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“Cântico dos cânticos, quântico dos quânticos”: as relações dialógicas entre artes, ciências contemporâneas e saúde no álbum Quanta, de Gilberto Gil

“Cântico dos cânticos, quântico dos quânticos:” dialogical relationships between art, contemporary science, and health in the album Quanta by Gilberto Gil

Resumo

O trabalho apresenta uma análise metalinguística de canções que compõem o álbum Quanta, de Gilberto Gil, explicitando as relações dialógicas que o enunciado artístico pode estabelecer com as ciências contemporâneas e com uma visão de saúde. Para tanto, é feita uma breve apresentação sobre o quadro teórico-metodológico a ser utilizado, a metalinguística de Bakhtin, e, a partir dele, são estabelecidos três eixos de análise, privilegiando a concepção de ciência, de física quântica e de saúde e cura presentes no álbum e evidenciando as complexas relações entre arte, física e saúde.

metalinguística; Mikhail Bakhtin (1895-1975); cultura

Abstract

This article presents a metalinguistic analysis of the songs comprising the album Quanta by Gilberto Gil, highlighting the dialogical relationships that artistic endeavors can establish between contemporary science and a vision of health. This involves a brief introduction of the theoretical/methodological framework and Bakhtin’s metalinguistics, followed by the establishment of three different analytical threads that follow the concepts of science, quantum physics, and health and healing which are present in the album, depicting the complex relationships between art, physics and health.

metalinguistics; Mikhail Bakhtin (1895-1975); culture

A ascensão do positivismo lógico no início do século XX determinou o desenvolvimento da concepção de conhecimento científico como produção epistêmica objetiva, neutra e desprovida de quaisquer relações com os diferentes aspectos da cultura e da filosofia (Goldstein, 2008GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gödel. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.). Tal visão de mundo foi apropriada por parte da comunidade científica e escolar, que, ainda hoje, reitera a existência do método científico (único) e negligencia a discussão filosófica pós-popperiana do século passado e do presente (Kincheloe, Tobin, 2009). Esse olhar para o empreendimento científico gerou a distinção entre duas culturas no mundo ocidental, a cultura científica e a cultura das humanidades (Snow, 1988SNOW, Charles Percy. The two cultures. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.). Em especial, no caso da física quântica, a maioria das pessoas tem acesso aos seus preceitos por meio das noções básicas discutidas no contexto escolar, que é fortemente identificado com o viés positivista (Lima, Ostermann, Cavalcanti, 2017) devido à ênfase no formalismo matemático desprovido de qualquer significado físico (Johansson et al., 2018JOHANSSON, Anders et al. ‘Shut up and calculate’: the available discursive positions in quantum physics courses. Cultural Studies of Science Education, v.13, n.1, p.205-226, 2018.) e, ainda, com variadas inconsistências filosóficas (Lima et al., 2018LIMA, Nathan Willig; OSTERMANN, Fernanda; CAVALCANTI, Claudio José de Holanda. A não modernidade de Bruno Latour e suas implicações para a educação em ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v.35, n.2, p.367-388, 2018.).

Apesar dessas narrativas hegemônicas, que se perpetuam nas culturas científicas e escolares, historiadores, filósofos e sociólogos têm, há muito tempo, descrito as complexas inter-relações entre as ciências e as mais diversas esferas de atuação humana. Com relação especificamente à conexão do desenvolvimento da física com outros campos, tem-se o relato da motivação metafísica na revolução copernicana (Lang, 2002LANG, Fernando. A premissa metafísica da revolução copernicana. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v.19, n.3, p.407-410, 2002.), do impacto dos estudos de perspectiva de Galileu na sua descrição das crateras lunares (Reis, Braga, Guerra, 2005), do marxismo na física quântica de David Bohm (Freire, 2015FREIRE, Olival. The quantum dissidents: rebuilding the foundations of quantum mechanics (1950-1990). Berlin: Springer, 2015.) e da estética na física quântica de Paul Dirac (Kragh, 2002KRAGH, Helge. Paul Dirac: seeking beauty. Physics World, v.15, n.8, p.27, 2002.). Apenas para citar mais alguns exemplos, essa relação pode também ser percebida no fato de a concepção de espaço e tempo galileana dialogar diretamente com a perspectiva da arte renascentista (Reis, Braga, Guerra, 2005), na crítica à mecânica newtoniana apresentada na poesia e na pintura de William Blake (Reis, Guerra, Braga, 2006), no modo como a física e a química moderna inspiram a sociologia monadal de Gabriel Tarde (2007)TARDE, Gabriel. Monadologia e sociologia: e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2007. ou como a teoria da relatividade motiva uma teoria da linguagem sem referenciais absolutos na filosofia de Bakhtin (Holquist, 1990HOLQUIST, Michael. Dialogism. New York: Routledge, 1990.), na maneira como a relatividade se relaciona com o cubismo (Miller, 2006MILLER, Arthur I. Einstein e Picasso: mera coincidência? História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.13, supl., p.223-231, 2006.) e Salvador Dalí com a física moderna (López Ferrado, 2006LÓPEZ FERRADO, Mónica. La obsesión de Salvador Dalí por la ciencia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.13, supl., p.125-131, 2006.), bem como nas aproximações entre física e literatura (Zanetic, 2006ZANETIC, João. Física e literatura: construindo uma ponte entre as duas culturas. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.13, supl., p.55-70, 2006.).

A partir do reconhecimento da existência dessas hibridizações entre arte e ciência, o álbum Quanta (1997), de Gilberto Gil, apresenta-se como um complexo e profícuo objeto de estudo, tanto para a filosofia da linguagem e da cultura como para a filosofia da ciência propriamente, já tendo sido objeto de outras análises (Barros, 2008BARROS, Laan Mendes. Cântico dos quânticos: ciência e arte nas canções de Gilberto Gil. Revista Fronteiras: Estudos Midiáticos, v.10, n.1, p.14-22, 2008.; Sawada, Araujo-Jorge, 2017). O título do álbum remete ao conceito seminal da física quântica, proposto por Einstein em 1905EINSTEIN, Albert. On the electrodynamics of moving bodies. Annalen der Physik, v.322, n.10, 1905., no artigo com o qual ele ganhou o prêmio Nobel da Física (Einstein, 1905EINSTEIN, Albert. On the electrodynamics of moving bodies. Annalen der Physik, v.322, n.10, 1905.). Em seu álbum, Gil não faz somente menção a termos da física quântica no título e em uma canção homônima, tais elementos permeiam o conjunto como um todo. Além disso, Gil toma o conceito de ciência como objeto principal de sua lírica em duas canções (“Ciência e arte” e “A ciência em si”). Em consonância com a visão de ciência e de física quântica desenvolvida no álbum, Gilberto Gil aborda reiteradamente a questão da saúde e da cura, enfatizando as complexas relações entre mente e corpo, o que motiva a discussão sobre as relações entre física, arte e saúde.

Assim, reconhecendo a importância de Gilberto Gil na consolidação da cultura brasileira e reconhecendo o caráter híbrido do álbum Quanta, que ao mesmo tempo pertence ao gênero artístico e toma como tema um conceito científico, as questões que propomos são as seguintes: (1) qual a visão (ou quais as visões) de ciência é (são) apresentada(s) no álbum Quanta? Sobre qual (quais) ciência(s) Gil está cantando? (2) Como conceito de quanta e os demais conceitos da física quântica presentes na obra dialogam com os enunciados do gênero científico da física quântica? Eles guardam alguma relação ou são totalmente ortogonais, não passando de figuras de linguagem? (3) Qual a visão de cura e saúde apresentada por Gilberto Gil e como dialoga com a visão de ciência e de física quântica apresentada?

Tendo em vista essas questões norteadoras, nosso objetivo é apresentar uma “análise metalinguística” (Bakhtin, 1984BAKHTIN, Mikhail. Problems of Dostoyevsky’s poetics. Minneapolis: University of Minesota Press, 1984.) do álbum Quanta, explicitando as relações dialógicas que o enunciado de Gilberto Gil estabelece com as ciências contemporâneas (ciências naturais e da saúde). Para tanto, fazemos uma breve apresentação do quadro teórico-metodológico a ser utilizado, a metalinguística de Bakhtin (1984BAKHTIN, Mikhail. Problems of Dostoyevsky’s poetics. Minneapolis: University of Minesota Press, 1984., 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016., 2017BAKHTIN, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017.), e, a partir dele, estabelecemos três eixos de análise: o primeiro é a caracterização da concepção de ciência no álbum e sua relação com as descrições oferecidas pela sociologia e a filosofia da ciência; o segundo é a interpretação do processo de ressignificação e de reacentuação dos conceitos de física quântica (cuja gênese se dá no gênero do discurso científico) no gênero do discurso artístico; e o terceiro é a discussão sobre a visão de saúde e cura que Gilberto Gil traz em consonância com sua visão acerca da ciência e da física quântica.

Com isso, entendemos que o presente trabalho traz, primeiramente, uma contribuição de caráter cultural e sociológico, pois colabora no sentido de caracterizar as práticas e o conhecimento científico como elementos da cultura, dela não podendo ser apartados. Em segundo lugar, contribui por meio de sua dimensão “cronotópica”;1 1 Conforme Bakhtin (1984, p.425): “Cronotopo refere-se a uma unidade de análise para estudo de textos de acordo com a natureza das categorias espaciais e temporais representadas”. Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre. enquanto muitos trabalhos de pesquisa analisam as relações entre a ciência e a arte europeia do passado, apresentamos um estudo sobre a relação entre ciência e arte brasileira contemporânea.2 2 Para uma visão geral a respeito de temas científicos na música popular brasileira, sugerimos o trabalho de Moreira e Massarani (2006).

Quadro teórico-metodológico: a metalinguística do círculo de Bakhtin

Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um pensador russo que se dedicou a refletir sobre questões relacionadas à linguagem em suas mais diversas manifestações da vida social. Dessa forma, embora um de seus principais temas de pesquisa fosse o campo literário, sua produção ultrapassa os limites do estudo da estética, podendo ser generalizada como uma filosofia acerca da ação humana mediada pela linguagem (Souza, 2002SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. São Paulo: Humanitas; FFLCH/USP, 2002.; Wertsch, 1993WERTSCH, James. Voices of the mind: a sociocultural approach to mediated action. Cambridge: Harvard University Press, 1993.). Ele próprio denominava filosófica sua atividade, visto que “não é uma análise linguística, nem filológica, nem de investigação literária ou qualquer outra análise (investigação) especial. As considerações positivas são estas: nossa pesquisa transcorre em campos limítrofes, isto é, na fronteira de todas as referidas disciplinas, em seus cruzamentos e junções” (Bakhtin, 2017BAKHTIN, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017., p.71).

Em diálogo com a efervescência cultural de sua época, Bakhtin teve influência de visões filosóficas predominantes em sua juventude, como o neokantismo de Hermann Cohen, e dos avanços científicos do início do século XX, como a teoria da relatividade de Einstein (Holquist, 1990HOLQUIST, Michael. Dialogism. New York: Routledge, 1990.). Em especial, em seus primeiros ensaios, de caráter ético-fenomenológico, Bakhtin se opõe às noções kantianas de imperativo categórico, ego transcendental e objetos-em-si, argumentando que o abismo entre a cultura (objetiva) e a vida (subjetiva) é superado na unicidade orgânica dos atos, os eventos únicos e singulares no Ser (Bakhtin, 1999). Em seu acontecimento concreto, os atos formam um todo orgânico cujas dimensões valorativas, psicológicas, sociológicas, históricas e materiais são indissolúveis (Souza, 2002SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. São Paulo: Humanitas; FFLCH/USP, 2002.).

A essa abordagem fenomenológica, Bakhtin acrescentou a necessidade de se levar em consideração o método sociológico na análise dos atos mediados pela linguagem (os enunciados). Em especial, no período de produção do chamado círculo de Bakhtin, o pensador russo, juntamente com Voloshinov e Medvedev, valeu-se dessa perspectiva para entender o papel da linguagem na poética (Voloshinov, 1986a), no método formal (Bakhtin, Medvedev, 1991), na psicologia (Voloshinov, 1987VOLOSHINOV, Valentin Nikolaevich. Freudianism: a critical sketch. Indianapolis: Indiana University Press, 1987.) e na filosofia da linguagem (Voloshinov, 1986b) opondo-se simultaneamente aos extremos antitéticos do objetivismo abstrato (representado pela escola de Saussure) e do subjetivismo idealista (representado pela escola de Vossler).

Sua proposição sintética, que se propõe a superar as antinomias das tradições citadas, é concretizada na teoria do enunciado concreto (Souza, 2002SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. São Paulo: Humanitas; FFLCH/USP, 2002.), que aparece expressamente organizada no texto Os gêneros do discurso (Bakhtin, 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.). De acordo com essa proposição, o objeto de interesse da “metalinguística” não são os elementos formais da língua (como a palavra ou a oração), mas justamente o elemento singular do evento do Ser, que unifica a vida e a cultura, o “enunciado” concreto, o elemento da comunicação verbal.

Tal elemento, quando entendido em consonância com o método sociológico, passa a ser caracterizado não por suas propriedades intrínsecas, mas por sua relação complexa e dialógica com os outros: o ato de comunicação sempre se caracteriza pelo direcionamento (ou endereçamento) do enunciado ao outro, presente ou suposto, e pela resposta a enunciados anteriores, uma vez que o locutor nunca é um Adão bíblico, o primeiro a falar sobre qualquer assunto. O conceito de “resposta”, nesse caso, é entendido em uma acepção ampla: um enunciado sempre responde porque se relaciona com os outros enunciados, polemizando ou concordando com eles, discordando ou deles apropriando-se, complementando-os etc., seja de forma direta ou indireta, de modo que o autor nem precisa estar consciente disso: todo monólogo é uma réplica de um grande diálogo (Bakhtin, 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.) – um diálogo na cultura, na cadeia de comunicação discursiva do grande tempo. Ou seja, o enunciado é um elo na complexa cadeia de comunicação verbal, não expressando somente a volição do locutor, mas determinando-se pelos enunciados dos demais falantes e pelas condições e finalidades do campo de atuação humana em que é proferido.

Deve-se entender, portanto, que o enunciado é uma unidade real (não artificial) da comunicação – inicia-se quando o locutor começa a falar e acaba quando ele termina, de forma que a alternância de sujeitos de fala é o primeiro critério de reconhecimento do enunciado, podendo ser uma mera interjeição ou mesmo um romance completo. O que o caracteriza não é a extensão, mas sua “conclusibilidade” semântica e a possibilidade de o interlocutor produzir uma resposta.

De forma breve, na teoria bakhtiniana, os elementos constitutivos (ou determinantes) da natureza dos enunciados são os seguintes: a alternância de sujeito, a conclusibilidade (marcada pela possibilidade de resposta, pelas formas típicas de acabamento do enunciado e pela concretização do projeto de fala do locutor) e a expressividade, isto é, a relação subjetiva emocionalmente valorativa do locutor com o objeto semântico e, também, pela relação valorativa do locutor com os enunciados alheios sobre o mesmo tema. No enunciado oral, tal expressividade é marcada tipicamente pela tonalidade expressiva. No texto escrito, conseguimos reproduzir, na fala mental, a tonalidade com que usualmente escutamos ou entendemos certos enunciados reproduzindo a tonalidade típica do discurso oral. O enunciado pode, ainda, ser caracterizado por seu tema (assunto de que se fala), estrutura composicional e estilo (escolhas lexicais, fraseológicas e gramaticais).

A partir das reflexões sociológicas do círculo de Bakhtin, a teoria do enunciado concreto estabelece que as características do enunciado não se relacionam só com o sujeito falante, como pensado nas teorias subjetivistas (como a de Vossler); são também determinadas pelas condições e finalidades do campo de atuação humana em que os enunciados são proferidos: “Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional” (Bakhtin, 2016, p.11).

Dessa forma, o enunciado é uma unidade complexa. Expressa não apenas a vontade do locutor, mas se concretiza temática, estilística e composicionalmente, dependendo do campo de atuação em que é realizado. Ou seja, cada campo de atuação humana elabora o seu grupo de enunciados relativamente estáveis, o que Bakhtin denomina gênero do discurso. Bakhtin ainda diferencia os gêneros primário e secundário. O primário se refere aos diálogos imediatos do dia a dia, enquanto o secundário é expresso no contexto da cultura elaborada (romances, textos científicos etc.). De acordo com a teoria de Bakhtin, o gênero secundário se apropria do primário apagando as fronteiras do diálogo. Assim, o projeto de fala de um sujeito se manifesta, antes de tudo, pela escolha do gênero de discurso a ser utilizado. Uma vez feita a escolha, o locutor não possui liberdade infinita, expressa seu estilo individual dentro dos limites do estilo do gênero escolhido. Uma das formas de manifestação dessa liberdade individual é por meio da expressividade, que dá o “tom” do enunciado.

Nesse sentido, é importante notar que o que possui tonalidade expressiva é o enunciado, não a palavra (como elemento da língua abstrata). A palavra pura é neutra, não pertence a ninguém e não é endereçada a ninguém. Deve-se observar, no entanto, que não costumamos aprender as palavras diretamente no dicionário (como um elemento abstrato), as aprendemos por meio de um processo de “assimilação ativo a partir dos enunciados dos outros” (Bakhtin, 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016., p.54). A palavra, primeiramente alheia, agora passa a ser a palavra no nosso enunciado. Nesse processo, ela ganha a expressividade do nosso enunciado, mas carrega também o eco do enunciado de que provém. Assim, nosso enunciado, por ser repleto de palavras assimiladas de enunciados dos outros, é sempre repleto de tonalidades dialógicas: “Contudo, em qualquer enunciado, quando estudado com mais profundidade em situações concretas de comunicação discursiva, descobrimos toda uma série de palavras do outro semilatentes e latentes, de diferentes graus de alteridade” (Bakhtin, 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016., p.60).

Ao analisar um enunciado, podemos explicitar suas relações dialógicas, evidenciando os tons e significados herdados de outros enunciados e gêneros do discurso.

Reflexões metodológicas

Diferentemente das chamadas ciências exatas, a metalinguística jamais procura a exatidão, pois essa pressupõe a coincidência da coisa consigo mesma, enquanto “o objeto das ciências humanas é o ser ‘expressivo’ e ‘falante’. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado” (Bakhtin, 2017BAKHTIN, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017., p.59). O que pretendemos, diante do enunciado de Gilberto Gil, o álbum Quanta, não é revelar seu sentido exato, mas justamente explorar possíveis sentidos que se revelam nas dimensões dialógicas que por ele ecoam.

Em especial, enquanto a linguística busca analisar os elementos da língua no sistema abstrato, a metalinguística estuda as relações dialógicas dos enunciados concretos (Bakhtin, 1984BAKHTIN, Mikhail. Problems of Dostoyevsky’s poetics. Minneapolis: University of Minesota Press, 1984.). Apesar de haver diversas, talvez infinitas, formas de se fazer isso, neste trabalho optamos por três eixos.

O primeiro busca explicitar a concepção de ciência presente no enunciado de Gil e posicioná-la frente às concepções de natureza da ciência existentes na sociologia e na filosofia da ciência contemporâneas, traçando as relações dialógicas entre elas, indicando como a visão de Gil polemiza, concorda, discorda e dialoga no grande tempo.

O segundo eixo busca interpretar o significado e a tonalidade expressiva que o conceito quanta (que dá título ao álbum) adquire no enunciado de Gil. Partimos da ideia de que toda palavra, quando pronunciada na situação concreta, dentro de um enunciado, recebe a expressão subjetiva emocionalmente valorativa não só do locutor, mas herda ou ecoa a expressividade do gênero do discurso de que provém. Propomos uma espécie de genealogia dos quanta, resgatando historicamente o significado e a expressividade que herda no gênero do discurso científico e então interpretando a ressignificação e reacentuação que Gil lhe atribui no gênero artístico.

Por fim, o terceiro eixo diz respeito à análise da concepção de saúde e cura, temática recorrente no álbum. Ao analisar a visão de Gil, conectamo-la com os resultados obtidos nos dois eixos anteriores, explicitando as relações estabelecidas entre arte, física e saúde.

Deve-se ter clareza de que, em toda interpretação, os pesquisadores partem do que Bakhtin (1990)BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1990. chama de excedente de visão, isto é, partem de seu posicionamento único no mundo para interpretar o enunciado em relação aos outros enunciados com que já tiveram contato. Diferentes interpretadores terão “excedentes de visão” diversos, e por isso qualquer interpretação é potencialmente infinita. O que estamos oferecendo não é “a interpretação correta” do álbum, mas uma interpretação possível.

Tema e estrutura composicional do Quanta de Gilberto Gil

O álbum Quanta, de autoria de Gilberto Gil, foi produzido pela Warner Music, em 1997, e possui 25 canções, cujos títulos são listados no Quadro 1. Da mesma forma que a vida de um sujeito pode ser interpretada como um grande ato completo, em que os diferentes atos singulares se apresentam e se realizam na inteireza do Ser (Bakhtin, 1999BAKHTIN, Mikhail. Toward a philosophy of the act. Austin: University of Texas Press, 1999.), podemos entender o disco como um enunciado singular e complexo, formado pelas diferentes músicas que materializam sua estrutura composicional.

Quadro 1
: Títulos e compositores das canções do álbum Quanta

Assim, ainda que cada música possa ter um significado próprio e um acabamento parcial, todas são indissolúveis na inteireza do enunciado, de forma que o conjunto do álbum é que expressa o projeto de fala do compositor. Essa inteireza orgânica se traduz em sua estrutura composicional: a temática científica aparece não só no título do álbum e na primeira música, homônima, mas no título das músicas 2 e 14 explicitamente, em outros tópicos da ciência, como estrela (astronomia) e internet (tecnologia) nas músicas 3 e 11, e em diversos versos das composições.

As ciências e, mais especificamente, as ciências contemporâneas sintetizam, portanto, o tema sobre o qual versa o enunciado. Entretanto, ciência, nesse contexto, não pode ser pensada, a priori, simplesmente como o conceito de ciência herdado da tradição positivista, como muitas vezes acontece nos meios científicos e didáticos atuais. Uma vez que esse enunciado se concretiza em um campo de atuação humana diferenciado, o gênero artístico, é natural que o conceito de ciência apresentado adote novas acepções, não necessariamente atreladas à proposta positivista. Nesse sentido, pode-se esperar que ele dialogue com o conceito de ciência dos cientistas, polemizando com ele e, talvez, até contrariando-o.

Orientado para o seu objeto, o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilístico (Bakhtin, 2010BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 2010., p.86).

Uma primeira pista sobre como esse tema será tratado por Gil pode ser inferida a partir da estrutura composicional, em que se percebem diversos títulos com alusões a elementos religiosos, como “Dança de Shiva” (música 4), “Água benta” (música 6), “Graça divina” (música 10) e “Guerra santa” (música 12). Para avaliar como essa ligação se materializa, analisaremos as músicas que abordam diretamente o conceito de ciência (músicas 2 e 14) e, na sequência, suas relações com o todo orgânico do enunciado.

A natureza da ciência em Quanta: a dialogia entre ciência e arte

Afirmamos na seção anterior que o enunciado de Gil, embora pertença ao gênero do discurso artístico, remete, em sua estrutura composicional, à proposta de um diálogo com o universo científico. Contudo, deve-se ter clareza de que “ciência” é um termo polissêmico, e tanto no uso coloquial como em sua expressão formal, diferentes “ciências” podem ser concebidas. Na filosofia, por exemplo, pode-se encontrar um vasto espectro de posicionamentos, que variam do absolutismo epistemológico e ontológico até o relativismo radical. Quando Gil escolhe elaborar um álbum de temática científica, inevitavelmente seu enunciado está dialogando com tais posicionamentos, polemizando com eles, contrariando alguns, corroborando outros. Nosso objetivo é justamente explicitar o posicionamento de Gil, partindo da ideia de que todo posicionamento é dialógico, visto que sempre é um posicionamento em relação a outras visões (Bakhtin, 2016BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.).

A música “Ciência e arte”, a segunda do álbum de Gilberto Gil, é de autoria de Cartola e Carlos Cachaça. Isso pode ser entendido, na filosofia da linguagem de Bakhtin, como uma forma de discurso citado. Ou seja, embora os autores da música sejam outros, Gil é quem a está enunciando dentro do álbum Quanta. Isso faz com que, na visão bakhtiniana, o enunciado de Cartola e Carlos Cachaça não seja exatamente igual ao de Gil, pois a situação em que ele é proferido e o tom utilizado já não são exatamente os mesmos. Nesse processo, a voz de Gil se sobrepõe à voz dos outros compositores, herdando seus tons originais e acrescentando outros que atendem ao objetivo de Quanta. Nesse sentido, vamos tratar, no artigo, Gil como enunciador de todo o álbum, independentemente das autorias das composições.

Em especial, em “Ciência e arte” pode-se perceber pela melodia e pela escolha lexical adotadas uma tonalidade expressiva altiva, exaltadora e glorificante, semelhante àquela que podemos encontrar no gênero das odes:

Tu és meu Brasil em toda parte

Quer na ciência ou na arte

Portentoso e altaneiro.

Os homens que escreveram tua história

Conquistaram tuas glórias

Epopeias triunfais

Quero neste pobre enredo

Reviver glorificando os homens teus

Levá-los ao panteon dos grandes imortais

Pois merecem muito mais

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Nota-se que o enunciado de Gil (o álbum), como elemento da vida concreta, é direcionado aos seus ouvintes. Dentro da música, entretanto, o endereçamento discursivo descola-se daquele do enunciado, pois a música 2 é uma ode direcionada ao Brasil (o país se torna o interlocutor), evidenciando um caso de assimilação do gênero primário pelo gênero secundário. Além disso, a expressividade altiva, glorificante, remete aos textos que narravam e exaltavam grandes empreendimentos, tal como a epopeia Os lusíadas, de Luís de Camões. Assim, como pontos de vista específicos sobre o mundo, o enunciado e o poema de Camões se encontram e coexistem na consciência enunciadora de Gil, podendo ser invocados por ele “para orquestrar os seus temas e refratar (indiretamente) as expressões das suas intenções e julgamentos de valor” (Bakhtin, 2010BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 2010., p.99).

Não só a expressividade da canção é similar à de Camões, mas seu título (“Ciência e arte”) aparece de forma análoga na segunda estrofe do Canto I de Os lusíadas na forma de “engenho e arte”, em que “engenho” significa, na obra de Camões (2013CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. São Paulo: Melhoramentos, 2013., p.5), técnica e habilidade:

E aqueles que por obras valorosas

Se vão da lei da morte libertando

Cantando espalharei por toda a parte,

Se a tanto me ajudar o ‘engenho e arte’

(Destaque nosso).

O eco da obra de Camões ressoa na música analisada com direito aos tons que uma exaltação oferece. O paralelismo entre ambas as estrofes reside não só na expressividade e no elemento “Ciência e arte”, mas no próprio projeto de fala do locutor. Enquanto Camões queria glorificar Portugal, Gil quer glorificar o Brasil.

O que diferencia um caso do outro, entretanto, é que, enquanto Camões pede “engenho e arte” para glorificar Portugal, a música expressa que o motivo para glorificar o Brasil é a própria ciência e a arte. A brasilidade, conforme apresentada nos primeiros versos, aparece como elo conector da ciência e da arte a serem apresentadas. São esses homens (cientistas e artistas) que escrevem a história gloriosa do Brasil, epopeias triunfais. Finalizando a canção, reforça-se tal ideia:

Não querendo levá-los ao cume da altura

Cientistas tu tens e tens cultura

E neste rude poema destes pobres vates

Há sábios como Pedro Américo e Cesar Lattes

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Os dois nomes citados nessa estrofe são de cientistas brasileiros, enfatizando que a ciência a ser cantada por Gil no álbum Quanta não é uma ciência qualquer, mas a nossa ciência. Nesse sentido, a menção a Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905) é emblemática no projeto de fala que Gil estabelece, pois ele sintetiza, em sua vida, a própria visão que Gil expressará. Pedro Américo foi um intelectual brasileiro, famoso principalmente por seus trabalhos nas artes plásticas, como o “Independência ou morte”. Em uma nova leitura biográfica, entretanto, Barros (2006)BARROS, Francisca Argentina Gois. A arte como princípio educativo: uma nova leitura biográfica de Pedro Américo de Figueiredo e Melo. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006. enfatiza que, além de pintor, Pedro Américo se dedicou a refletir sobre os problemas sociais brasileiros e a propor soluções, como a oferta de educação pública e democrática. Mais importante ainda para o entendimento da canção “Ciência e arte” é o fato de que Pedro Américo defendeu sua tese de doutorado na Universidade de Bruxelas, intitulada A ciência e os sistemas: questões de história e de filosofia natural, em que advoga uma equiparação entre arte e ciência e propõe que a liberdade da ciência é preconizada pela liberdade da arte. De certa forma, essa é a mesma equiparação expressa pela música “Ciência e arte”, que as glorificam como partes irmãs da cultura brasileira. Em uma mesma canção, somos remetidos da expressividade de Camões à visão epistemológica de Pedro Américo. Além disso, em sua tese, Pedro Américo (2001) discute as relações entre mente e corpo, que aparecerão no álbum de Gil em sua visão de saúde e cura, como discutimos adiante.

O segundo nome citado é o de Cesar Lattes, um dos maiores nomes da história da ciência brasileira, um dos responsáveis pela detecção da partícula méson pi, que teve profundo impacto na física de partículas. Lattes foi um cientista com grande repercussão nacional e internacional, tendo fundado o Centro Brasileiro de Pesquisas Física (CBPF), no Rio de Janeiro.

Nesse sentido, do ponto de vista sócio-histórico-cultural, a representação da ciência no início do álbum de Gil é extremamente contra-hegemônica. Enquanto as narrativas hegemônicas tratam da ciência europeia, submetendo as produções de conhecimento de outros locais (das colônias) à metrópole (Santos, Meneses, 2009), Gil traz para seu álbum uma homenagem a duas figuras nacionais.

Além disso, a concepção apresentada por Gil com a música de Carlos Cachaça e Cartola, uma vez que compõe sua visão de mundo, acaba sendo refletida na inteireza orgânica de seu enunciado. Nos seguintes trechos da música “Quanta”, Gil afirma:

Sei que a arte é irmã da ciência

Ambas filhas de um Deus fugaz

Que faz num momento

E no mesmo momento desfaz

Esse vago Deus por trás do mundo

Por detrás do detrás

De pensamento em chamas

Inspiração

Arte de criar o saber

Arte, descoberta, invenção

Teoria em grego quer dizer

O ser em contemplação

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Com isso, podemos ter uma primeira visão sobre a natureza da ciência em Quanta: trata-se de uma ciência não colonial, que equipara ciência à arte por seu sentido criativo, inspirador, inventivo. Para Gil, arte e ciência são duas manifestações da cultura brasileira, duas filhas de um deus fugaz (a menção de Gil à espiritualidade para caracterizar a ciência será retomado ao longo do artigo).

Podemos, ainda, avançar na compreensão da natureza da ciência proposta por Gil por meio da canção “A ciência em si”, composta por ele em parceria com Arnaldo Antunes, em que é apresentada uma definição de ciência. Para tanto, separamos seis trechos, que rotulamos de (A) a (F). Os trechos estão na mesma ordem que aparecem na música, mas alguns versos foram omitidos para explicitar o argumento que será apresentado:

(A)

Se toda coincidência

Tende a que se entenda

E toda lenda

Quer chegar aqui

(B)

A ciência não se aprende

A ciência apreende

A ciência em si

(C)

Se toda estrela cadente

Cai pra fazer sentido

E todo mito

Quer ter carne aqui

(D)

A ciência não se ensina

A ciência insemina

A ciência em si

(E)

Se a crença quer se materializar

Tanto quanto a experiência quer se abstrair

(F)

A ciência não avança

A ciência alcança

A ciência em si

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Os trechos transcritos formam três conjuntos semânticos (A com B, C com D e E com F), ou seja, possuem um acabamento de significado – formam um período. É interessante notar que as duplas possuem a mesma estrutura sintática, em que (A), (C) e (E) desempenham o papel de oração subordinada adverbial condicional, enquanto (B), (D) e (F) são as orações principais. Tal estrutura segue o formato do que é chamado na lógica de modus ponens, e que representa o pensamento dedutivo-lógico proposto por Popper (1963)POPPER, Karl. Conjectures and refutations: the growth of scientific knowledge. Abingdon: Routledge, 1963. como base da prática científica. Para Bakhtin, tema (conteúdo) e estilo de um texto formam um todo indissociável. Assim, percebe-se que Gil fala de ciência (tema) e estrutura sintaticamente essa parte do enunciado (estilo) remetendo ao estilo de escrita apodítica da ciência formal – revelando, de fato, essa unicidade. Esse tipo de estrutura é usado para se chegar a conclusões lógicas, como: “Se todo humano é mortal e João é humano, João é mortal”. Nessa proposição, para que a conclusão (a parte que vem depois da vírgula) seja verdadeira, as duas teses anteriores à vírgula (todo humano é mortal e João é humano) devem ser notoriamente verdadeiras também. Assim, as proposições que Gil toma como verdades notórias são: (A’) “toda coincidência tende a que se entenda” e “toda lenda quer chegar aqui”; (C’) “toda estrela cadente cai para fazer sentido” e “todo mito quer ter carne aqui”; (E’) “a crença quer se materializar” e “experiência quer se abstrair”.

Essas três proposições tangenciam questões centrais nos estudos da epistemologia. Nesse aspecto, Gil consegue hibridizar características tradicionais da ciência com elementos de uma descrição contra-hegemônica que se alinha a algumas vertentes contemporâneas da filosofia e da sociologia da ciência. Popper (1963)POPPER, Karl. Conjectures and refutations: the growth of scientific knowledge. Abingdon: Routledge, 1963., por exemplo, distingue dois posicionamentos sobre a ciência, o instrumentalismo e o essencialismo. A visão instrumentalista, fundamentada na filosofia cética (Pessoa Jr., 2009), entende que a ciência apenas dá ordem aos diferentes dados que a natureza apresenta, tendo um papel puramente descritivo e não explicativo. A visão dogmática, por outro lado, fundante da perspectiva essencialista da ciência, também de acordo com Pessoa Jr., entende que por trás dos fenômenos observados pode-se inferir suas causas subjacentes, de forma que coincidências podem ser entendidas como pistas (sinais, signos) para que se entenda e compreenda (e não só descreva) essa realidade mais básica. Essa ideia essencialista aparece refletida em (A’) “toda coincidência tende a que se entenda”. Nesse sentido, a ciência moderna parte do pressuposto metafísico de que a realidade é compreensível, matematizável e descritível pela linguagem humana, ou seja, a todo fenômeno natural é possível atribuir um significado físico, ou como Gil menciona (C’), “toda estrela cadente cai para fazer sentido” – aqui, estrela cadente desempenha um papel metonímico, sendo um símbolo de qualquer fenômeno físico. Assim, Gil se alinha a uma perspectiva essencialista da ciência, entendendo-a como uma forma de atribuição de significado ao mundo real.

Para que isso possa ser feito, o sujeito deve buscar a compreensão da natureza por meio de um processo que é intrinsicamente cognitivo, podendo ser descrito, por exemplo, pela teoria da psicologia social de Vygotsky (Wertsch, 1985WERTSCH, James. Vygotsky and the social formation of mind. Cambridge: Harvard University Press, 1985.), na forma de um movimento dialético entre a redução do concreto ao abstrato e a ascensão do abstrato ao concreto. Enquanto o primeiro movimento representa o processo de afastamento do sujeito em relação ao fenômeno empírico, na direção de um modelo simplificado (portanto reducionista), o segundo é o retorno em direção ao fenômeno, agora não mais o fenômeno dado, mas o fenômeno complexificado pelo processo de abstração. A tensão existente entre a redução do fenômeno ao modelo abstrato e a subsequente complexificação do real é refletida e refratada no verso (E’) “a crença quer se materializar” e “experiência quer se abstrair”.

Deve-se notar que Gil usa o termo “crença”, e não “modelo”, “conjecturas” ou “hipótese”, como seria usual no gênero científico, colocando o pensamento abstrato científico em posição equivalente a outras formas de entendimento – não lhe atribuindo nenhum caráter privilegiado. Seria possível pensar que o uso da palavra “crença” se trata apenas de uma variação linguística por parte de um enunciado que não pertence ao gênero científico. Entretanto, Gil marca fortemente a equiparação do pensamento científico a outras formas de produção cultural quando diz: (A’) “E toda lenda quer chegar aqui” e (C’) “Todo mito quer ter carne aqui”.

Tal ênfase dada ao esforço da crença, da lenda e do mito em se materializar na experiência resguarda paralelos com estudos antropológicos da ciência, segundo os quais nunca conseguimos escapar do tecido inteiriço que reveste nossa matriz antropológica (Lima, Ostermann, Cavalcanti, 2018). Ou seja, a pretensa dicotomia entre pensamento racional (científico) e irracional (mítico) que a civilização moderna assume ter criado, e que usa para diferenciar a civilização (metrópole) dos selvagens (colônias), é falso. Nunca escapamos nem podemos escapar do pensamento mítico, de nossas crenças e nossas lendas. A diferença, entretanto, é que na ciência se faz o esforço de materializar os mitos e lendas, hibridizando aquilo em que se crê (os fetiches) com o mundo dos não humanos (os fatos) – de modo que se lida com um mundo de “fatiches” (Latour, 1999LATOUR, Bruno. Pandora’s hope: essays on the reality of science studies. Cambridge: Harvard University Press, 1999.; Lima et al., 2019LIMA, Nathan Willig et al. Educação em ciências nos tempos de pós-verdade: reflexões metafísicas a partir dos estudos das ciências de Bruno Latour. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v.19, p.155-189, 2019.).

Deve-se notar que essa concepção subjacente à canção de Gilberto Gil e Arnaldo Antunes encontra ressonância na música “Ciência e arte”, em que a ciência valorizada é a da “colônia”, e não a da metrópole. Ou seja, para Gil, a ciência narrada não é a ciência moderna europeia, mas a ciência como um empreendimento de conhecimento, característico da humanidade como um todo, que concretiza mitos e abstrai experiências.

A consumação dessa visão é, então, apresentada nas três conclusões: (B’) “A ciência não se aprende, a ciência apreende a ciência em si”; (D’) “A ciência não ensina, a ciência insemina a ciência em si”; (F’) “A ciência não avança, a ciência alcança a ciência em si”. Uma possível interpretação para esses trechos é que Gil e Antunes estão fazendo um jogo entre os dois significados do significante “ciência”. O primeiro é a ciência como empreendimento científico, o segundo é o ato de estar ciente. Assim, a ciência (ato de estar ciente) é algo que não se ensina, não se aprende e não avança. A ciência (empreendimento científico) apreende a ciência em si (estar ciente), insemina a ciência em si (estar ciente), alcança a ciência em si (estar ciente).

Estamos em condição de sintetizar a concepção de ciência do álbum Quanta: a prática científica é todo e qualquer ato de tomada de (cons)ciência, de elucidação, de lucidez. Ciência não é só o que os cientistas fazem (ou o que a ciência europeia moderna diz ser), mas qualquer ato de cognição que leve em consideração ao mesmo tempo o movimento dialético de materialização da crença e de abstração da experiência, em qualquer domínio da atividade humana e por qualquer cultura (metrópole ou colônia), sendo possível ser equiparada à arte por sua natureza criativa e inventiva. Nesse sentido, a ciência nunca pode ser ensinada ou aprendida, porque estar ciente é um estado “em si”, não podendo ser ordenado ou hierarquizado.

Essa noção rompe com a visão de progresso científico propagada pela visão hegemônica de ciência, segundo a qual todas as culturas têm que seguir o progresso determinado pela metrópole, e suas tecnologias (Santos, Meneses, 2009). As técnicas indígenas que garantem produção de alimentos de forma sustentável, por exemplo, nunca seriam narradas como progresso sob tal perspectiva.

A proposta decolonialista de Gil aparece refletida em outras partes do álbum. Na música “Pílula de alho”, ele faz alusão a um medicamento popular existente no Brasil (a pílula de alho) e o narra como um grande empreendimento científico:

A pílula de alho

Da planta antibiótica

Da velha medicina

Que desenvolvimento!

Que lindo ensinamento

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

O trecho “Que desenvolvimento!” jamais seria atribuído a uma pílula de alho, segundo a lógica de ciência colonialista. É somente a partir de uma visão decolonialista que a ciência (estado de estar ciente) e a medicina popular podem ser valorizadas como um desenvolvimento e um ensinamento. A mesma visão aparece expressa na música “Água benta”, em que os feitos de um feiticeiro de Ossãin superam as ações de um médico:

A medicina e o seu doutor

Nada puderam fazer

O desespero se apoderou

Do padre, do pai, da mãe

Foi quando então alguém se lembrou

De um feiticeiro de Ossãin

Um simples banho de folhas fez

O que não se esperava mais

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Assim, a perspectiva epistemológica decolonialista de Gil permeia e molda o seu enunciado artístico-científico e sua visão de medicina. A partir dele, podemos entender como que o conceito de quanta é, então, abordado.

Quanta: a física quântica de Gil a Einstein e de Einstein a Gil

Nos trechos dessa seção, realçamos os termos que são tipicamente utilizados nos artigos e livros de física quântica, tanto no texto dos autores como no enunciado de Gilberto Gil, de forma a explicitar as relações dialógicas que se estabelecem. Na música homônima ao álbum, Gil explica:

Quanta do latim

Plural de quantum.

Quantum, por sua vez, foi um conceito introduzido por Einstein para falar da radiação eletromagnética (luz, por exemplo). Até 1905, a concepção hegemônica sobre a luz considerava-a uma “onda eletromagnética”, que se estendia continuamente pelo espaço. A proposta de Einstein, porém, seria que a luz (sob certas condições específicas) deveria ser considerada um conjunto de “porções discretas”, muito bem localizadas no espaço – os quanta. Como a propriedade de “estar bem localizado no espaço” é atribuída à “partícula”, e não a ondas, concebe-se que a proposta “quântica” é, inicialmente, uma teoria “corpuscular”, considerando a luz como um conjunto de “corpúsculos” ou “grânulos” de radiação.

Dessa forma, segundo Einstein, quando há um conjunto de muitos quanta, eles se comportam como um grupo único, manifestando propriedades “ondulatórias”. Apenas quando a luz tem “intensidade baixa” o suficiente, de modo que haja poucos quanta, é que as características “corpusculares” ou “granulares” se manifestam. Essa é uma visão ainda predominante na física quântica, de forma que Pessoa Jr. (2003) caracteriza a teoria como uma descrição da radiação eletromagnética de “baixa intensidade” (muito fraca).

Deve-se observar, entretanto, que os conceitos físicos não são estáticos, mas elementos dinâmicos da realidade, que vão se articulando com outros elementos ao longo da história e recebendo novos significados (Lima et al., 2018LIMA, Nathan Willig; OSTERMANN, Fernanda; CAVALCANTI, Claudio José de Holanda. A não modernidade de Bruno Latour e suas implicações para a educação em ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v.35, n.2, p.367-388, 2018.). No caso dos quanta, o próprio Einstein passou a lhe atribuir um novo conceito em 1909, entendendo que os quanta (corpúsculos) eram guiados por um “campo contínuo”. Tal ideia foi reapropriada pelo físico francês Louis de Broglie, que propôs que o quantum seria um conjunto material de “onda e partícula”. Uma série de outros significados foi atribuída ao conceito de quantum, de modo que até hoje uma das características da física quântica é possuir uma multiplicidade de interpretações, todas consistentes internamente, mas inconsistentes entre si (Jammer, 1974JAMMER, Max. The philosophy of quantum phyiscs. New York: John Wiley and Sons, 1974.; Pessoa Jr., 2003).

Em especial, na década de 1970, foi apresentada a possibilidade de introduzir o conceito de consciência na física quântica, como uma alternativa para resolver um problema conceitual sério da teoria, o chamado problema da medida (Pessoa Jr., 1992). Tal problema pode ser enunciado de maneira simplificada da seguinte forma: um “sistema quântico” (como um elétron) pode ser sempre descrito por uma “função de onda”. Essa onda evolui no tempo de dois modos distintos: um quando o sistema está isolado e portanto não há nenhuma forma de observação (nesse caso, o sistema evolui obedecendo à “equação de Schrödinger” – supondo regime não relativístico); o segundo, quando o sistema interage, como num processo de “medida” (nesse caso, o sistema não pode se encontrar em uma “sobreposição de estados” e é sempre “medido” em um estado específico – o que é comumente chamado de “colapso da função de onda”). Tal distinção é denominada por alguns complementaridade entre observação e coordenação espaçotemporal (Pessoa Jr., 2003).

Suponhamos que o objeto quântico que está sendo estudado é um elétron. Nesse caso, a “medida” da posição do elétron por um instrumento macroscópico causaria o “colapso da função de onda” e provocaria a observação da posição em uma região específica. O problema aparece quando percebemos que o elétron (objeto quântico) não interage com o instrumento macroscópico como um todo; mas interage com componentes microscópicos do instrumento de medida (outros objetos quânticos); então, na prática, teríamos diferentes objetos quânticos, que resultariam em uma nova função de onda, agora de todo o sistema, que continuaria obedecendo à equação de Schrödinger. Ou seja, na prática nunca deveria acontecer o colapso da função de onda. Isso é conhecido como problema da medida.

As vertentes do “misticismo quântico” (que costumam ser mal vistas pela vertente hegemônica, podendo, aliás, ter seu status científico questionado pela comunidade) respondem que esse problema reside em afirmar que, se o colapso da função de onda não pode ser explicado por um ente material (o instrumento de medida), deve haver algo não material que o cause. Esse elemento não material, responsável pelo colapso da função de onda, seria então “a consciência”. Essa concepção tem motivado uma série de propostas e especulações sobre as relações entre “mente” e realidade. Além das propostas da década de 1970, pode-se destacar propostas mais recentes, como a de Amit Goswami (1990)GOSWAMI, Amit. Consciousness in quantum physics and the mind-body problem. Journal of Mind and Behavior, v.11, n.1, p.75-96, 1990., físico que vem protagonizando o que ele denomina ativismo quântico. Deve-se ressaltar que essas são algumas interpretações possíveis da física quântica, entre inúmeras outras que, embora internamente consistentes, divergem por completo quanto à forma como entendem a realidade (Pessoa Jr., 2003).

A partir desse breve histórico da física quântica, podemos interpretar o seguinte trecho da música “Quanta”:

‘Quando quase não há

Quantidade que se medir’

Qualidade que se expressar

‘Fragmento infinitésimo’

Quase que apenas ‘mental’

Quantum ‘granulado’ no mel

Quantum ‘ondulado’ no sal

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.; destaques nossos).

Observa-se que na teoria de Bakhtin o gênero artístico é o que apresenta maior liberdade, pois, diferentemente do que ocorre no campo da prosa, o diálogo não se estabelece de maneira direta com o discurso alheio: “A língua do poeta é sua própria linguagem, ele está nela e é dela inseparável. Ele utiliza cada forma, cada palavra, cada expressão no seu sentido direto por assim dizer, ‘sem aspas’, isto é, exatamente como a expressão pura e imediata de seu pensar” (Bakhtin, 2010, p.94).

Mesmo assim, a partir do que foi exposto sobre a história do quantum, percebe-se que o conceito atribuído por Gil está fortemente ancorado na história do conceito no gênero do discurso científico da física quântica. Os dois primeiros versos marcados dialogam diretamente com a ideia de um ente que se manifesta ou que se percebe nas radiações de baixa intensidade, como define Pessoa Jr. O quantum é um elemento mínimo de energia, um fragmento infinitésimo, como diz Gil, cuja interpretação pode estar associada, em uma proposta não hegemônica, a uma relação com a mente ou a consciência. Além disso, o quantum se manifesta tanto por suas propriedades granulares quanto ondulatórias. Ou seja, o enunciado de Gil costura um conceito acerca do quantum a partir de visões da própria física quântica, em especial com sua acepção idealista, expressando de maneira valorativa a unidade entre matéria e espírito na realidade mais fundamental da natureza.

A visão ondulatória do quantum também é expressa na capa do álbum, em que uma superfície ondulada é representada (Figura 1):

Figura 1
: Imagem adaptada da capa do álbum Quanta (https://www.amazon.in/Quanta-Gilberto-Gil/dp/B000024SCC)

Com toda poesia inerente a uma canção, pode-se dizer que Gil expressa uma interpretação filosoficamente legítima do conceito de quantum, que não é única e tampouco a mais difundida na comunidade dos físicos, mas que é defendida por intelectuais das correntes contra-hegemônicas. Nesse sentido, pode-se entender que o quantum é expressado, ou seja, subjetivamente valorizado, por aquilo que representa de fascinante, contraintuitivo e, nesse contexto, místico. O quantum de Gil carrega o tom científico hegemônico ao ressaltar seu caráter dual (corpuscular e ondulatório), e o tom contra-hegemônico ao ser considerado algo quase mental. Essas “vozes” se sobrepõem à voz de Gil em uma visão lírica e mística da realidade.

Deve-se notar que, no contexto da física quântica, houve o avanço do conhecimento científico a respeito da estrutura da matéria, levando ao conhecimento de materiais radioativos (como urânio e rádio) e ao avanço tecnológico nuclear a eles associado. Gil também expressa essa dimensão oriunda do quantum no seguinte trecho: “Mel de ‘urânio’, sal de ‘rádio’”. Por fim, ele retoma a ideia de que o quantum possui uma acepção mental, ou, nas palavras dele, ideal (no sentido de se opor ao material, como em “filosofia idealista”): “Qualquer coisa quase ‘ideal’” (Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Tal visão idealista do quantum, conectando-o ao mundo mental, é reconectada ao todo orgânico do enunciado pela visão mística que Gil traz, principalmente por meio do conceito de Deus. Já havíamos mencionado o trecho da canção “Quanta” em que ele fala de “um Deus fugaz/Que faz num momento/E no mesmo momento desfaz/Esse vago Deus por trás do mundo/Por detrás do detrás” (Quanta, 1997). No misticismo quântico, o conceito de Deus aparece algumas vezes atrelado à ideia de uma grande consciência por trás de todos os fenômenos, responsável pelo colapso das funções de onda no Universo. Dessa forma, a visão quântica de Gil é uma visão mental, idealista, mística, que retoma a ideia de um Deus uno capaz de fazer a realidade se manifestar; tal visão ainda é reforçada pelo trecho da música que inspira o título do presente artigo:

Cântico dos cânticos

Quântico dos quânticos.

Além do jogo de sonoridade, a menção ao “Cântico dos cânticos” reforça a ideia de união entre Deus e a realidade, mente e matéria, pois é o título de um livro do Antigo Testamento que narra o amor romântico. Algumas interpretações contemporâneas (Hagedorn, 2005HAGEDORN, Anselm (ed.). Perspectives on Songs of songs. Berlin: Walter de Gruyter, 2005.), entretanto, entendem que o texto é uma metáfora para o amor entre Deus e o povo de Israel, visão que retoma a ideia mística de um Deus uno, imanente a toda a realidade. Tal visão, veiculada também pela tradição filosófica de Parmênides, inspira até hoje a busca de uma teoria unificada na física (Feyerabend, 2010FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. São Paulo: Editora Unesp, 2010.). Outro trecho que remete a essa visão mística pode ser encontrado na música “Dança de Shiva”:

Quem me vir dançar

Verá que quem dança é Shiva

Quem dança, quem dança é Shiva

Quem me vir já não me verá

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Shiva é o deus da destruição nas tradições religiosas indianas. A destruição, nesse contexto, é entendida como elemento indispensável da realidade, pois traz a renovação, a possibilidade de renascimento. A imagem de Shiva e de sua dança foi proposta como uma metáfora para a realidade dinâmica que nos compõe, como no caso das constantes aniquilações entre partículas existentes na natureza, apontadas, por exemplo, pelo físico austríaco Fritjof Capra (2011)CAPRA, Fritjof. O tao da física: uma análise dos paralelos entre a física moderna e o misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 2011. em seu livro O tao da física, escrito na década de 1970, no qual o autor faz uma série de paralelos entre a física moderna e o misticismo oriental. Em 2004, o Conselho Europeu para Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês) inaugurou uma estátua de Shiva no interior da instituição (Figura 2), mencionando o trabalho de Capra.

Figura 2
: Estátua de Shiva no Cern, aludindo à metáfora de Capra (http://www.fritjofcapra.net/shivas-cosmic-dance-at-cern/)

De acordo com o site de Capra (2004)CAPRA, Fritjof. Shiva’s cosmic dance at CERN, 2004. Disponível em: <http://www.fritjofcapra.net/shivas-cosmic-dance-at-cern/>. Acesso em: 10 dez. 2018.
http://www.fritjofcapra.net/shivas-cosmi...
, a placa traz as seguintes menções:

Mais recentemente, Fritjof Capra explicou que ‘a física moderna mostrou que a criação e a destruição não se manifestam somente nas estações do ano e no nascimento e na morte das criaturas vistas, mas é a essência básica da matéria inorgânica’ e que ‘para o físico moderno, a dança de Shiva é a dança da matéria subatômica’. ... É realmente como Capra conclui: ‘Centenas de anos atrás, artistas indianos criaram imagens visuais de Shiva dançando em belas séries de bronze. Em nosso tempo, os físicos usaram as tecnologias mais avançadas para retratar a dança cósmica. A metáfora da dança cósmica, portanto, unifica mitologia antiga, religião e física moderna’.

A imagem da dança de Shiva, portanto, é mais uma vez uma tradução da visão epistemológica de Gil, que unifica sua visão de realidade mística com uma ciência, que envolve o ato de conhecer, e não apenas a tradição científica positivista. O Quanta de Gil é, assim, uma expressão da dança de Shiva.

Por fim, no trecho a seguir, de “Água benta”, Gil faz uma menção ao tao, conceito que remete à unidade da realidade na tradição chinesa do taoismo e que aparece no título da obra de Fritjof Capra, o que, possivelmente, explicita o diálogo de Gil com o físico austríaco:

O todo total do Tao

Lâmina quântica do querer

Que o feiticeiro o sabe ler.

Reflexões sobre saúde, cura e relação mente/corpo

A partir da visão de natureza da ciência e da interpretação da física quântica adotada por Gil, fica mais fácil identificar sua visão de saúde e cura. Primeiramente, como já discutimos, Gil valoriza a medicina tradicional brasileira ao enaltecer as propriedades da pílula de alho na música homônima. Em “Água benta”, Gil narra os feitos de um feiticeiro de Ossãin que superam as ações de um médico. Tal visão, entretanto, não desvaloriza a medicina científica, apenas valoriza tradições não hegemônicas. Em “Graça divina”, por exemplo, pode-se encontrar o seguinte trecho enaltecendo os tratamentos científicos: “A eficácia da Graça Divina tem um pé na farmácia o outro no amor”. Na canção “Chiquinho Azevedo”, entretanto, Gil critica a visão mercantilista da medicina, que sobrepõe os interesses financeiros aos humanitários:

Menino morrendo

Era aquela agonia

E o doutor só queria

Mediante dinheiro

Nessa hora vi quanto o mundo está doente

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Além dessa visão sobre terapias, que, novamente, reforça o ideal decolonialista do álbum, a visão de física quântica de Gil determina sua visão sobre a relação entre mente e matéria e, por consequência, mente, corpo e saúde. A visão de saúde para além do materialismo ocidental aparece em “Átimo de pó”, em que Gil retoma a teoria do ying-yang da medicina chinesa e a noção de que cada indivíduo reflete a completude de todo o Universo:

Eu, um cosmos em mim só

Um átimo de pó

Assim: do yang ao yin

Eu e o nada, nada não

O vasto, vasto vão

Do espaço até o spin

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Gil mais uma vez adota uma proposta não hegemônica (agora de medicina), com o conceito de yin-yang, que é explorado por Fritjof Capra (2011)CAPRA, Fritjof. O tao da física: uma análise dos paralelos entre a física moderna e o misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 2011. quando o autor traça um paralelo entre essa teoria e o princípio da complementaridade de Bohr. Assim, tal proposta de entendimento da saúde ainda se costura com a visão quântica de Gil. De acordo com essa visão, a saúde não é apenas a ausência de doença, mas o equilíbrio do sujeito com o Universo, o que pode ser expresso em termos de teorias vitalistas orientais como na canção “Água benta”:

Amor condutor do élan vital

Que o chinês chama de ch’i

Que Dom Juan chama de nagual

Que não circulava ali

Ali na grã pia batismal

O amor deixara de fluir

(Quanta, 1997QUANTA. Intérprete: Gilberto Gil. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 1997. 1 CD.).

Por fim, ressaltamos que as interpretações místicas da física quântica retomam o problema da relação mente/corpo, considerando a saúde um estado determinado pela mente, opondo-se ao dualismo cartesiano típico da física clássica. Na tese de doutorado de Pedro Américo (2001)AMÉRICO, Pedro. A ciência e os sistemas: questões de história e filosofia natural. João Pessoa: Editora Universitária, 2001., intelectual celebrado na segunda composição do álbum, há uma seção somente para discutir essa questão, na qual o intelectual brasileiro também se opõe à adoção da filosofia materialista para o entendimento da relação mente/corpo.

Atualmente, uma definição mais holística de saúde (como a de Gil) está em consonância com o que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde e com diretrizes recentes do Ministério da Saúde, que legitimam o uso de terapias integrativas no Sistema Único de Saúde, inclusive as terapias orientais (Lima, Nascimento, 2018).

Considerações finais

Neste trabalho, fizemos uma interpretação do álbum Quanta, de Gilberto Gil, a partir da filosofia da linguagem de Bakhtin. Buscamos evidenciar a visão de ciência presente no enunciado, em diálogo com concepções epistemológicas e sociológicas contemporâneas, e assim interpretar o significado e a expressividade do termo quanta (título do álbum). Dessa forma, as concepções foram posicionadas em relação às acepções que lhe são atribuídas no gênero científico, de modo a discutir a concepção de saúde e cura do álbum, que dialoga com essas visões.

Argumentamos que Gil apresenta uma visão própria de ciência, equiparando-a à arte por seu aspecto inventivo e criativo. Além disso, a ciência, ao longo do álbum, aparece como o ato de estar ciente, não necessariamente se referindo à ciência do modelo europeu, mas a toda forma de conhecimento da realidade, que envolve sempre um processo dialético de redução ao abstrato e ascensão ao concreto complexo. É dentro dessa perspectiva que Gil adota um posicionamento decolonialista, exaltando a ciência brasileira nas figuras de Pedro Américo e Cesar Lattes e também os conhecimentos médicos tradicionais, como no caso da pílula de alho e do feiticeiro de Ossãin.

Indicamos, ainda, que Gil traz uma visão mística, que permeia o enunciado e é fundamental na sua definição de quantum. Adotando um diálogo com interpretações idealistas da física quântica e com os escritos do físico austríaco Fritjof Capra sobre os paralelos entre física contemporânea e o misticismo oriental, Gil expressa o quantum carregado de tonalidades dialógicas herdadas tanto de tradições científicas quanto de tradições místicas. A costura entre essas visões (e entre arte e ciência) é feita não só pela temática do álbum, mas pelo próprio estilo de composição de Gil, que também se vale da estrutura do modus ponen para construir sua canção.

Por fim, consideramos que essa visão de ciência e da física quântica resgata as discussões sobre a interdependência entre mente e corpo, levando a uma concepção de saúde e cura para além do dualismo cartesiano. Além disso, a cura não é feita somente pela ciência europeia, mas pela (cons)ciência presente na cultura tradicional brasileira.

Dessa forma, entendemos que o presente trabalho contribui para a compreensão das relações dialógicas estabelecidas entre física, saúde e arte, principalmente no contexto brasileiro. Tal análise reforça a ideia de que tanto a construção artística como a científica são sustentadas por visões de mundo (ética, estética, ontológica, epistemológica) subjacentes, das quais os enunciados provêm. Considerando que a ciência não é só o que os cientistas fazem, mas sim o estado de estar ciente, a música de Gilberto Gil deve ser lembrada e celebrada como uma materialização da ciência e arte brasileiras.

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NOTAS

  • 1
    Conforme Bakhtin (1984BAKHTIN, Mikhail. Problems of Dostoyevsky’s poetics. Minneapolis: University of Minesota Press, 1984., p.425): “Cronotopo refere-se a uma unidade de análise para estudo de textos de acordo com a natureza das categorias espaciais e temporais representadas”. Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 2
    Para uma visão geral a respeito de temas científicos na música popular brasileira, sugerimos o trabalho de Moreira e Massarani (2006)MOREIRA, Ildeu de Castro; MASSARANI, Luisa. (En)canto científico: temas de ciência em letras da música popular brasileira. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.13, supl., p.291-307, 2006..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2019
  • Aceito
    28 Ago 2019
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