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O grande benefício para a humanidade

The great benefit for humanity

LIVROS & REDES

O grande benefício para a humanidade

The great benefit for humanity

Paula Yuri Sugishita Kanikadan

Doutoranda da Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo. Rua Monte Caseros, 313/41, 05590-130 - São Paulo - SP - Brasil. paulak@usp.br

Roy Porter foi um historiador britânico muito conhecido por trabalhos na área de história da medicina. No livro The greatest benefit to mankind ele discute a evolução da medicina científica ocidental ao longo da história da humanidade, contextualizando o desenvolvimento médico-científico, com seu poder e domínio sobre a sociedade, ao lado da medicina não convencional de várias regiões e períodos. Pode-se comparar essa obra ao clássico de George Rosen (1993) A history of public health, em que o autor traça a evolução da saúde pública por meio de análises focadas em períodos e regiões semelhantes aos investigados por Porter: discute as origens da saúde pública no mundo greco-romano, fala da saúde no período das Luzes, da industrialização, da era bacteriológica e de outros tópicos de interesse para a saúde pública.

No primeiro capítulo, Porter faz uma breve introdução sobre o tema a ser tratado. O capítulo 2 mostra as origens da medicina, com exemplos de diversas regiões europeias e asiáticas, e descreve brevemente as origens de doenças como malária, peste bubônica e tifo, com destaque para as epidemias. O autor enfatiza que a colonização e a industrialização contribuíram para a disseminação das infecções. Mostra também como as populações tiveram noção do que é estar doente e quais métodos de tratamento tinham disponíveis para curar suas enfermi-dades: ao lado das práticas populares de cura, a ciência médica entrava em ação.

O capítulo 3 mostra como as doenças eram tratadas em regiões como Egito, Mesopotâmia e Grécia; a seguir, detalha a medicina grego-romana discorrendo sobre Hipócrates, Galeno e a Era Romana.

Os dois capítulos seguintes descrevem a medicina atrelada à religião: de um lado, a medicina religiosa das regiões mediterrâneas orientais; de outro, a medicina nascida dentro das abadias e catedrais.

Nos capítulos 6 e 7 são discutidas as medicinas da Índia e China, respectivamente. Porter empreende sua análise baseado no fato de que nos dois impérios asiáticos a hierarquia social e a consequente divisão do trabalho facilitaram a emergência de curadores, que atuaram juntamente com padres e outros homens (p.135). Considera que ambas as medi-cinas ainda existem, ao lado da medicina ocidental.

Os três tópicos seguintes tratam do desenvolvimento da medicina científica do período renascentista e das Luzes. Porter discorre sobre o papel de cirurgiões, médicos e farmacêuticos, e examina o desenvolvimento da anatomia, patologia, cirurgia, química e microscopia, sempre tendo por base as doenças da época, as formas de cura das mesmas e como as populações encaravam seus tratamentos. Menciona também a medicina de Estado surgida na França do século XVIII.

A seguir, aborda a medicina do século XIX, principalmente a francesa, germânica, inglesa e americana, mostrando que a industrialização, marcada pela inovação tecnológica, transformou os ambientes e as pessoas. Analisa também a evolução do cuidado médico no contexto europeu. Trata, ainda no cenário europeu, do papel da mulher no cuidado à saúde, bem como da emergência da profissão de enfermagem. Destaca essas mulheres no cuidado com os soldados de guerra, as chamadas lady with the lamp. Finaliza esse tópico discutindo o crescimento da medicina alternativa, beneficiada com a evolução da mídia.

Os capítulos posteriores abordam as doenças oriundas do saneamento precário, com ênfase na medicina pública. O autor dedica um capítulo especial ao desenvolvimento da penicilina e suas implicações para as doenças tropicais, destacando os diversos tipos cli-máticos que contribuem para disseminá-las. Em outro capítulo especial, examina a psi-quiatria e seus tipos de cura, além de discorrer sobre o nascimento dos asilos psiquiátricos, especialmente na Grã-Bretanha. A seguir, analisa o desenvolvimento da psiquiatria em alguns países europeus, principalmente na Alemanha e também nos Estados Unidos.

"Pesquisa médica" é o tema seguinte a ser investigado. Porter enfatiza a evolução da neurologia, da neuropatologia, da bioquímica e da nutrição em diversos contextos históricos. Analisa, posteriormente, a ciência clínica e a cirurgia, avaliando os fatores fisiológicos e funcionais envolvidos no cuidado à saúde: menciona a endocrinologia, a química neuro-lógica, doenças como o câncer e enfermidades cardíacas. Discorre ainda sobre o papel da genética e da imunologia ao longo dos tempos.

No capítulo "Cirurgia", o autor destaca o surgimento da assepsia a partir dos achados de Lister e como isso influenciou a evolução da cirurgia. Analisa o fato de que as operações cardíacas estão entre as descobertas mais importantes para a história da medicina e dá sequência ao tema da cirurgia abordando os transplantes de órgãos.

O passo seguinte é o exame do papel do Estado na medicina. Na Idade Média, o Estado começou a regulamentar as práticas médicas com a criação da profissão de médico. No período moderno, a medicina estava ligada às estratégias mercantilistas para a consolidação da riqueza nacional e do poder humano, o que fez com que os médicos fossem sempre profissionais muito procurados em emergências, especialmente em tempos de praga. Por fim, no século XIX, vê-se a emergência de novos grupos médicos, em decorrência das ameaças para a sociedade ocasionadas pelas doenças dos pobres, bem como dos danos ambientais causados pela industrialização (p.635).

Analisa também o século XX, destacando-se uma tabela comparativa sobre os gastos com cuidados de saúde em alguns países europeus, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos. Termina o capítulo discorrendo sobre o controle no uso de drogas narcóticas como morfina e ópio. Busca destacar ainda a emergência da ação 'de polícia' no contexto da saúde.

Finalmente, os dois últimos capítulos, intitulados "Medicina e as pessoas" e "O passado, o presente e o futuro", respectivamente, descrevem como as pessoas enxergam os tratamentos médicos e discutem a medicina científica com base no passado e no que poderia ser feito no futuro. Critica o fato de que todos os sinais e sintomas do organismo humano são atualmente considerados doenças. O avanço médico, que no passado se desenvolveu especialmente para acabar com as taxas elevadas de mortalidade, está 'cegando' as pessoas no que concerne a métodos de tratamento e escolhas. Seria interessante questionar até que ponto se deve buscar auxílio técnico médico em detrimento do uso da medicina não convencional. Sabe-se que remédios caseiros e terapeutas populares foram bastante disponíveis no passado e seu uso transmitia mais confiança para o público do que as práticas de médicos até o final do século XVIII.

Conforme aponta Keith Thomas (1997), o desenvolvimento da ciência diminuiu o espaço para a busca de terapias alternativas de cura. A história tem mostrado, de fato, essa 'substituição', mas é preciso analisar atentamente cada escolha para não se acabar 'comprando' saúde o tempo todo, por meio de caixinhas de remédios e de equipamentos médicos.

  • ROSEN, George. A history of public health Baltimore: The Johns Hopkins University Press. 1993.
  • THOMAS, Keith. Religion and the decline of magic: studies in popular beliefs in sixteenth and seventeenth century England. London: Weidenfeld & Nicolson. 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010
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