Tivemos conhecimento recentemente do artigo de Nakano, Bonan e Teixeira (2016)NAKANO, Andreza; BONAN, Claudia; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Cesárea, aperfeiçoando a técnica e normatizando a prática: uma análise do livro Obstetrícia, de Jorge de Rezende. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.23, n.1, p.155-172. 2016. que faz diversas críticas ao prestigiado livro do professor Rezende, do qual sou autor do primeiro capítulo. Não tendo como aprofundar a análise de todo o texto pelo exíguo espaço disponível na seção de cartas, ater-me-ei ao parágrafo em que uma carta subscrita por mim e mais dois famigerados obstetras publicada no jornal O Globo recebe críticas. Foi escrito entre aspas, em tom por nós considerado irônico, afirmando que considerávamos “caduca” a taxa preconizada de um limite máximo de 15% para cesarianas. Tanto era antiquado esse valor que, no mesmo ano da publicação do artigo que nos criticava, a OMS o extinguiu como parâmetro (Betran et al., 2016BETRAN, A.P. et al. WHO Statement on Caesarean Section Rates. BJOG, v.123, n.5, p.667-670. 2016.). Valor que não era mais respeitado em nenhum país desenvolvido do mundo. Nem mesmo naqueles com as menores taxas de cesarianas do mundo, tais como os escandinavos e a Holanda. Por conta de críticas como as nossas, que tinham como único intuito melhorar a saúde da mulher, que a OMS abandonou essa taxa.
Seguindo o texto, somos mais uma vez criticados por nossa argumentação de que o caos da saúde materna no Rio [de Janeiro] não advinha das taxas de cesarianas, mas sim do péssimo pré-natal. Que, por sinal, piorou muito do nosso editorial no jornal até hoje. O ruim virou péssimo, não havendo mais, praticamente, obstetras realizando pré-natal na rede municipal da cidade do Rio de Janeiro em gestantes de risco habitual. É muito simples comprovar isso: basta comparar taxas de mortalidades materna e neonatal nos hospitais públicos e privados. Mesmo sendo os últimos possuidores de taxas de quase 100% de cesariana, a mortalidade é muito menor. Por último, somos criticados por ter embasado nosso argumento pela comparação com a Coreia do Sul, que tem taxas de cesarianas semelhantes às nossas, mas mortalidade materna próxima de zero. Não há o que explicar no caso, já que os números falam por si. Portanto, vemos o enfoque governamental e de grupos de pesquisa do Brasil fomentados por verba pública que querem baixar taxas de cesarianas a qualquer custo como uma cortina de fumaça para gastar menos, colocando a saúde da população em risco, e como uma forma corporativista de retirar obstetras da assistência ao parto.
A literatura científica mostra que, no nível atual do conhecimento, não há diferença entre os partos vaginal e cesariana no que se refere a desfechos importantes. Os dados para corroborar essa assertiva são vários e foram por nós resumidos em um estudo de revisão em que são autores os três signatários do editorial de O Globo criticado aqui neste periódico (Câmara et al., 2016CÂMARA, Raphael et al. Cesariana a pedido materno. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v.43, n.4, p.301-310. 2016.). Entendemos que o tema tem um potencial enorme de maniqueísmo e conflitos de interesses de todos os lados, mas é importante que as críticas sejam embasadas.
REFERÊNCIAS
- BETRAN, A.P. et al. WHO Statement on Caesarean Section Rates. BJOG, v.123, n.5, p.667-670. 2016.
- CÂMARA, Raphael et al. Cesariana a pedido materno. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v.43, n.4, p.301-310. 2016.
- NAKANO, Andreza; BONAN, Claudia; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Cesárea, aperfeiçoando a técnica e normatizando a prática: uma análise do livro Obstetrícia, de Jorge de Rezende. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.23, n.1, p.155-172. 2016.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2018
Histórico
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Recebido
17 Nov 2017 -
Aceito
13 Dez 2017