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Método de emoção inteligível

The intelligible emotion method

Método de emoção inteligível

The intelligible emotion method

Iniciado como um pequeno centro em Barcelona, na Espanha, o Museu de la Ciencia está hoje em fase de ampla expansão, com previsão de ter sua área multiplicada por seis até 2004, chegando a 35 mil m2. Atualmente, é visitado por cerca de quinhentos mil pessoas ao ano e estima-se que o número vai dobrar com a ampliação. O museu conta também com cerca de sessenta exposições itinerantes, elevando para três milhões o número de visitantes ao ano.

O segredo desse sucesso de público é, em parte, por causa da vocação do museu de despertar emoções, relata Jorge Wagensberg, diretor da instituição. Ele defende que, ao se ter essa premissa como ponto de partida, é possível construir um espaço que pode ser apreciado por uma gama variada de pessoas, de diferentes idades e interesses, cientistas ou leigos. "A missão de um museu de ciência não é ensinar — embora também possa fazê-lo –, mas despertar o interesse pela ciência", ressalta. Para ele, uma boa exposição deve levar a mais perguntas na saída que na entrada.

Físico de formação, Wagensberg integrou-se ao museu, como diretor-científico, em 1985, quando trabalhava em período integral na universidade, com a qual ainda mantém vínculo. Em 1991, assumiu a direção geral. O próprio Wagensberg participa ativamente da montagem das exposições. É o caso da exposição sobre a Amazônia, que o levou três vezes à região e já foi vista por cerca de quatro milhões de pessoas, desde 1992. Entrevista foi concedida à jornalista Luisa Massarani e ao físico Ildeu de Castro Moreira, em Barcelona, em novembro de 1999.

Sugiro que comecemos nossa conversa pelo início, quando o museu abriu as portas.

Isso foi em 1980 e desde então o museu já passou por muitas fases. Uma das coisas boas desse museu é que ele não esteve envolvido em toda uma encenação política de cortar uma faixa de inauguração e fazer um grande espetáculo. Ele nasceu como um ser vivo, pequeno, e cresceu lentamente. Também como um bom prato de comida, que tem de ser feito de forma gradual. Um grande erro dos museus atuais é que se iniciam imensos e espetaculares, o que não corresponde à realidade, e a partir de então começam a decair. Um museu como o nosso é acima de tudo uma ferramenta social. Tem de estar muito bem integrado dentro da comunidade, sendo uma ferramenta de educação, de criação, de opinião científica.

O museu está passando por grande fase de crescimento e em poucos anos deverá ter crescido seis vezes. Como se conseguiu essa ampliação?

Houve uma convergência de fatores. Estou consciente de que é um privilégio, é difícil que isso ocorra usualmente. Em primeiro lugar, há espaço: muitos museus estão dentro de cidades e não têm mais como crescer. O nosso está em um bairro mais afastado. Estamos também ampliando nossas atividades para além de Barcelona, por exemplo, Madri. Outro fator é que temos recursos financeiros. Nosso patrocinador, La Caixa (um banco), quer investir seriamente no projeto. E contamos com recursos humanos, que foram formados aqui. Uma das razões para a ampliação do museu é que já não dávamos mais conta do público.

Como é o público que freqüenta o museu?

Metade do nosso público é composta de grupos organizados. Desta metade, 90% são alunos de escolas. O restante envolve outras categorias, entre elas pessoas de terceira idade. Os 50% restantes do total de visitantes são famílias, tanto locais como forasteiras. Tem aumentado muito o número de visitantes estrangeiros, por exemplo franceses e italianos. Para as pessoas que vivem no sul da França, é mais fácil vir para Barcelona que para Paris. Os franceses já estão se dando conta disso e estão começando a fazer museus no sul da França. É curioso porque, durante a época de aulas, o centro de gravidade dos visitantes está nas escolas. Já no verão, um aspecto bonito é que o museu se converteu em parte da oferta cultural da cidade e do circuito de visitação dos turistas.

Como fazer uma exposição para um público tão diversificado?

Nesta mesa em que estamos sentados agora, fazemos nossas reuniões e até bem pouco tempo havia sempre uma pessoa que levantava a mão e perguntava: "Para quem estamos nos dirigindo?" Mas cortamos essas mãos. Uma hipótese atual muito forte em nosso trabalho é que a audiência deve ser absolutamente universal, sem limite de idade ou de formação. Isso pode parecer absurdo para muitas pessoas. Mas a autêntica museologia não substitui um texto: um texto, sim, está orientado para uma idade e uma formação. Uma exposição tem de ter um método de comunicação muito diferente de um livro ou filme. O núcleo da museologia são os estímulos, não as teorias. Uma boa exposição acarreta muito mais perguntas na saída que na entrada. Uma boa exposição tem de ter tanto estímulos para uma criança de cinco anos como para um catedrático da universidade, embora não sejam os mesmos estímulos. Por exemplo, a selva não está projetada nem para crianças, nem para professores, mas tanto crianças como professores saem emocionados dela. Nosso segredo é que nos concentramos nas emoções. Buscamos as emoções e as transcrevemos. Um erro de muitos museus é que as exposições são feitas a partir de livros. Mas as emoções museográficas não estão nos livros. Por isso, quando quisemos fazer uma exposição sobre a Amazônia, não li livros sobre a região, mas fui até lá para encontrar as emoções. Isso responde a sua pergunta: a audiência tem de ser absoluta. Preocupa-me muito quando, por exemplo, as pessoas humildes dos bairros marginais não vêm ao nosso museu. Elas deixam de vir não porque se desinteressam pela ciência, mas porque não é o territórios delas, já que o museu fica em um bairro de ricos. Fiquei muito comovido quando dei uma palestra em 1998 no Estação Ciência, em São Paulo, e havia um menino de rua sentado na primeira fileira.


Jorge Wagensberg, diretor do Museu de la Ciencia.

O preço da entrada ao museu não é um obstáculo para pessoas de baixa renda visitarem a instituição?

Esta é uma pergunta que nos fizemos aqui. As pessoas pobres não querem deixar de pagar. Seria uma humilhação ter preços especiais para elas e a situação não seria resolvida, pois não é a falta de dinheiro que faz com que elas não venham. Temos um preço muito baixo, de cerca de US$ 3,00. E esse valor é cobrado não para nos fornecer o dinheiro, mas sim porque, se a entrada não é paga, há confusão entre via pública e privada. O ato de cobrar faz com que as pessoas aproveitem a visita de outra maneira.

Fale um pouco sobre as exposições itinerantes...

Uma delas é sobre a Aids. É uma exposição dura, nada divertida. Mas a montamos porque é possível fazer com que crianças se dêem conta do problema e discutam o assunto em casa. Os furacões foram também tema de uma exposição. Outra que fizemos foi sobre insetos em âmbar, que reuniu quinhentas peças que farão parte da exposição permanente do Museu do Futuro (novo nome do museu na versão ampliada). A partir de uma peça de âmbar do museu, publicamos 14 artigos científicos e dois de divulgação. É uma peça muito rara que reúne várias formigas e ovos. No novo museu, vamos ter uma sala de 200m2 com a seguinte pergunta: O que aconteceu trinta segundos depois de cair a gota nessas formigas? E os visitantes, depois de percorrerem o salão, poderão chegar a suas conclusões, um pouco como Sherlock Holmes, reconstruindo a história mas com dados científicos. Voltando à peça de âmbar com formigas... Reuni-me com um entomólogo brasileiro (Roberto Brandão, do Museu de Zoologia de São Paulo) em torno dessa peça e tivemos um choque de idéias muito bonito. Nesse caso em particular, a física pode dar muitas contribuições, a partir da observação das tensões internas do âmbar. Ou seja, o fato de estarem reunidos um físico e um entomólogo permitiu chegar a várias conclusões novas. Em outras palavras, o problema estava atrasado por causa da falta de cafeterias. Se houvesse mais cafeterias que reunissem entomólogos e físicos, já se saberia o que descobrimos há muito tempo! E é essa uma outra missão do museu: ser o local onde cientistas com diferentes formações se encontram.

E essa exposição que vocês estão lançando sobre as formas?

É sobre as diferentes formas encontradas na natureza. A idéia surgiu quando um menino de cinco anos me deu um galho que parecia um pássaro e me disse "Toma, é para você colocar no seu museu." A mãe me disse baixinho para eu fingir que ia colocar. Mal sabe ela que, além de efetivamente estar em breve no museu, o galho também deu origem a uma exposição inteira! Vale ressaltar aqui um fato curioso. Em geral, o processo é o seguinte: há um artigo científico que, numa segunda fase, vira um artigo de divulgação científica. Posteriormente, vai parar num museu. Nosso exemplo mostra que o processo pode ser inverso: uma exposição virou um artigo de divulgação científica na revista La Recherche e, depois, um artigo científico.

Como são formadas as novas pessoas para trabalhar no museu que você dirige?

Ministro um curso de museologia na universidade e, quando preciso de alguém, escolho entre os melhores alunos. A museologia científica é uma profissão nova e um erro típico de muitos museus é que esse tipo de trabalho é dado a projetistas e designers. É preciso inventar um ofício novo, abrangendo uma mistura também nova: comunicadores, cientistas, projetistas, artistas etc. Pode ter muitas origens, mas o profissional deve ser museólogo e deve ter como meta transmitir a emoção e isso com base na realidade. Muitos museus usam computadores ou outros tipos de representação, mas o que considero próprio de um museu é a realidade, o uso de objetos reais. A mesma situação acontece quando um conferencista lê em sua apresentação: é muito falso, pois a base da apresentação é um texto. Não se pode usar um método que é aplicado a outra situação. Além disso, para ler um texto não é necessário que exista o conferencista! E, quando o conferencista lê, as pessoas na platéia dormem.

Os computadores devem ser totalmente eliminados em um museu?

Pode-se usar computadores, mas não substituindo a realidade. Pode-se usar computadores para substituir um texto, uma imagem, mas não no lugar de um objeto. Se queremos expor um ovo de dinossauro, podemos colocar um computador explicando o que é o ovo de dinossauro. Mas não podemos substituir o próprio ovo por uma imagem no computador, porque elimina a emoção de ver o real. Além disso, o visitante pode querer investigar o próprio ovo de dinossauro. Com o objeto real, sempre se pode dar um passo a mais na observação. Creio que isso é sagrado em um museu. E isso não se pode fazer em vitrinas inacessíveis.

Pode-se tocar o objeto exposto?

Em muitos casos, sim. A interatividade se apresenta em três situações. A primeira delas é a mecânica ou hands-on, ou seja, feita com as mãos. Há também a mind-on, na qual não é preciso tocar, mas fazer um exercício mental. A terceira é a heart-on, ou seja, na qual a emoção está envolvida. É preciso ainda envolver aspectos culturais e locais. Um dos defeitos de muitos museus é que são clônicos, ou seja, copiam-se uns aos outros. São todos idênticos. Por exemplo, para o museu de Nápoles, com o qual estou colaborando, o Vesúvio e Pompéia podem ser aproveitados na hora de preparar a montagem. Isso faz parte do heart-on, pois as pessoas do local podem se identificar com o que está sendo exposto no museu. E para o forasteiro é uma beleza ver os aspectos particulares do local. As leis da natureza são universais, mas não a sua expressão em cada lugar.

Há preocupação em usar outros sentidos além da visão, como a audição e o olfato?

O máximo possível. Abrimos recentemente uma exposição sobre os cem anos do Futebol Clube de Barcelona. Nela, fizemos uma parte relacionada a odores. Por exemplo, há o cheiro de ginásios antigos. Nesse sentido, o Palais de la Découverte (Palácio da Descoberta), em Paris, teve uma experiência interessante, incluindo uma parte em que as pessoas podiam sentir os odores como se fossem animais. Ou seja, colocavam os visitantes para perceber como é o olfato de um urso, uma aranha etc. O interessante em museologia é tentar aproveitar a capacidade sensitiva completa do visitante. Em contraposição a isso, a vitrina filtra tudo, exceto a visão. Mesmo que você observe o objeto a uma distância de trinta centímetros, ele está muito longe, pois as moléculas que saem do mesmo não chegam ao seu nariz. E até uma escultura tem cheiro, tudo tem cheiro. Temos em nosso museu uma parte chamada Toca-Toca, que consiste em colocar os visitantes para tocarem em animais considerados repugnantes, como cobras e sapos.

Um ponto fundamental na divulgação científica é encontrar uma forma de atrair as pessoas para a ciência sem transformá-la em um grande espetáculo...

Se considerarmos como pressuposto que são emoções o que devemos sentir em um museu, deparamos com dois problemas: que tipos de emoções devem ser sentidas e como traduzi-las. Por exemplo, ao apresentarmos os dinossauros, podemos escolher animais grandes com muitos dentes que soltam fogo pelo nariz e fazer algo como o cineasta Steven Spielberg. A resposta é não! A ciência é muito divertida por si só. Não é necessário usar esse tipo de artifício para atrair o público! Muitas vezes a ciência é mais divertida na realidade que nesses ‘teatros’! Nossa hipótese de trabalho – a hipótese museológica – é: a mesma emoção que impulsiona o cientista a fazer ciência deve ser a que levará aos pessoas ao museu. Por que usar algo falso em vez da realidade? Discutimos isso já desde muito tempo e até mesmo retiramos alguns módulos do museu por acreditarmos nisso. É o caso de um simulador de terremotos que tínhamos. Era muito divertido e atraía bastante as crianças, mas não fazia sentido porque funcionava à base de um movimento de placas que não corresponde à realidade. Acabamos optando por retirá-lo, por considerar que seria mais adequado a um parque de diversões que a um museu de ciência.

Há pesquisas de avaliação sobre o público em seu museu?

Temos em vários níveis. Uma delas é espiar diretamente o público, para ver, por exemplo, se a exposição provoca um brilho nos olhos dos visitantes. É adequado também fazer perguntas durante a exposição, mas é curioso perceber que todas as respostas são falsas. Por exemplo, se a pergunta é "você gostou?". A pessoa que responde "não" quer apenas chatear; a que diz que "sim" quer ser gentil. Uma pergunta como "você se interessa por ciência?" é mal colocada: provavelmente ninguém vai responder "não me interesso por ciência", porque as pessoas em geral não querem ser agressivas com o entrevistador. Os entrevistados muitas vezes também mentem se você pergunta "você leu os textos ou só leu os títulos?". Se, em vez disso, você pergunta, por exemplo, "o que você achou da história do macaco?", e a pessoa responde "que história do macaco?", já sabemos que ela não leu os textos. A diferença é enorme. As empresas que fazem as perguntas em geral trazem resultados falsos, se não houver um trabalho efetivo com os entrevistadores. Em determinado momento, descobrimos que menos de 10% dos visitantes lêem os textos, o que nos trouxe grande desânimo. Já cerca de 80% lêem o título. Isso é importante de se levar em conta na hora de preparar a exposição seguinte. Se é um museu orientado para crianças, é importante preparar textos que um adulto possa ler em um segundo. Isso porque é provável que a criança pergunte para os pais aspectos ligados ao que está sendo apresentado e eles devem poder ler rapidamente as informações de forma a responder para a criança. Voltando às pesquisas de público... Um dos pontos que considero fundamental é saber até que ponto uma visita ao museu mudou a vida de uma pessoa. Por exemplo, é muito interessante se, determinado tempo depois de uma pessoa assistir à exposição sobre a Amazônia, perguntamos "quais livros você comprou ultimamente?", e a pessoa responde que algum deles se refere a reservas tropicais. Algumas pessoas vão às livrarias e nunca observam a parte de ciência, mas passam a fazê-lo depois de visitarem o museu.


Uma atividade interativa no Museu de la Ciencia.

Você disse uma vez que os museus são as catedrais do século XXI. Será que eles também vão ter o destino das catedrais, ou seja, no século XXII vão estar decadentes?

Essa afirmação foi feita dentro de um contexto mais amplo. As catedrais foram criadas para se difundir o temor a Deus. As pessoas se reuniam e ali formavam sua opinião, que no caso era imposta pela Igreja. Minha afirmação era mais um desejo que uma previsão: eu gostaria que os museus substituíssem as catedrais no sentido em que os cidadãos visitem os museus, nos quais se pode criar a opinião científica, e possam ter suas vidas alteradas. O museu, para ser a catedral do futuro, não deve ter pré-jugamentos, como ocorre na catedral, nem ter a obrigatoriedade de só poder falar uma única linguagem e seguir determinados dogmas.

Você apresentou também um papel mais epistemológico, colocando o museu como um lugar possível de olhar a natureza de maneira mais interdisciplinar...

Exato. A natureza não tem culpa dos planos de estudo das universidades. Há problemas que não são, por exemplo, nem de química, nem de física. A tendência do sistema formal é que, quando a universidade detecta um vazio, cria-se uma nova especialidade. Assim surge, por exemplo, a físico-química. Isso piora ainda mais o problema, mas não pode ser de outra maneira: a investigação vertical tem de ser assim, porque é preciso organizar, classificar. Já no espaço informal, as coisas não precisam ser assim. Os museus são lugares de promiscuidade científica.

Para conhecer melhor o Museu de la Ciencia de Barcelona, navegue no site: http://www.fundacio.lacaixa.es/fundacio/cas/equips/museu.htm

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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