nos seus estudos, menor intensidade e constância que no caso norte-americano (Wegner, 2000).

Relacionando as categorias de fronteira e natureza, Nash (1982) reforça a ideia de que a wilderness foi o ingrediente básico para a formação da cultura norte-americana. Sua obra foi, justamente, buscar o sentido de wilderness para a construção da identidade americana e as transformações desse conceito ao longo da história, como invenção cultural sujeita a um conjunto de variações norteadas por uma concepção teológica do termo. As variações decorriam das temporalidades em que os significados se moviam, sendo a wilderness considerada o lugar do domínio do mal, do demônio, ou, alternativamente, espaço do sublime ou da glória do criador. Segundo Cronon (1996), a junção dos termos wilderness e frontier (fronteira) assume, na cultura dos EUA, uma nova carga de sentidos morais, simbólicos e culturais. Decerto, a colonização dos EUA foi fundamentada por princípios puritanos que nutriram uma visão teológica da natureza em seu estado bruto, a wilderness (Stoll, 2007). Esse conteúdo teológico, tributário de um sentido missionário de construção espiritual, mantém uma arraigada moral protestante. Essa percepção é compartilhada por Lúcia Lippi Oliveira (2000, p.127), que afirma:

O wilderness é representado por duas imagens antitéticas que se fazem presentes nos mitos gregos, romanos e medievais. Uma, a da felicidade, a da ilha bem aventurada, a do paraíso, do lugar e do tempo antes do pecado. A outra, a do inferno, da obscuridade, da morte, do lugar vazio de homens, da solidão, do mundo das trevas.

Uma percepção teológica da wilderness como um paraíso em potencial, um jardim do Éden que poderia ser reconstruído na América, norteou a cosmovisão puritana, reforçada por uma concepção arcadista do território, que seria dominado pela ética do trabalho e do senso liberal e individualista de bastar-se a si mesmo. Compreende-se, assim, a grande tese de Turner (2010) sobre o efeito da fronteira na história americana.

A reflexão sobre a natureza sempre foi uma preocupação constante no debate cultural do Ocidente. No entanto, a história ambiental, surgida nos EUA na década de 1970, é um campo relativamente novo na historiografia, ainda que influenciado por debates sobre a problemática do impacto da ação das sociedades humanas sobre o ambiente, que vinham sendo realizados desde o século XIX (Pádua, 2012). O próprio objeto de estudo desse campo historiográfico deve ser problematizado, pois o “conceito de natureza e os termos que estão associados a ela são, em muitos sentidos, históricos. Os seus significados, e as próprias palavras, são historicamente construídos, ao mesmo tempo refletindo e constituindo a mudança social” (Barca, 2012, p.7). As paisagens naturais obedecem aos ciclos de transformações que regem as leis da natureza, o que implica a necessária observação das temporalidades, tão decisiva quanto a percepção do espaço. A relação humana com o meio físico, em suas diversas unidades conceituais – paisagens, territórios, regiões –, confere à natureza um sentido necessariamente histórico. Assim, a história ambiental busca estabelecer uma nova narrativa, capaz de articular de forma inovadora as dimensões do homem, do espaço e do tempo. De acordo com Worster (1991, p.199), que procurou estabelecer os pressupostos teóricos desse novo campo da pesquisa historiográfica,

[a] História Ambiental é, em resumo, parte de um esforço revisionista para tornar a disciplina da história muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tem tradicionalmente sido. Acima de tudo, a história ambiental rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se desenvolveu sem restrições naturais, de que os humanos são uma espécie distinta e ‘supernatural’, de que as consequências ecológicas dos seus feitos passados podem ser ignoradas.

A dimensão histórica da natureza vai, assim, além do sentido territorial das ações humanas, pois a história ambiental fundamenta-se, de acordo com essa proposta, em três níveis de análise do processo interacional entre cultura e natureza.1 Na concepção de Worster (1991), um primeiro nível descreve a relação entre os humanos e os ecossistemas, ou seja, a natureza compreendida pelas suas características orgânicas e inorgânicas. Num segundo nível estão as condições socioeconômicas em sua interação com a geografia. Já o terceiro nível aborda os processos interacionais propriamente culturais, relativos ao universo dos sentidos. No terceiro nível se trabalha, portanto, no contexto de uma interação mais intangível, “puramente mental ou intelectual, no qual percepções, valores éticos, leis, mitos e outras estruturas de significação se tornam parte do diálogo de um indivíduo ou de um grupo com a natureza” (p.202).

Podemos aplicar conceitos como esses e os anteriormente citados à literatura de Bernardo Élis, que adotou como temática central de suas narrativas a observação da natureza como cenário e como agente em contínuo processo de interação com o homem.

A literatura de Bernardo Élis e as representações do cerrado

No Brasil, país de dimensões continentais, a conquista territorial esteve ligada à visão encantada da riqueza nas regiões de fronteira. As muitas áreas ainda não dominadas pela “civilização” foram palco de expedições colonizadoras que vislumbravam no interior do território grandes oportunidades. Não apenas nas narrativas literárias, mas também nos discursos que tratavam do tema, a colonização era compreendida como um deslocamento em direção ao “Eldorado”. Essa representação esteve presente em vários momentos da história do país, como a ocupação da região das minas no Sudeste e Centro-oeste no século XVIII, a expansão da cultura cafeeira a partir das últimas décadas do século XIX e as migrações destinadas à extração da borracha amazônica no início do século XX. Outros movimentos de frente de expansão identificavam na fronteira o imaginário da prosperidade, força propulsora da ocupação territorial em suas diferentes etapas. A expansão dos domínios portugueses na América a partir do litoral permitiu alçar o movimento bandeirante do século XVI à condição de mito fundador, consagrado por Cassiano Ricardo (1959) em Marcha para Oeste, publicado originalmente em 1940.

Na visão de um sociólogo contemporâneo, José de Souza Martins (1997, p.16), nada poderia ser mais contraditório com esse imaginário do “Eldorado” que o significado objetivo da fronteira como o “território da morte e o lugar de renascimento e maquiagem dos arcaísmos mais desumanizadores”. Para o autor, a verdadeira representação da fronteira, e o que realmente a define, é a situação de conflito, uma vez que aquela realidade singular promove o encontro de sujeitos essencialmente diferentes uns dos outros. Nesse lugar de encontros e desencontros de temporalidades históricas, concepções de vida e visões de mundo distintas, o tempo é uma dimensão provisória, que deixa de existir quando desaparecem os conflitos e se estabelece a ordenação político-institucional do território. Surge daí a percepção do “tempo da fronteira”, característico dos processos de expansão territorial que podem ser identificados em momentos específicos da história goiana. Nesse contexto, a natureza se apresenta de forma sombria, alheia aos dramas do ser humano, uma realidade ora dramática, ora trágica.

O processo histórico característico da fronteira goiana foi irregular, descontínuo e marcado por diferentes etapas, o que conduz McGreery (2006) a defini-la como uma fronteira “queijo suíço”, na qual os espaços de ocupação são intermeados de amplos vazios territoriais. O desbravamento geográfico do território goiano tem origem nas expedições bandeirantes desde o final do século XVI. No século XVIII, experimenta-se um novo movimento, de curta sobrevida, em que se observa a formação urbana nas zonas de mineração. A ocupação do território, após esse período, é caracterizada pela expansão das fazendas de gado e das “roças” de subsistência e de economia mercantil.

Estudando a evolução econômica do estado de Goiás, Francisco Itami Campos (1985) enfatiza que a pecuária foi, historicamente, a atividade responsável pela inserção da economia goiana no cenário nacional. Responsável pela abertura de novas frentes de expansão no território, promoveu sua ocupação e tornou-se a principal atividade econômica de Goiás após a crise da mineração. Isso pode ser explicado pelas condições convenientes à pecuária extensiva, que exigia pequeno capital e pouca mão de obra, beneficiando-se do território abundante em terras despovoadas, de baixa densidade demográfica. Além disso, a topografia favorável e a mobilidade da mercadoria propiciaram seu desenvolvimento nessa região distante do mercado consumidor, compensando a falta de estradas e ferrovias para o transporte e a expansão da pecuária. Alargavam-se, assim, as fronteiras goianas, impulsionando a conquista de novos territórios por meio do desbravamento de matas e cerrados para a criação de gado. Assim, a ocupação de grandes extensões de terra, principalmente nas áreas de cerrado, foi promovida pela expansão da criação de gado, desde o final do século XIX (Borges, 2000, p.107).

O cerrado brasileiro experimentou diversos processos de intervenção humana ao longo do tempo. Considerando diferentes temporalidades na eco-história do Planalto Central, procuramos nos concentrar nos processos de expansão da fronteira em direção à incorporação do cerrado ao território, a partir do século XVIII. Para tal, lançamos mão da obra de um ficcionista que adotou esse cenário e sua história como espaço-tempo referencial para a construção de seu universo literário, centrado nas relações do homem com a natureza e nos processos de formação social característicos da fronteira oeste do Brasil.

A obra ficcional de Bernardo Élis pode ser lida como uma expressão desse avanço humano no território da fronteira, em convívio, entretanto, com os espaços naturais que definiam os “vazios” isolados e obscuros. Bernardo Élis Fleury de Campos Curado nasceu em 15 de novembro de 1915, nos “cafundós” e “nos ermos” do distante Goiás, segundo suas próprias palavras. Consagrado por suas obras Veranico de janeiro e Caminhos e descaminhos, seu primeiro livro foi Ermos e gerais, lançado em 1944. O escritor logrou considerável sucesso e foi muito bem visto pelos críticos da época, fortalecendo a presença de Goiás no cenário da ficção brasileira (Almeida, 1985). Sua literatura remete ao conceito de domínios da natureza porque integra à representação da paisagem, recurso literário intensamente utilizado em suas narrativas, elementos culturais e processos ambientais, valorizando a relação do homem com o meio na dinâmica de suas interações, harmônicas ou conflituosas.

No momento em que Élis surge na cena literária brasileira, o sertão nordestino já havia sido incorporado à cultura do país, desde o regionalismo romântico d’O sertanejo, de José de Alencar, ao romance social da década de 1930, passando por manifestações como o rude naturalismo de Rodolfo Teófilo. A obra de Bernardo Élis, precedida por Tropas e boiadas, de Hugo de Carvalho Ramos (1917), dá continuidade à tendência realista-naturalista, em sentido amplo, já característica do regionalismo brasileiro, participando da construção de uma narrativa “goiano-mineira”:

Desde o aparecimento de Ermos e gerais, em 1944, Bernardo Élis se tornou vanguardeiro de um novo ciclo da ficção brasileira – o do sertanismo goiano-mineiro. Cronologicamente, é ele o primeiro. Vieram depois Guimarães Rosa (Sagarana é de 1946), Mário Palmério (com Vila dos Confins, em 1956) e José J. Veiga (Os cavalinhos de Platiplanto, 1959). E a literatura do Oeste passou a competir em prestígio e significado nacional com a literatura do Nordeste, que se havia transformado numa literatura líder, a partir da fornada dos grandes romances de conteúdo social iniciada com A bagaceira, de José Américo de Almeida. A literatura do Nordeste ficou ligada à Revolução de 1930 (Barbosa, 2008, p.XI-XIV).

Suas obras trazem uma linguagem que demonstra agilidade e concisão, além de um peculiar interesse pela composição detalhada do universo físico em que se movem seus personagens, fazendo conviverem a linguagem realista e uma separação tênue entre o real e o imaginário. Sendo o autor um participante solidário daquele universo cultural, o jogo ficcional que ele conduz é muitas vezes movido a partir do olhar dos personagens, em suas crenças e valores. Dando a conhecer os modos de vida, as práticas cotidianas e a dinâmica social do interior goiano, o autor se dedica, simultaneamente, a registrar os recursos expressivos característicos de sua região, mantendo as variações linguísticas características da oralidade popular de Goiás. Dessa forma, sua literatura alcança significativa organicidade, ao integrar a expressão linguística regional, o descritivismo paisagístico e a dinâmica da prosa narrativa.

Os escritos de Bernardo Élis ocupam-se, assim, das experiências, sociabilidades e práticas do homem, camponês ou provinciano, no Oeste brasileiro. O título de Ermos e gerais é eloquente acerca da centralidade do ambiente físico na conformação dos dramas vividos por seus personagens: os “ermos” definem lugares distantes, ainda em grande parte desabitados e compostos por terras devolutas, e somam-se às “gerais”, forma coloquial de referir-se ao cerrado. Ambos dizem respeito tanto a uma paisagem quanto a uma condição humana. A diversidade dos personagens, pertencentes a diferentes estratos sociais, não apaga, entretanto, a imposição do ambiente natural sobre todos.

Essa pressão despótica do meio sobre o homem denota uma condição que Henry Thomas Buckle, um dos autores mais influentes na formação do pensamento cientificista brasileiro, definiria como uma precária “maneabilidade da natureza”, ou seja, condição em que, em vez de servir aos propósitos dos homens, a força do ambiente define-se como poderoso entrave ao desenvolvimento da civilização. Esse foi o principal suporte teórico da primeira parte, “A terra”, d’Os sertões de Euclides da Cunha, obra fundamental para a tomada de consciência, pela elite culta brasileira, das realidades obsoletas do interior do país e do desafio de sua incorporação efetiva à nacionalidade (Murari, 2007, Murari, 2009). Nesse caso, a natureza exerceria uma força dissolvente e irresistível de dominação e subjugo, tanto pelos efeitos concretos das manifestações grandiosas dos elementos quanto pelo seu impacto sobre a imaginação, que tornaria o homem excessivamente impressionável. Na obra de Bernardo Élis, o despotismo da natureza define alguns dos dramas fundamentais vividos por seus personagens, dominados pelas precárias condições de sobrevivência, em meio a uma generalizada pobreza de conhecimento e de meios tecnológicos. Nessa condição de incapacidade de fazer face às forças naturais, e menos ainda de convertê-las em riqueza material, revela-se uma penúria generalizada.

A presença autoritária da natureza não pode ser dissociada, entretanto, de uma equivalente condição social de violência e espoliação, definindo uma conjuntura em que a mão pesada dos “ermos e gerais” agrega-se a um simétrico despotismo exercido pelo ordenamento da vida coletiva, marcada, em um contexto de restrição ao acesso à propriedade de terras, pelo exercício arbitrário da força dos “coronéis” sobre os dependentes. O mundo social, internalizado como realidade objetiva, integra-se à subjetividade do escritor na criação de um universo ficcional que acompanha os indivíduos em sua relação com o meio físico e a sociedade, o que implica “interações, deslocamentos e modificações” recíprocos entre os personagens e o mundo em que se movem (Veloso, 1988, p.240).

Na obra de Bernardo Élis, a observação da natureza assume uma função poética que homologa as temáticas ficcionais, fundamentadas em narrativas dramáticas que evidenciam o drama do sertanejo nos ermos da fronteira. O realismo hiperbólico e expressionista evidencia as formas de coação exercidas sobre os personagens, que vivem experiências de abandono e desumanização. O imaginário noturno, sombrio e sobrenatural participa da composição de uma atmosfera povoada pelos medos que caracterizavam o convívio com o meio impiedoso dos ermos de Goiás. A noite surge, assim, na economia da narrativa, como um conjunto de efeitos cenográficos que dramatizam as angústias e aflições humanas, como simbolização do desconhecido e do imaginado. Na falta de luminosidade, cria-se um universo de signos que parece fugir ao alcance da razão: falsas aparências, identidades indistintas e generalizado apagamento de limites exercem, sobre os espíritos impressionáveis, sugestões que apontam para um fantástico mundo de mistério e horror.

Em suas narrativas memorialísticas, a noite associa-se também a uma condição sublime própria à natureza, em contraste com a revelação do grotesco repertório das fraquezas e misérias humanas reveladas pela dinâmica entre indivíduos e grupos humanos. Nas memórias do escritor, a superposição de tais dimensões é revelada pela influência de Rosa, uma criada sertaneja, fruto de um ramo decadente da tradicional família dos Fleury-Curado, que havia prestado serviços em sua casa de infância. A personagem, acolhida em decorrência de uma tragédia familiar, posiciona-se frente à vida e aos seus dramas de maneira a evidenciar o que eram, na visão do escritor, as fragilidades da educação recebida dos pais. Embora reconhecesse nela um exemplo de bravura e determinação, a despeito dos seus próprios dramas, a força da relação de Rosa com o mundo trágico e maravilhoso dos confins do sertão define o estranhamento do escritor frente aos aspectos sobrenaturais da imaginação sertaneja: “eu compunha a minha própria canção narrando estórias fabulosas, geralmente trágicas, como as que Rosa nos narrava, de mortes e assombrações, de feiticeiros e fadas miraculosas, a inúmeras assombrações que moravam em cada recanto da casa, em cada beco, em cada esquina, com os quais éramos ameaçados a cada instante” (Élis, 1997, p.42).

O menino cria-se, assim, em um universo povoado de temores: às sugestões atemorizantes das entidades sobrenaturais, somavam-se animais selvagens, gado indomado e, especialmente entre as crianças, relatos fantasiosos de sequestros, mutilações e assassinatos perpetrados por ciganos e índios. Em sua produção ficcional, Rosa empresta seu nome à sertaneja exilada em um pequeno povoado, caracterizada por sua incapacidade de adaptação ao novo espaço, o que desperta, nos demais, sentimentos de total incompreensão de seu modo de ser. Diferentemente da personagem das memórias do escritor, a estranheza da Rosa ficcional não está em sua comunicação com o mundo sobrenatural, e sim com a natureza, com a qual se confunde, sendo capaz de conjurar suas forças para transformar o ambiente doméstico de acordo com os códigos do sertão (Élis, 1966, p.81-102).

Se partirmos dos níveis de análise da interação entre cultura e natureza propostos por Worster (1991), podemos observar a relevância do estudo da obra de Bernardo Élis a partir do referencial teórico da história ambiental. Do ponto de vista da interação entre o homem e o meio, podemos destacar, por exemplo, “Nhola dos Anjos e a cheia do Corumbá”. O conto narra a trajetória de uma família de imigrantes mineiros que vieram para a fronteira goiana, na segunda metade do século XIX, temporalidade explicitada pela referência à chegada da família “no tempo da Guerra do Lopes, ou antes ainda” (Élis, 2005, p.5). Esses moradores da fronteira instalaram-se às margens do rio Corumbá, iniciando uma atividade de criação de gado (cattlefrontiers),2 fixando-se na proximidade das antigas áreas remanescentes da exploração aurífera de Corumbá e Meia Ponte (Pirenópolis).

O texto tematiza a precariedade da sobrevivência no sertão goiano durante os anos em que as ondas migratórias deslocavam-se para a fronteira, apresentando como circunstâncias paralelas a presença constantemente ameaçadora do rio e a condição de passividade em que havia sido lançada a família que, apesar do desejo de fixar-se em um terreno em áreas devolutas do sertão goiano, não encontra alternativas de vida e vai se deixando ficar. Isso conduz à aniquilação de muitos de seus membros e de seus recursos materiais, em meio à limitação das condições produtivas e às doenças contraídas em função da proximidade com o rio, definidas genericamente como “maleita”. O conto narra uma noite de destruição causada pela cheia repentina do rio, o que conduz ao extermínio dos últimos remanescentes da família: Nhola (a velha matriarca), Quelemente3 (o filho) e o neto, não identificado nominalmente no texto, além do cachorro Chulinho.

‘Este ano, se Deus ajuda, nóis se muda’. Há quarenta anos a velha Nhola vinha ouvindo aquela conversa fiada. A princípio fora seu marido: ‘Nóis precisa se muda, pruquê senão a água leva nóis’. Ele morreu de maleita e os outros continuaram no lugar. Depois era o filho que falava assim, mas nunca se mudara. Casara-se ali: tivera um filho; a mulher dele, nora de Nhola, morreu de maleita. E ainda continuaram no mesmo lugar a velha Nhola, o filho Quelemente e o neto, um biruzinho sempre perrengado (Élis, 2005, p.6).

Há, assim, uma correlação imediata entre o poder de aniquilação da natureza e a incapacidade da família de opor qualquer resistência a ela, de maneira que seu destino se impõe como uma desgraça anunciada, perfeitamente previsível e antecipada pelas próprias vítimas. A força da natureza soma-se, assim, ao baixo nível de racionalização dos personagens, em relação ao qual o narrador não demonstra uma postura de fácil condescendência: além de se fixarem em uma localização sabidamente ameaçadora, reagem ao perigo iminente da cheia com superstições – como a de desenhar na terra três círculos concêntricos – e práticas tradicionais ineficazes: “Dependurou numa forquilha a caroça, – que é a maneira mais analfabeta de se esconder da chuva” (Elis, 2005, p.4).4

O poder da natureza na obra de Bernardo Élis está muito além, portanto, de seu sentido simbólico: sua força é, em muitos momentos, objetiva e massacrante, mas essa condição não é vista como necessária, e sim como um reflexo de limitações sociais, tecnológicas e mentais. No conto citado, o autor descreve uma cena em que a avó paralítica, o filho indolente e o neto opilado representam as três gerações de moradores que sobrevivem precariamente ao meio insalubre. Na cena de maior dramaticidade, os três vagueavam numa jangada improvisada, uma porta tecida com palha de buriti, lutando contra a violência das águas que rumavam em direção à cachoeira, o salto do Corumbá. A velha matriarca cai no rio e fica presa a essa jangada, tentando agarrar-se a ela, mas, diante do perigo iminente, o filho vê-se no dilema de escolher entre o socorro à mãe entrevada ou a proteção do filho e de si mesmo, em meio à fúria das águas e à proximidade fatal da cachoeira. Quelemente, enfim, solta-lhe um chute de desespero, lançando-a na escuridão das águas. Porém, ao perceber a violência moral do seu ato, deixa-se afinal levar pela correnteza. “Era o rio que reclamava mais uma vítima”, pontua o narrador (Elis, 2005, p.10).

Mais uma vez, a dramaticidade é reforçada pelo poder metafórico do cenário noturno, associado à morte: “A noite era feito um grande cadáver, de olhos abertos e embaciados”. A fusão da imagem do rio à do céu escuro – ambos vistos como grandezas infinitas – demonstra a força evocativa da prosa de Élis: “As águas roncavam e cambalhotavam espumejantes na noite escura que cegava os olhos, varrida de um vento frio e sibilante. ... águas escachoantes, rugindo, espumejando, refletindo cinicamente a treva do céu parado, do céu defunto, do céu entrevado, estuporado”(Élis, 2005, p.10-12). Enquanto o rio é o elemento ativo que move os eventos, os personagens da narrativa pouco mais fazem que reagir, o que até então apenas havia possibilitado, entretanto, uma sobrevivência miserável e arriscada. Ao fim e ao cabo, a trajetória da família divide-se entre o fatalismo de quem se mantém preso às circunstâncias nefastas do meio e a dramaticidade do momento em que o rio impõe seu ultimato. No universo metafórico de Élis (2005, p.12), enquanto a família é arrastada passivamente pela correnteza, o rio é associado a imagens humanas que remetem a experiências de dramaticidade, terror e morte: “A água barrenta e furiosa tinha vozes de pesadelo, resmungo de fantasmas, timbres de mães ninando filhos doentes, uivos ásperos de cães danados. Abriam-se estranhas gargantas resfolegantes nos torvelinos malucos e as espumas de noivado ficavam boiando por cima, como flores sobre túmulos”.

Dentre os elementos naturais, a imagem das águas do rio era, decerto, particularmente terrificante para aqueles que se criaram no universo dos medos sertanejos, seja pelas doenças palustres, pelos poços profundos que esburacavam seu leito ou pela força da correnteza, sobretudo na estação chuvosa. Mais uma vez, a biografia do autor sugere analogias com sua criação ficcional, que se volta à representação do medo. No conto “O menino que morreu afogado”, percebem-se os sentimentos dúbios despertados no narrador pela observação da cena da retirada do corpo de uma criança das águas do rio. De um lado, encontramos o desconforto despertado pela presença da morte e pelo sentimento de desamparo das crianças que viviam à beira do rio, que tinham nas águas sua escola, sua diversão, “o carinho que o trabalho não deixava as mães lhes dar. Davam-lhes brinquedos que a falta de cobre negava” (Élis, 2005, p.140). Por outro lado, esse olhar parece um tanto abalado pela percepção da liberdade experimentada pelas crianças pobres, que não tinham os brinquedos natalinos, mas viviam na perigosa cumplicidade com o rio, com a expectativa dos dramáticos movimentos de suas águas. Ao final, a morte da criança, filha de uma cozinheira, acaba por ser tratada como mais uma das pequenas tragédias cotidianas do sertão, deixando, entretanto, fortes impressões na imaginação aterrorizada que inspira o narrador.

Portanto, apesar da função determinante exercida pela natureza na tragédia humana, seu poder não é absoluto e atinge desigualmente pobres e ricos. A violência das águas – das chuvas e, em seguida, dos rios – não atingia exclusivamente, é claro, apenas os pobres, mas esses eram bem mais suscetíveis a sofrer suas consequências, pela limitação dos seus recursos produtivos, pela fragilidade e insalubridade de suas residências, por sua incapacidade de resistir às pressões do meio ou de trabalhar para seu melhoramento.

O escritor adota, no conto “Nhola dos Anjos e a cheia do Corumbá”, uma perspectiva inversa à da observação do nomadismo que caracterizou a inserção territorial da população pobre no Brasil. A Lei de Terras de 18505 criou o mercado fundiário no Brasil, como reação à extinção do tráfico de escravos, ocorrida no mesmo ano. A lei manteve a tendência à formação de latifúndios e dificultou o acesso à propriedade pelo trabalhador pobre, prendendo-o, assim, a uma persistente condição de dependência. A concentração da propriedade territorial somada a eventos como a Guerra do Paraguai, a Abolição da Escravatura, a Guerra de Canudos, a Revolução Federalista e a Guerra do Contestado impôs ao trabalhador pobre do campo um imperativo de mobilidade (Wissenbach, 1999).

Ao lado disso, a pobreza de expedientes tecnológicos fazia com que o uso dos recursos naturais assumisse um caráter espoliativo, o que obrigava essa população a mover-se constantemente, seja por pressão dos proprietários, seja pelo esgotamento das riquezas imediatamente disponíveis – a terra fértil e a caça, por exemplo (Murari, 2004). Na narrativa de Bernardo Élis, a pobreza das condições de vida tem efeito contrário: mantém a família presa a um território insalubre e ameaçador. Se, no caso das populações nômades, a mobilidade é uma condição de sobrevivência no contexto de escassas possibilidades de melhoria, entre a família dos Anjos a permanência à beira do rio não é o sinal de qualquer forma de fixação ao solo que significasse constância, continuidade ou melhoramento, mas apenas de inércia, passividade ou temor.

A presença destrutiva dos elementos naturais é, na obra de Élis, bem mais notável que qualquer sugestão de abundância de recursos ou de prosperidade. As cheias oferecem alguns dos momentos mais dramáticos dessa literatura e podem ser tomadas como símbolos de uma natureza excessiva, perturbadora, que impunha empecilhos vários a sua instrumentalização. Para além da beleza paisagística, que oferece os tons poéticos mais evidentes da prosa do escritor, as cenas naturais observadas raramente veiculam representações que possam sugerir prosperidade ou harmonia: a “luta pela vida” entre as rolinhas e o gavião (“O padre e um sujeitinho metido a rabequista”), a presença invariável do Tocantins como metáfora de uma região estagnada (“Ontem, como hoje, como amanhã, como depois”), o calor e os insetos insuportáveis (“Veranico de janeiro” e “Ah, se chovesse!”).

Se consideramos o duplo sentido do termo wilderness (natureza hostil e tenebrosa/natureza paradisíaca e criação divina), portanto, verificamos que a imagem da natureza terrificante tem, no realismo de Élis, uma presença muito mais constante que os sonhos de prosperidade na fronteira. O cabo Sulivero, personagem de um dos contos de Caminhos e descaminhos, por exemplo, parte para o garimpo com a esperança de fazer fortuna, mas o insucesso acaba fazendo com que seus sonhos desloquem-se para o Sul do país, um Paraná do café igualmente paradisíaco. Em outro conto, o delírio da fortuna conduz um personagem, Lucindo, ao assassinato, e outro, Josafá, a perder o emprego, a família e todos os bens – o que, aliás, não o convence da inutilidade de seus esforços.

O destino dos sonhadores de Bernardo Élis é inevitavelmente inglório, pois, na fronteira, a barbárie não apenas predomina na natureza, mas também caracteriza o comportamento dos seres humanos. A precariedade da ordem institucional é evidenciada, no campo ficcional, pela indistinção entre os pretensos agentes da ordem e os criminosos, pois a fronteira é, como observou Martins (1997), o espaço do conflito: entre homem e natureza, dos homens entre si. Soldados são, em vários contos, atores truculentos, garantidores do domínio sobre a população despossuída, em conluio com os detentores do poder, ou paralelamente a eles: “o chefe político local possuía o monopólio exclusivo desses atos de violência e ficou furioso com a concorrência do soldado. Mandou imediatamente duas cabras atrás dele” (Élis, 2005, p.120).

A natureza é uma dimensão fundamental do universo dramático dos contos de Élis, mas seu impacto deve ser sempre analisado também do ponto de vista das condições materiais, técnicas e sociais de sobrevivência das populações pobres do país, em particular nas regiões distantes dos centros econômicos mais produtivos. Portanto, deve também ser observado o segundo nível de análise da relação entre sociedade e ambiente natural proposto por Worster, ou seja, as circunstâncias sociais da inserção do homem no espaço geográfico; podemos observar então o quanto elas condicionam o primeiro nível. No caso do conto sobre a cheia do rio Corumbá, o sofrimento dos moradores da beira do rio e sua dificuldade de realocação podem ser relacionados às condições político-institucionais em vigor, que limitavam o acesso à terra, criando uma condição de marginalidade que se estende ao longo de três gerações acuadas pelos perigos da cheia e da insalubridade do rio.

Em outras narrativas, a mediação social da relação entre homem e natureza é mais nítida, sobretudo, por meio da valorização das diferenças sociais e das relações de poder. Entre os pobres, a extrema limitação de recursos manifesta-se em uma dependência completa em relação à natureza, como no conto “Moagem”: “por ali não havia relógio. Calculava-se o tempo pelos pios das aves, pelo aspecto do céu, pela posição do sol, da lua e das estrelas. Podia ser no máximo uma hora da manhã” (Élis, 1965, p.86-87). O baixo nível educacional, a condição de dependência dos agregados e a precariedade dos meios produtivos criam um cenário em que, apesar da disciplina rígida e do esforço vigoroso, gerava-se uma situação de miséria extrema, pintada por Élis (1965, p.85-86) sem meias palavras:

Apesar, porém, da canseira, Totinha não podia dormir. Os filhos choravam, mexendo-se nos panos úmidos de urina, protestando contra o ventinho gelado que navalhava as carnes, entrando pelas frinchas do pau-a-pique da parede do paiol, e através das telhas mal-ajuntadas. ... Por fim, a mulher se agachava na beira da fornalha e se punha a coçar os piolhos da cabeleira imunda e saranhada, com os meninos chorando de frio ao seu redor. O choro e a lamúria afugentavam o sono do corpo do camarada que também se levantava a fim de aquecer com seu corpo sem calor os filhos miseráveis, nessa resignação que é a falta de recursos. Que fazer?

O ambiente natural surge, nesse conto, não como um repertório de recursos potenciais, mas como uma sucessão de incômodos, como o frio e os piolhos do trecho citado acima, além de lama, carrapatos, enxurrada. Apesar de ser cenário do conto um engenho relativamente próspero onde se criava gado, se plantava cana e se produzia açúcar, os trabalhadores e suas famílias viviam em “ranchos imundos e frios perdidos nas lonjuras das grotas”, quando não dentro das instalações da fazenda (Élis, 1965, p.81). Uma vez que a organização social da propriedade e do trabalho restringia a capacidade de criação de riqueza pelos pobres – presos a condições extremas de exploração e de restrição material –, a relação com a natureza não é virtuosa. Some-se a isso a precariedade técnica da velha moenda, movida ainda pela força dos bois, que demandava esforços dobrados e sacrificava trabalhadores como o Totinha do conto. Tampouco parecem ser valorizadas a habilidade artesanal e os dotes de sociabilidade demonstrados pelos familiares de Casemiro, por exemplo, que faziam “vasilhas de barro, teciam pano, costuravam”, sem expectativa de melhora, porque o pai havia se mudado para o engenho com o objetivo de retirar os filhos da escola (Élis, 1965, p.83).

O terceiro nível de análise proposto por Worster, que abarca as representações mentais da relação entre homem e natureza, pode ser analisado a partir, por exemplo, do conto “Pelo sim, pelo não”, de Caminhos e descaminhos, em que encontramos uma visão lírica da natureza, favorecida pela voz narrativa em primeira pessoa. Trata-se de um relato apoiado nas memórias do narrador, que reporta o despertar da sexualidade de um jovem de 18 anos, durante as férias passadas na fazenda do padrinho. Na natureza são colhidas as imagens com que ele recorda as sensações despertadas pela presença da sobrinha do patrão da fazenda, por quem se apaixonara: “sonhando com ela, cheiro de toda flor, cheiro de toda fruta, era cheiro dela; vulto de nuvem era vulto dela; canto triste de perdiz, pio magoado de sabiá, que são tantos em princípios de água, era canto da voz dela” (Élis, 1965, p.75). O próprio narrador, que se compara a um jacaré, pela maneira como observava a menina, traduz seus sentimentos de apaixonado com uma afetividade que se estende a toda a natureza e a todas as pessoas. Depois do esforço físico do trabalho pesado na fazenda, um banho de rio imprime ao corpo um cansaço que desperta no jovem uma excitação que acende sua fantasia.

A água correndo nas pedras com sua cantiguinha terna, a areia branca, as flores, os passarinhos, um cheiro adocicado de baunilha perdida nalguma moita. Em tudo esse mistério do sangue andando na profundeza do corpo, ruído confuso de mil bichinhos picando, roendo, carregando, trafegando por baixo das cascas dos paus, pelo chão fofo e morno da sua fermentação fecunda naquela manhã de umidade e de sol demais. Deitado na areia quente do sol, meu pensamento vadio era uma borboleta serena que não pousava em nada; sem perceber, eu sentia em meus nervos, minhas tripas, sangue e pele e cabelo e unha, a presença desejosa da parenta de meu padrinho. Era ela o rio; e nela eu mergulhava o desejo de minhas carnes; era ela a areia, e nela eu me espojava num longo contato mineral e cálido; era ela a flor que imitava tão delicadamente um sexo; era o perfume que punha no meu nariz um fôlego acelerado de quem estivesse tomado do maior medo desse mundo; era o sol destilando essa moleza de pecado e abandono (Élis, 1965, p.76-77).

Nesse momento, as águas turvas do rio, antropomorfizadas, assumem em sua mente imaginosa a forma de uma mulher – talvez a mãe-d’água, ele considera, socorrendo-se do folclore local para definir a alucinação poderosa, justificada como resultado da pressão da idade. O universo mágico que aí aflora pertence ao conjunto das intermediações culturais que fazem com que o homem se aproprie da natureza, modificando-a e deixando-se modificar por ela, construindo o universo simbólico que a literatura traduz em dinâmica dramática e imagens poéticas.

Um dos aportes teóricos que podem contribuir para ilustrar as possibilidades de estudo desse tema é a fenomenologia de Gaston Bachelard, reflexão sensível às imagens do mundo material. Nela, a água é definida como o elemento mais feminino e mais constante, relacionado justamente ao que é profundo e resta escondido. Por isso, em sua substância reside um tipo de intimidade. A água sugere, ao mesmo tempo, um tipo de destino, a transformação incessante dos seres, o que aponta para o sentido da transição para a idade adulta, com o amadurecimento do desejo vivido pelo personagem de Élis. A linguagem filosófica e literária de Bachelard (1942) pode, da mesma maneira, ajudar a compreender a versão masculinizada da imagem da água, sua forma violenta, colérica, rancorosa, expressa, por exemplo, pela força das enchentes tematizada por Bernardo Élis em alguns dos momentos mais dramáticos de sua prosa.6 Além disso, o som da água de rios e riachos equivale, na leitura poética de Bachelard, à palavra humana, ao canto dos pássaros e dos homens, pois ela produz o que o autor define como a sonorização do cenário natural, como lemos em Bernardo Élis (2005, p.234): “O rio era aquele cantador de viola, em cuja alma se refletiam o batuque das estrelas nuas, perdidas no vácuo milenariamente frio do espaço, o verdor do capim, a beleza das manhãs e a tristeza da tarde. Depois ele ia cantando isso de perau em perau, de cachoeira em cachoeira, nos gorgotões brancacentos das espumas”.

Esse terceiro nível de análise proposto por Worster pode ainda abrigar outra dimensão da literatura de Élis: a representação da paisagem, pensada como organização estética da natureza, imagem traduzida em palavras nos trechos mais poéticos da obra do escritor goiano. Em seu Paisagem e memória, Simon Schama (1996) trouxe à tona os mitos e rituais de celebração da natureza que, aparentemente ausentes da sociedade tecnológica e materialista, manifestam-se com todo seu vigor e impacto em formas diversas de culto. Percorrendo diferentes contextos espaciais e temporais, Schama demonstra como a natureza mantém-se como um dos suportes fundamentais da cultura, povoando nosso imaginário de símbolos, cenas e impressões do mundo físico, por meio dos quais conferimos significado às nossas experiências. A paisagem inscreve-se, simultaneamente, no espaço e no tempo, nas lembranças do indivíduo e na memória coletiva, não apenas como espaço de contemplação, mas também como representação das tensões e danos que marcam a trajetória dos grupos sociais e implantam imagens duradouras do mundo físico na sensibilidade dos homens.

É nesse sentido que podemos pensar a observação dos cenários naturais na obra de Bernardo Élis, que foi, sem dúvida, um dos grandes paisagistas do regionalismo brasileiro, ao fazer da descrição da natureza um contraponto perfeito ao universo o mais das vezes desencantado das interações humanas. Na natureza goiana nada vemos que lembre a insipidez da rotina e as possibilidades limitadas de seus personagens, presos, em geral, à sua condição de carência de recursos materiais e mentais. A observação da natureza é, muitas vezes, na prosa de Élis, uma forma de redenção do homem em face dos pequenos e grandes dramas vividos nas roças e povoados do sertão. Um exemplo disso é o conto “O padre e um sujeitinho metido a rabequista”, em que a tonalidade pícara da primeira parte – que narra as peripécias de um malandro que acaba por enganar o vigário, vendendo-lhe uma mula empacadeira – é substituída, nos trechos finais, pelo tom lírico criado a partir da descrição do cenário natural da primeira viagem do padre com a mula. Essa descrição se inicia com um panorama tão amplo que, a partir do olhar do observador, evoca-se uma imagem que lembra um mapa. A descrição termina com o olhar afetuoso do homem em direção ao ilimitado:

Monsenhor não sentia o corpo, não sentia a vista, num gozo absoluto da mais perfeita euforia. Pela sua frente, estendia-se aquela largueza sem fim que são os horizontes amplos do Planalto Central, eito de chão que pega da base dos Pirineus até os confins da Bahia, abrangendo as águas vertentes do Tocantins para cá, do São Francisco para acolá e do Paraná mais assim pressa bandinha de lá. No caixa-prego, ‘contornos acinzentados’ de serras, ‘as chapadas se sucedendo em planos e planos’. Até a serra dos Veadeiros, naquele nunca-se-acabar de horizonte, era ‘uma pincelada azul-cinza, apaga-não-apaga de tão recuada’.

Por perto, as curvas femininas dos morrotes, ‘a delicadeza de pintura’ dos capões indicadores das manchas de terras férteis naquele oceano de campina verde.

– Ei, mundão sem porteira! (Élis, 1966, p.126; destaques nossos).

A paisagem, nesse trecho, reassume um de seus significados mais estritos, a representação pictórica de um cenário natural de acordo com modelos perceptivos que permitem que ele seja fruído como objeto estético, de acordo com determinadas convenções artísticas (Roger, 2000).7 Ao mesmo tempo, a escrita valoriza o cenário em sua capacidade de despertar sensações, emoções e sugestões sensuais. Essas, por sua vez, são alternadas com as especulações existenciais despertadas por um artigo que convidava os padres a comprometer-se com o alívio da pobreza. Fatalmente, entretanto, a mula empaca, e o padre, pacientemente, põe-se à espera: “Monsenhor tirou do alforje da sela o breviário, abriu-o e pegou a ler. Vez por outra, erguia os olhos e perlustrava a paisagem” (Élis, 1966, p.129).

Novamente, a cena alterna a reflexão e a contemplação da natureza, os sentidos e o intelecto, compondo um momento de densidade pouco comum na vida rotineira do religioso, que até então se acostumara a viver de forma confortável e despreocupada: “A paisagem, os perfumes, a vastidão dos horizontes, a solidão, aquele artigo, tudo isso instilava no coração do velho sacerdote uns sentimentos estranhos e perigosos” (Élis, 1966, p.131). A natureza, nesse momento, não é apenas objeto de sua contemplação passiva, mas também um componente fundamental da sucessão de emoções que o perturbavam, sobrepondo-se nos planos variados pelos quais o olhar do padre vagueia, em sua consciência inquieta: o horizonte distante, o cenário das imediações, as aves que pode avistar, a cena de que participa, as plantas, animais e objetos à sua volta. Depois do momento de sobressalto, em que se viu tragado pelas imagens da natureza e por sua própria consciência, o padre mergulha novamente na tranquilidade. Nunca mais sua mula voltou a empacar, o que sugere a mudança que aquele momento inusitado parece ter operado. Um dos sentidos da paisagem na prosa de Bernardo Élis torna-se claro: imagem correlata à noção de transcendência, ela convida a perspectivas mais amplas de observação do real, abrindo espaço para a chance de transformação.

Considerações finais

Percebemos, assim, a partir de categorias de análise desenvolvidas a partir da história ambiental, a relevância dos recursos conceituais desse campo de pesquisa para o estudo da representação literária das relações entre homem e natureza. No contexto geográfico do cerrado goiano, tal como é representado pela obra de Bernardo Élis, assume relevo o confronto característico das regiões de fronteira, em que a expansão da presença humana no território implica o enfrentamento dos obstáculos naturais, simbolizados, por exemplo, na ficção aqui estudada, pelas doenças palustres e pela cheia do rio Corumbá.

Ao mesmo tempo, a relação com a natureza possui, no mundo sertanejo do interior de Goiás, outras dimensões que devem ser articuladas a esse conflito fundamental. Uma delas é a necessária observação da ordem social que mantém a precariedade das condições de vida da população pobre. Essa, marginalizada, desprovida de conhecimento e de meios técnicos, tendo vedado seu acesso à propriedade territorial, encontra-se particularmente sujeita à violência dos elementos e das forças políticas estabelecidas – outra dimensão necessária do conflito de fronteira e da versão diabólica da wilderness.

Como vimos, partindo da proposta de Worster, esse cruzamento da história ambiental com a literatura permite descrever a relação do homem com a natureza, como fizemos, neste texto, ao explorar as condições de vida e as circunstâncias da morte da família dos Anjos, em sua interação com o ambiente das margens do rio Corumbá. No segundo nível descrito pelo autor, o conto “Moagem”, de Caminhos e descaminhos, é um retrato sem retoques da miséria dos trabalhadores em uma fazenda de cana, descrevendo as condições de sua inserção subalterna na sociedade, o que os torna particularmente frágeis em sua interação com o meio, do qual se mantêm estritamente dependentes. A abordagem seca e realista da realidade dos pobres no interior de Goiás torna as narrativas de Élis documentos privilegiados de sua vida material, suas técnicas e práticas cotidianas, além de permitir vislumbrar as condições tecnológicas e os processos produtivos de um contexto socioeconômico específico. No terceiro nível do esquema de Worster, podemos atentar para a simbologia da natureza e para o significado cultural da paisagem como modo culturalmente consagrado de sua percepção estética. Ao mesmo tempo, peças literárias como o conto “Pelo sim, pelo não” permitem-nos compreender o meio físico como dimensão participante do rico substrato cultural que abriga as memórias, imagens e narrativas por meio das quais a natureza alimenta nossas crenças e sensibilidades.

Observamos, assim, que a história ambiental pode ser enriquecida pelo diálogo com a literatura, que não apenas é capaz de dar testemunho da interação das sociedades humanas com a natureza, como também se comunica com o imaginário social, contexto em que o meio físico se afirma como matéria de um amplo universo de representações, mitos e símbolos. Neste estudo, vemos que mesmo uma breve leitura dos contos de Bernardo Élis demonstra que a convergência das perspectivas de conhecimento oferecidas pela história ambiental com a expressão em linguagem literária pode abrir, para ambos os campos, caminhos proveitosos. Se, por um lado, a história ambiental pode beneficiar-se do mundo do texto como uma criação cultural simultaneamente informativa e poética, a literatura pode também enriquecer sua capacidade de debate sobre temas que envolvam a materialidade. Seria possível, assim, abrir caminhos para uma visão integradora do real, capaz de abrigar conjuntamente as condições objetivas da experiência e os correspondentes aspectos mentais e emocionais que definem o universo do humano em seu intercâmbio com a natureza.

AGRADECIMENTO

Os autores Sandro Dutra e Silva e Luciana Murari agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a bolsa de Produtividade em Pesquisa.

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  • 1
    A nosso ver, esses níveis remetem à tríade conceitual desenvolvida por Henri Lefèbvre (١٩٩١, p.٣٣-٣٨) em The production of space (A produção do espaço), obra clássica de 1974: o “percebido”, o “concebido” e o “vivido”.
  • 2
    Sobre o papel das cattlefrontiers na expansão e história da fronteira na América Latina e em Goiás, ver Hennessy (1978) e McGreery (2006).
  • 3
    A designação de personagens por corruptelas populares de prenomes é comum nos contos de Bernardo Élis. Encontramos Sulivero, Supriano, Quelemente, Reimundo, além de palavras grafadas como “coipo” (corpo), “corgo” (córrego) e “comerço” (começo). A oralidade é um aspecto importante na prosa de Bernardo Élis, embora seu uso de variações ortográficas seja muito seletivo. Escreve ele, em um de seus contos, ao referir-se à fala de um sertanejo: “As palavras eram comidas quase que completamente, restando apenas o miolo. Para alguém que não fosse roceiro os vocábulos seriam ininteligíveis” (Élis, 1965, p.66).
  • 4
    Em vários momentos, Bernardo Élis chama a atenção, explicitamente, para as extremas limitações culturais e materiais do interior de Goiás: o baixo nível educacional da população, que torna o analfabetismo generalizado, as péssimas condições de salubridade e de higiene, a indisponibilidade de produtos básicos como o sal são alguns exemplos.
  • 5
    Na visão de Martins (1981), o regime escravocrata, ao aprisionar o trabalhador, mantinha aberto o acesso à terra. Com a iminência de sua extinção, a libertação do trabalhador exigiu a “prisão” da terra, no sentido de assegurar a criação de um mercado de trabalho livre e impedir a formação de uma sociedade de pequenos produtores independentes.
  • 6
    As principais obras sobre a imaginação dos elementos da natureza escritas por Gaston Bachelard são: A água e os sonhos, A terra e os devaneios do repouso, A terra e os devaneios da vontade, O ar e os sonhos e A psicanálise do fogo.
  • 7
    Para uma teoria da paisagem, ver também Cosgrove (1998), Roger (1991), Simon (1991).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2016
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    Jul 2014
  • Aceito
    Jan 2015
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