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Vacinação, controle de qualidade e produção de vacinas no Brasil a partir de 1960

Vaccination, quality control, and vaccine production in Brazil since 1960

Resumos

Este artigo tem por objeto a ação do Estado brasileiro no que toca à implementação de políticas de imunização e à constituição da estrutura estatal de produção e controle de qualidade de imunobiológicos. Nele são focalizados o Programa Nacional de Imunizações, a criação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde e o Programa de Auto-Suficiência em Imunobiológicos. São abordados também, em suas linhas gerais, o quadro político que serve de parâmetro de orientação aos atores envolvidos com a temática da vacinação, bem como as mudanças no perfil demográfico e epidemiológico do país.

política de imunização; produção de vacinas; imunobiológicos


The article focuses on the Brazilian government's role in implementation of immunization policies and in the emergence of a government structure involving production and quality control of immunobiologics. It examines Brazil's National Immunization Program, creation of the National Institute for Quality Control in Health, and the Program for Self-Sufficiency in Immunobiologics. It also takes a general look at the political picture that influences participating actors and at changes in Brazil's demographic and epidemiological profile.

immunization policy; vaccine production; immunobiologics


ANÁLISE

Vacinação, controle de qualidade e produção de vacinas no Brasil a partir de 1960

Vaccination, quality control, and vaccine production in Brazil since 1960

Carlos Fidelis Ponte

Casa de Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4.365, Manguinhos 21045-900 Rio de Janeiro — RJ Brasil ponte@coc.fiocruz.br

RESUMO

Este artigo tem por objeto a ação do Estado brasileiro no que toca à implementação de políticas de imunização e à constituição da estrutura estatal de produção e controle de qualidade de imunobiológicos. Nele são focalizados o Programa Nacional de Imunizações, a criação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde e o Programa de Auto-Suficiência em Imunobiológicos. São abordados também, em suas linhas gerais, o quadro político que serve de parâmetro de orientação aos atores envolvidos com a temática da vacinação, bem como as mudanças no perfil demográfico e epidemiológico do país.

Palavras-chave: política de imunização, produção de vacinas, imunobiológicos.

ABSTRACT

The article focuses on the Brazilian government's role in implementation of immunization policies and in the emergence of a government structure involving production and quality control of immunobiologics. It examines Brazil's National Immunization Program, creation of the National Institute for Quality Control in Health, and the Program for Self-Sufficiency in Immunobiologics. It also takes a general look at the political picture that influences participating actors and at changes in Brazil's demographic and epidemiological profile.

Keywords: immunization policy, vaccine production, immunobiologics.

Polêmica desde suas origens, na Inglaterra de Jenner,1 1 Edward Jenner (1749-1823), médico inglês, foi o primeiro a perceber a possibilidade de imunização contra a varíola, através da inoculação da Vaccinia, ou varíola de vaca. a vacina tem acumulado defensores entre a maioria dos médicos, cientistas e autoridades que atuam na esfera da saúde coletiva, bem como uma quantidade significativa de ferrenhos adversários que a acusam de gerar um mal maior do que os benefícios que proporcionaria. Estopim de revoltas e alvo de disputas judiciais, vista como símbolo do arbítrio ou como a grande arma da humanidade contra as moléstias infecto-contagiosas, a vacina na realidade vem sendo utilizada em um número cada vez maior de pessoas, que, espontaneamente ou compelidas pelo Estado, são sistematicamente imunizadas como meio de assegurar uma proteção específica ao indivíduo vacinado e impedir que a transmissão de um número crescente de doenças ameace a sociedade como um todo.

Acusada de desviar a atenção e os investimentos de problemas econômicos e sociais fundamentais cujos impactos seriam, em última instância, preponderantes sobre o quadro sanitário e as condições de vida da população, a utilização da vacina vem sendo criticada também por aqueles que advogam que a administração sistemática de um produto biologicamente ativo pode ser considerada como aleatória e generalizante em face da multiplicidade e variabilidade do organismo humano.

Bastante matizado, o debate em torno da utilização das vacinas tem envolvido grupos religiosos, facções políticas e científicas, passando por grupos sociais que pregam uma vida distante da sociedade de consumo, pautada por ideais ecológicos e mais próxima da natureza, até setores adeptos de uma intervenção mais firme e efetiva do Estado sobre a sociedade que se justificaria pela defesa do bem comum. Longe de se esgotar, a história da resistência organizada contra a vacina e do debate gerado a partir daí tem, por vezes, caminhado para posições menos díspares e mais confluentes nas quais setores antivacinistas têm apregoado não serem sistematicamente contra a vacinação, mas sim contra a vacinação sistemática, fazendo coro com aqueles que, acreditando na necessidade do emprego da vacina pelas autoridades de saúde pública, admitem, no entanto, a flexibilização dos índices de cobertura vacinal, reduzindo-os em alguns casos à vacinação de bloqueio.

Trabalhos recentes, como os da etnóloga Jolanta Skomska-Godefroy, publicados, em 1996, sob a supervisão de Anne-Marie Moulin, têm afirmado que os progressos no campo da genética deslocaram o foco da discussão das vacinações sistemáticas tradicionais para o advento de uma nova linha de vacinas. E, segundo a autora, contestações às velhas vacinas, quando ocorrem, são para propor novos imunizantes, mais eficazes e seguros, beneficiários das últimas aquisições da biologia molecular. Para a pesquisadora, diferentemente do que se poderia esperar a partir das críticas dirigidas ao emprego da vacinação como política de promoção de saúde, a prática social da vacina parece cada vez mais evidente nos países industrializados (Moulin, 1996).

Independentemente da oposição sofrida ao longo de sua história, a vacina, de fato, vem ocupando um lugar de inegável destaque entre os instrumentos de saúde pública colocados à disposição dos governos e autoridades sanitárias, sendo considerada, por muitos, responsável por salvar inúmeras vidas e evitar a propagação de uma série de doenças que, em sua ausência, teriam varrido o planeta da mesma forma que as pestes assolaram a Europa tempos atrás. Isto porque o avanço nos meios de transporte, a intensificação das viagens e a movimentação de grandes contingentes populacionais verificados no último século, aliados à devastação de florestas, à eclosão de incontáveis guerras no mesmo período e à possibilidade de utilização de agentes patogênicos em atentados terroristas e em conflitos entre nações, ameaçavam transformar o século XX num gigantesco palco de epidemias que, a exemplo da gripe espanhola e da Aids, certamente atingiriam milhões de pessoas, levando boa parte delas à morte.

Na verdade, nunca se escreveu tanto sobre vacinas como nos últimos anos. Vemos proliferar publicações, encontros e programas científicos tendo como eixo o desenvolvimento e a utilização de imunizantes como forma de prevenir a eclosão de epidemias cada vez mais abrangentes em termos de população e área geográfica. Contribuem para esse processo previsões bastante pessimistas de segmentos da epidemiologia que antevêem, por exemplo, que o mundo será, em futuro não muito distante, assolado por uma pandemia de influenza que ceifará milhares de vidas e arruinará a economia de muitos países. Verdadeiras ou falsas, tais previsões passaram a povoar o imaginário de setores da opinião pública, fortalecendo a posição daqueles que defendem a ampliação do uso de imunizantes. Isto sem mencionar a recente epidemia de pneumonia asiática que, no momento em que este texto é escrito, vem castigando uma série de países e causando grandes prejuízos na economia de boa parte deles.

Também nunca se investiu tanto neste campo como hoje. Basta lembrar que o governo dos Estados Unidos, temendo as ameaças do bioterrorismo, acaba de lançar um programa de grandes proporções ao qual estão destinados seis bilhões de dólares para aprimoramento e pesquisas de novas vacinas, e cujos resultados deverão alterar de modo decisivo o atual quadro de conhecimento, bem como das políticas daí decorrentes (Bush, 2003).

Toda esa movimentação em torno das vacinas tem início na segunda metade do século XX, período que pode ser caracterizado como marcadamente importante para a história da saúde e da utilização de imunobiológicos no país e no mundo. Impulsionadas pelos progressivos sucessos da Campanha Mundial de Erradicação da Varíola e pelos avanços no campo de desenvolvimento e produção de imunizantes, essas décadas assistem a uma proliferação do uso de vacinas jamais vista até então. São desse período, entre outras realizações de impacto, o surgimento das vacinas Salk e Sabin contra a poliomielite; a intensificação das campanhas de vacinação; a constituição do Programa Ampliado de Imunizações (PAI)2 2 O PAI, instituído pela resolução WHA/27.57, aprovada pela Assembléia Mundial de Saúde em maio de 1974, tinha como objetivos promover a expansão do uso de imunizantes em todo mundo, estimular o desenvolvimento, produção e aprimoramento de vacinas. proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1974; o surgimento de programas nacionais de vacinação; a instituição, em 1977, do Fundo Rotatório3 3 O Fundo Rotatório entrou em atividade em 1979 com o objetivo de realizar licitação conjunta de vacinas inicialmente destinadas, quase que exclusivamente, aos países subdesenvolvidos de pequeno porte em termos territoriais e populacionais. Este procedimento promove a redução dos custos pelo aumento do volume de compras e ampliação da concorrência entre os fornecedores, atuando ainda na fiscalização da qualidade dos produtos adquiridos. Posteriormente outros países, como o Brasil, passaram a realizar suas compras também por esse mecanismo. da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS); e a erradicação da poliomielite das Américas, na década de 1990.

É também nesse período que a vacina se torna, paulatinamente, um negócio interessante para empresas multinacionais. De fato, o que se verifica é que a crescente demanda, associada aos investimentos na criação e ao aprimoramento dessa linha de produtos, tem aberto novas perspectivas de lucros e atraído a atenção de grandes conglomerados empresariais, que, desde a década de 1970, vêm ampliando sua participação no campo de desenvolvimento, produção e comercialização de vacinas.

No Brasil, em que pesem os esforços empreendidos, em fins do século XIX e início do XX, por sanitaristas como Oswaldo Cruz, Emilio Ribas e Vital Brazil na defesa da utilização da vacina como meio de promoção da saúde, seu emprego no país só se tornou, a exemplo do que se verificava no cenário internacional, alvo de uma política de abrangência nacional a partir da instituição, em 1966, da Campanha de Erradicação da Varíola.

Nesse sentido, os últimos trinta anos do século XX são particularmente importantes no que concerne à estruturação de um aparato público voltado para a implementação de políticas de imunizações que dessem conta de todo o território. São desse período, entre outros acontecimentos relevantes, a notificação do último caso de varíola,4 4 A varíola foi declarada erradicada das Américas em 1973, e do mundo, em 1979. em 1971, a implantação dos dias nacionais de vacinação, a partir de 1980, e a erradicação da poliomielite, em 1992. No âmbito institucional, é possível verificar uma série de modificações na estrutura governamental de atenção à saúde, com a constituição de vários órgãos e programas de ação. Datam dessas décadas, por exemplo, a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde (Sucam), em 1970; o início das atividades da Central de Medicamentos (Ceme), em 1971, cujos propósitos iniciais incluíam o apoio à produção de vacinas e medicamentos; a institucionalização do Programa Nacional de Imunizações, em 1973; a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, em 1974; e a primeira tentativa de constituição de um Sistema Nacional de Saúde, em 1975, que nunca chegou a funcionar realmente como um sistema na acepção correta do termo. Destacam-se ainda a revitalização da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a partir da segunda metade da década de 1970; o surgimento de Bio-Manguinhos enquanto unidade integrante do Complexo Fiocruz, em 1976; a criação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), em 1981; o lançamento do Programa de Auto-Suficiência Nacional de Imunobiológicos (Pasni), em 1985; e a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS),5 5 Criado pela lei nº 8.080 de 11.9.1990. que vem sendo implementado no país a partir das possibilidades abertas pela Constituição de 1988, que consagrou a saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado.

No plano político mais geral, o período tem início com o recrudescimento do regime militar, que, a partir da edição do Ato Institucional nº5, em dezembro de 1968, revelou sua face mais violenta e arbitrária, concentrando todos os poderes nas mãos do Executivo. Aprofunda-se a censura e generalizam-se as práticas de torturas a presos políticos e de execuções sumárias de inimigos do regime. São os 'anos de chumbo'. Na Fundação Oswaldo Cruz, o autoritarismo redundou em graves conseqüências para o desempenho de suas atividades com o forte impacto representado pela cassação de dez integrantes de seu corpo de profissionais, episódio que ficou conhecido como "Massacre de Manguinhos".6 6 No chamado Massacre de Manguinhos foram cassados, por interferência direta do ministro Rocha Lagoa, ex-diretor do Instituto Oswaldo Cruz (1964-69), os seguintes pesquisadores: Augusto Perissé, Domingos Arthur Machado Filho, Fernando Ubatuba, Haity Moussatché, Herman Lent, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Moacyr Vaz de Andrade, Sebastião José de Oliveira e Tito Cavalcanti.

No plano macroeconômico, a economia ganhou forte impulso, atingindo o seu auge na primeira metade da década de 1970, período do 'milagre brasileiro' em que as taxas de crescimento alcançaram, durante o governo Médici (1969-74), patamares superiores a 10% ao ano, chegando a 14% em 1973 (Abreu, 1989). A aceleração da economia não significou, no entanto, uma maior distribuição de renda entre a maioria da população do país, que girava em torno de pouco mais de noventa milhões de habitantes. Ao contrário, sob o lema do então ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto,7 7 Delfim Neto foi ministro da Fazenda do governo Médici entre 1967 e 1974. Posteriormente, assumiu ainda as pastas da Agricultura, em 1979, e da Secretaria de Planejamento, entre 1979 e 1985. que defendia ser preciso "esperar o bolo crescer para depois dividir", o que se observou foi o estabelecimento de um intenso processo de concentração de riquezas expresso pela formação de grandes conglomerados nacionais e multinacionais, pelo extraordinário crescimento do setor público e das empresas estatais, ou ainda pela substituição da agricultura familiar e de subsistência por projetos agroindustriais muitas vezes voltados para a exportação.

Beneficiária de uma conjuntura internacional favorável, a expansão da economia brasileira daquele período era visível tanto no significativo aumento da produção de bens duráveis quanto na implementação de obras de infra-estrutura, notadamente nos setores de energia, transporte e comunicação. Calcado em um esquema que articulava financiamento externo, abertura ao capital estrangeiro e concessão de subsídios e incentivos fiscais com arrocho salarial e repressão a lideranças políticas e sindicais, o crescimento econômico, apesar de suas inegáveis realizações, não incorporou a ampla maioria da população, que se viu excluída dos benefícios da modernização que se implementava no país.

Estudos promovidos pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) no início da década de 1980 constataram que, entre 1970 e 1978, o salário mínimo real diminuiu cerca de 30%, enquanto que a jornada de trabalho aumentou em aproximadamente trinta horas, conforme demonstram os dados da tabela que se segue:

Vale notar que, em 1974, o aumento da jornada de trabalho chegou a superar 55 horas. Além disso, a degradação das condições de vida da maioria da população, submetida a uma brutal concentração de renda e aos rigores do arrocho salarial, acabou gerando um quadro em que a subnutrição, o grande número de horas trabalhadas por jornada e o desgaste produzido pelo intenso ritmo de trabalho, aliados à ausência de medidas preventivas, acarretaram um forte aumento dos acidentes de trabalho no país.

De fato, como apontou Costa (1983),

...em 1971, para uma população ativa de 7,6 milhões de pessoas, foram registrados 1,3 milhão de acidentes; em 1972, para oito milhões de trabalhadores, 1,5 milhão de acidentes; em 1973, para uma população ativa um pouco superior à do ano passado, foram registrados 1,6 milhão. Em números relativos, algo próximo da assombrosa taxa de 20% de ocorrências, um dos índices mais altos do mundo.

A tabela a seguir mostra a evolução do número de acidentes e mortes no período que marca o auge do 'milagre brasileiro'.

Na realidade, a 'democratização do capital' só se fez presente na bolsa de valores, permitindo que uma parcela dos setores médios participasse da euforia desenvolvimentista, alimentando a especulação imobiliária, a indústria automobilística e a produção de supérfluos, que, impulsionadas pelo crédito facilitado, passaram a contar com um mercado maior no país.

Paralelamente à formação desse mercado consumidor, o que se verificou foi um intenso êxodo rural, no qual migrantes, expulsos de suas terras ou à procura de melhores condições de vida, foram engrossar as periferias das grandes cidades ou 'tentar a sorte' nos projetos de expansão da fronteira econômica interna, incentivados pelo governo na Amazônia e no Centro-Oeste.

Na área da saúde observou-se uma crescente distinção entre a assistência médica individual, colocada sob a esfera de influência da estrutura previdenciária do país — representada inicialmente pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e mais tarde pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps) e pelo Ministério da Previdência e Assistência Social — e a atenção à saúde coletiva sob a responsabilidade do Ministério da Saúde. Esta distinção entre o atendimento individual e as ações preventivas e de promoção da saúde de caráter coletivo, não obstante as tentativas de delineamento de formatos institucionais alternativos na década de 1970, caracterizou a política de saúde efetivamente implementada pelos governos do regime militar. Em termos financeiros, esta divisão é consubstanciada em um forte desnível em favor da medicina curativa levada a cabo pela estrutura privada, conveniada à Previdência Social, que desde a década anterior vinha crescendo rapidamente. Vejamos o que diz o diagnóstico elaborado, em 1973, sob a responsabilidade do ministro Mário Machado Lemos:

Na análise das despesas com a função saúde nos diversos níveis da administração pública, com os dados obtidos com balanços federais, estaduais e municipais referentes ao período 1968-1971, verifica-se que a maior participação nas despesas coube ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que foi responsável pela aplicação de mais da metade dos recursos do setor público destinados à função saúde ..., apresentando um incremento médio de 24% no período 1968-1971 (Ministério da Saúde, 1973).

Em 1974, com a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), as empresas de medicina passaram a contar com uma nova fonte de financiamento para construção, ampliação e compra de equipamentos. Administrado pela Caixa Econômica Federal e constituído principalmente com recursos da loteria esportiva, o FAS desembolsou, até 1979, aproximadamente sete bilhões de cruzeiros para a saúde, dos quais 70% foram destinados a hospitais particulares situados no eixo Rio—São Paulo (Cordeiro, 1983, p. 87). Tais empréstimos foram, em sua maior parte, realizados em condições vantajosas para os empresários, ou seja, longos prazos de carência, juros subsidiados e correção monetária abaixo da inflação. Instala-se, assim, um verdadeiro processo de drenagem dos recursos públicos, que vão capitalizar as empresas de medicina privada, transformando a saúde em um negócio bastante lucrativo.

Nessa perspectiva, a prioridade conferida à medicina curativa, o financiamento público e o crescimento dos grupos privados no setor saúde constituem-se engrenagens de um processo em que a capitalização e a expansão da rede privada, por um lado, e a degradação dos serviços públicos e a sangria dos recursos do Estado, por outro, são faces da mesma moeda.

O decréscimo da participação direta do Estado no atendimento à população e sua conseqüente substituição pela rede privada torna-se mais visível quando verificamos que as internações nos hospitais próprios da Previdência Social caíram, dos reduzidos 4,2% do total de internações em 1970, para 2,6% em 1976, enquanto que os hospitais particulares passaram a responder por 98% desse serviço (Cordeiro, 1983). Ou ainda quando verificamos que os 41 hospitais pertencentes ao Inamps em 1978 eram responsáveis por apenas 253 mil internações de um total estimado em aproximadamente 6,3 milhões. O que significa que, naquele período, cerca de 96% das internações ficavam sob a responsabilidade de empresas de saúde contratadas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Cabe assinalar que desenvolvimento semelhante ocorreu com os serviços ambulatoriais, uma vez que, do total de consultas médicas pagas pelo Inamps em 1978, 53% foram realizadas pela rede contratada e conveniada (Almeida e Pêgo, 1983).

A manutenção dessa prática estava plenamente de acordo com o pensamento do presidente da Federação Brasileira de Hospitais, que declarava, na Tribuna da Imprensa de 21 de julho de 1975, que

... a atuação governamental deve se concentrar nas atividades de saúde de interesse coletivo, como saneamento básico, pesquisas, formação profissional, higiene e segurança do trabalho. A iniciativa privada concentra-se, principalmente, no atendimento individual ... . A área de atuação do governo deve ser normativa e fiscalizadora, cabendo à iniciativa privada a efetiva atuação no atendimento da população ... através de convênios com o Instituto Nacional de Previdência Social (apud Cordeiro, 1980).

Assim, no que toca à medicina curativa, caberia ao Estado, conforme defendia a Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo por ocasião da promulgação da lei que instituiria o Sistema Nacional de Saúde, gerar os "financiamentos que criarão os atrativos para a rede privada assumir o papel que lhe compete ..., ficando o setor público responsável por operar ... os hospitais cujo atendimento é mais social do que assistencial como: lepra, pênfigo foliáceo, tuberculose" (Fernandes, 1975 apud Cordeiro, 1980).

Expressivo também é o crescimento do número de instituições hospitalares de caráter lucrativo. Segundo os dados disponíveis de 1964 até 1974, esses estabelecimentos passaram de 944 para 2.121, percentual que ultrapassou a casa dos 200% em dez anos. Isto sem contabilizarmos nesse rol as instituições filantrópicas, que, como se sabe, cada vez mais assumem um caráter empresarial e lucrativo ou servem de fachada para empreendimentos bastante distintos daqueles concernentes à caridade e ao assistencialismo (Almeida e Pêgo, 1983). O gráfico a seguir traça a linha de evolução do número de estabelecimentos classificados como lucrativos no período compreendido entre 1964 e 1974.

Montado em uma estrutura dependente do nível de empregos e salários e altamente vulnerável às fraudes e aos efeitos da má administração, o sistema previdenciário constituído a partir da reforma da previdência em 1967, da qual resultou a criação do Instituto Nacional de Previdência Social e, mais tarde, do Ministério da Previdência e Assistência Social, começa cedo a dar sinais de esgotamento de suas possibilidades enquanto órgão de atenção à saúde. Vale frisar que em épocas de crise esses níveis caem mais rapidamente do que o orçamento fiscal. De fato, conforme observou Médici (1987), "já na segunda metade da década de 1970 ninguém mais acreditava na possibilidade de universalizar a atenção à saúde a partir da previdência social, pois mais de 50% dos trabalhadores brasileiros não contribuíam para o sistema".

Entretanto, até que a crise se fizesse presente, o que vigorou foi o modelo preconizado pelos empresários da medicina e cuja ênfase estava no aspecto curativo em detrimento de ações de cunho preventivo. Essa opção se fez presente durante toda a década de 1970 e em parte da de 1980, período em que começaram a ser discutidas mais seriamente as diretrizes que atualmente orientam o Sistema Único de Saúde (SUS). A tabela a seguir apresenta a evolução dos gastos federais com saúde segundo áreas ou programas específicos. Sua análise permite verificar a imensa desproporcionalidade dos gastos e a ausência de prioridade conferida aos programas preventivos, tais como programas de controle de doenças transmissíveis. Vejamos:

Para além dos problemas propiciados pela dicotomia básica entre as ações preventivas e curativas levadas a efeito respectivamente pelo Ministério da Saúde e pela Previdência Social, a área da saúde coletiva, por ter seus programas distribuídos por vários ministérios, era também prejudicada pela grande pulverização de recursos e pela falta de coordenação que acompanhava tal fragmentação. Importa mencionar, por exemplo, que atividades como saneamento básico encontravam-se sob a responsabilidade exclusiva do Ministério do Interior, a quem cabia também a administração do orçamento previsto para aquela rubrica do gasto federal.

Carente de recursos, precariamente estruturado e subordinado a lógicas e prioridades de outros setores, o Ministério da Saúde detinha reduzida margem de manobra e pouca capacidade de planejamento para equacionar e enfrentar com eficácia os problemas colocados sob sua esfera de competência. Vale notar que em 1973, no auge do 'milagre', os recursos destinados ao ministério correspondiam a apenas 1% do orçamento da União, enquanto que ao Ministério dos Transportes e às Forças Armadas eram reservados 12% e 18%, respectivamente.

Tal situação era agravada pela constatação de que o desenvolvimento econômico trazia consigo novas e graves demandas para o setor, para as quais não havia recursos orçamentários disponíveis. Assim, em uma exposição de motivos dirigida ao presidente da República em 8 de novembro de 1973, o ministro da Saúde, Mário Machado de Lemos, justifica seu projeto de obter recursos adicionais para a área com a loteria esportiva nos seguintes termos:

a obtenção de recursos justifica-se em face da constante ampliação dos encargos do setor público em decorrência das profundas transformações resultantes do processo de desenvolvimento que acarretam ao Estado moderno novas e complexas funções. Esta situação exige novos e mais vultosos investimentos, tanto no campo econômico como no campo social, que não poderão ser atendidos por meio das fontes tradicionais de financiamento da despesa pública. A par disso, o Ministério da Saúde, além das suas funções normais, prepara-se para o exercício de outra de maior importância, antes referida, de Órgão Central do Sistema Nacional de Saúde, o que por si só justificaria o aumento dos recursos postos à sua disposição.

É oportuno ressaltar que a nova fonte de receita objetivada pelo novo projeto constitui a única possibilidade de viabilizar o equacionamento e a solução dos graves problemas de saúde pública (Exposição de motivos nº 286/BSB, 1973).

Os graves problemas de saúde pública a que se referia o ministro estavam relacionados à degradação das condições de vida da população colocada à margem dos benefícios da industrialização e do crescimento econômico. A natureza da modernização alcançada e o grau de marginalização do processo de desenvolvimento a que foram submetidos grandes contingentes populacionais, mesmo nos grandes centros e nas áreas mais desenvolvidas do país, podem ser vislumbrados pelo sensível índice de mortalidade infantil. Conforme observou Costa (1983):

Particularmente em tempos recentes, quando a degradação bastante acentuada no padrão de vida causou até a inversão na tendência a diminuições nos índices de mortalidade infantil na região mais industrializada e desenvolvida do país: o município de São Paulo. ... o achatamento dos salários provocou não apenas uma queda na capacidade de consumo dos trabalhadores como um aumento bastante grave na mortalidade infantil entre 1968 e 1973. Enquanto em 1973 morriam no município de São Paulo 94 por mil, na Suécia tínhamos 9,9; México, 51,9; Uruguai, 48,6; União Soviética, 26,4; e Estados Unidos, 17,6. Os índices das outras capitais brasileiras também foram altamente significativos: Porto Alegre, 54,8; Belo Horizonte, 124,8; e Recife, 229,9.

Tal quadro foi confirmado pelo substituto de Mário Lemos quando da posse do novo governo. Ministro da Saúde da administração Geisel, entre 1974 e 1979, Paulo de Almeida Machado traça um panorama do quadro sanitário que herdaria:

...nas grandes cidades existe uma deterioração crescente da saúde. Assim, a mortalidade infantil em São Paulo é hoje mais elevada que em 1962. O Ministério da Saúde, dominando eficazmente as técnicas preventivas para áreas menos desenvolvidas, não se aparelhou para a era industrial. É inegável o despreparo dos órgãos de saúde para enfrentar a problemática dos grandes centros industrializados (Ministério da Saúde, Plano Básico para o Qüinqüênio, 1975).

Para se ter uma idéia do estado a que haviam chegado os cuidados com a saúde coletiva, notadamente no campo das doenças imunopreveníveis, alvo de nossa atenção no momento, vale frisar que um diagnóstico preliminar do setor saúde,9 9 O grupo de coordenação do Setor de Saúde é formado pelo Epea-Miniplan, MS, Ministério de Viação e Obras Públicas, Ministério do Trabalho e Previdência Social, FSESP, Sesi e Federação das Associações de Escolas Médicas. Acervo Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz. preparado pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica em 1966, mostrava que

o sarampo em 1964 tinha uma taxa de mortalidade setenta vezes maior que nos Estados Unidos em 1961. Somente no estado da Guanabara ocorreram mais óbitos por sarampo que na Suécia, Suíça, Noruega, Holanda, Dinamarca e França, países que, em conjunto, possuem uma população de crianças menores de cinco anos cerca de 18 vezes maior que a Guanabara (EPEA, 1966).

A manutenção de altas taxas de ocorrência da doença na década de 1970 foi confirmada por Costa (1983) em estudo já referido e no qual o autor salientava que

a baixa qualidade de vida da população faz com que também o sarampo, considerado pela população como doença comum e inofensiva, seja responsável por um grande número de mortes, particularmente em crianças de menos de dois anos.

Os dados disponíveis de morbidade, ainda que estejam abaixo da realidade, revelam que a média anual de casos registrados entre 1976 e 1979 foi 61.366 e em 1980 foram registrados 79.300 casos.

No período 1970-71, o Brasil apresentou um índice específico de mortalidade por sarampo estimado em 11,5 por cem mil habitantes, enquanto que para países capitalistas avançados este índice no mesmo período foi de 0,1 a 0,5 por cem mil habitantes.

Caracterizado por muitos como fase de modernização conservadora, o período se distingue, como vimos, por um intenso processo de industrialização, urbanização e transformação da estrutura social brasileira que alterou por completo os quadros sanitário e epidemiológico até então existentes. Contudo, apesar dos problemas até aqui apresentados, a década de 1970 viu nascer, como já mencionamos, iniciativas bastante significativas no que diz respeito ao combate às doenças imunopreveníveis.

Na realidade, mesmo antes do início da década de 1970, os progressos obtidos na campanha contra a varíola e a crescente aceitação das vacinas enquanto instrumentos positivos de promoção da saúde das populações animavam técnicos e autoridades governamentais a buscar a expansão do uso de imunizantes.

Assim, ao analisar o desenvolvimento da campanha de erradicação da varíola, João Batista Risi encerrava, em 1968, a sua defesa do alargamento da utilização de vacinas nos seguintes termos:

os resultados que deverão ser colhidos bem que poderiam estimular tarefas semelhantes de imunização em massa, para eliminar outras enfermidades transmissíveis já excluídas em vários países. ...

A Campanha de Erradicação da Varíola prevê o encerramento de seus trabalhos em 1971. Nessa oportunidade teremos, então, apenas começado esta tarefa tão importante da erradicação de doenças, que cumpre a medicina realizar com o apoio dos poderes públicos, integrada na sua moderna significação social.

Bastante proveitoso seria para as crianças brasileiras, e certamente honroso para o nosso país, se, ao completar a fase de ataque da Campanha de Erradicação da Varíola, já estivesse em curso um trabalho de imunização global, arquitetado nas linhas de um vigoroso Programa Nacional de Imunização (Risi, 1968, grifos do autor).

Dessa maneira, tanto em face dos sucessos alcançados pela campanha como em virtude mesmo de todo o esforço de convencimento da população implementado no próprio decorrer de suas atividades, e considerando ainda o impacto negativo acarretado por surtos, epidemias e mortes resultantes da propagação de doenças transmissíveis, não é difícil supor a possibilidade de um aumento progressivo e considerável do prestígio dos imunizantes entre leigos e gestores dos recursos públicos.

Representando a face mais positiva e alvissareira das ações desenvolvidas no âmbito de uma estrutura ministerial ineficiente e pouco valorizada de atenção à saúde pública, a vacinação em massa começa, cada vez mais, a ser vista como medida factível e eficaz de melhoramento das condições de saúde da população.

De fato, a atmosfera de crescente valorização das campanhas de vacinação e da vacina enquanto instrumento eficaz de promoção da saúde, aliada ao estímulo internacional ao emprego cada vez mais largo dos imunizantes, bem como à tentativa de se adequar aos parâmetros propostos pelo Plano Decenal de Saúde das Américas10 10 Na III Reunião de Ministros da Saúde das Américas, estabeleceu-se como um dos objetivos do Plano Decenal de Saúde para as Américas a redução da morbidade e mortalidade por doenças imunopreveníveis. aprovado no Chile, em 1972, pelos ministros da Saúde do continente, criou condições favoráveis à implementação de ações de maior vulto na área de imunizações. Assim, era proposta a criação, em 1973, do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

O Programa Nacional de Imunizações (PNI)

Criado com o objetivo de "promover o controle do sarampo, da tuberculose, da difteria, do tétano, da coqueluche e da poliomielite e manter erradicada a varíola no país", o PNI tinha ainda como objetivos primordiais estender, progressivamente, as vacinações às áreas rurais; ampliar e aperfeiçoar, em todo país, o sistema de vigilância epidemiológica para doenças incluídas em seu escopo de atenção; aprimorar o instrumental público de aferição de qualidade de antígenos para uso humano; implementar o aparato oficial de diagnóstico laboratorial de enfermidades transmissíveis; e uniformizar as técnicas de administração de vacinas (Ministério da Saúde, 1973).

A proposta de criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 1973 não significa, no entanto, que até aquela data as doenças alvo do programa não fossem objeto de ação por parte do governo federal e dos governos estaduais e municipais. Ao contrário, o que se verificava era a ocorrência de uma série de iniciativas ao longo dos anos em diversas áreas do país. Cabe lembrar, por exemplo, a criação, em 1971, do Plano Nacional de Controle da Poliomielite. Na realidade, tais iniciativas não eram desconhecidas por parte dos idealizadores do programa, que viam na sua proposta uma forma de conferir coordenação e efetividade a essas ações episódicas e isoladas. Na visão deles, esses

empreendimentos não obtiveram a plena consecução dos resultados que, presuntivamente, buscavam, em face da descontinuidade de sua atuação, caráter episódico, reduzida área de cobertura, ao lado da ausência de coordenação, ao nível central, indispensável à sincronia e racionalização das atividades (Ministério da Saúde, 1973, grifo do autor).

Segundo Risi Jr., o programa

... procurava compartilhar duas coisas: a experiência que vinha em andamento no sentido de campanhas de vacinação, de mobilização etc. com organização de atividades na rede. Isto estava contemplado, ou seja, o fortalecimento das atividades de imunização de rotina na rede, coisa que não havia, como política, até aquele momento (Depoimento, Acervo PAI, Casa de Oswaldo Cruz).

Elaborado por técnicos do Departamento Nacional de Profilaxia e Controle de Doenças do Ministério da Saúde e da Central de Medicamentos da Presidência da República, o programa aprovado em reunião realizada em Brasília no dia 18 de setembro de 1973 tinha como norte "vacinar 85% da população de zero a quatro anos, visando a provocar a imunidade e a aumentar a resistência" às doenças objeto de suas ações (Ministério da Saúde, 1973).11 11 Segundo Risi Jr. (2000), o documento original do PNI foi escrito basicamente por duas pessoas: o dr. Eurico Susart Carvalho Filho, da Fundação SESP, que na época era diretor nacional da divisão de epidemiologia, e o dr. Orlando Ribeiro Gonçalves, que integrava os quadros da Ceme.

Para a implementação do programa, o Ministério da Saúde previa como requisitos o estabelecimento de convênio de mútua colaboração entre o Ministério da Saúde, a Central de Medicamentos, a OPAS/OMS e as secretarias de Saúde; a implantação da coordenação nacional e das coordenações estaduais e locais; o provisionamento de recursos financeiros; a capacitação de pessoal; a racionalização da aquisição e distribuição de vacinas; a instituição de um laboratório nacional de referência para o controle de qualidade de vacinas; a capacitação de laboratórios oficiais para o apoio diagnóstico da vigilância epidemiológica das doenças transmissíveis; e a promoção da educação em saúde com o objetivo de aumentar a receptividade da população aos programas de vacinação (Ministério da Saúde, 1973).

Entretanto, apesar do otimismo em relação à utilização de vacinas na prevenção de diversas doenças que atingiam grandes parcelas da população, a cobertura vacinal cresceu lentamente entre 1973, ano em que foi criado o PNI, e 1980, data da introdução dos dias nacionais de vacinação. O programa, que se antecipara ao Programa Ampliado de Imunizações, proposto pela OMS em 1974, enfrenta problemas na sua implementação. Seus idealizadores começaram a perceber com mais clareza a distância que separava o projeto original de sua efetiva execução.

Cabe ressaltar que, apesar dos sucessos alcançados pela Campanha de Erradicação da Vacina, o PNI foi instituído em um período em que mudanças no governo levaram, na gestão de Paulo de Almeida Machado (1974-79), segmentos contrários à realização de campanhas ao comando de posições-chave na estrutura do Ministério da Saúde. Partidários do fortalecimento da rede básica e da imunização nos postos de saúde, estes segmentos, que tinham por origem principal a Faculdade de Saúde Pública de São Paulo, viam as campanhas como ações isoladas que pouco contribuíam para a estruturação do sistema nacional de saúde que pretendiam implementar.

Na visão de Risi Jr. (2000), a ida de Paulo de Almeida Machado para o Ministério da Saúde introduz uma mudança significativa na condução do Programa Nacional de Imunizações, que, até então, havia procurado

...trabalhar numa linha que se chamava multivacinação, que foi desenvolvida nesse período. Esta linha preconizava a realização de campanhas aproveitando a oportunidade para aplicar todas as vacinas. Este foi o PNI, como ele foi concebido até a mudança do governo. Quando entra Paulo de Almeida Machado, então o programa é reorientado para a rotina de vacinação e as campanhas são abandonadas. Ficaram paradas até 1980. A única campanha que houve nesse período foi a campanha de meningite.

Desse modo, abandonada a visão que considerava compatível a realização de campanhas com o fortalecimento da rede e da imunização nos postos de saúde, o programa perdeu muito de seu potencial de mobilização social, ficando dependente das ações destinadas a ampliar a presença da população nos serviços. Nessas circunstâncias, as prioridades do programa foram diluídas em meio a uma série de outras, fator que se refletiu nos baixos índices de cobertura apresentados a partir de então.

Em maio de 1979, uma Comissão Interministerial12 12 A Comissão Interministerial foi instituída pela portaria MS/MPAS nº 1, de 9 de maio de 1979, publicada no Diário Oficial da União de 15 de maio do mesmo ano. Participavam da comissão o dr. José Carlos Seixas, secretário nacional de Ações Básicas de Saúde; o dr. Akira Homma, da Fundação Oswaldo Cruz; o dr. Celso Mário de Araújo Pugliese, diretor da Divisão Nacional de Epidemiologia, Estatística e Informação, da Fundação Serviços de Saúde Pública; o dr. Mário Moraes, secretário de Ciência e Tecnologia; o dr. João Batista Risi Jr.; o dr. Orlando Ribeiro Gonçalves; o dr. Antônio Monteiro; e o dr. Milton Luiz Braga. analisava, a pedido do Ministério da Saúde, os problemas enfrentados pelo Programa Nacional de Imunizações. Constituída por técnicos de instituições do Ministério da Saúde, do Ministério da Previdência e Assistência Social e de um representante da OPAS, a comissão teceu fortes críticas à forma como o programa vinha sendo conduzido e apontou como obstáculos ao seu desenvolvimento uma série de fatores ligados principalmente à precária estruturação da atenção à saúde no país, bem como à falta de clareza e à ausência de definição e decisão política por parte do governo na sua implementação.

Na leitura do relatório final da comissão, saltam aos olhos as observações a respeito de indefinições na política governamental; do desentrosamento entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência e Assistência Social; da falta de delimitação de responsabilidades; da ineficiência dos mecanismos de coordenação; da inadequada e insuficiente distribuição de recursos; da ausência, enfim, de planejamento e controle dos diversos níveis e aspectos relacionados às múltiplas atividades e estruturas necessárias à sustentação de um programa que, em virtude do tamanho do território brasileiro, assumia dimensões continentais (Comissão Interministerial, julho de 1979).

De fato, segundo os membros da comissão, o PNI precisava equacionar problemas relativos tanto à produção e ao controle de qualidade dos imunobiológicos que utilizava quanto aos aspectos referentes à vigilância epidemiológica das doenças que combatia. Na visão desses técnicos, o programa carecia de dados epidemiológicos sobre a incidência de doenças e de estudos acerca das faixas populacionais a serem vacinadas, assim como instrumentos de avaliação da cobertura vacinal. Faltava-lhe também, segundo esses analistas, mecanismos de avaliação da qualidade e efetividade das vacinas por ele empregadas.

Na realidade, mais que a situação do Programa Nacional de Imunizações, o diagnóstico e as recomendações da comissão revelavam um quadro de grande despreparo e total inadequação da política e do sistema nacional de saúde propostos e levados a efeito até então pela autoridade federal. O que se observa no documento é a existência de uma estrutura de saúde pública bastante precária e incapaz, portanto, de conferir a orientação, o apoio e a capilaridade necessários à plena realização dos objetivos do PNI. Isso porque, cabe ressaltar, o programa dependia (e ainda depende) em grande medida da rede de saúde pública disponível no país. Nessas condições, considerando a fragmentação e as limitações do sistema de saúde da época, e o reduzido grau de integração entre as diversas esferas e instituições que dele participavam, não é difícil supor as dificuldades interpostas ao cumprimento dos objetivos de um programa de pretensões nacionais.

Nessa perspectiva, a comissão recomendava, além da instituição de grupos de trabalho específicos para a realização de estudos mais detalhados dos problemas enfrentados pelo PNI,

fortalecer a coordenação nacional dos programas de imunização e de vigilância epidemiológica, estruturando técnica e administrativamente o órgão responsável, atribuindo-lhe poderes e condições para ... aprimorar os mecanismos de coordenação interinstitucional dos programas (Comissão Interministerial, julho de 1979).

Consoante a esse entendimento, a comissão recomendava também que, uma vez fortalecida, a coordenação nacional do PNI deveria promover a criação das coordenações estaduais dos programas, observando a necessidade de:

a) comando unificado dos programas de imunização e de vigilância epidemiológica;

b) flexibilidade administrativa para agilização das ações;

c) quadro de pessoal definido, com regime de tempo integral e, preferencialmente, dedicação exclusiva, com remuneração compatível

(Comissão Interministerial, julho de 1979).

Na impossibilidade de instituir uma estrutura vertical que ignorasse (ou modificasse) o pacto federativo, a idéia, ao que parece, era preservar ao máximo a independência do programa em relação às oscilações políticas observadas com freqüência nos estados, garantindo à coordenação nacional instrumentos para a manutenção da autonomia e da unidade de ação desejadas. Nesse sentido, a comissão defendia que

A instituição das coordenações estaduais do programa deverá ser instrumentalizada através da celebração de convênios entre os co-participantes, com a definição das respectivas competências e obrigações. O convênio deverá incluir cláusula que habilitará a coordenação nacional a interferir com vistas à remoção de eventuais entraves ao desenvolvimento local do PNI (Comissão Interministerial, julho de 1979).

Especial atenção foi dada à produção e ao controle de qualidade de imunizantes utilizados pelo programa. Assim, no que tange à produção, a comissão recomendava o estímulo ao desenvolvimento de vacinas nacionais, a modernização e o aprimoramento dos laboratórios produtores e a implementação do controle de qualidade ao nível da produção.

A identificação e a capacitação de instituições nacionais com potencial para o exercício da atividade, o investimento constante e a definição de normas integravam as recomendações do grupo de trabalho quanto ao estabelecimento do controle de qualidade de vacinas. Os consultores recomendavam ainda que se viabilizasse o mais rápido possível a montagem de mecanismos de análise, por laboratórios externos, das vacinas em uso, até que o país contasse com uma estrutura tecnicamente reconhecida e confiável que assumisse esta atribuição.

A situação do programa começou a mudar com a instituição, em 1980, dos dias nacionais de vacinação implementados pela campanha contra a poliomielite, que naquele momento enfrentava um crescimento vertiginoso de casos, demonstrando que a rotina não tinha sido suficiente para barrar o avanço da doença.

De fato, nunca se tinha visto algo parecido em um país com as grandes dimensões e a infra-estrutura tão precária como as do Brasil. Em plena ditadura, e com todos os problemas que afligiam a nação, os dias nacionais de vacinação transformaram-se, na concepção de um segmento expressivo da saúde pública e de setores do governo de então, em uma espécie de ponte momentânea entre o Estado e a sociedade.

Na visão de muitos, a dinamização do emprego de imunizantes proporcionada pela Campanha Nacional contra a Poliomielite contribuiu tanto para ampliar o prestígio das vacinas, enquanto instrumento de proteção e promoção da saúde, quanto para melhorar a estrutura da rede de saúde e do controle de qualidade no país.

No entender de Mozart Abreu e Lima (2002), então secretário-geral do ministério e responsável pela logística da campanha, os dias nacionais de vacinação passaram a influenciar positivamente o quadro de servidores, gerando reflexos também positivos para a rede. Segundo Mozart, os funcionários

... se sentiam prestigiados politicamente e começaram a ter uma ação muito forte no controle de doenças transmissíveis, sobretudo no papel da rede. Ou seja, a estrutura de campanha era um componente da estrutura geral de imunização nos serviços básicos, e não ao contrário, como no início se acusava.

A opinião de Mozart é corroborada pelo relatório final da Comissão Taylor, como ficou conhecida a comissão de especialistas convocada pela OPAS, em 1992, para avaliar como o PAI e o Programa de Erradicação da Poliomielite nas Américas afetaram os sistemas nacionais de saúde e apresentar recomendações com base nos dados encontrados em cada país estudado.

No relatório finalizado em 1995, sob o título 'O impacto do Programa Ampliado de Imunizações e da iniciativa de erradicação da poliomielite nos sistemas de saúde nas Américas', a comissão acabou por constatar, entre outras conclusões, que os programas contribuíram "positivamente para o fortalecimento geral dos sistemas de saúde nas Américas", ajudando a iniciar, entre políticos, trabalhadores da saúde e pessoas da comunidade, a cultura da prevenção. E acrescentava que "até agora a experiência demonstra haver definitivamente necessidade de implementar os programas PAI/Pólio como parte de programas sistemáticos para o fortalecimento da infra-estrutura de saúde".

A análise revelou ainda que a mobilização social implementada pela campanha melhorou o relacionamento entre a comunidade e os provedores de serviços de saúde. Melhorou também a gestão dos serviços. Entretanto, alertava também para "a menção reiterada de um efeito fadiga nas comunidades e no pessoal" que poderia comprometer, no futuro, o andamento dos programas.

Embora bastante inferior quanto ao número de ocorrências, se comparado aos aspectos positivos dos programas, o impacto negativo mais apontado, na visão dos entrevistados pela comissão, foi a excessiva focalização em prejuízo de outras atividades de saúde que, em alguns casos, sofreram grandes cortes.

Altamente favorável à iniciativa da OPAS, o relatório da comissão finalizava suas conclusões e recomendações nos seguintes termos:

Está patente que o Programa Ampliado de Imunizações e a Campanha de Erradicação da Poliomielite utilizaram, com sucesso, uma série de estratégias que não só facilitaram o cumprimento de seus objetivos, mas que, além disso, lançaram uma série de subprodutos que beneficiaram outros programas e serviços de saúde em geral. O mais importante talvez tenha sido aumentar a sensibilização para as vacinas (uma cultura de imunização) e maior comunicação entre o pessoal dos serviços de saúde e as comunidades, diminuindo a desconfiança e construindo pontes de comunicação. Mas o PAI/Pólio também foi útil pelo seu efeito demonstrativo, que incentiva outros programas a adotar suas estratégias entre agências e intersetorial, estratégias junto aos meios de comunicação, sistemas de informações, vigilância epidemiológica, avaliação etc. É bem possível que os sistemas de saúde das Américas não teriam tido a capacidade de responder, como fizeram com a epidemia do cólera, se não tivessem a experiência do PAI/Pólio (OPAS, 1995).

Contudo, se em 1995 os programas de imunizações e a Campanha de Erradicação da Poliomielite consagravam-se como altamente bem-sucedidos, em 1979, época em que a Comissão Interministerial analisava o desenvolvimento do PNI, o quadro era diametralmente oposto. Com efeito, o que se percebe é que, antes dos dias nacionais de vacinação, o país encontrava-se precariamente estruturado não só no que se relacionava às políticas de vacinação, mas também no que dizia respeito ao seu parque produtor e ao controle de qualidade.

Nessas circunstâncias, as recomendações da comissão13 13 Consolidação e aperfeiçoamento da legislação; vigilância epidemiológica; produção e controle de qualidade de imunobiológicos; estruturação da rede de postos de vacinação; distribuição e conservação de vacinas; treinamento de pessoal e divulgação do programa. responsável pela análise do baixo desempenho do PNI até 1979 cedo mostraram sua relevância para o bom desenvolvimento e o futuro do programa. Particularmente aquelas relativas à premência de se estabelecer mecanismos de controle das condições de esterilidade e potência dos antígenos oferecidos à população.

Controle de qualidade

A institucionalização do Programa Nacional de Imunizações, a progressiva implementação e dinamização de suas atividades e o sucesso alcançado pela adoção de estratégias de imunização em massa proporcionadas pelas campanhas aumentaram em muito a utilização de imunobiológicos e trouxeram consigo a necessidade de garantir a qualidade dos produtos empregados tanto pelo programa como pelas demais atividades de vacinação colocadas fora de sua esfera de atenção.14 14 O órgão responsável pelo PNI e pela vigilância epidemiológica era, nessa época, a Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP), que, desde 1974, tinha entre suas atribuições esta responsabilidade. Em 1981, a coordenação dos programas nacionais de imunizações e de vigilância epidemiológica foi transferida para a Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. Tal necessidade se tornou pública em maio de 1981, quando, em virtude de ter sido constatada a contaminação da vacina importada da Iugoslávia que iria ser utilizada na campanha contra a poliomielite, foram adiados os dias nacionais de vacinação, previstos para julho e agosto daquele ano.15 15 Em nota publicada em 29 de maio de 1981, as autoridades esclareceram que o laboratório iugoslavo Torlak informou ser tecnicamente impossível substituir as vacinas em tempo hábil ( O Estado de S. Paulo, 30 de maio de 1981).

O problema começou em abril daquele mesmo ano, quando foram observadas alterações de cor e presença de impurezas em alguns frascos do imunizante adquirido para uso na campanha em fase de preparação. A detecção desses frascos levou a um exame mais cuidadoso da vacina e do processo de produção do Laboratório Torlak, fabricante do antígeno sob suspeita. As análises levadas a efeito pela Fiocruz identificaram a proliferação do fungo Penicillium sp, que, apesar de não ser nocivo ao homem, confirmava a existência de falhas na elaboração da vacina. Por outro lado, técnicos brasileiros (da Fiocruz e do Butantã) enviados à Iugoslávia constataram defeitos mecânicos na máquina de envasamento que poderiam explicar a contaminação do produto. Diante de tais circunstâncias, as autoridades optaram por rejeitar as 26 milhões de doses já estocadas no Brasil e cancelar o recebimento de 54 milhões de outras também contratadas com o laboratório iugoslavo. Paralelamente, buscaram suprir as necessidades de vacinas da campanha nacional contra a poliomielite fazendo novas aquisições com outros laboratórios.

No entanto, em face do volume de vacinas requerido pelo país e da exigüidade de tempo restante até os dias nacionais de vacinação, essas iniciativas não foram suficientes para garantir a realização da campanha nas datas previstas, chamando a atenção da população e de outros setores do governo até então pouco sensíveis às questões da saúde, principalmente em épocas de recessão econômica.

O episódio da contaminação das vacinas contra a poliomielite mobilizou setores da esfera pública no sentido de constituir mecanismos mais efetivos de controle de qualidade dos imunobiológicos utilizados pelos programas do governo. Em 30 de maio de 1981, o jornal O Estado de S. Paulo, noticiava, sob o título 'Saúde pretende adotar novo controle de vacina', que o Ministério da Saúde iria começar a discutir a implantação de um sistema nacional de controle de qualidade de vacinas, definindo os laboratórios mais aptos para realizar esse tipo de análise. Imediatamente, informava o periódico, ficava estabelecido que qualquer vacina importada pelo Brasil deveria passar por exames rigorosos no Centro Nacional de Referência para Enteroviroses, da Fundação Oswaldo Cruz. O jornal trazia declarações do secretário nacional de Ações Básicas de Saúde, João Batista Risi Jr., nas quais o sanitarista defendia a necessidade de uma ação mais rigorosa, coordenada e supervisionada pelo Ministério da Saúde. A reportagem salientava ainda que "o episódio das vacinas procedentes do Laboratório Torlak levará o Ministério da Saúde a conhecer, inclusive, os processos de fabricação e de envasamento utilizados pelos mais diversos laboratórios dos países que habitualmente fornecem imunizantes ao Brasil".

O país começava a perceber o grau de defasagem institucional e tecnológica que o separava dos países do primeiro mundo no que se relacionava ao controle de qualidade e à produção de vacinas e medicamentos. Na realidade, até aquela data, o controle e registro de drogas, alimentos, vacinas e outros produtos de grande impacto sobre a saúde da população eram debilmente realizados pela Vigilância Sanitária,16 16 O decreto-lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, regulamentava a vigilância sanitária no que dizia respeito ao controle e registro de drogas, medicamentos e outros produtos. cujas análises eram pretensamente realizadas pelo antigo Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e Alimentos (LCCDMA).17 17 Este laboratório sucedeu ao antigo Laboratório Central de Controle de Drogas e Medicamentos, por sua vez, criado pela lei nº 2.187, de 16 de fevereiro de 1954.

Precariamente instalado, até 1978, no centro da cidade do Rio de Janeiro, o LCCDMA não tinha as mínimas condições de operação. Estudos realizados em 1976, com o apoio da OPAS, já haviam indicado a necessidade de modificações radicais na estrutura do laboratório, a começar por sua transferência para a Fiocruz.18 18 A transferência foi formalizada pelo decreto nº 82.201, de 30 de agosto de 1978.

Incorporado à Fiocruz em 1978, o laboratório encontrava-se completamente abandonado e desprovido de recursos humanos e materiais. Por isso, no início de 1979, suas funções e seus parcos recursos foram transferidos provisoriamente para os laboratórios de Bio-Manguinhos e Far-Manguinhos na Fiocruz, até que as novas instalações fossem construídas no campus daquela instituição. A nova sede, a mudança de denominação para Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), bem como os recursos necessários ao funcionamento do laboratório já haviam sido negociados com o Governo Federal e vinham sendo paulatinamente liberados.

Os recursos, da ordem de 390 milhões de cruzeiros, foram obtidos por Vinícius da Fonseca, então presidente da Fundação Oswaldo Cruz, com o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social da Caixa Econômica Federal e eram destinados também à construção do Centro Hospitalar de Manguinhos e à modernização da Fiocruz.19 19 O Centro Hospitalar iria servir de nova sede do Instituto Fernandes Figueira (IFF) no campus de Manguinhos, já que Vinícius da Fonseca pretendia capitalizar a instituição com a venda do prédio do IFF na praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, onde funciona até hoje. A negociação se deu a partir de um projeto elaborado em fins de 1976, sob o comando de Vinícius da Fonseca, que contou com decisivo apoio da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e do Ministério da Saúde (Santos, 1999).

A descoberta de contaminação nos lotes de vacinas a serem empregadas em uma campanha do governo, que, apesar da recessão, vinha apresentando resultados muito positivos e que contava com amplo apoio da opinião pública e da comunidade internacional, certamente influiu para que os recursos anteriormente contratados fossem logo repassados à Fiocruz para a conclusão das obras, para a aquisição de equipamentos e materiais, assim como para a contratação e o treinamento de pessoal necessário ao início das atividades do novo instituto. Contudo, até que se resolvesse uma série de pré-requisitos para o pleno funcionamento do novo instituto, era praticamente impossível exercer controle efetivo sobre a qualidade dos produtos consumidos pela população.

De fato, não se tinha na época nem mesmo o conhecimento sobre a capacidade produtiva e as condições de produção dos laboratórios e fábricas existentes no país. Esse quadro comprometia o desenvolvimento do Programa Nacional de Imunizações e colocava em risco a saúde da população, levando o Ministério da Saúde a constituir um grupo de trabalho com o objetivo de equacionar os problemas relativos à avaliação e certificação da qualidade dos produtos imunobiológicos utilizados no país.

Coordenado pelos secretários nacionais de Ações Básicas de Saúde e de Vigilância Sanitária, o grupo, composto por representantes de diversas instituições nacionais e consultores da OPAS, elegeu como uma de suas prioridades a realização de visitas de avaliação em todos os laboratórios produtores, com a finalidade de levantar e conhecer a capacidade instalada, as linhas de produtos e as condições de produção disponíveis no país. Segundo Jorge Bermudez (1992), que na época gerenciava o grupo de trabalho, ao mesmo tempo em que os laboratórios eram inspecionados,

...realizavam-se discussões para sugestões de medidas para aperfeiçoamento de seus produtos. Eram identificados laboratórios que pudessem proceder a análises de controle de qualidade externa e estabelecidos fluxos de controle de cada uma das vacinas, nacionais ou importadas. Laboratórios de referência internacional foram identificados, com a finalidade de elaborar programas de treinamento de técnicos dos diversos laboratórios, além de poder efetuar análises de referência de produtos utilizados nos programas do Ministério da Saúde.

Na Fiocruz, prosseguiam os preparativos para a entrada em funcionamento do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS). Concluíam-se as obras do prédio sede, adquiriam-se equipamentos necessários, contratava-se pessoal e iniciava-se a ocupação dos 12 mil metros quadrados de área construída. Embora aclamado como o maior laboratório no gênero da América Latina, somente em 1983 o INCQS passou a centralizar o controle de qualidade das vacinas empregadas pelo PNI.

À medida que essas iniciativas caminhavam aumentavam tanto o conhecimento sobre a estrutura de produção de vacinas disponível no país quanto a certeza de sua fragilidade e conseqüente dependência dos produtores estrangeiros.

A criação do Programa de Auto-Suficiência Nacional de Imunobiológicos (Pasni)

A fragilidade e a dependência do Brasil no campo da produção de imunobiológicos ficou demonstrada num episódio, envolvendo uma empresa multinacional, que acabou por gerar uma grave crise de abastecimento de soros antiofídicos na rede de assistência à saúde existente no país.

Relacionada com a implementação de mecanismos de fiscalização dos imunizantes utilizados pelo PNI, que desde 1983 estavam sob a responsabilidade do INCQS da Fundação Oswaldo Cruz, a crise teve início em junho daquele ano, quando, após examinadas amostras da vacina DPT produzidas pela empresa Syntex do Brasil,20 20 Os exames foram realizados, pelos laboratórios do Instituto de Saúde Pública do Chile e do Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, a pedido do Ministério da Saúde, que também constatou falhas no processo de produção da empresa. o Ministério da Saúde ordenou a suspensão da comercialização e distribuição das vacinas analisadas até que as irregularidades apontadas pelos laudos técnicos fossem sanadas.

A multinacional, no entanto, diferentemente da intenção manifestada à opinião pública e às autoridades sanitárias, optou por desativar sua área de produção de imunobiológicos no país, acarretando, dado o despreparo governamental, problemas que se relacionavam, principalmente, ao suprimento de soros antiofídicos. Isto porque, até os primeiros anos da década de 1980, a Syntex era responsável por grande parte da produção nacional desse grupo de imunobiológicos, ficando a parcela restante sob a responsabilidade do setor governamental representado, nesse caso, pelo Instituto Butantã, pelo Instituto Vital Brazil e pela Fundação Ezequiel Dias, que, em conseqüência da falta de investimentos, não tinham, dadas as precárias condições em que se encontravam, como atender às necessidades nacionais.

A desativação das linhas de produção da Syntex do Brasil levou o Ministério da Saúde, em sintonia com a Ceme, a buscar importar uma série de produtos, entre os quais se destacavam os soros antiofídicos, na tentativa de suprir a demanda nacional. Entretanto, no que se refere ao suprimento de antiofídicos, a iniciativa esbarrou tanto na demora das autoridades em detectar e reagir ao problema quanto na dificuldade de se encontrar as quantidades e as qualidades de soro que atendessem às necessidades brasileiras, pois, como se sabe, estes antígenos são, em geral, preparados a partir de venenos de espécies cuja ocorrência geográfica restrita acaba por determinar a especificidade do soro e inviabilizar sua substituição por produto similar elaborado a partir de venenos de outras espécies.

A falta deste produto deu origem a uma situação gravíssima, evidenciada no início de 1985, quando o produto efetivamente desapareceu dos serviços de saúde do país e a imprensa começou a acompanhar o caso, relatando, para espanto da população, a amputação de pernas e braços de trabalhadores rurais e a ocorrência de óbitos decorrentes da inexistência de soros nos hospitais e postos de saúde procurados pelas vítimas de acidentes com animais peçonhentos. Para se ter uma idéia da gravidade da situação, e do quanto era justo o clamor social por medidas urgentes e decididas por parte do governo federal, basta dizer que "segundo estudos da década de 1970, estima-se que ocorram por ano setenta mil acidentes, envolvendo trabalhadores rurais, crianças, excursionistas e outras categorias, nas mais variadas circunstâncias, tanto no trabalho como em atividades domésticas e de lazer".

Além da crise específica dos soros antiofídicos, o ano de 1985 registrava, já no primeiro semestre, problemas também no abastecimento de outros imunobiológicos, tais como o toxóide tetânico, a vacina anti-rábica e a vacina BCG (Ministério da Saúde, 1987). Essa situação era agravada ainda, segundo Gadelha e Temporão (1999), pelo fato de que " a maior rigidez das especificações e do controle de qualidade não estimulava a entrada de produtores privados, uma vez que o setor apresentava baixo dinamismo econômico mesmo nos países desenvolvidos, ainda mais se comparado com o setor farmacêutico, que tradicionalmente é bastante lucrativo".

Pressionado pela opinião pública e alertado para a gravidade da situação, o governo decide agir. Em 1º de agosto de 1985, o Gabinete Civil da Presidência da República solicita ao Ministério da Saúde informações sobre a extensão da crise e sugestões de como solucioná-la de forma mais duradoura que a importação21 21 Em 1985, segundo Bermudez (1992), a importação de imunobiológicos provocou o dispêndio de 2,9 bilhões de dólares. em caráter emergencial. Ao mesmo tempo, informa-nos Bermudez (1992), "a Secretaria de Planejamento da Presidência da República autorizava a liberação de recursos em caráter excepcional para a recuperação das plantas de produção de soros do Instituto Butantã e da Fundação Ezequiel Dias".22 22 De acordo com relatório de avaliação preliminar da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde, foram liberados em 1985 cerca de vinte bilhões de cruzeiros, repassados ao Instituto Buatantã e à Fundação Ezequiel Dias. A resposta elaborada pelo ministério mostrou a necessidade de criação de um programa de investimentos federais que possibilitasse dotar o país de um parque industrial capaz de torná-lo independente de qualquer importação de soros e vacinas até 1990. Nascia então o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni).

A concepção do programa, vale notar, estava fundamentada nos estudos iniciados, em 1981, pelo grupo de técnicos designados para analisar a situação dos laboratórios produtores de imunobiológicos existentes no país, ou seja, o mesmo grupo cujo trabalho está na origem do INCQS e das análises que condenaram a linha de produção de DPT da Syntex do Brasil.

Em linhas gerais, o Pasni pode ser caracterizado como um plano de investimento na modernização física, estrutural e tecnológica dos laboratórios nacionais envolvidos com a produção de soros e vacinas utilizados em programas e serviços públicos de imunização e atenção à saúde. Os investimentos, que até meados da década de 1990 alcançaram, segundo estimativas de técnicos do setor, algo em torno de cem milhões de dólares, foram destinados aos seguintes laboratórios: Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz/RJ); Butantã (SP); Instituto Vital Brazil (RJ); Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar/PR); Fundação Ezequiel Dias (Funed/MG); Fundação Ataulfo de Paiva (RJ); e Instituto de Pesquisas Biológicas (IPB/RS) (Gadelha, 1996).

As justificativas para a implementação de um programa tão ambicioso giravam em torno de quatro pontos que alicerçavam a construção da linha de argumentação em defesa da autonomia do país no campo da produção de imunobiológicos. O primeiro deles considerava a questão da ótica da segurança nacional na medida em que argumentava estar em jogo a saúde de grandes contingentes populacionais que estrategicamente não poderiam depender de importações, ficando à mercê de oscilações políticas ou de flutuações econômicas. O segundo se referia à economia que a nacionalização da produção de imunobiológicos proporcionaria ao país, tendo em vista, inclusive, a possibilidade de o Brasil disputar, em futuro não muito distante, um lugar de destaque no mercado internacional de vacinas. O terceiro salientava que a diversidade de fatores que interferiam no processo de fabricação tornava a indústria de imunobiológicos um investimento de alto risco, pouco atrativo para o capital privado, exigindo, dessa forma, forte participação governamental no setor. O que, segundo seus defensores, era plenamente justificável pelo elevado interesse social que o problema envolvia. O último ponto estava relacionado ao fato de que o domínio da produção de vacinas representava assunto de interesse científico e tecnológico do país, merecendo, portanto, maior atenção por parte do governo federal, de modo a diminuir a defasagem que nos separava dos países desenvolvidos.

Consoante esta linha de argumentação, o diagnóstico que serviu de base para a formulação do programa salientava que

...as dificuldades atuais, que caracterizam uma verdadeira crise na produção de imunobiológicos no Brasil e comprometem o desenvolvimento do Programa Nacional de Imunizações, decorrem da obsolescência do parque produtor nacional, há décadas defasado em relação ao processo tecnológico e às exigências de produção em escala.

A progressiva decadência do setor ocorreu enquanto aumentavam rapidamente as necessidades, principalmente a partir da instituição do Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 1973. Não foi suficiente a tentativa de organização do parque produtor por iniciativa da Central de Medicamentos (Ceme). A situação tornou-se crítica com a dinamização do PNI a partir de 1980, agravando-se com a implantação do controle nacional de qualidade em 1981.

Nos últimos anos foram constatadas sérias deficiências na qualidade dos produtos distribuídos para consumo, que conduziram à suspensão de determinadas linhas de produção e mesmo à paralisação de atividades em alguns laboratórios.

Atualmente, para evitar a solução de continuidade nos programas de vacinação e a falta de soros para tratamento de pessoas expostas a risco, vê-se o governo federal obrigado a importar praticamente 80% de todas as necessidades ... .

Ao longo das últimas décadas, os investimentos no setor de produção de imunobiológicos não acompanharam o desenvolvimento tecnológico da área.

O momento atual requer a adoção de medidas que assegurem a auto-suficiência do Brasil na área de produção de imunobiológicos. Para isso é necessário o desenvolvimento de uma política de ampla modernização dos laboratórios produtores, que, de maneira geral, sofrem atualmente dos problemas técnico-administrativos típicos do serviço público (Ministério da Saúde, Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos, 1985).

Implementado a partir de 1985, o Pasni contribuiu de modo efetivo para a melhoria da qualidade da produção nacional, investindo pesadamente na aquisição de equipamentos e na construção de instalações físicas. Pode-se afirmar, inclusive, que, sem os recursos dele provenientes, boa parte do parque produtor nacional não sobreviveria. Além disso, o programa obteve êxito bastante significativo no equacionamento e solução da crise de abastecimento de soros antiofídicos, que, como se sabe, não poderia ser solucionada por meio de recurso ao mercado internacional.

Entretanto, apesar dos sucessos obtidos, o programa não logrou alcançar a maioria das metas e as finalidades a que se propunha. Seu principal objetivo, a auto-suficiência em imunobiológicos, permanece ainda hoje como algo cada vez mais distante. Não se avançou de forma contundente na produção de vacinas desenvolvidas recentemente, e mesmo as tradicionais continuam apresentando algum nível de dependência externa. De fato, o Brasil ainda necessita importar os produtos empregados pelo Programa Nacional de Imunizações, e o dispêndio anual com tais compras tem ultrapassado a soma total dos investimentos já realizados no setor (Gadelha, 1996).

As razões para a não-concretização de grande parte do programa podem ser buscadas em uma série de fatores, a começar pela ausência de elementos importantes que deveriam ter sido considerados na sua formulação, assim como pela própria definição de seus objetivos. De fato, não é difícil supor as dificuldades colocadas diante do Brasil na sua tentativa de superar a enorme distância que o separava (e ainda separa) dos países desenvolvidos.

Analisando-se as proposições que lhe dão origem, percebe-se a ausência de referências mais amplas e realistas aos processos que vão da bancada à produção em escala. Não estão presentes, por exemplo, em suas formulações iniciais, referências explícitas ao aparato de conhecimento e pesquisa necessário à implementação e manutenção do programa nem tampouco referências aos sólidos estudos relativos ao equacionamento dos problemas acarretados pelo forte hiato existente entre a pesquisa básica e o desenvolvimento tecnológico no país. Não encontramos também propostas alternativas que visem a contornar os entraves colocados por uma administração pública sabidamente burocrática e engessada num emaranhado de leis e procedimentos que mais prejudicam do que defendem o patrimônio e o bem-estar da sociedade. Não se percebe, ainda, uma preocupação com a montagem de uma estrutura destinada à realização da série de testes que cercam o desenvolvimento e a habilitação de uma vacina. Por outro lado, o que se verifica é uma ênfase na modernização e na construção de instalações físicas dos laboratórios participantes do programa, aliada a uma acentuada valorização da capacidade produtiva em detrimento da qualidade e da realização de pesquisas que mostram avanços no campo tecnológico.

Tais características, associadas às estratégias de negociação e de convencimento típicas da movimentação política, talvez expliquem a definição dos objetivos finais do programa e o estabelecimento de um curto prazo para se alcançar um patamar tão elevado como o da auto-suficiência. Isto porque, cabe frisar, estamos diante de uma proposta de trabalho que almeja a obtenção de uma série de produtos cujo desenvolvimento demanda — além de equipes multidisciplinares, instalações físicas e programas diferenciados de pesquisa — tempo e estabilidade no provimento e atualização das condições necessárias à realização de tão ambicioso objetivo. Acrescente-se a isto as complicadas negociações para a transferência das diversas tecnologias empregadas no desenvolvimento e controle de qualidade de tais produtos, que, como é do conhecimento de todos, seguem cronograma e lógicas próprias que independem do planejamento governamental.

Nessa perspectiva, observa-se que, na realidade, apesar de suas nobres intenções, as metas do Pasni foram hiperdimensionadas, uma vez consideradas as precárias condições em que se encontrava o país em relação à produção de vacinas e o curto espaço de tempo estabelecido para o seu cumprimento. Na verdade, vista com os olhos do presente, percebe-se que a meta da auto-suficiência é, em face das rápidas e constantes transformações por que passa a área de vacinas, além de irracional, literalmente inatingível.

Importa ressaltar que o desenvolvimento e a produção de vacinas são atividades complexas que exigem um aporte considerável de recursos, bem como um longo período de maturação, constituindo-se em um investimento sujeito a inúmeras influências e, portanto, de alto risco. Estima-se, por exemplo, que a criação e habilitação de uma nova vacina pode custar hoje, dependendo do caso, algo entre cem e duzentos milhões de dólares e consumir aproximadamente 15 anos entre a bancada e o seu ingresso na rotina dos programas de imunização. Ademais, cabe lembrar que as instituições envolvidas nesse campo encontram-se inseridas numa zona de fronteira do conhecimento cada vez mais dinâmica e competitiva. Isto implica, além da revisão das bases tradicionais de organização, uma constante atualização do saber e das estruturas de apoio e desenvolvimento que o cercam.

Vale notar que, se no início da década de 1970 não havia ainda um grande interesse do setor privado no campo dos imunobiológicos, tal situação mudou de modo decisivo na década seguinte, quando a constituição de mercados em todo o mundo atraiu a atenção de grandes empresas, que passaram a disputar o controle de boa parte deles, restringindo o raio de ação dos laboratórios públicos e gerando maiores dificuldades na difusão e transferência de novas tecnologias.

Assim, por não contemplar entre os seus principais objetivos uma efetiva capacitação no que toca à inovação científica e tecnológica para o setor, bem como em conseqüência do fato de estar sujeito a flutuações de várias ordens e submetido à lógica burocrática da administração pública, o Pasni se viu fragilizado diante das rápidas mudanças no cenário mundial no que diz respeito ao avanço tecnológico e organizacional, ficando, portanto, impossibilitado de acompanhar o ritmo frenético e ininterrupto que vem sendo implementado nesse campo desde a década de 1980. Gadelha (1996) assinalou: "É da lógica da competição num setor de fronteira, como se tornou o de vacinas, o lançamento incessante de novos produtos. Se não houver capacidade de acompanhar este dinamismo, quando se atinge uma meta o alvo já se deslocou para adiante."

Outro fator importante a ser considerado na análise do desempenho do programa refere-se ao período em que o Pasni foi lançado, pois, na década de 1980 e início da seguinte, o Brasil vivia sob os efeitos de uma crise econômica de proporções devastadoras. Na verdade, o país sofria de graves problemas na balança de pagamentos, onde a elevada dívida externa e a espiral inflacionária, a ela associada, sugavam e corroíam rapidamente os recursos destinados à implementação do programa.

Esse quadro era agravado também pela demora e irregularidade dos repasses de verbas, dificultando ainda mais o planejamento e o cumprimento de compromissos e metas anteriormente estabelecidos, gerando descrédito e aumento desnecessário de despesas. Somam-se a isso os efeitos decorrentes das mazelas da administração pública brasileira, que, como é do conhecimento de todos, se comumente apresenta empecilhos consideráveis ao bom andamento de projetos convencionais, dificulta muito mais o desempenho daqueles que trabalham imersos em um ambiente altamente competitivo.

Para se ter uma idéia do quanto esse fator atrapalha ainda hoje a execução de programas da administração pública, basta nos atermos aos dados apresentados por Sérgio Machado Rezende, atual presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), no seminário de lançamento do projeto Inovação em Saúde23 23 Elaborado no âmbito da Fundação Oswaldo Cruz, o projeto Inovação em Saúde tem por objetivo principal fornecer subsídios para a formulação de uma política multissetorial envolvendo a gestão, o desenvolvimento científico e tecnológico e a produção de insumos críticos para a saúde. Para maiores informações, consultar http://www.fiocruz.br. , promovido pela Fiocruz entre 9 e 10 de junho de 2003. Pelo dados apresentados por Rezende, dos cinqüenta milhões de reais, do Fundo Setorial da Saúde, previstos para a execução orçamentária de 2002, apenas um milhão de reais foram comprometidos, sendo efetivamente gasta a ridícula cifra de 421 mil reais. Vale ressaltar o comentário feito, a partir destes dados, por José Alberto Hermógenes, secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos para a Saúde do Ministério da Saúde:

...ou seja, num país que não tem recursos, só conseguimos gastar do Fundo Setorial da Saúde 1%. O dinheiro existe, foi alocado e não foi gasto. Não me parece que precisamos nos alongar sobre a desestruturação deste Estado. É um Estado que, inclusive, não está conseguindo gastar um recurso alocado para determinadas finalidades (Hermógenes, 2003).

Este último aspecto constitui-se praticamente em uma constatação unânime entre os analistas que se viram envolvidos, direta ou indiretamente, com o programa. Para Akira Homma (1960), por exemplo, uma das razões do baixo desempenho dos laboratórios públicos, no que toca ao cumprimento das metas estabelecidas pelo Pasni, era justamente a falta de mecanismos e instrumentos adequados para a gerência das atividades de desenvolvimento tecnológico e produção. Em debate promovido pela revista História, Ciências, Saúde — Manguinhos, em 1996, o atual diretor de Bio-Manguinhos, comentando as dificuldades enfrentadas pelos laboratórios públicos, alertava para o fato de que

eles não alcançarão rendimentos equiparáveis aos do setor privado enquanto permanecerem tolhidos pelos baixos salários, pelos superburocráticos processos licitatórios para a compra de material e equipamentos, pela demora na liberação dos recursos orçamentários, pela falta de mecanismos adequados de avaliação de desempenho funcional, pela carência de um sistema de educação contínua na área tecnológica, pela impossibilidade de demitir os funcionários que não rendem e de contratar profissionais com salários de mercado etc. Assim, os laboratórios públicos continuarão a ter dificuldade para cumprir o cronograma de produção, não terão condições de incorporar novas tecnologias e operarão com altos custos de produção. Portanto, é urgentíssimo buscar formas adequadas de gestão que viabilizem administrativa e tecnologicamente os laboratórios públicos produtores de vacinas, que os tornem auto-sustentáveis econômica e tecnologicamente, sem o que todo o investimento feito pelo governo pode soçobrar.

Outro componente que tem sido apontado como um problema a mais a ser enfrentado pelos laboratórios públicos nacionais são os preços praticados no âmbito do Fundo Rotatório da OPAS. Isto porque, diferentemente dos produtores privados que participam de mercados diferenciados, vendendo também para países do primeiro mundo, os laboratórios brasileiros têm sua remuneração limitada aos preços ditados pelas licitações da OPAS, que, como é sabido, são os mais baixos do mercado internacional de vacinas.

Na visão desses laboratórios, o produtor nacional concorre em situação desigual com os grandes conglomerados internacionais na medida em que as empresas estrangeiras, além de se beneficiarem da venda em larga escala em mercados como os do Brasil, obtêm uma margem de lucro nos mercados do primeiro mundo capaz de sustentar tanto novos investimentos na pesquisa e na linha de produção quanto preços reduzidos nas concorrências internacionais promovidas pela OPAS.

Segundo essa visão, na ausência de investimentos como aqueles proporcionados pelo Pasni, a remuneração obtida a partir de tais preços não permite financiar o aprimoramento da produção, nem tampouco a pesquisa necessária à implementação de novas rotas tecnológicas. Isso porque nesses valores não estão embutidos os custos marginais de produção, ou seja, daqueles itens que, apesar de não participarem diretamente do processo de fabricação da vacina ou medicamento nas instituições públicas, são necessários à sustentação daquelas linhas de produtos, bem como ao aprimoramento e ao desenvolvimento de novas opções tecnológicas.

Nessas circunstâncias, argumentam os laboratórios nacionais, não há como prescindir do concurso de linhas de financiamento que apóiem não só o aprimoramento dos produtos tradicionais, mas também a pesquisa e o desenvolvimento de novas vacinas, insumos e medicamentos. Na concepção de seus dirigentes, não há como concorrer com os cartéis que atuam no setor sem o firme apoio do Estado.

Na realidade, mais que a concorrência, o que está em jogo, no entendimento desse segmento da ciência brasileira, é não só a perda do mercado nacional para grupos mais bem aparelhados, e muitas vezes subsidiados pelos governos de seus respectivos países, mas principalmente a possibilidade de avanço científico e tecnológico do país.

Considerações finais

O período aqui abordado compreendeu o embate de visões distintas sobre os rumos a serem tomados pela política nacional de saúde em seus delineamentos gerais. Nele estiveram presentes concepções que advogavam a necessidade de vincular a assistência médica à contribuição previdenciária, bem como aquelas que defendiam a universalização desse direito, independentemente de contribuição. O período marca também uma mudança radical no quadro sanitário e epidemiológico do país, onde o êxodo rural acabou por determinar um perfil eminentemente urbano para a maioria da população brasileira que, desde então, povoa as áreas periféricas e insalubres das grandes cidades.

No que se refere ao combate às doenças imunopreveníveis, observou-se a formulação de políticas nacionais de imunizações, às quais não faltaram tanto posições discordantes no que diz respeito às formulações postas em prática quanto críticas à própria idéia de uma política de imunização, vista por muitos como uma espécie de 'jogo de cena' dos governos militares, que, na verdade, além de não investirem em saneamento e em ações básicas em saúde, patrocinavam o desenvolvimento à custa de uma brutal concentração de renda.

Entretanto, em que pesem as críticas aos governos militares no que se refere à condução dos rumos da saúde, não há como negar que, no campo das imunizações, o período se mostrou bastante fértil se comparado a períodos anteriores e à fase neoliberal que dominou o país a partir de 1990. Cabe lembrar que foi naquele momento que se montou boa parte da estrutura estatal de produção e controle de qualidade de imunobiológicos.

No que toca à antinomia 'rotina versus campanhas', consideramos tratar-se, na verdade, de uma falsa questão na medida em que, conforme se pôde perceber, é possível, e por vezes desejável, associar as duas formas de ação. Ademais, cabe lembrar que, em termos de distribuição de recursos, o problema não estava, ou não deveria estar, colocado como uma disputa entre os 'primos pobres' do setor. Isso porque, como tivemos oportunidade de observar, o combate às doenças transmissíveis e os gastos com produtos profiláticos somados não ultrapassaram, durante muito tempo, a casa dos 6% dos dispêndios federais com saúde. Na realidade, ao lado dos reduzidos percentuais de investimentos destinados à prevenção, o que se verificou foi uma verdadeira sangria dos recursos públicos para financiar a rede privada de assistência médico-hospitalar, cujos índices de comprometimento chegaram a ultrapassar o patamar dos 86% de toda a soma de valores destinada ao setor, sem que isso se traduzisse em benefícios concretos para a saúde da maioria da população, que hoje se vê às voltas com atendimento público ainda deficiente ou na contingência de se submeter ao pagamento de planos de saúde oferecidos pela iniciativa privada.

Por último, vale ressaltar que boa parte das mudanças positivas — entre as quais incluímos a montagem de um parque produtor de vacinas, a instituição da vigilância epidemiológica, a organização do controle de qualidade e a proposta de constituição do SUS — só foi possível graças à presença e à atuação, no interior do aparelho de Estado e em fóruns e instituições da sociedade civil, de um corpo técnico cada vez maior, que, apesar de suas divergências internas, conseguiu, gradativamente, forjar áreas de consenso e influenciar de modo decisivo os rumos dos cuidados com a saúde no Brasil.

NOTAS

Recebido para publicação em junho de 2003

Aprovado para publicação em julho de 2003

  • Abreu e Lima, Mozart 2002 Depoimento para o projeto A História da Poliomielite e sua Erradicação no Brasil. Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
  • Abreu, Marcelo de Paiva (org.) 1989 A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989 Rio de Janeiro, Campus.
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  • Bush, George W. 23.6.2003 Discurso proferido no Centro de Convenções de Washington acerca do projeto Escudo Biológico.
  • Cordeiro, Hésio 1983 'Políticas de saúde no Brasil'. Em Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Saúde e trabalho no Brasil. Petrópolis, Vozes.
  • Cordeiro, Hésio 1980 A indústria da saúde no Brasil. Rio de Janeiro, Graal.
  • Costa, Nílson do Rosário 1983 'Acidentes de trabalho'. Em Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Saúde e trabalho no Brasil. Petrópolis, Vozes.
  • Escritório de Saneamento: Pesquisa Econômica e Aplicada/Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica (EPEA) 1966 Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social — Saúde e Diagnóstico preliminar.
  • Exposição de Motivos nº 286/Bsb, de 8 de novembro de 1973. (Arquivo do Ministério da Saúde. Em fase de organização.)
  • Fernandes, A. 1975 'Planejamento de integração dos serviços de saúde pública e privados em nível federal, estadual e municipal: o ponto de vista da iniciativa privada'. I Encontro de Hospitais do Rio de Janeiro. (mimeo.)
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  • Guimarães, Reinaldo (org.) 1978 Saúde e medicina no Brasil: uma contribuição ao debate Rio de Janeiro, Graal.
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  • Médici, André C. dez. 1987 'Financiamento da saúde'. Boletin de la oficina Sanitaria Panamericana. 103:6, pp. 571-98.
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  • Risi Jr., João Batista 2000 Depoimento para o projeto A História da Poliomielite e sua Erradicação no Brasil. Rio de Janeiro, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
  • Risi, João Batista dez. 1968 'Varíola'. Separata dos Arquivos de Higiene, vol. 24, tomo único. Acervo da Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz.
  • Santos, Sérgio Gil Marques dos 1999 Estado, ciência e autonomia: da institucionalização à recuperação de Manguinhos Dissertação de mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ/IFCS.
  • 1
    Edward Jenner (1749-1823), médico inglês, foi o primeiro a perceber a possibilidade de imunização contra a varíola, através da inoculação da
    Vaccinia, ou varíola de vaca.
  • 2
    O PAI, instituído pela resolução WHA/27.57, aprovada pela Assembléia Mundial de Saúde em maio de 1974, tinha como objetivos promover a expansão do uso de imunizantes em todo mundo, estimular o desenvolvimento, produção e aprimoramento de vacinas.
  • 3
    O Fundo Rotatório entrou em atividade em 1979 com o objetivo de realizar licitação conjunta de vacinas inicialmente destinadas, quase que exclusivamente, aos países subdesenvolvidos de pequeno porte em termos territoriais e populacionais. Este procedimento promove a redução dos custos pelo aumento do volume de compras e ampliação da concorrência entre os fornecedores, atuando ainda na fiscalização da qualidade dos produtos adquiridos. Posteriormente outros países, como o Brasil, passaram a realizar suas compras também por esse mecanismo.
  • 4
    A varíola foi declarada erradicada das Américas em 1973, e do mundo, em 1979.
  • 5
    Criado pela lei nº 8.080 de 11.9.1990.
  • 6
    No chamado Massacre de Manguinhos foram cassados, por interferência direta do ministro Rocha Lagoa, ex-diretor do Instituto Oswaldo Cruz (1964-69), os seguintes pesquisadores: Augusto Perissé, Domingos Arthur Machado Filho, Fernando Ubatuba, Haity Moussatché, Herman Lent, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Moacyr Vaz de Andrade, Sebastião José de Oliveira e Tito Cavalcanti.
  • 7
    Delfim Neto foi ministro da Fazenda do governo Médici entre 1967 e 1974. Posteriormente, assumiu ainda as pastas da Agricultura, em 1979, e da Secretaria de Planejamento, entre 1979 e 1985.
  • 8
    A partir de 1975, mudanças na legislação tornam pouco confiáveis as estatísticas sobre acidentes de trabalho. Para maiores informações, ver Costa (193, p. 51).
  • 9
    O grupo de coordenação do Setor de Saúde é formado pelo Epea-Miniplan, MS, Ministério de Viação e Obras Públicas, Ministério do Trabalho e Previdência Social, FSESP, Sesi e Federação das Associações de Escolas Médicas. Acervo Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz.
  • 10
    Na III Reunião de Ministros da Saúde das Américas, estabeleceu-se como um dos objetivos do Plano Decenal de Saúde para as Américas a redução da morbidade e mortalidade por doenças imunopreveníveis.
  • 11
    Segundo Risi Jr. (2000), o documento original do PNI foi escrito basicamente por duas pessoas: o dr. Eurico Susart Carvalho Filho, da Fundação SESP, que na época era diretor nacional da divisão de epidemiologia, e o dr. Orlando Ribeiro Gonçalves, que integrava os quadros da Ceme.
  • 12
    A Comissão Interministerial foi instituída pela portaria MS/MPAS nº 1, de 9 de maio de 1979, publicada no
    Diário Oficial da União de 15 de maio do mesmo ano. Participavam da comissão o dr. José Carlos Seixas, secretário nacional de Ações Básicas de Saúde; o dr. Akira Homma, da Fundação Oswaldo Cruz; o dr. Celso Mário de Araújo Pugliese, diretor da Divisão Nacional de Epidemiologia, Estatística e Informação, da Fundação Serviços de Saúde Pública; o dr. Mário Moraes, secretário de Ciência e Tecnologia; o dr. João Batista Risi Jr.; o dr. Orlando Ribeiro Gonçalves; o dr. Antônio Monteiro; e o dr. Milton Luiz Braga.
  • 13
    Consolidação e aperfeiçoamento da legislação; vigilância epidemiológica; produção e controle de qualidade de imunobiológicos; estruturação da rede de postos de vacinação; distribuição e conservação de vacinas; treinamento de pessoal e divulgação do programa.
  • 14
    O órgão responsável pelo PNI e pela vigilância epidemiológica era, nessa época, a Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP), que, desde 1974, tinha entre suas atribuições esta responsabilidade. Em 1981, a coordenação dos programas nacionais de imunizações e de vigilância epidemiológica foi transferida para a Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde.
  • 15
    Em nota publicada em 29 de maio de 1981, as autoridades esclareceram que o laboratório iugoslavo Torlak informou ser tecnicamente impossível substituir as vacinas em tempo hábil (
    O Estado de S. Paulo, 30 de maio de 1981).
  • 16
    O decreto-lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, regulamentava a vigilância sanitária no que dizia respeito ao controle e registro de drogas, medicamentos e outros produtos.
  • 17
    Este laboratório sucedeu ao antigo Laboratório Central de Controle de Drogas e Medicamentos, por sua vez, criado pela lei nº 2.187, de 16 de fevereiro de 1954.
  • 18
    A transferência foi formalizada pelo decreto nº 82.201, de 30 de agosto de 1978.
  • 19
    O Centro Hospitalar iria servir de nova sede do Instituto Fernandes Figueira (IFF) no
    campus de Manguinhos, já que Vinícius da Fonseca pretendia capitalizar a instituição com a venda do prédio do IFF na praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, onde funciona até hoje.
  • 20
    Os exames foram realizados, pelos laboratórios do Instituto de Saúde Pública do Chile e do Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, a pedido do Ministério da Saúde, que também constatou falhas no processo de produção da empresa.
  • 21
    Em 1985, segundo Bermudez (1992), a importação de imunobiológicos provocou o dispêndio de 2,9 bilhões de dólares.
  • 22
    De acordo com relatório de avaliação preliminar da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde, foram liberados em 1985 cerca de vinte bilhões de cruzeiros, repassados ao Instituto Buatantã e à Fundação Ezequiel Dias.
  • 23
    Elaborado no âmbito da Fundação Oswaldo Cruz, o projeto Inovação em Saúde tem por objetivo principal fornecer subsídios para a formulação de uma política multissetorial envolvendo a gestão, o desenvolvimento científico e tecnológico e a produção de insumos críticos para a saúde. Para maiores informações, consultar
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2003
    • Recebido
      Jun 2003
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