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Atividades científicas no Império português: um estudo da obra do 'metalurgista de profissão' Manuel Ferreira da Câmara - 1783-1820

Scientific activities under the Portuguese Empire: a study of the works of Manuel Ferreira da Câmara, 'metalworker by profession' - 1783-1820

Resumos

O personagem Manuel Ferreira da Câmara ficou conhecido na historiografia pelo seu perfil político de estadista e parlamentar. Contudo sua trajetória histórica mostra que os interesses políticos e seus estudos das ciências naturais estavam associados. Este artigo resulta de uma pesquisa cujo objetivo é estudar as memórias científicas elaboradas pelo estudioso e analisá-las com a atenção voltada para o contexto social mais amplo em que foram concebidas. As memórias são testemunhos importantes de comprovação da existência de produção científica no Império português no final do século XVIII e início do XIX e revelam a riqueza do pensamento ilustrado luso-americano.

Manuel Ferreira da Câmara (1762-1835); ilustração luso-americana; história das ciências; mineralogia; Universidade de Coimbra


Manuel Ferreira da Câmara became known in historiography for his political profile as a statesmen and parliamentarian. His historical trajectory shows a link between these political interests and his studies in the natural sciences. This article is the result of research on the scholar's scientific memoirs, with an analysis that focuses on the broader social context in which they were conceived. These memoirs stand as a valuable testimony to the existence of scientific production under the Portuguese Empire in the late eighteenth and early nineteenth centuries and illustrate the richness of thinking under the Luso-American Enlightenment.

Manuel Ferreira da Câmara (1762-1835); Luso-American Enlightenment; history of the sciences; mineralogy; Universidade de Coimbra


NOTA DE PESQUISA

Atividades científicas no Império português: um estudo da obra do 'metalurgista de profissão' Manuel Ferreira da Câmara - 1783-1820*

Scientific activities under the Portuguese Empire: a study of the works of Manuel Ferreira da Câmara, 'metalworker by profession' - 1783-1820

Alex Gonçalves Varela

Bolsista de pós-doutorado (Programa de Capacitação Profissional) / Museu de Astronomia e Ciências Afins/Ministério da Ciência e Tecnologia. Rua Ferreira Viana, 36/502 - Rio de Janeiro. 22210-040 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. alex@mast.br

RESUMO

O personagem Manuel Ferreira da Câmara ficou conhecido na historiografia pelo seu perfil político de estadista e parlamentar. Contudo sua trajetória histórica mostra que os interesses políticos e seus estudos das ciências naturais estavam associados. Este artigo resulta de uma pesquisa cujo objetivo é estudar as memórias científicas elaboradas pelo estudioso e analisá-las com a atenção voltada para o contexto social mais amplo em que foram concebidas. As memórias são testemunhos importantes de comprovação da existência de produção científica no Império português no final do século XVIII e início do XIX e revelam a riqueza do pensamento ilustrado luso-americano.

Palavras-chave: Manuel Ferreira da Câmara (1762-1835); ilustração luso-americana; história das ciências; mineralogia; Universidade de Coimbra.

ABSTRACT

Manuel Ferreira da Câmara became known in historiography for his political profile as a statesmen and parliamentarian. His historical trajectory shows a link between these political interests and his studies in the natural sciences. This article is the result of research on the scholar's scientific memoirs, with an analysis that focuses on the broader social context in which they were conceived. These memoirs stand as a valuable testimony to the existence of scientific production under the Portuguese Empire in the late eighteenth and early nineteenth centuries and illustrate the richness of thinking under the Luso-American Enlightenment.

Keywords: Manuel Ferreira da Câmara (1762-1835); Luso-American Enlightenment; history of the sciences; mineralogy; Universidade de Coimbra.

O objetivo da pesquisa que dá origem a este artigo é estudar as memórias científicas produzidas pelo estudioso Manuel Ferreira da Câmara Bethencourt Aguiar e Sá e analisá-las no contexto em que foram escritas. Para isso, foram selecionadas as seguintes dissertações:

Memórias apresentadas à Academia Real das Ciências de Lisboa: "Ensaio de descrição física e econômica da Comarca dos Ilhéus na América" (1789); "Memória de observações físico-econômicas acerca da extração do ouro do Brasil" (1789); "Observações feitas por ordem da Real Academia de Lisboa acerca do carvão de pedra, que se encontra na Freguesia da Carvoeira" (1790).

- Textos elaborados durante a viagem científica por ele realizada em diversas regiões de mineração, localizadas nos países da Europa central e setentrional: "Sobre o comportamento da obsidiana sob o tubo de sopro, pelo Sr. Da Câmara (traduzido do francês)" (Bergmanniches Journal, Freiberg, v.6, n.1, 1794); "Carta do sr. da Câmara Bethencourt ao sr. Hawkins, acerca de alguns experimentos com obsidiana (traduzido do francês)" (Bergmanniches Journal, Freiberg, v.6, n.2, 1794); "Nota sobre a extração das minas do Principado da Transilvânia escrita em Zalathna aos 5 de março de 1796".

- Estudos elaborados quando ocupava o cargo de conselheiro do governo português para os assuntos de minas e metalurgia: "Memória sobre o trabalho de d. Rodrigo. Lisboa, 13/08/1798"; "Memória sobre a necessidade de se permutar ouro em pó por moeda corrente. Buenos Aires, 20/01/1799"; "Memória sobre os meios de obter o cobre necessário à cunhagem das moedas destinadas aos nossos estabelecimentos americanos, e particularmente para a projetada permuta de todo o ouro em pó por moeda corrente. Buenos Aires, 23/01/1799".

-- Estudos produzidos no âmbito do cargo de intendente dos Diamantes da região de Serro do Frio: "Plano para a abertura da estrada que da Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar, se vai, segundo as ordens régias para abrir para o rio Doce. Fevereiro de 1819"; "Parecer dado por Manuel Ferreira da Câmara sobre as sociedades de mineração. Tijuco, 21 de novembro de 1819".

O interesse pela análise das memórias científicas produzidas pelo naturalista justifica-se pelo fato de serem um testemunho importante de comprovação da existência de produção científica no Império português no final do século XVIII e início do XIX. Por meio da análise de suas memórias, entre outras questões, é possível observar a concepção de ciência com que Câmara trabalhava e sua postura téorico-metodológica. Além disso, seus textos permitem identificar as apropriações que fazia das modernas teorias científicas e como buscava aplicá-las em seu contexto local, os autores com quem dialogava assim como os que refutava. A produção memorialística é, portanto, uma peça importante para a compreensão da forma como se deu o processo de institucionalização das ciências naturais no Império luso.

Os textos científicos produzidos por Manuel Ferreira da Câmara serão analisados sem perder de vista o contexto social mais amplo em que foram concebidos, como tem sido proposto pela nova historiografia das ciências. Ao fazer, então, uma leitura contextualizada dos textos, é possível perceber as questões formuladas pelos estudiosos, os argumentos por eles apresentados e em que medida aceitavam as idéias então predominantes no debate científico da época - sobretudo no campo das ciências da Terra - e delas se apropriavam, ou as contestavam, repeliam, e às vezes até as ignoravam. Permite observar também quais foram os autores lidos e as obras analisadas pelo estudioso. Portanto seus textos científicos serão analisados a partir do contexto no qual ele escrevia, uma vez que são "construídos segundo regras variáveis no tempo e no espaço social, um objeto que seria ingênuo considerar transparente em si mesmo, como se relatasse fatos brutos" (Pestre, 1996, p.37).

A presença do ilustrado Manuel Ferreira da Câmara na bibliografia especializada ocorre em razão de seu perfil político, evidenciando sua atuação como estadista e parlamentar. Tais análises dão relevância à atuação do personagem no período da Independência, como deputado na Assembléia Nacional Constituinte de 1823 e, ainda, como senador por Minas Gerais no período de 1827 a 1835. Um exemplo desse tipo de enfoque que enfatiza exclusivamente o viés político de sua trajetória histórica é o curto artigo de Sigaud (1842). No entanto Manuel Ferreira da Câmara notabilizou-se não apenas como homem público, mas também como estudioso e pesquisador do mundo natural. Em sua trajetória histórica, a face de naturalista e os interesses políticos são indissociáveis, fato que caracteriza o homem ilustrado do século XVIII (Bensaude-Vincent, 1996). Não são duas carreiras diferentes ou sucessivas, mas dois perfis de uma mesma trajetória de vida, que de forma alguma podem ser cindidos: o de estudioso das ciências naturais e o de homem público. Há, portanto, lacunas que estimulam a reflexão sobre o personagem em novas direções.

O que também se pode observar, após um levantamento preliminar, é a existência de pouca bibliografia sobre a trajetória de vida desse personagem. Entre o material encontrado ganham destaque a biografia escrita por Mendonça (1958) e alguns artigos curtos como os de Leonardos (1962) e Leinz (1963). Somente nos últimos anos, em razão do resgate da história das ciências na América Latina sob novo arcabouço historiográfico, Câmara voltou a ser objeto de estudo, e entre os trabalhos que contribuíram para isso merecem destaque os de Pinto (1994) e Figueirôa (1999).

Contudo falta ainda um estudo contextualizado da vida e obra do naturalista inserido no debate mais amplo sobre a história e a historiografia das ciências no Império português, em que se reconheça o peso do reformismo ilustrado e os variados papéis profissionais que desempenhou. Como argumentou Figueirôa (1999, p.214), a supremacia da história política e administrativa, aliada às concepções historiográficas sobre a carência de atividades científicas locais levaram igualmente à falta de um lugar na história e ao tratamento de exceção para o que foi realizado no campo científico, alimentando um círculo gerador de homens excepcionais e de seus contemporâneos pouco lembrados.

As pesquisas iniciais têm mostrado que a obra de Câmara foi realizada em momento crucial tanto do desenvolvimento das ciências mineralógicas quanto de reestruturação do Império português com vistas à sua regeneração. Das leituras que temos feito sobre as práticas científicas mineralógicas e sobre o modo como Portugal e a sua colônia portuguesa na América apropriaram-se das idéias correntes na época, começamos a inferir alguns pontos importantes para a compreensão das pesquisas e do pensamento científico de Manuel Ferreira da Câmara.

Câmara nasceu em Minas Gerais, muito provavelmente em Santo Antônio de Itacambira, em territórios da Demarcação Diamantina, por volta de 1764. Fez parte de uma geração de ilustrados luso-americanos, formados na Universidade de Coimbra reformada pelo marquês de Pombal. O estudioso matriculou-se em Coimbra, em 1783, no curso de leis. No ano seguinte passou a cursar também o de filosofia natural. Tornou-se bacharel em leis e filosofia em 1787 e obteve o diploma em junho de 1788. Nesse período juntou-se às elites cultas da metrópole que também ali estudavam; todos leram as mesmas obras e receberam a mesma formação (Silva, 1999).

Após a conclusão do curso superior em Coimbra, Câmara permaneceu em Portugal, sendo eleito membro da Academia Real das Ciências de Lisboa no ano de 1789. A Academia foi um centro aglutinador do ideário reformista do governo de d. Maria I e um lócus de debate científico e da gestão da política colonial voltada para a exploração do mundo natural. Ali Câmara integrou-se ao grupo de naturalistas, que tinha como personagem principal o italiano Domenico Vandelli (Munteal Filho, 1993, 1998).

Na Academia, Câmara publicou diversas memórias científicas. Nesses textos, observa-se que o pragmatismo e o utilitarismo são duas características presentes na prática científica não só do naturalista Manuel Ferreira da Câmara como de outros estudiosos luso-americanos. No entanto tais atributos não foram exclusivos da Ilustração luso-americana. As ciências naturais modernas de perfil baconiano, em sua essência, pressupunham a utilidade e o bem-estar dos homens. Para Bacon, a história natural era uma forma de investigação destinada a registrar o conhecimento do mundo para uso e aperfeiçoamento da humanidade. E será na direção da procura da utilidade que o estudo da natureza convergirá no século XVIII, firmando-se assim como a crítica do conhecimento diletante. Novos museus, jardins botânicos, academias científicas e coleções tomaram o lugar dos gabinetes de curiosidades e dos jardins consagrados exclusivamente ao deleite aristocrático. A história natural que se estabeleceu nas instituições européias - a exemplo das francesas da última década do século XVIII - era marcada por forte utilitarismo (Kury, 2001, p.142-143).

Conforme as considerações da historiadora das ciências Lopes (2003, p.50), vários trabalhos sobre o tema da Ilustração luso-americana do Setecentos têm sido produzidos sob um enfoque que prioriza as conotações político-econômicas do processo, deixando de lado a produção cultural-científica do período, sem incorporar os entendimentos das ciências efetivamente veiculados e postos em prática para alicerçar os processos modernizadores de Portugal e do Ultramar. Na maioria dos casos, ainda de acordo com a historiadora das ciências, reduz-se todo o movimento do Império português de adesão às ciências modernas a apenas 'utilitarismos', 'pragmatismos', 'imediatismos', com conotações pejorativas. Ademais reforçam-se visões que partilham as noções de 'atraso' científico português, e conseqüentemente brasileiro, e sua inviabilidade de participação nas ciências européias do período.

Nos seus estudos científicos, Câmara preocupou-se em descrever os locais da ocorrência dos minerais, assim como a sua matriz, prática que estava de acordo com as modificações pelas quais passava a mineralogia no final do século XVIII, quando já não importava somente coletar e identificar os materiais minerais, mas também verificar como se dava sua distribuição espacial (Rudwick, 1997). A mineralogia deixava de ser uma ciência essencial-mente de laboratório, que objetivava tão-somente registrar e sistematizar objetos minerais, e passava a ter uma dimensão geográfica. Em decorrência, tornou-se consenso a idéia de que rochas e minerais colecionados em gabinetes podiam dar muito prazer, mas não trariam nenhuma luz à razão se não fossem observados no local de sua ocorrência (Hamm, 1997). Portanto Câmara seguia os caminhos próprios de sua ciência, no estágio em que ela se encontrava naquele período. E estava atento ao que ocorria em relação à ciência que praticava, como bem mostram os seus textos.

Para classificar as amostras que coletava e enviava para os estabelecimentos científicos lisboetas como o Museu da Ajuda, Câmara utilizava diversos sistemas de classificação como os de Carl von Linné (1707-1778), conhecido também como Carlos Lineu, e Johan Gottschalk Wallerius (1709-1785). Esses sistemas eram diferentes: o primeiro classificou os minerais seguindo o modelo utilizado para classificar as plantas, enfatizando as suas características externas; o segundo baseava-se em modelo químico e dava ênfase às características internas dos minerais.

O uso de sistemas de classificação tão diversos remete-nos à formação de Câmara na Universidade de Coimbra, onde prevalecia um enfoque eclético e pragmático. Naquele espaço institucional o naturalista foi aluno do paduano Domenico Vandelli, primeiro lente de química da Universidade de Coimbra e também professor de história natural. Vandelli seguia o método de Lineu nas cadeiras que lecionava.

Não somente os componentes da Câmara, mas toda uma geração de naturalistas formados por Vandelli, entre eles José Bonifácio de Andrada e Silva, José Vieira Couto e Martim Francisco Ribeiro de Andrade, estudaram segundo as doutrinas de Lineu, adotadas nas aulas do professor 'Coimbrão' (Silva, 2002; Varela, 2005, 2006).

Viagem a Freiberg

Freiberg foi uma das diversas regiões mineiras da Europa central e setentrional visitadas por Câmara durante a viagem científica patrocinada pelo governo português no período de 1790-1798. Naquele local estudou na Bergakademie, primeira Academia de minas do mundo, onde realizou um curso de orictognosia (identificação e classificação dos minerais) e geognosia (formação e história das rochas e minerais) com Abraham Gottlob Werner. Câmara publicou dois artigos sobre as pedras obsidianas no Bergmanniches Journal, nos quais deixava transparecer claramente os ensinamentos do mestre saxão, sobretudo quanto a sua adesão à teoria netunista. Com base na tradição química presente na mineralogia, Werner admitia que praticamente todas as rochas se originaram por precipitação e cristalização a partir de um oceano primordial, cuja denominação mudaria ao longo do próprio processo, daí derivando a denominação netunismo. Utilizando também o conceito de superposição formulado por Nicolau Steno (1638-1686) mais de um século antes, Werner classificou os terrenos de acordo com sua ordem de cristalização/formação, dos mais antigos ('primitivos', entre os quais se incluía o granito) aos mais novos ('recentes', entre eles as rochas vulcânicas).

Nos artigos de Câmara sobre a obsidiana, termos e idéias netunistas se fazem presentes. Ao analisar a obsidiana sob o tubo de sopro, Câmara (1794a) finalizou afirmando que estava "inclinado a acreditar que todos aqueles que consideram a obsidiana um produto vulcânico nunca a manipularam no fogo". De acordo com o estudioso, a obsidiana exposta isoladamente à chama do fogo do tubo de sopro, não consegue "externar a sua força de fusão, perde a sua cor, origina um vidro vesiculoso e não se funde facilmente com álcalis". A essas razões apresentadas, Câmara acrescentou as "geognósticas, que devemos ao Sr. Werner" para confirmar que as obsdianas têm uma origem sedimentar.

Por sua vez, num segundo artigo (Câmara, 1794b), ao analisar a obsidiana da ilha de Kandia, considerou-a um "produto das águas", e não um produto ígneo. Contudo, ao final do artigo, deixou transparecer uma indecisão argumentando que "a existência de duas formas de obsidiana não é impossível", ou seja, poderiam existir obsidianas de origem ígnea e sedimentar, sendo assim necessárias pesquisas mais aprofundadas. Afirmou ainda que tal afirmação não expressava de forma alguma "o desejo de conciliar os dois partidos [vulcanistas e netunistas]".

A princípio, a análise de um material inorgânico como a obsidiana - desde há muito aceito como "vidro vulcânico" e considerado, portanto, um mineralóide - pode parecer um detalhe de significado menor, um aspecto quase irrelevante nos debates que envolviam os diversos ramos da história natural na transição para o século XIX. No entanto esse pequeno detalhe está diretamente conectado a uma ampla controvérsia a respeito da gênese das rochas, em particular o granito e o basalto, que opôs os partidários de uma origem num oceano primordial - chamados netunistas, cujo expoente foi, como já mencionamos, Werner - aos defensores de uma origem pelo resfriamento de massas em fusão - chamados vulcanistas e, depois, acompanhados pelos plutonistas, cujos expoentes foram respecti-vamente, entre outros, Nicolas Desmarest (1715-1815) e James Hutton (1726-1797). Câmara, como é claramente percebido nos textos originais, foi discípulo de Werner e defensor das concepções netunistas.

Na Memória de observações físico-econômicas acerca da extração do ouro do Brasil (1789), apresentada à Academia Real das Ciências de Lisboa, Câmara preocupou-se com as técnicas de extração do ouro brasileiro. Como afirmava, o ouro à "flor da pele" se estava esgotando e se faziam necessários conhecimentos científicos para retirá-lo das pedras das montanhas, "de extração mais difícil", por meio de atividade mineradora. De acordo com o espírito do Século das Luzes, Câmara expressou sua confiança na instrução dos mineiros como uma das mais importantes atitudes a serem tomadas para a superação da crise pela qual passava o setor. Para o estudioso, era preciso criar escolas de mineralogia que ensinassem os princípios fundamentais da arte mineira, o que deixa transparecer sua fé na educação e na ciência.

No alvará de 15 de março de 1803, de sua autoria, que aprovava um novo sistema de mineração no Brasil, defendeu num dos artigos o estabelecimento de escolas mineralógicas e metalúrgicas semelhantes às de Freiberg e de Schemnitz, com a instrução dos mineiros com os principais conhecimentos científicos sobre mineralogia, geometria subterrânea e docimástica, necessários para a realização da atividade mineradora. Contudo, esse foi um dos itens do alvará que não foram devidamente executados.

Tentaria novamente alguns anos mais tarde, quando então atuava como deputado eleito pela província de Minas Gerais. No cerne da discussão sobre a criação de uma universidade nos país, travada na Assembléia Constituinte de 1823, apresentou uma emenda que previa a criação, na mencionada província, de uma escola mineralógica. Contudo, essa proposta não vingou.

As dificuldades que se encontram na fase atual da pesquisa estão relacionadas às atividades de Câmara no Brasil. Por carta régia de 7 de novembro de 1800, Câmara foi nomeado para o cargo de intendente geral das Minas na capitania de Minas Gerais e Serro do Frio. Porém a nomeação não significou a posse imediata do cargo, pois teve que esperar sete anos para a sua efetivação. Antes de partir de Lisboa para a capitania de Minas Gerais, Câmara foi enviado à Bahia para inspecionar os locais onde pudesse encontrar minas (leia-se ocorrências) de ouro, prata, ferro ou cobre. Mas pouco sabemos sobre esse período em que o naturalista esteve em terras baianas, assim como as razões que o retardaram a assumir o cargo de intendente das Minas. Cabe salientar que, até o momento, não encontramos nenhum texto científico do estudioso no âmbito da intendência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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