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Quando a saúde coletiva é envolvida pelos riscos

When the collective health is involved by the risks

ROCHA, Vânia; LONDE, Luciana de Resende. Desastres: velhos e novos desafios para a saúde coletiva . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. 138.

A obra Desastres: velhos e novos desafios para a saúde coletiva , publicada em 2021 pela Editora Fiocruz na coleção Temas em Saúde, foi escrita pelas biólogas Vânia Rocha, doutora em Saúde Pública pela Fiocruz, e Luciana de Resende Londe, doutora em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Para apresentar uma imagem geral, insta apontar que o livro conta com 138 páginas, divididas em cinco capítulos: “Desastres, modelo de desenvolvimento e saúde”; “Ameaças naturais”; “Ameaças tecnológicas”; “Desastres, saúde e produção de conhecimento”; e “Desafios da saúde coletiva diante dos desastres”. Logo na apresentação Rocha e Londe (2021)ROCHA, Vânia; LONDE, Luciana de Resende. Desastres: velhos e novos desafios para a saúde coletiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. abordam a questão da pandemia de covid-19, deixando explícita a especificidade do momento de produção do texto e a acentuada pertinência dos temas levantados no âmbito da saúde coletiva.

O mérito inicial da escrita é apresentar os traumas, os desastres ambientais e os seus reflexos na qualidade de vida dos seres, colocando em questão o desequilíbrio ecológico e os decorrentes riscos à vida. Em um esforço ímpar de análise do meio ambiente em sua conexão com a saúde coletiva, no primeiro capítulo, “Desastres, modelo de desenvolvimento e saúde”, as autoras estreitam laços com uma abordagem histórica, ao buscar interpretar as ocupações urbanas irregulares, que se intensificaram nas décadas de 1950 e 1960. A abordagem reflete também sobre a ocupação urbana nos morros ou/e margens de rios, feita por grupos socialmente marginalizados, que acabam vulnerabilizados ao se instalar em áreas de risco.

Ao focalizar o Brasil, em particular, surgem relações entre vulnerabilidade social, risco ambiental e condições precárias de vida e saúde. Fica evidente, ainda, que parte das atuais populações periféricas vulnerabilizadas é decorrente também de tragédias/questões históricas, como a escravatura e o êxodo rural. Assim sendo, dois conceitos percorrem o texto: objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e redução de riscos de desastres (RRD), adotados em consonância, na escrita, com os argumentos referentes à saúde. Contudo, para abordar os ODS e a RRD, as autoras consideraram algumas questões de viés socioeconômico, tais como as ocupações em áreas de risco e o acesso aos direitos mais básicos para manutenção de uma vida digna. Não por acaso, a redução da pobreza é o primeiro ODS, dos 17 objetivos pertinentemente expostos no livro.

Outro ponto substancial refere-se às ameaças naturais como enxurradas, escorregamentos, secas e estiagens. Com relação ao primeiro caso, as inundações, são lembrados exemplos históricos de desastres como os que ocorreram em Goiás Velho (GO), em 2001, e em São Luiz do Paraitinga (SP), em 2010. Inversamente, encontram-se as situações de seca e crise hídrica, resultantes da combinação de estiagem com má gestão. Nessa perspectiva, que é examinada detidamente pelas autoras, estão as ameaças que surgem em decorrência do sistema de produção capitalista, abordadas no terceiro capítulo, “Ameaças tecnológicas”, que examina os desastres impulsionados pela exploração dos recursos naturais. Como exemplo são mencionadas as recentes catástrofes em Minas Gerais, nas cidades de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), com rompimentos de barragens, que levam ao desequilíbrio do ecossistema, deixam marcas de contaminação na água e no solo, além de resultar, claro, em centenas de vidas humanas perdidas.

Nesse enquadramento, no rastro do sociólogo Ulrich Beck (1944-2015), Rocha e Londe (2021)ROCHA, Vânia; LONDE, Luciana de Resende. Desastres: velhos e novos desafios para a saúde coletiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021., percorrem o paradoxo do risco, que, anexado à saúde coletiva, é presença central na obra. E, nesse ritmo, as autoras inferem que: “As inovações tecnológicas produziram um novo cenário de risco global, de incertezas não qualificáveis” (p.90). A presença do conceito de risco como instrumento biopolítico causa incertezas e instiga o medo. Sendo o risco, assim, “um tipo de construção móvel, suscetível de circular de forma abrangente no espaço social: o que fundamenta a possibilidade de um conjunto infinito de decisões e intervenções sobre a vida” (Mitjavila, Grah, 2011MITJAVILA, Myriam Raquel; GRAH, Bruno. A ideia de risco nos estudos sobre a problemática da água no Brasil. Sociedade Ambiental, v.14, n.2, p.139-151, 2011., p.146).

A linha argumentativa, que permanece até ao fim da obra, pensa a saúde de forma vasta, conectada às questões ambientais e à ocorrência de desastres, podendo estes “desencadear uma série de surtos e epidemias, como doença diarreica aguda, dengue, zika, chicungunha, febre amarela, cólera, leptospirose ... que podem levar a situações de emergência em saúde pública” (Rocha, Londe, 2021, p.103). Em geral, a saúde coletiva, vista sob a perspectiva do risco, integra um panorama de incertezas com relação ao futuro e carrega, concomitantemente, tanto a probabilidade quanto a análise de novos desastres por vir, visto que “todos nós ... estamos vulneráveis” (p.113).

Não se elimina, contudo, a condição de pensar o risco como produto construído socialmente no tempo presente, e a tentativa/crença de seu gerenciamento e controle, buscando antecipar possíveis danos e desastres ao coletivo social.

Em suma, rodeado por um contexto de crise pandêmica, o livro apresenta o mérito de tocar pontos crucialmente atuais, sensíveis e relevantes para a vida humana na contemporaneidade, tais como as relações homem/ambiente, os riscos, os desastres, as consequências e os desafios à saúde humana. Assim, a obra de Rocha e Londe (2021)ROCHA, Vânia; LONDE, Luciana de Resende. Desastres: velhos e novos desafios para a saúde coletiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021., embora concisa, por sua pertinente amplitude atrela-se a questões interdisciplinares, integralmente dialógicas, acerca do funcionamento da sociedade, oferecendo ao seu leitor rica visão quanto à gestão e manutenção da saúde coletiva no Antropoceno – era do ser humano em convívio tanto com ameaças naturais, relacionadas à natureza, quanto tecnológicas, envolvidas pelas atividades humanas e pelos demais processos industriais.

REFERÊNCIAS

  • MITJAVILA, Myriam Raquel; GRAH, Bruno. A ideia de risco nos estudos sobre a problemática da água no Brasil. Sociedade Ambiental, v.14, n.2, p.139-151, 2011.
  • ROCHA, Vânia; LONDE, Luciana de Resende. Desastres: velhos e novos desafios para a saúde coletiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022
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