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Da produção artística dos alienados: histórias de teorias e práticas do alienismo brasileiro, 1852-1902

Resumo

O artigo trata da presença de manifestações artísticas de internos do Hospício de Pedro II, primeira instituição psiquiátrica da América Latina (1852-1902). O referencial metodológico escolhido centrou-se na historicização dos processos de enquadramento das doenças mentais, com vistas a demonstrar suas consequências para a noção de sujeito e da arte que ele produz e no processo de circulação desses saberes no Brasil. O conceito de mal de arquivo, de Derrida, foi utilizado para analisar os motivos pelos quais tais manifestações e as terapêuticas utilizadas a partir delas foram ignoradas pelas narrativas locais acerca das manifestações artísticas de indivíduos internados em asilos.

história; psiquiatria; alienados; arte; Brasil

Abstract

The article deals with the presence of artistic manifestations of inmates of the Hospício de Pedro II, the first psychiatric institution in Latin America (1852-1902). The methodological framework chosen focused on the historicisation of the framing processes of mental illness, in order to demonstrate its consequences for the notion of the subject and the art he produces and in the process of circulation of this knowledge in Brazil. Derrida’s concept of archive fever was used to analyse the reasons why such manifestations and the therapies used based on them were ignored by local narratives about the artistic manifestations of individuals in asylums.

history; psychiatry; alienated; art; Brazil

Desde Foucault (2002a), grande parte da historiografia acompanha a tese de que, a partir da Idade Clássica, a loucura como desrazão teve sua linguagem interditada. Objetivada pelo campo científico alienista, foi excluída da partilha humana, sendo o louco suspenso dos registros do sujeito e do pensamento ( Katz, 2001KATZ, Chaim Samuel. Foucault e a loucura como ausência de obra. Psicologia Clínica, n.13, p.37-63, 2001. , p.45). O processo teria silenciado a sua voz. A produção criativa dos loucos, fora do registro da verdade e da obra ( Birman, 2010BIRMAN, Joel. Descartes, Freud e a experiência da loucura. Natureza Humana, v.12, n.2, p.5-21, 2010. ), teria se tornado um resto invisível aos saberes que alicerçaram o hospício:

Foi o nascimento da experiência clássica da loucura que a reduziu ao silêncio.

Foi então que a música e as artes em geral desertaram das práticas terapêuticas, o que coincidiu com a criação dos hospícios organizados em torno do tratamento moral, cujo principal aliado era um trabalho estruturado e bem dirigido ( Lima, Pelbart, 2007LIMA, Elizabeth M.F. de Araújo; PELBART, Peter Pal. Arte, clínica e loucura: um território em mutação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, n.14, p.709-735, 2007. , p.712).

Segundo essa tradição, teria sido apenas por meio do pensamento modernista – a psicanálise freudiana, a filosofia nietzschiana e o marxismo ( Andrade, 1992ANDRADE, Oswald de. Estética e política. Org. Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Globo, 1992. ), bem como a literatura e a arte de vanguarda (Hölderlin, Nerval, Artaud, Van Gogh) e sua dimensão trágica que a razão iluminista e o campo da consciência foram colocados em questão, abrindo caminho para a expressão do irracional vinculado ao inconsciente (Foucault, 2002a), especialmente no século XX. Só então é que a experiência da loucura teria podido se reinscrever nos registros da linguagem, da verdade e da partilha (Foucault, 2002a; Birman, 2010BIRMAN, Joel. Descartes, Freud e a experiência da loucura. Natureza Humana, v.12, n.2, p.5-21, 2010. ).

A “arqueologia do silêncio” (Foucault, 2002a p.14-40) parece ter impactado a tradição historiográfica no Brasil, que não esperava encontrar qualquer traço ou rastro da voz da loucura antes da retomada da irracionalidade pela tradição trágica. Assim é que as narrativas sobre a arte nos asilos brasileiros concentram-se no período do entreguerras em diante, em meio ao início da circulação da psicanálise e do movimento modernista. Osório Thaumaturgo Cesar (1895-1979) e Nise da Silveira (1905-1999) costumam ser destacados como os primeiros a considerar a arte produzida no asilo material terapêutico e estético, situando essa aparição ora na década de 1920, ora na década de 1940, respectivamente ( Dias, 2003DIAS, Paula Barros. Arte, loucura e ciência no Brasil: as origens do Museu de Imagens do Inconsciente. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003. ; Melo, 2007MELO, Walter. Maceió é uma cidade mítica: o mito da origem em Nise da Silveira. Psicologia USP, n.18, p.101-124, 2007. ; Cabañas, 2018CABAÑAS, Kaira M. Learning from madness: Brazilian modernism and global contemporary art. Chicago: University of Chicago Press, 2018. ). Outros chamaram atenção para o papel de Ulysses Pernambucano (1892-1943) e de Juliano Moreira (1873-1933) pouco antes deles ( Andriolo, 2006ANDRIOLO, Arley. O método comparativo na origem da psicologia da arte. Psicologia USP, n.17, p.43-57, 2006. ; Araújo, Jacó-Vilela, 2018). Do mesmo modo, essa historiografia costuma enfatizar que, até a década de 1920 pelo menos, os romances, os poemas, as artes visuais modernas, os espetáculos teatrais e a música produzidos por indivíduos considerados loucos teriam sido vistos pelos psiquiatras locais como meios de perversão de toda a sensibilidade, desregramento dos sentidos, cultivo das ilusões, produtores, enfim, das doenças nervosas e mentais.

Na contramão dessa historiografia, entretanto, este artigo retoma o debate entre Derrida e Foucault ( Birman, 2010BIRMAN, Joel. Descartes, Freud e a experiência da loucura. Natureza Humana, v.12, n.2, p.5-21, 2010. ; Nascimento, 2017NASCIMENTO, Evando. O debate Foucault e Derrida: razões ou desrazões do pensamento. Matraga, v.24, n.40, p.135-153, 2017. ) para tratar da tensão constante entre razão e desrazão, demonstrando que a presença da arte de internos em asilos interrogou a psiquiatria desde o seu nascimento, ainda que a visibilidade, o sentido e a importância dessa produção tenham sofrido variações substantivas ao longo do tempo. Propõe-se destacar como as teorias psiquiátricas do século XIX incidiram sobre a noção de sujeito alienado e acompanhar o impacto dessa percepção nas interpretações sobre essa produção estética e seus usos. Para tanto, analisam-se as principais teorizações internacionais que conformaram os saberes psiquiátricos no século XIX e, que, advindas dos processos de mundialização da ciência psiquiátrica europeia, serviram de base para a institucionalização do alienismo local. Em seguida, apresentam-se seus desdobramentos nas práticas psiquiátricas no Hospício de Pedro II, na capital do Brasil.

A escolha em centrar a narrativa no Hospício de Pedro II, que, após a proclamação da República, foi renomeado como Hospício Nacional de Alienados (HNA), 1 1 Ambos serão nomeados como HNA ao longo do artigo, a fim de facilitar a leitura. deve-se ao fato de ser essa a primeira instituição especializada no país e de ter se constituído como referência para as outras unidades da Assistência aos Alienados (1890) e para a cadeira de Psiquiatria e Moléstias Mentais da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ) (1882) ( Engel, 2001ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. ; Mathias, 2017MATHIAS, Cátia Maria. O Pavilhão de Observação na psiquiatria do Distrito Federal: a gestão de Henrique Roxo (1921-1945). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017. ; Muñoz, Facchinetti, Dias, 2011; Moraes, 2020MORAES, Mônica Cristina de. No canto do isolamento: loucura e tuberculose no Hospício Nacional de Alienados (1890-1930). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ).

O recorte temporal acompanha a fundação do HNA (1852) e segue até a virada para o século XX, quando a instituição passou por uma grande reforma física, política e teórica, já tratada por vasta historiografia ( Portocarrero, 2002PORTOCARRERO, Vera. Arquivos da loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. ; Venancio, Carvalhal, 2005; Facchinetti, Muñoz, 2013; Muñoz, 2018MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. Emil Kraepelin na ciência psiquiátrica do Rio de Janeiro, 1903-1933. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Fiocruz, 2018. ; Facchinetti, 2022FACCHINETTI, Cristiana. Un palacio imperial para la locura en Río de Janeiro: el hospicio nacional de alienados, 1841-1944. In: Molina, Andres Ríos; Honorato, Mariano Ruperthuz (coord.). De manicomios a instituciones psiquiátricas: experiencias en Iberoamérica, siglos XIX y XX. Ciudad de México: Unam; Madrid:Silex, 2022. p.29-86. ). Foi a partir de 1903, com a entrada de Juliano Moreira na direção do HNA, que foi deflagrada a agenda de recepção da psiquiatria alemã. Em meio às teorias germanófonas que passaram a circular no asilo e na FMRJ, a psicanálise e a psicologia da Gestalt, assim como os debates estéticos e filosóficos advindos da arte moderna, começaram a circular na psiquiatria, mudando a interpretação que alguns médicos faziam das manifestações dos alienados, especialmente a partir da década de 1920 (Facchinetti, Castro, 2015).

O referencial teórico-metodológico escolhido para tratar do tema mergulha na racionalidade psiquiátrica (Camargo Jr., 2005) de modo a historicizar as concepções de loucura, demonstrando suas construções e desconstruções recorrentes. Busca-se, ainda, tratar de sua circulação transcultural ( Raj, 2007RAJ, Kapil. Relocating modern science: circulation and the construction of knowledge in South Asia and Europe, 1650-1900. New York: Palgrave Macmillan, 2007. ; Damousi, Plotkin, 2009; Ruperthuz Honorato, 2015RUPERTHUZ HONORATO, Mariano. Freud y los chilenos: un viaje transnacional (1910-1949). Santiago: Pólvora, 2015. ), observando o impacto das apropriações das teorias psiquiátricas internacionais para as práticas nos hospitais psiquiátricos brasileiros e para a opinião pública, especialmente no que diz respeito à produção artística dos loucos.

Segundo Gonçalves (2011)GONÇALVES, Monique de Siqueira. Mente sã, corpo são: disputas, debates e discursos médicos na busca pela cura das “nevroses” e da loucura na corte imperial (1850-1880). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011. , até a década de 1880, pelo menos, o hospital permaneceu distante do meio acadêmico. A falta de observações clínicas referentes às moléstias tratadas no HNA e a ausência de originalidade nas teses doutorais sobre o tema refletem a falta de aulas práticas e de pesquisas clínicas na FMRJ. Mesmo depois da introdução da cátedra de psiquiatria, os alunos só “trabalhavam na clínica [psiquiátrica] quatro vezes por mês” (citado em Mathias, 2017MATHIAS, Cátia Maria. O Pavilhão de Observação na psiquiatria do Distrito Federal: a gestão de Henrique Roxo (1921-1945). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017. , p.33). Desse modo, foi apenas na República, quando a Assistência aos Alienados do Distrito Federal (1890) criou o Pavilhão de Observação (Brasil, 29 jun. 1892), que o cotidiano asilar e as práticas clínicas se vincularam ao ensino teórico da FMRJ. Ainda assim, os livros de observação clínica do Pavilhão só começaram a ser preenchidos a partir de 1896 ( Mathias, 2017MATHIAS, Cátia Maria. O Pavilhão de Observação na psiquiatria do Distrito Federal: a gestão de Henrique Roxo (1921-1945). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017. ). Assim, embora o tema da loucura estivesse presente em algumas teses de doutoramento e em manuais médicos desde os anos 1830, as práticas e vivências do asilo não foram estudadas pela FMRJ ao longo de todo o século XIX, o que certamente contribuiu também para a invisibilidade do tema na historiografia, que costumava apoiar suas pesquisas nesse tipo de documentação.

O afastamento entre as práticas asilares e os discursos acadêmicos no século XIX não é uma particularidade brasileira. Foi preciso uma mudança na perspectiva historiográfica, afinada com the patient turn de Porter (1985)PORTER, Roy. The patient’s view. Theory and society, v.14, n.2, p.175-198, 1985. , para que as preocupações com o cotidiano dos hospitais psiquiátricos e as experiências no asilo ao longo do século XIX ganhassem interesse de pesquisa, impactando a renovação de fontes de pesquisa. As contribuições de Engel (2001)ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. , Huertas (2001)HUERTAS, Rafael. Las historias clínicas como fuente para la historia de la psiquiatría: posibles acercamientos metodológicos. Frenia: Revista de Historia de la Psiquiatría, v.1, n.2, p.7-37, 2001. , Dörries e Beddies (2003)DÖRRIES, Andrea; BEDDIES, Thomas. The Wittenauer Heilstätten in Berlin: a case record study of psychiatric patients in Germany, 1919-1960. In: Porter, Roy; Whright, David. The confinement of the insane: international perspectives, 1800-1965. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p.149-172. , Villasante e Dening (2003)VILLASANTE, Olga; DENING, Tom. The unfulfilled project of the Model Mental Hospital in Spain: fifty years of the Santa Isabel Madhouse, Leganés (1851-1900), History of Psychiatry, v.14, n.1, p.3-23, 2003. , Prestwich (2003)PRESTWICH, Patricia. Family strategies and medical power: ‘voluntary’ committal in a Parisian asylum, 1876-1914. In: Porter, Roy; Whright, David. The confinement of the insane: international perspectives, 1800-1965. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p.79-99. , Ríos Molina (2008)RÍOS MOLINA, Andrés. Locura y encierro psiquiátrico en México: el caso del Manicomio La Castañeda, 1910. Antípoda: Revista de Antropología y Arqueología, n.6, p.73-90, 2008. , Sacristán (2009)SACRISTÁN, Cristina. La locura se topa con el manicomio: una historia por contar. Cuicuilco, v.16, n.45, p.163-188, 2009. , Wadi (2011)WADI, Yonissa. Entre muros: os loucos contam o hospício. Topoi, v.12, n.22, p.250-269, 2011. , Coleborne (2014)COLEBORNE, Catherina. White men and weak masculinity: men in the public asylums in Victoria, Australia, and New Zealand, 1860s-1900s. History of Psychiatry, v.25, n.4, p.468-476, 2014. e Ribeiro (2016)RIBEIRO, Daniele Corrêa. Os sentidos do Hospício de Pedro II: dinâmicas sociais na constituição da psiquiatria brasileira (1842-1889). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2016. são bons exemplos dessa nova orientação. Mesmo então, porém, a historiografia dos hospitais psiquiátricos continuou centrada, em grande medida, nos processos de medicalização, usos diagnósticos e administração hospitalar. Trabalhos inovadores que utilizam como fonte cartas e outros manuscritos e que trazem a voz dos pacientes (cf. Wadi, 2009WADI, Yonissa. A história de Pierina: subjetividade, crime e loucura. Uberlândia: Edufu, 2009. ; Gámez et al., 2018GÁMEZ, Ana Conseglieri et al. Cartas desde el manicomio: experiencias de internamiento en la Casa de Santa Isabel de Leganés. Madrid: Los Libros de la Catarata, 2018. ) e o caso deste artigo, que chama atenção para as suas produções subjetivas, vêm paulatinamente abrindo uma nova dimensão de problemas teóricos e metodológicos para a história da psiquiatria do século XIX. Vale dizer, a atividade artística, bem como sua função e articulação conceitual com o arsenal médico para o tratamento da doença mental no Brasil continuou esquecida pela historiografia dedicada ao século XIX.

Para conseguir dar visibilidade à presença da arte no antigo hospício, utilizou-se como fontes primárias periódicos científicos e jornais diários brasileiros digitalizados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. No século XIX, muitos relatórios de viagem e mesmo relatórios anuais do HNA eram publicados em periódicos de grande circulação, assim como crônicas sobre o hospício, reportagens de visitantes e entrevistas com seus médicos. 2 2 A pesquisa foi feita no site da Hemeroteca ( http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ ). Teria sido interessante buscar dados sobre as manifestações artísticas de alienados nos documentos clínicos do hospital desde 1852, material que hoje se encontra sob a guarda do Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro. Não foi possível acessá-los, entretanto, pois a documentação para este artigo foi levantada durante o lockdown por causa da covid-19. A pesquisa foi bem-sucedida: o levantamento das fontes permitiu encontrar pequenos indícios, “o murmúrio gritado em busca de sentido” ( Nascimento, 2017NASCIMENTO, Evando. O debate Foucault e Derrida: razões ou desrazões do pensamento. Matraga, v.24, n.40, p.135-153, 2017. , p.148), que ganha aqui valor de testemunho, dando voz ao silenciado pela historiografia. Ao fim do artigo, propõe-se que os discursos e poderes que abriram caminho para as apropriações renovadas dos arquivos da arte em manicômios nos anos de 1920 a 1950 produziram esquecimentos das tradições que as antecederam ( Derrida, 2001DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. ) e que este artigo trata de inserir.

O nascimento do alienismo francês e o surgimento da arte dos alienados

Segundo Berrios e Porter (2012BERRIOS, German; PORTER, Roy. Filosofia das ciências. São Paulo: Escuta, 2012. , p.39), uma nova medicina surgiu na Europa no século XVIII. No que diz respeito à loucura, modelos explicativos apoiados na fisiologia e na relação corpo/espírito rascunharam os contornos do que, no século XIX, ficaria conhecido como alienação mental. Os loucos passaram a ser considerados alienados, e, no entendimento de Pinel (citado em Pereira, 2004PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Pinel: a mania, o tratamento moral e os ínicios da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, n.7, p.113-116, 2004. , p.114), “longe de serem culpados e passíveis de punição”, tornaram-se “doentes cujo estado penoso merece todas as atenções”.

A moléstia mental foi inicialmente sistematizada por Philippe Pinel (2007)PINEL, Philippe. Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Porto Alegre: UFRGS, 2007. em seu Tratado de 1801. Transformado em verdade positiva, o alienismo deu ao louco um perfil individualizado, sendo compreendido como um sujeito estranho a si mesmo, mergulhado em ilusões ( Roudinesco, 2000ROUDINESCO, Elizabeth. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. , p.39), mas habitado por um resto de razão que poderia ser recuperado. Para isso, seria preciso renunciar às ilusões e paixões e transferir seu intelecto e vontade à soberania da razão alienista (Foucault, 2002a, p.529).

Seu discípulo direto, Jean-Étienne Esquirol, propôs sistematização nosográfica mais ampla dessa “afecção cerebral comumente crônica, sem febre, caracterizada por distúrbios da sensibilidade, da inteligência e da vontade” advinda quase sempre das paixões e de seu impacto sobre o intelecto ( Bercherie, 1989BERCHERIE, Paul. Os fundamentos da clínica: história e estrutura do saber psiquiátrico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. , p.46). Com ele, a alienação ganhou também certa invisibilidade para o senso comum, dadas sua abundância de formas e parcialidade ( Pessotti, 1996PESSOTTI, Isaías. O século dos manicômios. São Paulo: Editora 34, 1996. , p.138).

O alienismo se expandiu na Europa, atingindo consenso entre os médicos. Na França, a disciplina chegou a tal ponto de institucionalização, que, em 1838, foi aprovada a lei para os alienados, dando ao alienista a exclusividade de seu tratamento. Já do ponto de vista da assistência, o hospício foi ratificado como espaço médico de tratamento. Gerido por especialistas, era ali que se efetivaria, por meios físicos e morais, o aplacamento das paixões e das afecções morais ( Pinel, 2007PINEL, Philippe. Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Porto Alegre: UFRGS, 2007. , p.82), assim como o estímulo para a cura (p.217-219).

E no que consistia o tratamento moral? Segundo Pereira (2004PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Pinel: a mania, o tratamento moral e os ínicios da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, n.7, p.113-116, 2004. , p.116), ele visava à tranquilidade do espírito e da disciplina. Para isso, acomodações e rotinas deviam ser pautadas por regras claras e correções humanizadas, mediadas pela razão científica e pela responsabilização do sujeito por seus atos, bem como pelo uso de métodos de intervenção no intelecto e nas emoções. E a esse tratamento se juntavam purgativos, emissões sanguíneas, vesicatórias, banhos, duchas etc. ( Oliveira, 2016OLIVEIRA, Carlos Francisco Almeida de. Estudo historiográfico dos tratamentos psiquiátricos no Brasil: mentalismo e organicismo de 1830 a 1859. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. , p.176-193).

Reunindo as duas pontas desse sistema estava o trabalho mecânico, que passara a ser considerado útil para além de seu valor econômico (Foucault, 2002a, p.10): era exaltado como novíssima tecnologia para a reeducação da consciência e da vontade alienadas. Trabalhos manuais e a agricultura eram propostos como capazes de induzir bons hábitos e regularidade, contribuindo para a atenção e concentração. Do ponto de vista fisiológico, melhorariam a circulação, evitando o congestionamento cerebral e regulando o sono (p.529).

Mas havia também outras ocupações no hospício voltadas para que “o insensato se fixe num objeto ao invés de em suas divagações quiméricas” ( Pinel, 2007PINEL, Philippe. Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Porto Alegre: UFRGS, 2007. , p.24), como as atividades culturais, artísticas e de recreação. É o que observa o diretor do Hospício de Pedro II, quando de visita ao Hospital de Salpêtrière:

Na seção do Dr. Falret, algumas alienadas recitam poesias, e outras aplicam-se à música ... Na do Sr. Trélat e na do Sr. Mitivié há também exercícios de canto. ... Cumpre ... dizer que ... as doentes dessas sessões onde instituíram-se semelhantes passatempos parecem-nos mais satisfeitas, mais alegres, e apresentavam um aspecto mais lisonjeiro (Barbosa, 27 maio 1866, p.2).

De fato, há relatos sobre a produção artística de alienados desde Pinel (2007PINEL, Philippe. Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Porto Alegre: UFRGS, 2007. , p.24, 203), como no caso da produção do escultor, “filho do célebre Lemoine” e de mais dois outros pintores. No que diz respeito à música, Esquirol (1838ESQUIROL, Jean-Étienne. Des maladies mentales considérées sous les rapports médical, hygiénique et médico-légal. v.1. Paris: Tircher, 1838. , p.80) apontava que ela era capaz de afetar o organismo fisicamente, por produzir pequenos choques nos nervos e aumentar a circulação, e devia ser utilizada como remédio. Segundo Bercherie (1989BERCHERIE, Paul. Os fundamentos da clínica: história e estrutura do saber psiquiátrico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. , p.72), o alienista Etienne-Jean Georget teria desenvolvido particular interesse pela manifestação artística dos pacientes. Segundo Park (2007PARK, Maureen Patricia. Art in Madness: Dr W.A.F. Browne (1805-1885), moral treatment and patient art at Crichton Royal Institution, Dumfries, with special reference to his medical superintendence, 1839-1857. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de Glasgow, Glasgow, 2007. , p.326), por sua influência, Esquirol teria passado também a colecionar desenhos dos insanos. Outro aluno de Esquirol, François Leuret, introduziu em Bicêtre aulas de gramática, geografia, música, dança e desenho, a partir de 1839 ( Park, 2007PARK, Maureen Patricia. Art in Madness: Dr W.A.F. Browne (1805-1885), moral treatment and patient art at Crichton Royal Institution, Dumfries, with special reference to his medical superintendence, 1839-1857. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de Glasgow, Glasgow, 2007. , p.197).

A reforma pineliana impactou profundamente o campo médico. Em diversos pontos da Europa implantaram-se o tratamento moral e a atenção às artes. O asilo de Berlim, por exemplo, oferecia aulas de pintura e desenho para seus internos já em 1820, enquanto o hospital de Palermo era ornamentado com pinturas e estátuas de seus residentes ( Galt, 1853GALT, John Minson. On the reading, recreation, and amusements of the insane. The Journal of Psychologica Medicine and Mental Pathology, n.6, p.587, 1853. ). Na Escócia, o Hanwell Lunatic Asylum encorajava pacientes a pintar e desenhar “não apenas como parte de um método curativo mais amplo”, mas também para fazer a vida no asilo mais tolerável ( Park, 2007PARK, Maureen Patricia. Art in Madness: Dr W.A.F. Browne (1805-1885), moral treatment and patient art at Crichton Royal Institution, Dumfries, with special reference to his medical superintendence, 1839-1857. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de Glasgow, Glasgow, 2007. , p.107). Entre 1830 e 1850, diversos asilos ingleses, como o Crichton Royal Institution e o Southern Counties Asylum, utilizavam o desenho e a pintura como ocupação e tratamento, e produziam o colecionamento de quadros e desenhos dos internos ( Browne, 1880BROWNE, William Alexander Francis. Mad artists. Journal of Psychological Medicine and Mental Pathology, v.6, p.33-75, 1880. ). A arte era então pensada como capaz de gratificar os internos e cultivar suas sensibilidades, sendo compreendida como atividade de recreação e terapêutica a um só tempo ( Stock, 2016STOCK, Karen. Richard Dadd’s passions and the treatment of insanity. Interdisciplinary Studies in the Long Nineteenth Century, n.23, p.1-39, 2016. ).

Como ocorreu na Europa, os alienistas das Américas passaram também a relatar desde o início da instalação dos hospitais de alienados a presença da produção espontânea dos pacientes e seu uso terapêutico, em meio a outras atividades. Em 1812, por exemplo, o estadunidense Benjamin Rush afirmava que, tomados pela alienação, alguns indivíduos desenvolviam habilidades inexistentes anteriormente, como talentos para a eloquência, a poesia, a música e a pintura, e engenho raro em várias das artes mecânicas. Para ele,

a doença deveria ser comparada a um terremoto, que, convulsionando os estratos superiores de nosso globo, joga em sua superfície preciosos e magníficos fósseis, cuja existência era desconhecida dos proprietários do solo no qual estavam enterrados ( Rush, 1812RUSH, Benjamin. Medical inquiries and observations, upon the diseases of the mind. Philadelphia: Kimber & Richardson, 1812. , p.152).

Para os alienistas estadunidenses, a arte era capaz de auxiliar o despertar das sensibilidades mais refinadas nos enfermos, aumentando sua tranquilidade na direção da saúde. Os asilos buscavam desenvolvê-los com apoio das belas-artes ( Hogan, 2001HOGAN, Susan. Healing arts: the history of art therapy. London: Jessica Kingsley, 2001. , p.33). Pliny Earle chegou a publicar um trabalho sobre a produção artística de “insanos” em 1845 que aponta nessa direção ( Andriolo, 2006ANDRIOLO, Arley. O método comparativo na origem da psicologia da arte. Psicologia USP, n.17, p.43-57, 2006. , p.45). E é sobre a circulação do alienismo em solo americano, em especial suas apropriações no Brasil, que este artigo trata a seguir.

O alienismo no Império de D. Pedro

No caso do Brasil, referências à loucura como alienação mental podem ser encontradas pelo menos desde 1814 ( Silva, 2012SILVA, Simone Santos de Almeida. Iluminismo e ciência luso-brasileira: uma semiologia das doenças nervosas no período joanino. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012. ). O alienismo francês, que chegou ao país por meio de publicações científicas, viagens e contribuições de estrangeiros, adquiriu maior capital social na década de 1830, tornando-se base da crítica aos loucos livres pelas ruas ou na Santa Casa de Misericórdia ( Gonçalves, 2011GONÇALVES, Monique de Siqueira. Mente sã, corpo são: disputas, debates e discursos médicos na busca pela cura das “nevroses” e da loucura na corte imperial (1850-1880). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011. ). Em 1841, por ocasião do evento de coroação de Pedro II, foi decretada a construção de um hospício para alienados. Com esse fito, em 1845, o doutor Antonio José Pereira das Neves, facultativo da enfermaria provisória dos alienados, foi enviado à Europa para estudar o funcionamento dos asilos no exterior de modo a aplicar esse conhecimento no país ( Ribeiro, 2016RIBEIRO, Daniele Corrêa. Os sentidos do Hospício de Pedro II: dinâmicas sociais na constituição da psiquiatria brasileira (1842-1889). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2016. ).

Em consonância com sua experiência, o HNA não apenas copiou a divisão estrutural da arquitetura de Charenton. Dois anos depois de sua inauguração, o diretor já havia colocado em funcionamento oficinas de sapateiro, alfaiate, marceneiro, florista e de desfiar estopa para “acalmar” e “tratar” os internos (Barbosa, 7 nov. 1854, p.1). Além dessas atividades, a leitura, a escrita, o desenho e a representação de peças teatrais foram também introduzidos pelo diretor do serviço clínico da instituição como tratamento desde o primeiro ano de funcionamento da instituição ( Barbosa, 1853BARBOSA, Manoel José. Relatório e estatística do Hospício de Pedro II, de 09 dez. 1852 até 30 jul. 1853. Rio de Janeiro: Tipografia Dois de Dezembro, 1853. , p.14).

A música e a dança (Barbosa, 22 jul. 1856, p.120) também estavam presentes e eram vistas como importante terapêutica, sendo a última considerada “um dos mais apetecidos gozos que o alienado nestas condições pode fruir”. Segundo o doutor Nuno Ferreira de Andrade (1881ANDRADE, Nuno de. Da natureza e do diagnóstico da alienação mental (conclusão). Annaes Brasilienses de Medicina, n.32, p.255-292, 1881. , p.265), o objetivo primeiro dessas atividades era propiciar-lhes “distração”, “noites tranquilas” e “repouso das funções intelectuais”, desde que utilizadas com moderação. Para promover tais atividades no asilo, o provedor José Clemente Pereira solicitou que fossem fornecidas aos alienados “uma rabeca, uma flauta, uma clarineta e uma requinta como meio de distração e talvez de cura” (Barbosa, 7 nov. 1854, p.1-2). Dois anos depois, o assunto ainda era tema de relatórios:

A música já foi ensaiada neste hospício, onde tivemos 4 ou 5 artistas. ... A música me parece um meio aproveitável no tratamento da loucura, e ele desde muitos anos foi empregado na Itália, como meio curativo das afecções mentais. Em um país onde as belas-artes são geralmente cultivadas, esse recurso necessariamente devia ser lembrado pelos médicos encarregados da direção dos alienados (Barbosa, 22 jul. 1856, p.120).

O alienismo francês teve vida longa no HNA, e outros referenciais teóricos ganharam maior espaço apenas após a fundação da cadeira de psiquiatria e moléstias mentais da FMRJ, em 1882 ( Ribeiro, 2016RIBEIRO, Daniele Corrêa. Os sentidos do Hospício de Pedro II: dinâmicas sociais na constituição da psiquiatria brasileira (1842-1889). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2016. ). Com a entrada do alienismo no campo das diversas disciplinas que compunham a cátedra, houve aumento considerável de teses sobre o tema e concursos. Além disso, médicos de outras especialidades e técnicos de laboratório se aproximaram da instituição ( Mathias, 2017MATHIAS, Cátia Maria. O Pavilhão de Observação na psiquiatria do Distrito Federal: a gestão de Henrique Roxo (1921-1945). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017. ; Moraes, 2020MORAES, Mônica Cristina de. No canto do isolamento: loucura e tuberculose no Hospício Nacional de Alienados (1890-1930). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ). O aumento dos vínculos entre o asilo e a FMRJ deu ainda maior poder político ao diretor e agora também catedrático Teixeira Brandão, assim como ao campo psiquiátrico em geral, o que levaria a esforços mais definitivos para a laicização do hospício ( Moraes, 2020MORAES, Mônica Cristina de. No canto do isolamento: loucura e tuberculose no Hospício Nacional de Alienados (1890-1930). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ). Tais avanços alçaram também a produção dos pacientes a um novo patamar:

Ouso propor um alvitre, que até certo ponto concorrerá para quebrar a uniformidade enfadonha da vida do asilo e servir-me-á, outrossim, como valioso auxílio para manter a disciplina entre os doentes. É à semelhança do que se faz nos asilos europeus, designar-se um dia no ano para a exposição de todos os artefatos dos enfermos, ficando desses, os que puderem gozar de tal regalia, em liberdade nos salões do hospício, que será adornado de modo a apresentar um aspecto festivo. ... Independentemente da influência salutar que tal acontecimento operaria sobre os loucos, já animando-os a esperança de assistirem à solenidade, já corrigindo-lhes o receio de serem privados dela, ter-se-ia oportunidade de mostrar aos pessimistas que no Brasil também trabalha-se e que o Hospício Pedro II não é inferior aos asilos estrangeiros ( Brandão, 1888BRANDÃO, José Carlos Teixeira. Sobre o Hospício de Pedro II. O Brazil Médico, n.8, p.251, 1888. , p.251).

No mesmo artigo, Brandão propõe convidar para a exposição “pessoas gradas de nossa sociedade”, mostrando que, além da música (Barbosa, 27 maio 1866), de bordados e tapeçaria ( Rey, 2012REY, Philippe-Marius. O Hospício de Pedro II e os alienados no Brasil (1875). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v.15, n.2, p.382-403, 2012. ) e da produção de artefatos, a produção dos alienados ganhava também status de exibição. A proposta foi bem aceita. Na República, a exposição anual com o material produzido pelos alienados ganhou a forma da lei (Brasil, 29 jun. 1892). Mas, além de mostrar que “no Brasil também trabalha-se”, a alienação em exposição ganhou também as páginas de jornais e revistas, estimulando a curiosidade da opinião pública, que passou a frequentar o asilo em dias de exposição (Assis, 2010a, publicado originalmente em 1895; Exposição..., 24 set. 1895; Hospício..., 27 set. 1895; Bilac, 2006BILAC, Olavo. No Hospício Nacional (uma visita a seção das crianças). In: Amarante, Paulo (org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p.307-314. , publicado originalmente em 1905).

Para o alienismo da primeira hora, o insano era um estrangeiro a si mesmo. Não se constituindo como sujeito da razão, do discernimento ou da vontade, sua produção poderia todavia ganhar o nome de arte porque essa seria produto dos restos de saúde e consciência do alienado. Tais perguntas ganharam novas respostas no final do século XIX, e a mudança nessa compreensão alçou ainda maior interesse da sociedade local acerca das produções estéticas dos alienados. Vejamos o porquê.

A arte entre a neuropsiquiatria e a teoria da degeneração

Enquanto no Brasil o alienismo ganhava força com a abertura de novos hospitais especializados em diversas partes do seu território (Oda, Dalgalarrondo, 2005), na Europa, ele experimentava uma crise profunda a partir da década de 1840. Ao contrário das expectativas, era notório o aumento no número de pacientes considerados incuráveis nos hospitais ( Shorter, 1997SHORTER, Edward. A history of psychiatry: from the era of the asylum to the age of Prozac. New York: John Wiley and Sons, 1997. , p.33-68). Além disso, as referências teóricas alienistas se distanciavam das atualizações teóricas e práticas do campo mais amplo da medicina. Diante do quadro, os especialistas passaram a ser instados a justificar a legitimidade do seu conhecimento e de sua prática ( Trichet, 2013TRICHET, Yohan. Les services des délirants des hôpitaux: un débat au tournant du XXe siècle. L’Evolution Psychiatrique, n.78, p.217-232, 2013. ).

Em meio à crise, crescia uma vertente psiquiátrica que se opunha à doutrina alienista e propunha a “neurologização” do conhecimento e o enfrentamento dos processos fisicalistas como causa da loucura. Em consequência, parte da psiquiatria, por influência das escolas alemãs ( Muñoz, 2018MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. Emil Kraepelin na ciência psiquiátrica do Rio de Janeiro, 1903-1933. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Fiocruz, 2018. ; Accorsi, 2020ACCORSI, Giulia Engel. Sífilis, loucura e civilização: a paralisia geral progressiva e institucionalização do campo neuropsiquiátrico no Rio de Janeiro (1868-1924). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ), ganhou um tom organicista e localizacionista, dirigindo a atenção para os resultados anatomoclínicos e fisiológicos advindos de laboratório. Sob tal perspectiva, a alienação passou a ser considerada doença do cérebro, sendo as manifestações sintomáticas compreendidas como tentativas de restabelecimento de seu funcionamento normal ( Pereira, 2007PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Griesinger e as bases da ‘primeira psiquiatria biológica’. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, n.10, p.685-691, 2007. ).

Apesar de competir com os novos produtos advindos do laboratório, a terapêutica moral continuou a frequentar o asilo desses médicos. Entre as atividades oferecidas, destaca-se a presença da música e das belas-artes, que passaram a ganhar interesse renovado. Conforme Andriolo (2006)ANDRIOLO, Arley. O método comparativo na origem da psicologia da arte. Psicologia USP, n.17, p.43-57, 2006. , a nova perspectiva passou a oferecer uma releitura das obras como expressões semiológicas que sinalizariam as disfunções cerebrais e passaram a servir de meio auxiliar no processo diagnóstico.

Disputando com a experimentação, que apesar dos esforços não alcançava esclarecer a etiologia das desordens mentais ( Muñoz, 2018MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. Emil Kraepelin na ciência psiquiátrica do Rio de Janeiro, 1903-1933. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Fiocruz, 2018. ), e sob o impacto das teorias da evolução, a loucura e a cronificação hospitalar ganharam mais um novo enquadramento com as noções de degeneração e hereditariedade que a ela se vincularam e que apontavam os limites do projeto fisicalista.

Na segunda metade do Oitocentos, a noção de degeneração circulou pela maioria dos campos de saber, da filosofia à política, das ciências naturais às ciências humanas ( Hoff, 2015HOFF, Paul. The Kraepelinian tradition. Dialogues in Clinical Neuroscience, n.17, p.31-41, 2015. , p.34). Na psiquiatria, o centro de irradiação vinculou-se à psicopatologia francesa de Benédict August Morel (1857)MOREL, Benedict-Augustin. Traité des dégénérescences intellectuelles, physiques et morales de l’espèce humaine et des causes qui produisent ces variétés maladives. Paris: Bailière, 1857. , que trazia como mote central a ideia de que a loucura seria o fim de um processo de declínio do funcionamento físico e mental, com piora crescente nas gerações subsequentes. Propondo a hereditariedade como causa primeira da alienação, estabelecia uma nova classificação das moléstias mentais a partir dos diferentes tipos de degeneração, de acordo com sua etiologia.

Para Morel, a predominância de incuráveis nos asilos decorria da natureza mesma da sua patologia, que impunha a piora progressiva das condições do degenerado ao longo de sua vida. Assim, a loucura passou a ser medida por seu descompasso diante do progresso: se a evolução incluía, de geração a geração, níveis cada vez mais altos de habilidade mental e civilidade, a loucura seria o oposto desse processo. A involução progressiva das habilidades humanas era visível, segundo o médico, na crescente incapacidade dos degenerados de direcionar suas ações para um objetivo útil, moral e civilizado, determinando todo o ramo familiar subsequente (Morel, 1860, p.90). Cresceu, por isso mesmo, a importância da profilaxia e da intervenção precoce, de modo a proteger a sociedade desses indivíduos (Foucault, 2002b).

Morel foi inspiração central para o alienismo do final do século XIX, influenciando grandes nomes, como Henri Legrand du Saulle e Henry Maudsley. Outro representante fundamental dessa escola foi o psiquiatra francês Valentin Magnan, cuja produção dista trinta anos da de Morel. Magnan afirmava, na contramão de Morel, que não haveria um tipo humano único e perfeito na origem do mundo, mas que havia diferentes raças humanas em progresso contínuo. Numa linguagem mais afeita às ciências médicas da virada do século, Magnan propunha a degeneração como um estado patológico de defeito no sistema nervoso, fosse em áreas cerebrais com funções desvinculadas entre si ou desarticuladas do sistema nervoso central, o que sobrecarregava aquelas em funcionamento, demandando satisfação imediata ( Serpa Jr., 2010SERPA JR., Octavio Domont. O degenerado. História Ciência Saúde – Manguinhos, v.17, supl.2 p.447-473, 2010. ). Seria esse “desequilíbrio” ou essa “desarmonia” entre as diferentes partes do cérebro que daria início aos impulsos irresistíveis, à perversão dos instintos e à fraqueza de vontade ( Magnan, Serieux, 1895MAGNAN, Valentin; SERIEUX, Paul. Les dégénérés: état mental et syndromes épisodiques. Paris: Rueff, 1895. ).

Com Magnan, a loucura passou a incluir os desvios do próprio instinto, como o advindo de uma predisposição hereditária produzida pelos excessos ( Dowbiggin, 1991DOWBIGGIN, Ian. Inheriting madness: professionalization and psychiatric knowledge in nineteenth-century France. Berkeley: University of California, 1991. , p.168) ou pelo desequilíbrio advindo de misturas raciais de patamares de evolução distintos ( Serpa Jr., 2010SERPA JR., Octavio Domont. O degenerado. História Ciência Saúde – Manguinhos, v.17, supl.2 p.447-473, 2010. , p.469). Não tendo controle sobre seu próprio comportamento, o degenerado se configuraria como um dos maiores flagelos sociais. Também em áreas adjacentes, como na antropologia criminal e no direito, o conceito de degeneração se tornou explicativo dos comportamentos sociais desviantes.

No campo da antropologia criminal, uma influência substantiva para a psiquiatria do período foi Cesare Lombroso. Seu trabalho reforçava o consenso determinista, ao propor que as anomalias morais encontradas em criminosos eram indicativas do reaparecimento, em um descendente, de uma característica dos ascendentes há muito tempo extinta ( Rodrigues, 2009RODRIGUES, Raimundo Nina. Atavismo psíquico e paranoia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, n.12, p.766-789, 2009. , p.778-779, publicado originalmente em 1902). O “delinquente nato” seria um indivíduo que concentrava diversas regressões da humanidade em seus caracteres morais e morfológicos anormais. Esses o levariam ao crime, à epilepsia ou mesmo à loucura moral. Sua perspectiva permaneceu como um legado duradouro para a medicina mental e legal, ainda que também debatida e criticada em seu próprio tempo ( Wolfgang, 1961WOLFGANG, Marvin E. Pioneers in criminology: Cesare Lombroso. Journal of Criminal Law and Criminology, v.5, n.4, p.361-391, 1961. , p.361).

A mudança de enquadramento da loucura novamente não significou o desaparecimento da terapêutica moral e do hospício, mas constituiu novas acomodações para seu uso. Tal como a laborterapia, as atividades de divertimento e distração – jogos, música, festas e leitura – permaneceram como parte da gestão dos indivíduos nos asilos e utilizados como método terapêutico ( Russell, 1983RUSSELL, Richard. Mental physicians and their patients: psychological medicine in the English pauper lunatic asylums of the later nineteenth century. Tese (Doutorado em História Social e Econômica) – University of Sheffield, Sheffield, 1983. ).

No que diz respeito às produções artísticas dos alienados propriamente ditas, essas ganharam novos contornos. Com a inflexão degeneracionista da loucura, “desaparecem as barreiras taxativas entre o delírio e as anomalias ou degenerações menores, definidas como desvios físicos ou morais do tipo originário” ( Caponi, 2012CAPONI, Sandra. Loucos e degenerados: uma genealogia da psiquiatria ampliada. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. , p.17). As teorias da degeneração e do atavismo começaram a alimentar o método comparativo das produções dos alienados em relação a todo o desvio da norma, seja esse o dos grandes gênios das artes, seja os chamados de selvagens ou primitivos – grupos não ocidentais, considerados inferiores à cultura europeia ocidental em termos evolutivos ( Cesar, 1951CESAR, Osório. Contribution à l’etude de l’art chez les aliénés. Arquivos do Departamento de Assistência a Psicopatas do Estado de São Paulo, v.16, p.51-64, 1951. ). Gilman (1985GILMAN, Sander L. The mad man as artist: medicine, history and degenerate art. Journal of Contemporary History, v.20, n.4, p.575-597, 1985. p.593) chega mesmo a afirmar que teria sido com a degeneração que “a categoria médica do ‘patológico’ se articulou à categoria artística do ‘degenerado’”.

Lombroso passou a colecionar obras produzidas no asilo, analisando-as por meio de uma classificação que incluía noções como a “bizarrice, a pretensão, a obscenidade, o erotismo, a incoerência nas alegorias, a estereotipia e o rabisco”, bem como a falta de “senso de utilidade”. A produção dos alienados permitiria acessar seu pensamento, suas emoções anômalas, suas insistências em certos temas e aversão a outros, tornando-se peça importante do quebra-cabeças diagnóstico. Tais categorias permitiam, ainda, comparar os artefatos dos alienados e de artistas geniais com os de povos primitivos, já que Lombroso sublinhava “a semelhança da arte de alguns alienados com a arte primitiva” e considerava “as obras artísticas desses alienados como um retorno à infância da humanidade” (citado em Andriolo, 2006ANDRIOLO, Arley. O método comparativo na origem da psicologia da arte. Psicologia USP, n.17, p.43-57, 2006. , p.46). Segundo esse modelo, os loucos, assim como os povos primitivos e os artistas geniais, utilizavam frequentemente o que Lombroso considerava o recurso “atávico” de pintar símbolos, em vez de retratar a realidade ( Lombroso, Du Camp, 1880LOMBROSO, Cesare; DU CAMP, Maxime. L’arte nei pazzi. Archivio di Psichiatria, Antropologia Criminale e Scienze Penali, n.1, p.424-437, 1880. ).

Em diversos asilos, o colecionamento sistemático dos artefatos produzidos pelos internos passou a constar como evidência material de sua alienação ( Hogan, 2001HOGAN, Susan. Healing arts: the history of art therapy. London: Jessica Kingsley, 2001. , p.57). Na França, Auguste Ambroise Tardieu e Paul-Max Simon, por exemplo, passaram a encorajar os pacientes a desenhar e pintar, usando suas obras para auxiliar no estabelecimento de diagnósticos ( Porter, 1990PORTER, Roy. A loucura e a psiquiatria conversando: um diálogo histórico. In: Porter, Roy. Uma história social da loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. ).

Nesse cenário, além de instrumentos importantes de análise diagnóstica, a literatura “louca”, os desenhos e pinturas produzidas pelos insanos começaram também a ser considerados arte degenerada ( Gilman, 1985GILMAN, Sander L. The mad man as artist: medicine, history and degenerate art. Journal of Contemporary History, v.20, n.4, p.575-597, 1985. , p.580). Os objetos produzidos pelos “degenerados” e “atávicos” passaram a ser colecionados em diversas instituições internacionais. Na virada para o século XX já eram vários os psiquiatras que colecionavam a produção asilar para o estudo psicopatológico, como Júlio Dantas, em Portugal ( Franco, 2017FRANCO, Stefanie Gil. A estética da degeneração e a expressão dos alienados: leituras de Júlio Dantas no Hospital de Rilhafoles. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.3, p.727-744, 2017. ), ou Max Nordau (1893)NORDAU, Max. Untartung. Berlin: Walter de Gruyter, 1893. , na Alemanha, chamando atenção para sua bizarrice, excessos de cor, pretensão, erotismo, incoerência e ausência de utilidade.

O colecionismo deu lugar também a outro fenômeno: a exposição da arte dos alienados. Além do próprio Lombroso, em Turim, médicos como August Marie, na França ( Morehead, 2011MOREHEAD, Allison. The Musée de la Folie: collecting and exhibiting chez les fous. Journal of the History of Collections, v.23, n.1, p.101-125, 2011. ), e instituições na Inglaterra, como o Bethlem Royal Hospital, passaram a expor o trabalho artístico produzido no asilo de forma permanente. Em 1898, a produção dos pacientes e o cuidado com eles ( Irrenpflegeausstellung ) chegou à Exposição Universal ( Heighton, 2008HEIGHTON, Luke. Crime and madness in modern Austria: myth, metaphor and cultural realities. Newcastle: Cambridge Scholars, 2008. , p.223-227), o mesmo acontecendo em 1908 na exibição dos artistas loucos do asilo de Mauer-Öhling, em Viena (p.229-230). Finalmente, o periódico L’Encéphale abriu uma seção permanente sob o título “Os loucos pintados por si mesmos” que funcionou de 1882 a 1888 e que enfatizava seu marcante “poder de expressão”, por vezes “brilhante” ( Régis, 1882RÉGIS, Emmanuel. Les aliénées peints par eux-mêmes. L’Encéphale, ano 2, n.1, p.184-198, 1882. , p.190).

A exposição dessa produção em diferentes hospitais reflete também a crescente curiosidade do público em geral pela loucura. Segundo MacGregor (1989MACGREGOR, John M. The discovery of the art of the insane. New Jersey: Princeton University, 1989. , p.165), os hospitais europeus passaram a receber centenas de visitantes. Diante desse interesse, vale prestar atenção na nova natureza do louco como degenerado, produtor dessas produções. Se no início do século XIX a questão centrava-se na existência, ou não, de um sujeito racional na loucura, em seu final outra resposta estava dada: a loucura seria a reta final de um processo degenerativo. A produção desses indivíduos não poderia ser uma arte normal, já que o louco seria um ser essencialmente desviante, determinado por sua herança patológica e/ou pelos instintos atávicos. Suas produções eram fruto de uma mente distorcida, e a espelhavam. Assim, aos loucos, “como aos judeus e negros”, negava-se uma “verdadeira sensibilidade estética” ( Gilman, 1985GILMAN, Sander L. The mad man as artist: medicine, history and degenerate art. Journal of Contemporary History, v.20, n.4, p.575-597, 1985. , p.594). Ainda segundo Gilman, com apoio da teoria da degeneração, a arte ganhava a função de definir o outsider .

O mesmo valia para a escrita desses indivíduos: o interesse pelas qualidades poéticas dos alienados ganhou definitivo lugar na agenda de alienistas, como foi o caso de Octave Delepierre e de Antigono Raggi, que chamavam atenção para a escrita dos insanos, em especial maníacos e monomaníacos, discutindo seu estilo, a educação formal, erros comuns e até mesmo o prognóstico por meio dessa escrita ( Anastasi, Foley, 1941ANASTASI, Anne; FOLEY, John P. A survey of the literature on artistic behavior in the abnormal: I. historical and theoretical background. The Journal of General Psychology, v.25, n.1, p.111-142, 1941. ). Construída em termos de comparação com os grandes gênios da literatura, a patografia atraiu atenção de uma audiência mais ampla, aumentando também o prestígio profissional dos psiquiatras ( Sirotkina, 2002SIROTKINA, Irina. Mad genius: the idea and its ramifications. Intellectual News, v.10, n.1, p.91-98, 2002. ). Em consequência desse novo direcionamento, surgiram no período diversas publicações sobre a arte e a literatura dos alienados ( Fursac, 1905FURSAC, Joseph Rogues de. Les écrits et les dessins dans les maladies nerveuses et mentales: essai clinique. Paris: Masson & Cie., 1905. ; Mohr, 1906MOHR, Fritz. Über Zeichnungen von Geisteskranken und ihre diagnostische Verwertbarkeit. Journal für Psychologie und Neurologie, n.8, p.99-140, 1906. ).

Da mesma forma que entre esses pacientes os distúrbios da fala às vezes são extremamente evidentes, as combinações de linhas em seus desenhos podem ser extremamente complicadas, ou as cores que eles usam para iluminar suas imagens podem ser absolutamente falsas à natureza (citado em MacGregor, 1989MACGREGOR, John M. The discovery of the art of the insane. New Jersey: Princeton University, 1989. , p.111).

No Brasil, a escrita dos alienados também não escapara à atenção dos alienistas: segundo o doutor Santos (1875SANTOS, Augusto Ferreira dos. Legislação e jurisprudência relativas às afecções mentais. Da influência de certos estados fisiológicos e patológicos sobre a liberdade moral. Rio de Janeiro: Tipografia Acadêmica, 1875. , p.22-23), por exemplo, o exame de “quaisquer documentos procedentes da pena do alienado” era visto como um excelente auxiliar na produção de diagnósticos, fosse considerando propriamente aspectos de seu conteúdo, fosse avaliando seus aspectos gráficos (como a direção das letras, seu tamanho e traçado) e formais (a ortografia, a pontuação, a organização, a presença de rabiscos e desenhos).

Outra mudança que surgiu nesse período – e extremamente relevante para a assistência – esteve centrada na identidade socioprofissional do médico-mental. Foi também em meio ao cenário do degeneracionismo – em que se normalizava, por meio do diagnóstico e da responsabilização dos indivíduos, os longos períodos de internação – que as críticas contra o modelo fechado asilar ganharam maior força, dividindo os médicos entre os que passavam a se autodenominar psiquiatras e os que mantinham sua identidade como alienistas. A nova geração, que se autodenominava reformadora e que incluía psiquiatras como Marie, Toulouse e Sérieux, apostava no modelo open door e na assistência heterofamiliar para dar aos internos maior liberdade e dignidade ( Morehead, 2011MOREHEAD, Allison. The Musée de la Folie: collecting and exhibiting chez les fous. Journal of the History of Collections, v.23, n.1, p.101-125, 2011. ). Nesses espaços abertos, propostos como capazes de dar a sensação de liberdade, os escritos e as obras de arte passaram a ser vistos não mais apenas como marcadores diagnósticos ou terapêutica moral. Esses psiquiatras passaram a encorajar seus pacientes a criar e coletar suas próprias obras porque elas se tornaram também evidências do novo regime psiquiátrico ( Trichet, 2013TRICHET, Yohan. Les services des délirants des hôpitaux: un débat au tournant du XXe siècle. L’Evolution Psychiatrique, n.78, p.217-232, 2013. ).

A degeneração e os novos sentidos da arte na assistência aos alienados

No Brasil, a circulação da teoria degeneracionista foi intensa no final do século XIX, especialmente a partir da abolição da escravatura, em 1888, sendo utilizada para naturalizar hierarquias de classe em termos raciais, com apoio de Magnan e de outras teorias degeneracionistas. Em tom pessimista, muitos eram os que apostavam na incapacidade de o país se modernizar dados os problemas hereditários que marcavam a população primitiva e miscigenada ( Rodrigues, 2004RODRIGUES, Raimundo Nina. A paranoia nos negros: estudo clínico e médico legal – parte 1. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, n.7, p.161-178, 2004. , publicado originalmente em 1903).

Espelhando a sociedade mais ampla, no HNA havia forte hierarquia de classe. Na virada do Império para a República (1889), 3 3 Para mais informação sobre a passagem da Monarquia para a República, ver, por exemplo, Carvalho (1987) . o regulamento da Assistência aos Alienados foi aprovado, prevendo o tratamento por meio do trabalho (praxiterapia) e de atividades artísticas e de recreação para todos os internos ( Brasil, 21 jun. 1890BRASIL. Decreto n.508, de 21 de junho de 1890. Aprova o regulamento para a Assistência Médico-legal de Alienados. Disponível em: https://www2.camara.leg.br . Acesso em: 10 dez 2021. 21 jun. 1890.
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). Diferenças de tratamento entre ricos, classes remediadas e pobres permaneceram, contudo, gritantes, mantendo no cotidiano do hospício a forte divisão de “raças” ( Roxo, 1904ROXO, Henrique de Brito Belford. Perturbações mentais nos negros do Brasil. O Brazil Médico, n.13-16, p.156-160, 1904. ) e das classes existentes na sociedade mais ampla ( Cunha, 1986CUNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. ). Não que tal naturalização fosse exclusividade brasileira:

Pinel, que tantos serviços prestou aos infelizes alienados, que à violência brutal e aos meios bárbaros de repressão substituiu um tratamento inteligente e humano, queria que seus doentes tivessem um campo para cultivá-lo. Esquirol tirou os mais belos resultados do emprego do trabalho. Este precioso recurso, dizia ele, que falta no tratamento das pessoas ricas, não é sem desvantagem que é substituído pela música, pela pintura, a leitura, as reuniões, os passeios a pé, a cavalo, de carro etc. ( Barbosa, 22 jul. 1856BARBOSA, Manoel José. O Hospício de Pedro II – relatório e estatística. Correio Mercantil, e Instrutivo, Político, Universal, n.201, p.120. 22 jul. 1856. , p.120).

Em 1896, a igualdade de direitos continuava como aparência: as salas de reunião, recreio, ginástica, biblioteca, jogos e instrumentos musicais eram, segundo os jornais da época, regalias apenas para os pensionistas, isto é, pacientes do HNA pagantes de primeira, segunda, terceira e quarta classes. Na virada para o século XX, os relatórios anuais da assistência e notícias em jornais indicavam que ainda faltavam ao asilo salas de leitura, de música e pátios arborizados onde os internos não pensionistas pudessem passear (citado em Engel, 2001ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. , p.311).

Enquanto a música tocava na ala dos pensionistas, as oficinas de trabalho eram frequentadas pelos pacientes não pagantes. Ali se realizavam as atividades de tipografia, encadernação, sapataria, colchoaria, assim como o ensino de ofícios, como os de pintor, pedreiro, ferreiro, carpinteiro e bombeiro. Existiam também oficinas de costura, de bordados, de tapeçaria e de flores artificiais feitas “de pano e de contas” ( Azevedo, 1877AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro: sua história, monumentos, homens notáveis. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1877. , p.390) para mulheres que, muitas vezes, produziam “verdadeiras obras de arte” ( Rey, 2012REY, Philippe-Marius. O Hospício de Pedro II e os alienados no Brasil (1875). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v.15, n.2, p.382-403, 2012. , p.383). Quando visitou o asilo, Bilac (2006BILAC, Olavo. No Hospício Nacional (uma visita a seção das crianças). In: Amarante, Paulo (org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p.307-314. , p.313) observou que as crianças internadas também gozavam de contato com a música:

A chegada do aparelho [um grande fonógrafo] é saudada por uma explosão de alegria. Quando soam as primeiras notas da música, toda a criançada, como obedecendo a um impulso irresistível, dança e pula, numa sarabanda jovial. Depois, todos os pequenos sossegam, formam um círculo em torno do fonógrafo, e assim ficam horas inteiras, imóveis, embevecidos, transportados, alheados de tudo, embalados pela melodia ... É um êxtase, que só termina, quando a voz do aparelho definha e morre, numa última nota arrastada. E nem só nesse amor do fonógrafo se manifesta a influência que a música exerce sobre os nervos daquelas criaturas inocentes. Quase todos os asilados cantam e dançam frequentemente: e alguns deles preferem a todos os brinquedos essas pequenas gaitas de sopro, que custam um níquel, e valem aos seus olhos um verdadeiro tesouro. A música, arte primitiva, é o encanto daquelas almas também primitivas.

Acompanhando os ventos das reformas asilares da nova geração de psiquiatras internacionais, outras instituições foram construídas no início da República com o fito de permitir mais liberdade àqueles que “naturalmente” estavam fadados a cronificar no asilo.

D’ora em diante a internação não será mais o aprisionamento do louco em um casarão fechado, onde o enfermo não acha ... as alegrias do trabalho para lhe desentorpecerem os músculos e prevenirem o cérebro contra a demência da indolência ( Estatísticas..., 1900ESTATÍSTICAS e apontamentos, pelo Dr. Franco da Rocha, São Paulo. Seção Bibliografia. O Brazil Médico, v.16, n.13, p.132, 1900. , p.132).

Além da laborterapia, previam-se instalações capazes de distrair e entreter os residentes, para lhes permitir mais sentimento de liberdade e pertencimento. Como prova dos efeitos da reforma na vida dos indivíduos internados, sua produção começou a ser fotografada e descrita nos relatórios anuais do diretor para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores ( Claper, 2020CLAPER, Jeanine Ribeiro. Colônia agrícola para alienados no Rio de Janeiro (1890-1924): discursos, projetos e práticas na assistência ao alienado. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. , p.184-186).

Ao lado de atividades de instrução e recreio – “passeios, música, declamação, representações teatrais” ( Agassiz, Agassiz, 1938AGASSIZ, Luiz; AGASSIZ, Elisabeth Cary. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1938. , p.276) –, as produções estéticas espontâneas dos alienados ganharam nova atenção, sendo colocadas em exposição, como já mencionado. Jornalistas ( Fantasio, 1895FANTASIO. Crônicas. A Cigarra, v.1, n.23, p.2, 1895. ; Livro..., 1895LIVRO da porta. Revista Ilustrada, v.19, n.697, p.7, 1895. ; O Hospício..., 1895O HOSPÍCIO Nacional de Alienados. O Brazil Médico, n.37, p.316, 1895. ) e escritores renomados, como Machado de Assis (1989ASSIS, Machado de. O alienista. Papéis Avulsos. Rio de Janeiro; Belo Horizonte: Garnier, 1989. , p.308, publicado originalmente em 1892), comunicavam as fortes impressões causadas pelos trabalhos, feitos com “tal perfeição que é quase uma fortuna terem perdido o juízo”. Machado de Assis chamava atenção para o raciocínio e o senso estético desses indivíduos, recomendando o fim do hospício:

O melhor seria uma lei que abolisse a alienação mental, revogando as disposições em contrário, e ordenando que os supostos doidos fossem restituídos à sociedade, com indenização. Sei que, em geral, preferimos violar a lei a pôr outra nova; mas, para segurança dos hóspedes da Praia Vermelha, aconselho este segundo processo. E não só daqueles, se não também para a tua e minha segurança; podemos ir um dia para lá, sem outro recurso mais que a conspiração, que pode ser descoberta; o melhor é não ir ninguém ( Assis, 2010bASSIS, Machado de. Sobre a fuga dos doidos do Hospício Nacional de Alienados. In: Massi, Augusto; Moura, Murilo Marcondes (org.). Diário do Hospício e cemitério dos vivos. São Paulo: Cosac Naify, 2010b. p.311-316. , p.312, publicado originalmente em 1896).

Assim, ao fim do século XIX, a discussão sobre a arte primitiva ganhou espaço. Inicialmente, vinculada às manifestações artísticas de “autóctones e africanos”, já que “a inferioridade racial dos negros e indígenas com relação ao branco era indiscutível” ( Oda, 2001ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. A teoria da degenerescência na fundação da psiquiatria brasileira: contraposição entre Raimundo Nina-Rodrigues e Juliano Moreira. Psychiatry On-line Brazil, v.6, n.12, 2001. , p.3) e de miscigenados entre raças em diferentes patamares evolutivos, diagnosticados então como degenerados. O interesse pelo primitivismo alentou também o colecionamento da arte de indivíduos internos em asilos, pensados, então, como vivendo um processo de regressão a etapas primitivas da humanidade. A ampliação das fronteiras da anormalidade tornou possível que se reformulasse o campo científico-assistencial da psiquiatria, em busca de reconhecimento e de organização biopolítica da sociedade; mas, na outra ponta desse discurso, produziu, ao mesmo tempo, um processo de crescente fascinação pela loucura ( Schmiedebach, 2016SCHMIEDEBACH, Heinz-Peter (org.). Entgrenzungen des Wahnsinns: Psychopathie und Psychopathologisierungen um 1900. Berlin: Walter de Gruyter GmbH & Co KG, 2016. ).

Na virada para o século XX, a noção de degeneração circulava na política, no direito e no cotidiano da cidade, com significados ampliados para o que se considerava “fora da ordem”, confuso ou desarrazoado, a ponto de alguns psiquiatras começarem a dizer que “a degeneração que veem por toda a parte é uma já estereotipia diagnóstica, quando não seja uma simples ecolalia de designação” ( Moreira, Peixoto, 1905MOREIRA, Juliano; PEIXOTO, Afrânio. A paranoia e as síndromes paranoides. Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, v.1, p.5-33, 1905. ). Tal como em O alienista , de 1882 ( Assis, 1989ASSIS, Machado de. O alienista. Papéis Avulsos. Rio de Janeiro; Belo Horizonte: Garnier, 1989. ), os médicos – denunciava o artigo – é que pareciam alienados.

É... Moreira e Peixoto também gostavam de “machadear” de vez em quando. A crítica mordaz, entretanto, aponta para disputas epistemológicas e políticas em curso entre o grupo de alienistas ligados a Teixeira Brandão e um novo grupo de psiquiatras que, com as mudanças de governo no início do século XX, chegara ao hospício e à FMRJ ( Portocarrero, 2002PORTOCARRERO, Vera. Arquivos da loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. ; Venancio, Carvalhal, 2005VENANCIO, Ana Teresa A.; CARVALHAL, Lázara. Juliano Moreira: a psiquiatria científica no processo civilizador brasileiro. In: Duarte, Luiz Fernando Dias; Russo, Jane; Venancio, Ana Teresa A. (org.). Psicologização no Brasil: atores e autores. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005. p.65-83. ; Muñoz, 2018MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. Emil Kraepelin na ciência psiquiátrica do Rio de Janeiro, 1903-1933. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Fiocruz, 2018. ). O embate aparecia em meio a uma violenta crise do alienismo local, que vinha ameaçando a fidedignidade do saber e desafiando os psiquiatras do HNA, com denúncias de corrupção, de crueldade e ineficiência ( Engel, 2001ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. ; Dias, 2010DIAS, Allister Andrew Teixeira. “Dramas de sangue” na cidade: psiquiatria, loucura e assassinato no Rio de Janeiro (1901-1921). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2010. ; Moraes, 2020MORAES, Mônica Cristina de. No canto do isolamento: loucura e tuberculose no Hospício Nacional de Alienados (1890-1930). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ).

O novo grupo se instalou a partir de 1903 no HNA em torno dos médicos baianos Juliano Moreira e Afrânio Peixoto, que conseguiram atrair para o asilo nomes já consagrados da psiquiatria, como Fernandes Figueira, Miguel Couto, Antonio Austregésilo, Heitor Carrilho, entre outros ( Engel, 2001ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. ; Facchinetti, 2022FACCHINETTI, Cristiana. Un palacio imperial para la locura en Río de Janeiro: el hospicio nacional de alienados, 1841-1944. In: Molina, Andres Ríos; Honorato, Mariano Ruperthuz (coord.). De manicomios a instituciones psiquiátricas: experiencias en Iberoamérica, siglos XIX y XX. Ciudad de México: Unam; Madrid:Silex, 2022. p.29-86. ). Esses, com apoio de seus alunos e residentes, implementaram no HNA as mais novas perspectivas experimentais da época, com o objetivo de fazer a psiquiatria se modernizar à altura da medicina geral ( Facchinetti, Muñoz, 2013FACCHINETTI, Cristiana; MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. Emil Kraepelin and psychiatric science in Rio de Janeiro, 1903-1933. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, n.20, v.1, p.239-262, 2013. ). Tal perspectiva teórica teve grande impacto também na assistência, dando novo giro na compreensão da loucura, do louco e de seu tratamento.

O recorte temporal deste artigo termina justamente na entrada desse novo grupo. Afinal, no que diz respeito à arte produzida nos asilos e seus novos encaminhamentos, foi em torno desse grupo inicial, sob a liderança de Juliano Moreira, que a psicanálise começou a circular no HNA, ainda na década de 1910 ( Facchinetti, Castro, 2015FACCHINETTI, Cristiana; CASTRO, Rafael Dias de. The historiography of psychoanalysis in Brazil: the case of Rio de Janeiro. Dynamis, n.35, v.1, p.13-34, 2015. ). Foi também por influência desses médicos que uma nova geração de psiquiatras introduziu a psiquiatria social, os estudos socioculturais da psicanálise e a crítica de arte nos asilos, a partir de 1920. No novo enquadramento epistemológico, as obras loucas passaram a ser compreendidas como enunciadoras da verdade do inconsciente. E, para além dos muros dos hospícios, tornaram-se também referência artística para a vanguarda modernista local, ganhando lugar de exposição como arte moderna. Essa geração, porém, já foi tratada pela historiografia, como indicado no início deste trabalho.

Considerações finais: mal de arquivo

Este artigo buscou, no arquivo da arte “ louca”, evidências da produção em asilos brasileiros no século XIX. Com Derrida (2001)DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. é possível afirmar que os conceitos de história, verdade e poder estão sempre intrincados e organizam o que é memória, mas também o que é esquecimento. Isso quer dizer que toda tradição historiográfica e seu modo de ordenar as narrativas dependem dos arquivamentos que são produzidos pelo poder e por aqueles que têm autoridade para mantê-lo, os “arcontes”, guardiões e intérpretes da verdade que o arquivo enuncia (p.12-13).

Assim, o intérprete, como arquivista que é, fundamentalmente, não deve apenas acolher a repetição que insiste no arquivo, mas também relançá-la em direção ao futuro. Essa leitura, que é constitutiva do próprio arquivo, portanto, é o que direciona este para o vir-a-ser que perpassa também o arquivo enquanto tal. Seria o arquivista/intérprete, enfim, quem constituiria, por tais operações de leitura, a consignação do arquivo em pauta ( Birman, 2008BIRMAN, Joel. Arquivo e mal de arquivo: uma leitura de Derrida sobre Freud. Natureza Humana, v.10, n.1, p.105-128, 2008. , p.116).

A escrita da história é um processo descontínuo, lacunar e sintomático, perpassado por esquecimentos e apagamentos que o poder estabelece. As escolhas dos arcontes não dizem respeito apenas ao passado, mas também aos registros do presente, das condições de possibilidade de quem comanda a narrativa, do agenciamento que introduz suas origens e traz uma perspectiva específica de futuro ( Derrida, 2001DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. , p.11).

Todo arquivo está fadado a encontrar-se com o “mal” que o atravessa, que ao mesmo tempo permite o esquecimento, mas, também, a inscrição de novos arquivamentos ( Derrida, 2001DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. ). Nessa perspectiva, é essa a condição de possibilidade de destruição das tradições e de construção de novos arranjos, memórias e verdades, ainda que o “novo” produza também novos recalques, condição mesma de sua renovação.

Com o “mal de arquivo” em mente é que, ao longo deste artigo, buscou-se demonstrar que, na modernidade, o silenciamento da arte pela razão não significou que ela tenha deixado de ser produzida nos hospícios, mas sim que a era moderna trouxe o desafio de tratar, do ponto de vista racional, algo que ultrapassa a razão. Todo o debate entre Foucault e Derrida trata justamente de se é possível enunciar a loucura ou se apenas é possível enunciá-la a partir da “alienação” ( Nascimento, 2017NASCIMENTO, Evando. O debate Foucault e Derrida: razões ou desrazões do pensamento. Matraga, v.24, n.40, p.135-153, 2017. ).

Considerando o debate, pode-se dizer que não se ousou aqui querer ultrapassar o silenciamento da loucura. Apenas buscou-se demonstrar que, se é verdade que a psicanálise e a arte moderna se entrelaçaram no entreguerras para revolucionar o olhar sobre a arte e a produção artística dos hospícios brasileiros, isso não quer dizer que ela não estivesse presente anteriormente, durante todo o século XIX. Tampouco que os artistas loucos e sua produção não tenham sido observados pelos alienistas no período.

Ao contrário disso, foi possível acompanhar o modo pelo qual as diferentes teorias psiquiátricas que circulavam globalmente trataram a loucura como moléstia mental – ora como erro passível de ser superado pela consciência, ora como lesão cerebral e/ou degeneração – e o impacto de tais perspectivas nas análises médicas sobre as expressões criativas daqueles que estiveram sob seu cuidado. No caso das práticas locais, ainda que do ponto de vista da academia essa produção não tenha sido debatida em teses de doutoramento ou tratados brasileiros no século XIX, foi possível acompanhar as diferentes interpretações que os alienistas do HNA fizeram dessas manifestações ao longo daquele século em documentos que tratavam da clínica e da assistência, permitindo acessar o modo como o staff médico conviveu com elas, utilizando-as com fins diversos: atividades de recreação, catarse e terapêutica, a partir de 1852, seguindo o modelo das práticas dos hospitais alienistas franceses; avaliação diagnóstica, colecionamento para observação psicopatológica e recreação, a partir da década de 1880 em diante, especialmente na década de 1890, sob a influência da teoria da degeneração e das teses fisicalistas da alienação; e até mesmo divulgação científica, com o fim de atrair olhares de um público mais amplo sobre o fazer científico no hospital e suas reformas.

AGRADECIMENTOS

Este artigo foi produzido graças ao financiamento do Capes-Print e por ocasião da Fellowship do Institute of Advanced Studies da University College London.

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NOTAS

  • 1
    Ambos serão nomeados como HNA ao longo do artigo, a fim de facilitar a leitura.
  • 2
    A pesquisa foi feita no site da Hemeroteca ( http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ ). Teria sido interessante buscar dados sobre as manifestações artísticas de alienados nos documentos clínicos do hospital desde 1852, material que hoje se encontra sob a guarda do Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro. Não foi possível acessá-los, entretanto, pois a documentação para este artigo foi levantada durante o lockdown por causa da covid-19.
  • 3
    Para mais informação sobre a passagem da Monarquia para a República, ver, por exemplo, Carvalho (1987)CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2021
  • Aceito
    23 Fev 2022
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