IMAGENS
Edifício colonial construído pelos jesuítas é Lazareto desde 1752 no Rio de Janeiro
Constructed by the jesuits, this colonial building has served as a leper colony in Rio since 1752
Ângela PôrtoI; Benedito Tadeu de OliveiraII
IPesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz
IIArquiteto da Casa de Oswaldo Cruz
A origem do Hospital dos Lázaros deve ser atribuída ao governador-geral do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadella. Em 1741, ele manda recolher 52 leprosos em pequenas casas simadas em São Cristóvão, sustentando-os com suas esmolas. Esses doentes estavam entregues aos cuidados de enfermeiros donatos, frades franciscanos de Santo Antônio, auxiliados por negras detentas de crimes graves.
O bispo dom Antônio do Desterro, membro do triunvirato que passa a governar o Rio de Janeiro em 1763, após a morte do conde de Bobadella, solicita à Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária que assuma a administração dos Lázaros de São Cristóvão, dado o estado de abandono a que agora estavam relegados.
Dom Antônio havia sido inquisidor dos jesuítas, expulsos do Brasil em 1759, e solicita ao novo vice-rei, conde da Cunha, que este requeira a el-rei a transferência dos leprosos para a Casa dos Jesuítas, tornada propriedade real após a expulsão.
A Casa dos Jesuítas, provavelmente construída entre 1748 e 1752, era um edifício com planta quadrangular, formado de pátios internos e uma capela central. O projeto da antiga Capela de São Pedro, hoje de São Lázaro, é atribuído aos jesuítas frei Inácio da Silva e irmão Francisco do Rêgo de Caminha. Possuía nave única jesuítica octogonal e, até hoje, ainda estão conservados alguns elementos arquitetônicos originais, tais como cúpula, lanternim e arco cruzeiro.
A imagem mais antiga desse edifício colonial, provavelmente de 1785, é o óleo sobre tela do pintor Leandro Joaquim, intitulado Procissão marítima, exposto no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.
Em 1766, o prédio passa por ligeiras reformas para abrigar os leprosos. Para sua manutenção cria-se um novo imposto, que a irmandade passa a arrecadar nas freguesias.
Durante todo o final do século XVIII, a irmandade queixa-se da insuficiência da renda para o sustento do hospital e da interferência dos vice-reis na sua administração. Mas é, também, objeto de queixas pela inconstância com que oferece cuidados médicos aos doentes, ou atende suas necessidades.
Em 1814, em conseqüência das constantes reclamações, o príncipe da Beira, filho de dom João VI, instaura um inquérito para apurar as irregularidades da administração da irmandade, nomeando um juiz privativo para superintender a direção do hospital. Tal situação persiste até o final do século XIX, limitando a ação da irmandade.
Em 1817, com a vinda para o Rio de Janeiro dos batalhões de voluntários reais do príncipe, os leprosos são transferidos para a ilha das Enxadas. O prédio é reformado para a acomodação do quartel de tropa.
Em 1819, o edifício ainda conserva seu aspecto externo original. Naquele ano é retratado pelo pintor e militar inglês Henry Chamberlain. No quadro, suas fachadas são brancas, com diversas aberturas. A cobertura é cor de terra, encimada por uma cúpula, tendo como fundo a baía de São Cristóvão. A reprodução do quadro pode ser vista na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em um exemplar do livro The lazaretto.
Mantendo o nome de Hospital dos Lázaros de São Cristóvão, a instituição permanece na ilha das Enxadas até 1823, quando é transferida para a ilha de Bom Jesus, por ordem do príncipe regente dom Pedro I, onde fica por dez anos, assumindo o título de Imperial Hospital dos Lázaros.
Durante todo o reinado de dom Pedro I, o Hospital dos Lázaros não teve sequer um médico. Os doentes contavam com as visitas inconstantes de um cirurgião e o auxílio de enfermeiros. Por diversas vezes, foi solicitada a restituição do edifício de São Cristóvão para os lázaros. Somente em 1832, durante a Regência Trina Permanente, é sancionada uma resolução que garante reparos e ampliações ao prédio, à custa do Tesouro Público, visando o retorno dos leprosos.
Em 1840, no governo de dom Pedro II, o hospital já tinha casa de banhos, água potável e lavanderia a vapor. No entanto, água encanada para o prédio do hospital é um problema sem solução satisfatória durante todo o Império. Os primeiros melhoramentos 'ornamentais' são feitos em 1881, por ocasião da visita de dom Pedro II, quando o terreno em volta do prédio é ajardinado. A inscrição, no pórtico do hospital, da sentença da Porta do Inferno de Dante (Divina comédia, Canto III, 9): "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate!" ("Abandonai toda esperança, vós que entrais!"), é desaprovada pelo imperador. Ele registra, no livro de visitas, a sugestão de substituí-la por "Aqui renasce a esperança!", que consta no vitral do átrio do hospital, inaugurado em 1920. Ainda durante o Império, em 1886, a capela mortuária é construída nos fundos do hospital. Com a proclamação da República, a irmandade fica isenta de prestar contas ao governo, em conseqüência da separação da Igreja do Estado, que cessa qualquer intervenção oficial na administração de corporações religiosas e assume exclusivamente a direção do hospital.
Também com a República o hospital perde o 'imperial' do título e se moderniza. É, portanto, na última década do século XIX que tem início uma série de reformas no hospital. A primeira grande obra é realizada em 1892, quando as antigas celas dos jesuítas, que ainda serviam de quartos para os enfermos, são derrubadas e transformadas em salões-enfermarias. A capela também passa por reformas e é aumentada.
Em 1893, é criada a Sala do Banco, consultório isolado onde são examinados os casos em que há suspeita de lepra. No prédio do hospital é instalado um moderníssimo laboratório experimental e uma biblioteca especializada, com quatrocentos volumes. A direção do laboratório é entregue a Wolff Havelburg, discípulo de Koch, que consegue aparelhá-lo com instrumentos importados da Alemanha, próprios para os estudos anatomopatológicos e bacteriológicos relativos à lepra.
Entre os anos de 1896-97 são realizadas obras de melhoria visando a higiene. Sob o encargo de Hilário de Gouveia é construída uma nova lavanderia a vapor, cuja aparelhagem é adquirida na Europa a mesma que serve ao hospital até hoje. Num prédio anexo, com gradil e portas de ferro, é instalada uma estufa a vapor para a desinfecção das roupas dos doentes. Nos refeitórios, são substituídas as mesas de madeira pelas atuais, em mármore em forma de xis; todas as cômodas são revestidas de mármore e os corredores e passadiços da cozinha de azulejos, desde a entrada dos jardins até a primeira área interna. O edifício é pintado e, em todas as portas, colocam-se venezianas. No portão de entrada, pelo lado da rua de São Cristóvão, colocam-se duas estátuas, a da Fé e a da Esperança. O laboratório anatomopatológico é aumentado; constrói-se um gabinete hidroterápico. Obras de embelezamento também são realizadas: modificam-se as janelas da varanda da frente para o mar e a área que cerca a estátua da Caridade recebe calçamento. Dando continuidade a essas melhorias, em 1899, é construída a escada de cantaria de acesso à entrada pela praça dos Lázaros (hoje Mário Nazareth). Os banheiros, por sua vez, são ladrilhados com mosaicos, as paredes revestidas de azulejos e as banheiras, de mármore. O saguão também é revestido de azulejos, numa extensão de 76m por l,50m de altura. Em 1900, é construído um hospital de isolamento Hospital Santo Otávio , no mesmo terreno, com duas enfermarias para as doenças infecto-contagiosas intercorrentes.
O Hospital dos Lázaros passou por diversas reestruturações e ampliações, entre meados do século XIX e 1920. Elas contribuíram, também, para a descaracterização da antiga Capela de São Pedro hoje São Lázaro , o fechamento das arcadas e a alteração dos pátios internos. Essas intervenções deram ao edifício feições ecléticas, com detalhes, ornamentos e elementos arquitetônicos em estilo neoclássico, neogótico e art nouveau.
Naquele mesmo período, o Hospital dos Lázaros de São Cristóvão passa a ser citado como modelo de higiene, modernidade e conforto por todos os técnicos que o visitam. Em 1914, assume a provedoria do hospital o engenheiro Mário da Silva Nazareth, que realiza grandes melhoramentos, no período que se estende de 1917 a 1920. Em sua gestão, são instalados aparelhos sanitários com caixas de descarga nos banheiros, incinerador para queima dos restos de alimentos dos doentes, aquecedor para fornecer água quente a todas as dependências do hospital, elevador elétrico para transportar alimentos para o andar superior, e a iluminação elétrica é completamente reformada. Quanto às obras de embelezamento, o provedor manda revestir de azulejos, com guarnições douradas, os corredores do andar superior e o terraço de recreio das enfermas com belíssimos desenhos florais. As dependências da administração ganham papel de parede finíssimo, e o vitral, com a inscrição de autoria de dom Pedro II, é instalado no andar superior. Além disso, manda construir um prédio anexo para cinema e teatro, que funciona regularmente durante toda sua administração. Constrói novas enfermarias, aumentando o número de leitos do hospital, e remodela a capela mortuária e a sala de autópsias.
Em administração posterior, em 1924, é introduzido no hospital o serviço de enfermagem das irmãs de São Vicente de Paulo, que por mais de sessenta anos cuidaram dos internos.
Em 1941, quando o Hospital dos Lázaros completou duzentos anos, seu nome foi mudado para Hospital Frei Antônio, em homenagem ao bispo dom Antônio do Desterro. Ele foi o responsável pela instalação dos leprosos neste prédio, sob os cuidados da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária, que até hoje cuida dos poucos internos que permanecem no hospital.
As sucessivas alterações no entorno do Hospital Frei Antônio, tais como aterros na baía de São Cristóvão, a construção do gasômetro e o fechamento da entrada principal, fizeram com que esse edifício perdesse definitivamente sua importância na paisagem do Rio de Janeiro.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jul 2006 -
Data do Fascículo
Fev 1996