Open-access O mandacaru não floresceu: a ciência positivista a serviço do combate à seca de 1877-1879

The mandacaru did not blossom: Positivist science at the service of drought control in 1877-1879

Resumo

O artigo propõe realizar um levantamento das “soluções científicas” aventadas para enfrentar as secas no semiárido brasileiro, relacionando-as ao contexto histórico marcado pelo cientificismo que norteava o pensamento intelectual brasileiro e ocidental e, assim, investigar como os “homens da ciência” elaboraram teorias e práticas a respeito da natureza da região e da sociedade sertaneja que a habitava. Nessa perspectiva, são considerados o processo de ocupação do sertão semiárido; as secas desde o período colonial; o impacto social, político e econômico da grande seca de 1877-1879; os debates e os projetos a respeito do flagelo da seca; a construção do discurso da seca como problema regional e nacional.

seca; ciência; províncias do Norte; retirantes; Brasil

Abstract

The article surveys the “scientific solutions” proposed to address droughts in Brazil’s semi-arid sertão and frames them within a historical context characterized by scientificism, which then governed Brazilian and Western intellectual thought. It investigates how “men of science” devised theories and practices regarding the region’s nature and sertão society. From this perspective, the article examines the process by which the semi-arid sertão was settled; droughts since the colonial period; the social, political, and economic impact of the great drought of 1877-1879; debates and projects related to the scourge of drought; and the construction of the discourse of drought as a regional and national problem.

drought; science; provinces of Northern Brazil; migrants; Brazil

Fortaleza, 24 de março de 1878, o jornal O Retirante,1 autointitulado “órgão das vítimas da seca”, reproduzia matéria publicada no Correio da Manhã, importante diário de notícias da capital do Império. Mesclando fé na providência divina e, sobretudo, na ciência positivista como instrumento de ação do homem, clamava por providências para sanar o flagelo que historicamente assolava a população das “províncias do Norte”.

Confiemos todos na Providência, mas não repousemos. A sociedade que repousa hoje, para preparar amanhã o efeito da indolência, acumula males que, duplicados, se tornam às vezes incuráveis.

Cumpre, pois, prosseguir no estudo das causas determinantes da seca nas regiões ora assoladas por esse flagelo, e preparar os necessários elementos de resistência para o futuro.

...

A medicina que tem de curar o Ceará e suas irmãs do Norte não é, nem pode ser, hidropática; é uma medicina de alta política, de previsões, de estudos, de coragem e patriotismo (O Retirante, 24 mar. 1878, p.2-3).

O sertão2 avançava para mais um ano de seca. Alguns dias antes dessa publicação, em 19 de março, dia de São José, o padroeiro do Ceará, a estiagem não deu trégua e o mandacaru3 não floresceu, pelo segundo ano consecutivo, indicando para a crença do sertanejo4 que todo o plantio, e, por conseguinte, toda a produção agrícola estava ameaçada novamente – fato tragicamente concretizado em uma região cujo adensamento populacional tomava forma desde os tempos coloniais, acentuado a partir de meados do Setecentos (Prado Júnior, 1993, p.66-68).

A profunda seca que assolou o sertão das províncias do Norte nos três últimos anos da década de 1870, associada à estrutura fundiária excludente e perpetuadora de relações sociais e econômicas de submissão e dependência (Furtado, 1963; Andrade, 1964; Eisenberg, 1977; Guimarães, 1989), não marcou apenas o imaginário sertanejo. Acabou também por transformar o sofrimento enfrentado pela população em problema nacional, que repercutiu nos quatro cantos do império brasileiro, despertando comoção e solidariedade refletidas em ações como arrecadação de donativos em alimentos e dinheiro, organização de transportes para a retirada e acolhimento dos retirantes em outras províncias, e uma política hesitante e emergencial do governo imperial para minimizar os efeitos da seca, denominada “socorros públicos”, cujo lastro encontrava-se na Constituição que legitimava a esmola oficial aos mais necessitados.5

A natureza, por outro lado, desafiava a ciência, que deveria domá-la pelo engenho humano. Papel a ser desempenhado por intelectuais e técnicos ligados, em sua maioria, ao Instituto Politécnico Brasileiro,6 sediado no Rio de Janeiro – local de intensos debates científicos –, que desenvolveram estudos sobre a temática da seca: suas causas, seus efeitos e como debelá-la ou minimizá-la. Alguns deles serão analisados neste artigo: Henrique de Beaurepaire Rohan (“Considerações acerca dos melhoramentos de que, em relação às secas, são susceptíveis algumas províncias do Norte do Brasil”, 1985); Viriato de Medeiros (“Ponderações sobre a memória do Dr. André Rebouças: a seca nas províncias do Norte”, 1985); Bezerra de Menezes (“Breves considerações sobre as secas do Nordeste”, 1986); Thomaz Pompeu de Souza Brasil (“Memória sobre o clima e as secas do Ceará”, 1983); André Rebouças (“A seca nas províncias do Norte”, 1983), publicados originalmente em 1877; e José Américo dos Santos (“A seca no Norte do Brasil”, 1987), publicado originalmente em 1883.

O escopo deste estudo, sem se pretender exaustivo,7 é realizar um pequeno inventário das “soluções científicas” aventadas para enfrentar as secas, relacionando-as ao contexto histórico marcado pelo cientificismo que norteava o pensamento intelectual brasileiro e ocidental e, assim, investigar como engenheiros, médicos, geógrafos e naturalistas, ou os “homens da ciência”, elaboraram teorias e práticas a respeito da natureza do semiárido e da sociedade sertaneja que o habitava. Para tanto, a análise está estruturada em cinco partes. Inicialmente, (1) um breve relato do processo de ocupação do sertão semiárido e (2) um pequeno histórico dos registros das secas desde o período colonial, considerados, neste artigo, aspectos introdutórios necessários para compreender o aumento da população na região e as primeiras experiências relacionadas aos efeitos das secas. Em seguida, a discussão do tema central a partir (3) do impacto social, político e econômico da grande seca de 1877-1879 no sertão e na Corte; (4) dos debates e projetos de cunho científico relacionados às causas e soluções para o flagelo da seca; (5) da construção do discurso da seca como problema regional e nacional.

Ocupação e povoamento do sertão

Não cabe aqui, nas limitadas dimensões deste texto, acompanhar a história do povoamento dos sertões do Norte do império – região hoje denominada Nordeste.8 Vale destacar, contudo, o processo violento de expulsão e assassinato da população autóctone, que abriu caminho para a colonização e o desenvolvimento de importantes atividades econômicas ligadas à cultura do algodão e à criação de gado, cuja dinâmica da interiorização obedeceu à lógica da colonização destinada ao mercado externo, ancorada no plantio da cana-de-açúcar, que aproveitou solo e clima favoráveis das zonas litorâneas.9 Com a expansão da economia açucareira, a necessidade de animais, que, juntamente com a lenha, eram as duas principais fontes de energia dos engenhos, cresceu exponencialmente (Furtado, 1963, p.73).

O interior dessa região foi ocupado e conhecido muito lentamente. A impossibilidade de criar gado na faixa litorânea fez com que, pouco a pouco, a pecuária avançasse para oeste, no ritmo de crescimento da produção açucareira.10 Não necessitando de solos férteis, mas exigindo amplas áreas, a criação de gado adentrou o interior, ocupando, além das zonas mais áridas, o agreste e até mesmo certas faixas da região da Zona da Mata e do litoral oriental (Andrade, 1964, p.72). Sendo uma atividade dependente da economia açucareira, a rápida expansão da produção teve como contrapartida a penetração do interior (Furtado, 1963, p.76).

O algodão, planta nativa do Brasil, já era cultivado pelos índios antes da chegada dos portugueses. Nos primeiros séculos da colonização, fez parte da economia de subsistência, sendo empregado na confecção de tecidos por grande parte da população colonial. No século XVIII, com a Revolução Industrial e o surgimento das fábricas têxteis, a cotonicultura começou a ganhar espaço na economia agrário-mercantil da colônia. Inicialmente cultivado na Zona da Mata, o algodão atingiu o interior da região e, à medida que se afastou do litoral, encontrou condições naturais mais favoráveis ao seu desenvolvimento. Em fins do mesmo século, o Maranhão destacava-se como a mais importante área produtora e exportadora. No Oitocentos, a cotonicultura tornou-se a principal atividade econômica no Ceará e no Rio Grande do Norte e passou a dividir as atenções com as produções açucareira e algodoeira em Pernambuco.11

Outro fator favorável ao desenvolvimento da cotonicultura no agreste e no sertão era a possibilidade de cultivo por agricultores com poucos recursos financeiros – os pequenos proprietários, os foreiros e os moradores (Andrade, 1964, p.145). A economia algodoeira também levou à urbanização, uma vez que os comerciantes estabeleceram-se nos núcleos coloniais para comprar a matéria-prima dos agricultores, beneficiá-la e, posteriormente, vender o produto aos exportadores.

Em suma, a pecuária e, posteriormente, a cultura do algodão foram responsáveis pela colonização dos sertões, criando, ao mesmo tempo, demanda por terras próximas aos cursos d’água e condições para o crescimento populacional que, somados ao da faixa litorânea, constituíram a principal área em números de habitantes do período colonial até fins do século XIX, juntamente com Minas Gerais. A maioria da população sertaneja, no entanto, vivia em condições precárias, que se intensificavam com as secas.

Os primeiros registros das secas

O quadro a seguir apresenta o histórico das secas ocorridas no sertão das províncias do Norte entre os séculos XVI e XIX. Certamente, a precariedade dos primeiros registros tem correspondência direta com a ausência do povoamento, mas é importante destacar que a própria ocupação do território naturalmente aumentou o número de relatos e, associada à estrutura fundiária centralizada, potencializou os efeitos das secas.

Quadro 1 : Cronologia das secas ocorridas nas províncias do Norte
Século XVI Século XVII Século XVIII Século XIX
1559 1603 1710-1711 1803-1804
1564 1609 1722 1808-1810
1587 1614 1723-1728 1814
1592 1645 1744-1746 1817
1652 1766 1824-1825
1692 1777-1778 1833
1790-1793 1844-1846
1860
1869
1877-1879
1888-1889
1898
  • Fonte: Souza, Medeiros Filho (1983, p.38-39).
  • Até o século XVIII, os relatos sobre o sertão, sua paisagem e clima foram escassos. Alguns registros anteriores, como o de Fernão Cardim (1978, p.199), ao final do XVI, dão conta de secas graves que, além de assolarem a zona sertaneja, atingiram até mesmo o litoral de Pernambuco:

    no ano de 1583 houve tão grande seca e esterilidade nesta província (coisa rara e desacostumada, porque é terra de contínuas chuvas) que os engenhos d’água não moeram muito tempo. As fazendas de canaviais e mandioca muitas se secaram, por onde houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco, pelo que descrevem do sertão apertados pela fome, socorrendo-se aos brancos quatro ou cinco mil índios.

    Se as áreas mais interioranas eram, naturalmente, mais áridas, a expansão das plantações de cana, destruindo a Mata Atlântica, contribuiu para o aumento da frequência e agravamento das secas já nos primeiros anos do século XVIII. Seus efeitos foram mais devastadores do que no século anterior, em parte devido ao crescimento da população vinculada à atividade pecuária, que acabara de ocupar porções significativas do sertão.

    A seca de 1723-1727, que atingiu todo sertão, provocou, além do desastre econômico, o deslocamento das populações para as áreas menos afetadas pelo flagelo. Em 1777, a pecuária sofreu uma forte retração. A seca dizimou as cabeças de gado em todas as capitanias do Norte, que acabaram por perder o mercado consumidor da região das Minas Gerais e do litoral açucareiro para o Rio Grande do Sul (Villa, 2000, p.19). Mesmo com a desorganização da criação de gado em fins do Setecentos, a população localizada no sertão continuou aumentando significativamente, pois o cultivo do algodão deu prosseguimento ao processo de ocupação das terras sertanejas (Palácios, 2004).

    A pecuária reunia condições que possibilitaram o crescimento da população,12 mas, ao mesmo tempo, não demandava muita força de trabalho. Uma parcela significativa da população gerada dentro do complexo pecuário não era absorvida. No final do século XVIII, com a necessidade de produzir algodão para as fábricas inglesas, essa população pobre e livre tornou-se essencial; mas para isso era fundamental submetê-la a relações de trabalho regulares e disciplinadas (Pinheiro, 2000, p.46-47). Pelo fato de necessitar pouco capital, o algodão era plantado pelos pequenos e grandes proprietários. A possibilidade de consorciá-lo com milho, feijão e outros produtos contribuiu para intensificar o povoamento e a reprodução humana no sertão (Souza, Medeiros Filho, 1983, p.25).

    Com o crescente aumento da população sertaneja, as secas no decorrer do século XIX tiveram consequências mais graves. Em 1824-1825, especialmente no Ceará, um grande número de retirantes dirigiu-se até a capital provocando aglomerações de famintos que, suscetíveis às epidemias como a varíola, sucumbiram. Em 1845, apesar de algumas medidas tomadas pelo governo imperial, como o incentivo à construção de açudes, cacimbas e à perfuração de poços, o quadro desolador repetiu-se em toda a região (Villa, 2000, p.31).

    Na segunda metade do Oitocentos, alguns fatores concorreram para o fechamento das terras, que anteriormente estavam disponíveis para o deslocamento de homens e gado. No Ceará, a ocupação das áreas próximas ao semiárido pela agricultura comercial intensificou-se com a valorização das propriedades provocada pela Lei de Terras de 1850 e com o avanço da cultura do algodão determinado pelo aumento de preços no mercado internacional, em função da Guerra de Secessão nos EUA. O desenvolvimento dessa agricultura comercial e sedentária impossibilitou a retirada dos moradores para as terras mais úmidas durante os períodos de irregularidades de chuvas, pois, naquele momento, encontravam-se ocupadas pela cotonicultura e valorizadas monetariamente.

    Suprimida essa possibilidade de migração, a população, bastante numerosa, que não podia ser recolhida pelos proprietários de terras, não encontrou mais alternativa de sobrevivência nos períodos secos (Neves, 2000b, p.79). Ademais, a criação de gado, em tempos de abundância de terras, sempre atraiu parte da população livre que não conseguia colocação na economia açucareira (Furtado, 1963, p.80). Ao encontrar limites para sua expansão, a pecuária não mais absorveu mão de obra e, nos períodos de seca, passou a dispensá-la.

    A seca de 1877-1879 evidenciou essas mudanças. Nesse período, a cultura do algodão já sofria os efeitos da concorrência americana, que retomara sua produção em bases mais modernas para conquistar novamente os mercados consumidores. Com a ausência de chuvas, as lavouras de subsistência foram destruídas, os fazendeiros, endividados, não conseguiram dar assistência à população, que abandonou suas terras após consumir as últimas reservas de víveres e pôs-se a caminho do litoral em busca de socorro.

    Em 1877, portanto, a irregularidade das chuvas deixou de ser uma questão climática para se tornar uma questão social que a todos afetava e não podia mais ser ignorada pelo governo brasileiro, pois imprimiu marcas por todas as províncias do Norte – da população mais pobre à elite13 da região. Evidenciou-se naquele momento, diante da perspectiva da Corte, a seca tal como é entendida hoje: miséria, fome, destruição da produção, dispersão da mão de obra, invasões às cidades, corrupção, saques e migrações (Neves, 2000b, p.80).

    A seca de 1877-1879

    Manoel Correia de Andrade (1964, p.25) divide o Nordeste em três grandes regiões naturais e geográficas: mata, agreste e sertão. Este último representa quase 90% da região. O chamado Polígono das Secas não se circunscreve apenas ao sertão, cobrindo, também, grande parte dos estados nordestinos. Alguns deles estão quase inteiramente mergulhados em seus limites: Ceará (94,8%), Paraíba (97,6%), Rio Grande do Norte (92%). Foram essas, justamente, as províncias mais atingidas pela seca de 1877-1879. O Ceará, em especial, pois o número de habitantes era superior à soma das populações da Paraíba e do Rio Grande do Norte.14

    No primeiro semestre de 1877, a seca já havia destruído praticamente toda a lavoura das populações sertanejas. No Ceará, as precárias estradas que ligavam a capital ao interior passaram a ser ocupadas por levas de retirantes famintos, que, a pé, percorriam enormes distâncias na esperança de obter acolhida em Fortaleza. Chegavam à cidade em estado crítico de saúde, debilitados pela caminhada e pela desnutrição, demandando dos poderes públicos, pela primeira vez, uma atuação organizada. Sem planejamento, os dirigentes buscavam meios de manter os retirantes fora da cidade, por meio de obras públicas na periferia, como a construção da Estrada de Ferro de Baturité, ou promovendo a saída dos retirantes para outras províncias do Império. Na capital cearense, acampavam em praças e ruas, formando “abarracamentos”15 que as autoridades procuravam manter sob rígido controle, com o objetivo de racionalizar a distribuição de comida, o atendimento médico e o alistamento para o trabalho (Neves, 2000a).

    Em 1878, a situação de Fortaleza era caótica. Além da população vinda do interior do Ceará, chegavam retirantes dos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Segundo Raimundo Girão, cedo Fortaleza converteu-se na metrópole da fome, capital de um pavoroso reino, o reino do martírio coletivo de “uma raça em penúria”. Se em dezembro de 1877 lá estavam mais 85 mil pessoas, em março de 1878 eram cem mil e, em setembro, 114 mil. Sua população normal, pelo censo de 1872, era de 21 mil. Aracati, cidade de cinco mil habitantes, estava comportando mais de sessenta mil (Girão, 1953, p.185-186).

    As péssimas condições de higiene e a lotação dos “abarracamentos” proporcionaram o alastramento de doenças, como a varíola, principal responsável por milhares de mortes entre os retirantes. Os dados publicados no jornal Gazeta do Norte, discriminando a mortalidade na capital cearense, demonstram o estado de calamidade que a cidade viveu. O número de óbitos em Fortaleza, conforme dados encontrados na Santa Casa de Misericórdia, era o seguinte: 970 em 1874, 725 em 1875, 811 em 1876, 2.003 em 1877, 57.760 em 1878 e 6.822 em 1879. O assombroso aumento ocorrido em 1878 provocou a completa desorganização da já precária rede de atendimento e sepultamento das vítimas do flagelo.

    O serviço de enterramentos em 1878 e 1879, no rigor da seca e da epidemia e peste, fez-se mui atropeladamente, sendo por isso omisso em grande parte o registro da Santa Casa. Os falecidos de varíola eram sepultados em enormes valados por centenas, e às vezes sem inspeção mesmo da polícia, por filantropos e comissões de socorro. Houve dia de se dar sepultura a mais de 1.000 cadáveres (Gazeta..., 24 jan. 1889, p.2).

    Os relatórios dos presidentes do Ceará nos anos de 1877 a 1880 registraram informações sobre a situação dos flagelados. Segundo estimativas do presidente da província, conselheiro João José Ferreira de Aguiar, no início de 1878 estava

    bastante desenvolvida a emigração do centro para o litoral: já existia nesta capital e nos arrebaldes uma população adventícia, não inferior a 43.000 indivíduos: davam-se como existentes na cidade de Aracaty cerca de 30.000 e grandes aglomerações nas de Baturité, Maranguape, Granja, Acaracu e vila de Pacatuba, estimadas em 80.000, sendo, portanto, quase certo que a migração orçava então por 150 a 160.000 indivíduos (Relatório..., 1878).

    Ainda de acordo com o presidente, essa crescente aglomeração colocou em risco as condições de salubridade e a ordem pública. A única solução encontrada foi a concessão de passagens para que a população pudesse migrar para outras províncias. A saída dos cearenses era considerada um ato extremo, que Aguiar lamentava, mas, segundo suas palavras, não se podia evitar

    As chuvas, que apareceram no começo do mês passado [janeiro], não paralisaram esse movimento, embora eu houvesse aproveitado aquela feliz ocorrência para dificultar a concessão de passagens que me eram pedidas a todo o momento: entretanto, havendo reaparecido o verão e, com ele, o desânimo, a emigração tende a desenvolver-se com mais força e acredito que, uma vez perdida a esperança no inverno, ela não só assumirá vastas proporções, porém ainda tornar-se-á uma condição imprescindível para a salvação da numerosa população desta província (Relatório..., 1878).

    No Rio Grande do Norte a situação também era grave. O presidente da província, José Nicolau Tolentino de Carvalho, expediu uma circular recomendando à população que se dirigisse ao agreste e litoral, para não ser vítima de privações inevitáveis. Em seu relatório de 1877, afirmou que o rigor do flagelo agravava-se dia a dia, causando enormes sofrimentos à província (Fala..., 18 out. 1877). Seguindo ou não a recomendação de Tolentino de Carvalho, fato é que, em fins de 1878, não foi apenas a zona litorânea que recebeu retirantes. Mossoró, principal cidade do agreste potiguar, chegou a ter uma população de oitenta mil pessoas, recebendo, inclusive, retirantes da Paraíba. Na província, o flagelo da seca provocou 36 mil óbitos (Relatório..., 1879).

    Parece que em determinadas áreas do sertão foi comum a movimentação da população para províncias vizinhas – mais uma prova de seu isolamento e esquecimento por parte do poder público. O engenheiro José Américo dos Santos (1987, p.40-41), que esteve no interior de Pernambuco nos primeiros momentos da manifestação da seca, registrou fatos que se desenrolaram durante os deslocamentos das populações e sobre os quais escreveu:

    achávamo-nos nessa época residindo no centro da província de Pernambuco, nas raias da Zona da Mata e tivemos a ocasião de pessoalmente assistir às tristes cenas da chegada de retirantes, não só de diversos pontos da mesma província, por exemplo, Buiqui, Moxotó, Pageú de Flores, Ingazeira etc., mas também de Piancó e Teixeira na província da Paraiba.

    Espetáculo contristador de ver chegar aos bandos esses emigrantes magros tisnados pelo sol ardente das estradas, e em cuja fisionomia estava estampada a imagem da desolação. Seminus, invadiam os ranchos abertos para se abrigarem das intempéries, e as crianças percorriam imediatamente e com sofreguidão todo o povoado em busca de esmola e alimentos. Pouco depois os homens se apresentavam, esmolando trabalho, ainda mesmo exiguamente remunerado, pois que a necessidade urgia e, esgotado esse e o recurso da esmola, restava a rapinagem.

    Para o historiador das secas Joaquim Alves (1982, p.19-20), esse relato pode ser considerado a primeira informação em detalhe acerca da situação do sertanejo na zona limítrofe das províncias de Pernambuco, Paraíba e Ceará, assinalando a orientação que o homem rural tomou ao ter que se deslocar naquela linha fronteiriça.

    Com o fim da estiagem no primeiro trimestre de 1880, os mandacarus floresceram, trazendo de volta a esperança. A dura realidade recente, porém, não podia ser esquecida, e a tragédia das grandes perdas humanas ficaria na memória da população local e no imaginário nacional sobre as secas no Norte. Baseando-se em alguns autores da época, Villa (2000, p.82-83) calcula em duzentos mil cearenses mortos e em cerca de quinhentos mil para toda a região atingida pela seca de 1877-1879. Os dados censitários do Ceará apresentam evidências indiretas da alta taxa de mortalidade e do êxodo populacional durante o período de ocorrência das secas de 1877-1879 e 1888-1889. Nas últimas três décadas do Oitocentos, a população do Ceará teve crescimento de apenas 17%, a menor taxa em todo o império, chegando mesmo a diminuir entre 1877 e 1890.

    Em relação à economia, os efeitos da seca também foram devastadores. Centenas de milhares de cabeças de gado perdidas, a lavoura de algodão devastada, a população abandonara os campos e os proprietários estavam endividados.16 O grande contingente populacional associado a uma economia de subsistência, ao sofrer as consequências da seca e sem poder contar com o socorro organizado de seus governantes, inaugurou um movimento migratório em larga escala, que se tornou característico, a partir da grande estiagem de 1877-1879.17 A experiência migratória de cearenses, no entanto, não pode ser considerada inédita. Os deslocamentos para a Amazônia eram mais antigos e independentes dos períodos de grande estiagem. Faziam parte das estratégias de sobrevivência da população sertaneja, mas também das propostas de colonização, produção agrícola e extrativista dos mandatários das províncias do Amazonas e Pará.18

    Com a grande aglomeração nas cidades litorâneas, em consequência da chegada de pessoas que abandonavam o sertão seco, o encaminhamento da população excedente para outras regiões tornou-se inevitável. Assim, além das verbas destinadas ao socorro imediato da população sertaneja, como gêneros alimentícios, assistência médica e empregos nas obras públicas, foi fundamental o financiamento estatal para o transporte, abrigo e alimentação dos migrantes, pois apenas o governo central tinha condições materiais de realizar tal empreendimento. O relatório do ministro dos Negócios do Império de 1880 registrou as despesas com a compra e remessa de gêneros para as localidades atingidas pelo flagelo e com o transporte dos retirantes para diversos pontos do país. Além dos vapores de companhias de navegação, foram utilizados alguns navios de guerra do Ministério da Marinha e a malha ferroviária sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura.19

    No Ceará, a situação de calamidade pública refletiu-se nos portos de embarque. Em junho de 1877, os primeiros migrantes partiram nos vapores Augustine e Ceará. Em agosto, já tinham seguido 547 e, até no final do ano, mais de quatro mil, sem contar os 1.500 desviados para o sul do país. O escoamento não parou e, em março de 1878, a soma alcançou 16.164. Até julho, só pelo porto de Fortaleza, o número de emigrados chegou a 22.437 (Girão, 1947, p.392). O engenheiro gaúcho Ernesto Antonio Lassance Cunha, membro da comissão nomeada pelo governo imperial para estudar o problema da seca, foi testemunha ocular da estiagem de 1877-1879. Em Estudos sobre a seca do Ceará, publicado em 1900, descreveu o embarque dos retirantes nos portos de Aracati e Fortaleza, marcado pela desorganização e pela lotação acima da capacidade – prática comum entre os comandantes dos vapores:

    Dizia-se que os socorros acabariam e aqueles que não embarcassem morreriam de fome. O povo aterrorizado afluía para os portos de embarque e tomava as jangadas que os conduziam para os navios do Lloyd. A mais completa desordem presidia ao serviço de embarque. Em primeiro lugar o retirante ignorava qual era o seu destino, se para o norte ou para o sul, o que pouco o preocupava por não ter moral em estado de deliberar. Na pressa do embarque ocorriam as cenas mais constrangedoras. Mulheres separadas dos maridos. Mães, de filhas impúberes. Seções de famílias embarcadas para o norte, outras para o sul. Os gritos e reclamações dos que se viam em tal contingência não eram ouvidos, fazia-se necessário encher o paquete com lotação superior a que podia comportar (citado em Alves, 1982, p.231-234).

    Apesar de toda resistência à saída de grande parte da população assolada pela seca, o movimento migratório foi intenso.20 Segundo Furtado (1963, p.158-159), as secas ocorridas no final do século XIX potencializaram o grave desequilíbrio estrutural da região – resultante do regime de ocupação da terra e da forte pressão demográfica sobre sua posse –, expondo milhares de pessoas à fome, obrigando-as a abandonar as localidades onde viviam ou a depender do trabalho em obras públicas emergenciais. A concentração de retirantes nas cidades litorâneas facilitou o recrutamento de mão de obra para outras regiões, pois as condições de miséria dificultaram, ao menos durante algum tempo, a reação dos grupos dominantes da região, os quais viam na migração a perda de sua principal fonte de riqueza.

    Albuquerque Júnior (1995, p.113) observa que a seca acentuou a crise já existente, levando ao estabelecimento do caos, seja no plano econômico e social, seja no que se refere ao controle político-social, colocando em xeque vários mecanismos de dominação que garantiam a manutenção da ordem e do status quo. Perda da força de trabalho e do controle social. Seguindo essa trilha, Neves (2003, p.174) repercute as discussões da época, destacando a análise de Castro Carreira, que clamava pelo auxílio às vítimas da seca para “salvá-las da morte pela fome”, mas também para evitar a dissolução dos laços paternalistas que a emigração romperia, deixando os proprietários em situação desfavorável para negociar salários com uma população considerada instável e arredia. A ordem e a civilização estariam em perigo com o flagelo da seca, catástrofe que despertaria o instinto básico de preservação da vida, colocando em causa a propriedade, a lei, a ordem social e a moral.

    “Engenharia como missão”: a luta contra a seca

    Barbárie, o oposto da civilização. Civilização, sinônimo de progresso, de modernidade; estágio de uma sociedade cujo elemento fundamental era o conhecimento científico alcançado pelo método da observação. Na segunda metade do século XIX, o Brasil, especialmente a Corte, encontrava-se embebido por ideias tributárias da filosofia positivista. Sevcenko (2003) atentou para a preocupação da elite intelectual brasileira, cuja atitude reformista e salvacionista implicava não apenas aplicar técnicas desenvolvidas na Europa, mas o empenho sério e consequente de criar um saber próprio sobre o país, na linha das propostas do cientificismo. A crença no mito novecentista da ciência consagrava-se como o único meio prático e seguro de reduzir a realidade a leis, conceitos e informações objetivas. O instrumento que garantiria uma gestão lúcida e eficiente do destino da nação. Com o descrédito das elites tradicionais, só a ciência, com seus “Prometeus portadores”, poderia dar legitimidade ao poder (p.105).

    Herschmann (1994, p.55-57) observa que, no quartel final do Oitocentos, concretizou-se uma retórica inspirada na natureza redimensionada pela valorização da ciência, da doutrina positivista e do naturalismo, cujo desdobramento principal foi transformá-la em princípio explicativo da existência e ponto de partida para elaboração de sistemas científicos que deveriam dar conta do indivíduo e da realidade nacional. O positivismo, ao advogar a importância da observação e da experimentação, acabou por proporcionar um método aos cientistas missionários do progresso e converteu a ciência no único caminho para se alcançar a civilização. A doutrina assumiu significado fundamental para uma nova geração de cientistas,engajados na marcha rumo ao progresso, e respaldou a ascensão desses indivíduos à condição de intelectuais junto ao Estado, legitimando suas intervenções.21

    Foi na Escola Politécnica do Rio de Janeiro22 que esses cientistas reivindicaram para si a condução do “processo civilizador”, pregando o pragmatismo científico, que poderia acelerar a “marcha da História” e superar o “atraso”. Os engenheiros, tendo como referência ideológica a doutrina positivista, constituíram um grupo bastante atuante, até para afirmação de sua identidade como articuladores do projeto de modernização para o Brasil. Euclides da Cunha pode ser considerado um exemplo desses técnicos-intelectuais. O autor do clássico Os sertões, que iniciou seus estudos de engenharia na Politécnica em 1885, passando pela Escola Militar da Praia Vermelha e depois pela Escola Superior de Guerra, ainda no início do século XX repercutia as ideias da “geração de 1870”23 sobre o valor da prática científica como o caminho para o conhecimento militante e transformador. No artigo intitulado Olhemos para os sertões reafirmava a “profissão de fé” da engenharia: “A nossa engenharia não tem destino mais nobre e mais útil do que a conquista racional da nossa terra” (Cunha, 1966, p.504).

    Como destaca Simone Kropf (1994, p.211), ao atuar no projeto de construção da nova ordem social, esses intelectuais cientistas faziam-se também organizadores da cultura. Ao abrir avenidas e ferrovias, reformar a fisionomia dos principais centros urbanos, modernizando portos, os engenheiros pleiteavam a posição de agentes legítimos e legitimadores de um projeto de remodelação nacional. Um amplo programa social de modernização a ser efetivado de forma autoritária e elitista e que rapidamente revelaria seu caráter hierarquizante, discriminatório e excludente.

    Dentro dessas atividades técnicas, percebidas como papel social do cientista, coube aos engenheiros tentar domar o clima semiárido do sertão. Uma resposta da ciência fazia-se necessária para restabelecer as ordens natural e social abaladas pela calamidade iniciada em 1877. Os relatos dos dramáticos fatos ocasionados pela seca chegaram à Corte, assim como às demais partes do Império, pela imprensa. O Parlamento nacional também repercutiu as consequências do flagelo. Fome, morte, fuga desesperada, ineficácia dos “socorros públicos”, desvios da ajuda enviada e corrupção repercutiram negativamente em uma sociedade que se considerava civilizada e ilustrada e que acreditava na ciência como o caminho seguro para o progresso, enquanto a seca representava a barbárie, reduzindo aquelas populações aos seus instintos mais primitivos.

    Alguns “homens da ciência” já haviam viajado pela região, outros presenciaram de perto o flagelo provocado pela estiagem. O resultado disso foi uma série de estudos publicados, já em 1877, com análises sobre as causas da seca, seus efeitos e de como a ciência poderia iluminar a ação do homem para evitar o fenômeno ou ao menos minimizá-lo.24 Os debates foram calorosos e dividiram opiniões de engenheiros e estudiosos do tema. Opiniões contrastantes eram publicadas em jornais de maior circulação – muitas delas depois reunidas em monografias – e discutidas também no âmbito das reuniões do Instituto Politécnico Brasileiro, cuja presidência cabia ao conde d’Eu, genro de dom Pedro II.

    As sessões do Instituto Politécnico dedicadas especificamente ao tema da seca, no entanto, não foram muitas, apenas quatro, sendo que a primeira, ocorrida em 9 de outubro de 1877, propôs a convocação de uma sessão extraordinária para discutir “os processos mais econômicos de realizar o projeto do Dr. Gabaglia, destinado a melhorar as condições naturais da província do Ceará” (Propaganda..., 1987, p.141). Na liderança intelectual estava André Rebouças e, entre os convidados para o debate, os conselheiros Henrique de Beaurepaire Rohan e Guilherme Schüch Capanema.25 Vale destacar que Thomaz Pompeu de Souza Brasil, falecido no início do ano, foi constantemente lembrado por seus trabalhos científicos sobre a província do Ceará.

    A esses cinco “homens da ciência” – três de corpo presente e dois cujos trabalhos eram constantemente evocados – podem-se somar os engenheiros José Américo dos Santos e Viriato de Medeiros, também ligados ao instituto, e o médico Bezerra de Menezes. Em suma, eram esses os principais nomes envolvidos nas discussões sobre as “secas no norte do império”. Giacomo Raja Gabaglia (1985) havia publicado em 1861 um influente estudo, “A questão das secas na província do Ceará”, que, juntamente com os trabalhos do senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil (1986, 1983), “Sobre a conservação das matas e arboricultura como meio de melhorar o clima da província do Ceará”, de 1859, e “Memória sobre o clima e as secas do Ceará”, de 1877, se constituíram na base dos debates sobre o que fazer para enfrentar a seca que historicamente assolava as províncias do Norte.

    Nessa seara de ideias, dois grupos destacavam-se como correntes que defendiam caminhos diferentes. Ambos, porém, proclamando sua base científica. Um deles, liderado por Capanema e Viriato de Medeiros, posicionou-se contrário ao desenvolvimento do projeto proposto por Gabaglia. O outro, liderado por Rohan e Rebouças, considerava viáveis suas diretrizes, mas apontava dificuldades em executá-lo devido à precariedade do orçamento imperial. Divergências já claras nos estudos publicados anteriormente e que integraram a sessão extraordinária de 18 de outubro de 1877, a mais significativa das quatro reuniões do instituto.

    A compreensão das divergências passa necessariamente pelo conteúdo do plano de Gabaglia (1985), que consistia na construção de açudes, estradas e portos, na canalização de córregos e no reflorestamento de áreas desmatadas, mas também pelos objetivos buscados por essas ações, quais sejam, influenciar o clima da região e atender às necessidades emergenciais e estruturais das populações sertanejas. A polêmica logo foi inaugurada na abertura dos trabalhos do dia 18. Capanema, alegando enfermidade, enviou carta afirmando que

    a questão é ociosa, pois as condições climatológicas que subsistiam na época terciária, atravessando todos os períodos geológicos até hoje, não é a débil mão do homem que agora as poderá alterar.

    A questão é outra, de execução relativamente fácil e de resultados seguros. Já se sabe que cada geração, no Ceará, passa por duas secas, é uma calamidade periódica, como é impossível fazer chover à vontade, previnam-se os meios para arrostá-la placidamente (Ata..., 1983, p.143).

    Seguindo a linha de Capanema, Viriato de Medeiros, também ausente na sessão, elaborara uma crítica às ideias tributárias de Gabaglia e defendidas pelo grupo de André Rebouças e Henrique Rohan, questionando a eficácia dos açudes para minorar e prevenir as secas e de sua combinação com o plantio de árvores em grande escala para produzir “alteração completa no clima do Ceará”, evitando assim a falta de chuvas. O grupo, denominado pejorativamente de “escola pluvífera” (sic), ou aqueles que podem “fazer chover à vontade”, apoiava-se na liderança teórica dos estudos realizados pelo falecido senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil e tinha um de seus mais importantes discípulos fora do instituto, o cearense Bezerra de Menezes. A divergência intelectual, com requintes de ironia e ataques pessoais, destinava-se à total falta de evidências científicas na defesa do princípio fundamental da escola: “onde houver focos de evaporação aquosa, com o abaixamento de temperatura à noite, haverá condensação de vapores, e cairá chuva” (Medeiros, 1985, p.69), fato que justificaria a construção de açudes por toda a região assolada pelas secas.

    Certo ou errado, o argumento utilizado resumia-se à desqualificação científica das teorias daquela escola. Ou, como afirmou Viriato de Medeiros (1985, p.70):

    Fomos os primeiros que tratamos das secas do Norte do Império, encarando-as resolutamente sob o ponto de vista científico, e analisando todos os heroicos remédios até então e ainda hoje apregoados pela rotina, e por alguns sábios do Instituto Politécnico, tais como, fontes artesianas, canais derivados do rio São Francisco, arborização em grande escala e os tão decantados açudes.

    Fundamentado na observação e na experiência, o engenheiro convencera-se de que estava fora do alcance do poder humano fazer cessarem as secas, relacionadas tanto ao fatalismo quanto às leis atmosféricas. Portanto, fontes artesianas, canais, açudes e arborização não conseguiriam minorar ou prevenir as secas. Nesse caso, a ciência auxiliaria o homem fornecendo instrumentos para compreender e lidar com um fenômeno inevitável, pois regido pelas forças da natureza. Conhecimento baseado nas observações meteorológicas e que teria a capacidade de deslindar seus mecanismos para prever as estiagens, permitindo, assim, deslocar a população da área a ser afetada e proceder ao socorro pela ação direta do Estado.

    Prevenção era a palavra-chave de Capanema e Viriato de Medeiros, mas isso só teria efeito com a construção da infraestrutura necessária à integração de toda região, o que poderia realizar-se com o trabalho da própria população afetada. O labor como elemento moralizador também estava presente em seus escritos: “A moral do povo muito progredirá. Apresentados os meios de subsistência, e a maneira de adquiri-los, os crimes não serão em número tão elevado, os roubos naturalmente cessarão” (Medeiros, 1985, p.70).

    A defesa dos observatórios meteorológicos por Medeiros (1985) significava conhecimento. Saber que, em sua perspectiva, poderia evitar a sujeição às “devastadoras secas extraordinárias”, cujo tempo de aparição ainda não era conhecido devido “à inércia, à ignorância e à falta de fé na ciência” (p.71). Para que a ciência servisse de guia, para que os “socorros públicos” necessários chegassem oportunamente, para que governo e população pudessem prevenir-se, “seria imprescindível o estudo do fenômeno atmosférico, em todas as leis que o regem, e o conhecimento dos períodos em que ele aparece” (p.81).

    No outro campo, apoiados nas ideias do senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil, situavam-se Henrique de Beaurepaire Rohan, André Rebouças e outros membros do Instituto Politécnico Brasileiro, como José Américo dos Santos. O engenheiro militar Henrique Rohan travava disputa intelectual aberta com Viriato de Medeiros. Evocando sua antiga experiência como presidente da província da Paraíba, defendia entusiasticamente a eficácia da construção de açudes e do plantio de árvores em grande escala como meios de impedir o efeito das secas e descartava totalmente a necessidade de instalar postos de observação meteorológica.

    O eixo condutor de sua análise procurava responder a seguinte pergunta:

    Se considerássemos açudadas essa infinidade de torrentes, que sob a pseudodenominação de rios, percorrem aquela vasta região, se conseguíssemos tornar permanentemente aquáticos esses vales, hoje mirrados pela falta da água, poderíamos duvidar de que as condições atmosféricas sofreriam ali uma revolução benfazeja? (Rohan, 1985, p.57).

    Baseado em suas viagens à região, observou a falta de capacidade de retenção de água devido à topografia do terreno, onde os rios não eram perenes, e conjecturou “se não seria de maior conveniência para a população conservá-las presas do que perdê-las sem recurso poucas semanas depois das chuvas?” (Rohan, 1985, p.57). Daí, em parte, sua defesa dos açudes: haveria água para toda a província durante a seca, evitando o sofrimento da população e do gado; serviriam de viveiro de peixes; atrairiam aves aquáticas, servindo de caça à população; permitiriam o desenvolvimento da vegetação nativa ou exótica. Somando-se a isso, a teoria da evaporação dos grandes volumes de água e sua relação com o aumento dos índices pluviométricos autorizavam Rohan a defender a ideia de que, com o passar do tempo, ampliando-se as florestas artificiais às margens dos açudes, a falta de chuva não causaria mais os mesmos estragos (Rohan, 1985, p.58).

    O mais importante, sobretudo dentro do ambiente cientificista daquele momento, foi o amparo buscado nos estudos de homens respeitados no campo da ciência: os geógrafos Thomaz Pompeu de Souza Brasil, no que diz respeito aos efeitos positivos da arborização, e Giacomo Raja Gabaglia, em relação aos açudes (Ata..., 1983, p.145).

    Bezerra de Menezes também defendia a proposta de construção de açudes e de arborização, mas sua ênfase destinava-se à tese da possibilidade de mudança do clima na região assolada pelas secas. Em seu estudo, inicialmente, tratou das “condições gerais, reconhecidas pela ciência, para existência de chuva: aglomeração, na atmosfera, de certa massa de vapores aquosos e existência, no lugar dado, de uma temperatura mais baixa do que aquela em que tais vapores se formaram” (Menezes, 1986, p.137). Considerando que a causa das secas periódicas do Norte resumia-se à falta de vapores próprios, pois não havia grandes massas de água que os produzissem, a solução defendida pelo médico cearense saltava aos olhos:

    Logo, o meio de acabar com semelhante flagelo não pode ser outro senão o de fazer-se, na zona compreendida pelo S. Francisco e Parnaíba, grandes depósitos d’água, que nivelem, sob esse ponto de vista, como sob o ponto de vista meteorológico são niveladas as províncias da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará com as do Maranhão, do Pará e do Amazonas.

    Eis o remédio do grande mal; eis a medida do futuro, que abrirá àquela região, talvez a mais fértil do Brasil, ricos e esperançosos horizontes (Menezes, 1986, p.140-141).

    Voltando um pouco no tempo, Menezes evocou a presidência da província cearense por José Martiniano Pereira de Alencar, em meados da década de 1830, para ilustrar uma política de construção de açudes incentivada pelo Estado, que resultou na construção de “600 ou 800”, em resposta à lei de subvenções. Tal fato, associado à ocorrência histórica das secas desde o final do século XVIII até a década de 1870, segundo seus apontamentos (1772, 1778, 1792, 1809, 1817, 1825 e 1845), permitiu a conclusão de que o maior intervalo entre a última seca e a de 1877 (mais de trinta anos) seria consequência da existência de novas “fontes de evaporação”, os grandes lagos artificiais construídos pelo engenho humano (Menezes, 1986, p.143).

    Tese polêmica, mas aceita pela maioria dos membros do Instituto Politécnico, que já era apontada e defendida por Thomaz Pompeu de Souza Brasil (1986) em seu primeiro trabalho sobre a região do sertão cearense, no qual advogava “a necessidade de fazer parar o pernicioso sistema da devastação das matas e a conveniência de tentar-se a arboricultura, como meio de preservar a província do flagelo das secas” (p.97). Olhando para os registros das secas anteriores (1724, 1778, 1792, 1809, 1817, 1825, 1827, 1841, 1845 e 1858), o geógrafo notou que os intervalos entre elas, sejam intensas ou fracas, eram cada vez mais curtos, o que justificaria sua tese de que os desmatamentos, em ritmo cada vez mais intenso, influenciavam as estiagens (p.119).

    Algum tempo depois, no ano de sua morte, Thomaz Pompeu publicou outro estudo relatando suas observações sobre fenômenos meteorológicos desde 1849 (Brasil, 1983). A tese fundamental, porém, não mudara: o aumento significativo da população e da intensificação do uso agrícola do solo, a queima dos campos e derrubada das matas prejudicaram o clima da região. E mesmo a construção de muitos açudes particulares era insuficiente para alterar sua climatologia a ponto de tornar as chuvas mais favoráveis. Prosseguindo a análise, o geógrafo observava que as secas tinham causas naturais, relacionadas à posição da região e às correntes aéreas, e artificiais, influenciadas pela ação humana. A experiência demonstrava que os homens contribuíram para piorar o clima. No fundo, a grande e inquietante questão era se os esforços humanos poderiam modificá-lo, no caso, para melhor? A resposta passava pela questão das águas: “É mister pois, ajudar a natureza a represar, e converter esses vapores que passam sobre nossa região; e um dos instrumentos ou agentes para essa modificação é, além das matas, as águas em maior quantidade sobre o solo da província” (Brasil, 1983, p.37).

    A solução, portanto, residia na construção em larga escala de açudes, aproveitando a enorme quantidade de acidentes geográficos oferecidos pelo relevo. Grandes superfícies aquosas facilitariam a evaporação e o vapor d’água condensado cairia sob a forma de chuva. Dessa forma, a iniciativa individual e o Estado deveriam canalizar esforços para a construção de grandes represas, além do plantio de matas e conservação das existentes. Ao final, Thomaz Pompeu (Brasil, 1983, p.41) evocou mais uma vez a ciência como instrumento racional de intervenção do homem na natureza ao afirmar que

    1. se de todo não é dado obstar a repetição do fenômeno das secas, que dependem de causas superiores, ainda não inteiramente sujeitas à ação humana, é todavia possível modificar seus efeitos, neutralizá-los e, pelo menos, retardá-los;

    2. que os meios, verificados pela experiência e aprovada pela ciência, consistem na modificação e melhoramento do clima;

    3. que o clima pode modificar-se, conseguindo-se reter os vapores aquosos, aumentá-los e condensá-los sobre o solo. Já um sábio distinto tinha dito que a atmosfera é laborável como o solo.

    Antes da publicação desse estudo, no entanto, o senador ainda teve tempo de escrever um breve apêndice a respeito da seca que, em maio de 1877, já dava indícios de sua gravidade. Fato que chamou atenção para o que ele considerou uma “coincidência notável”, a correspondência dos anos seculares – 1711 e 1809, 1723-1727 e 1824-1825, 1744-1745 e 1844-1845, 1776-1777 e 1877 –, concluindo que “talvez haja uma lei desconhecida que regule a repetição secular de tal fenômeno” (Brasil, 1983, p.44). Seria a ciência capaz de descobri-la?

    Em 1877, o engenheiro André Rebouças também publicou seu estudo sobre a seca nas províncias do Norte. Uma análise comparada entre os meios usados na Índia britânica e os que deveriam ser empregados no Norte do Brasil para minorar as secas. Aqui cabe observar a importância dada ao modelo científico europeu, no caso, britânico, de lidar com a natureza, segundo as próprias palavras do autor: “pretendemos fazer pelo Ceará e pelas suas irmãs de infortúnio tudo quanto ensina a ciência e a experiência dos povos mais avançados na estrada do progresso” (Rebouças, 1983, p.90). Em sua concepção, o Ceará ainda sofria de falta de água porque se desprezaram os conselhos de Gabaglia, Rohan e Pompeu. Lembrando que não apenas as secas eram prejudiciais, mas também as inundações, Rebouças (1983, p.99) perguntava “se não está a natureza claramente ensinando que é necessário fazer obras para que não sejam prejudiciais as chuvas superabundantes, e para recolher e guardar o excesso de água para os anos de seca?”.

    Ensinamentos que poderiam ser resolvidos tecnicamente por meio de construções elementares: dragagem da foz dos rios; açudagem de todos os rios e torrentes para conservar água ainda mesmo em dois ou três anos de seca; construção de represas nos vales a fim de formar inexauríveis depósitos para contínuo abastecimento dos rios, engenhosamente açudados; drenagem dos vales sujeitos à inundação; irrigação de todas as terras secas; melhoria das vias de comunicação. Um conjunto de obras amplamente dominado pela engenharia, mas bastante dispendioso (vinte a trinta mil contos), cuja justificativa de gasto ligava-se à dolorosa estatística das vítimas da seca, calculada em 2.147.000 pessoas. Além disso, lembrava que a “Constituição também garante os socorros públicos” e que o “governo imperial não pode deixar morrer uma só pessoa de fome sem faltar ao primeiro de seus deveres” (Rebouças, 1983, p.111, 113).

    Por outro lado, Rebouças preocupou-se com a população sertaneja periodicamente assolada pelas secas. Sem escapar do pensamento moral da época, que supunha ser o trabalho o contraponto ideal à ociosidade e o remédio para todos os vícios sociais, como a preguiça, defendeu a necessidade de empregar os retirantes na agricultura das áreas não afetadas pela estiagem e nas obras públicas mais úteis.26 Pensando em médio prazo, propôs que os governos provinciais adquirissem boas terras situadas ao lado das vias de comunicação, subdividissem-nas em pequenos lotes a ser distribuídos pelas famílias dos migrantes, que receberiam instrumentos agrícolas e sementes, da mesma forma como fez o governo imperial com os colonos estrangeiros.

    O objetivo final era a “colonização nacional”, com subdivisão do solo, pequena propriedade, cultura intensiva, estabulação e com todos os benefícios que podiam ser resumidos nas “sublimes palavras”: “Democracia rural” (Rebouças, 1983, p.130). A fixação dos retirantes nessas terras subdivididas em lotes coloniais, portanto, era o melhor dos projetos para combater e minorar a calamidade da seca atual, e prevenir sua repetição no futuro. Rebouças, no entanto, não se esqueceu do sertão. A região deveria ser reconquistada paulatinamente, com rios açudados e canalizados, grandes e numerosos açudes, exuberante arboricultura, vias férreas, cisternas, enfim, a partir da interferência do homem com suas obras de engenharia.

    Em suma, Rebouças já dava mostras de que não era apenas um técnico capaz, mas um pensador e reformador social. Além de ferrenho defensor e propagandista da abolição da escravidão, alguns anos mais tarde, publicaria seu trabalho clássico sobre a economia da agricultura nacional, no qual criticava a estrutura fundiária do país.

    Conhecidas em largas linhas as ideias dos principais “homens da ciência” envolvidos na discussão sobre as secas, resta retornar aos debates ocorridos no Instituto Politécnico no final de 1877 para identificar alguns de seus resultados. A sessão de 18 de outubro pautou-se pelo tema da eficácia dos açudes e da plantação de árvores em larga escala para acabar com as secas ou minimizar seus efeitos. Os custos foram brevemente tratados, com indicativos alarmantes a respeito da situação financeira do Estado. A integração da região também foi aventada, indicando a necessidade da construção de estradas de ferro e caminhos secundários. Com as ausências de Capanema e de Viriato de Medeiros, tornou-se consenso que o mal das secas não era irreparável – e nisso consistia o papel da ciência.

    Ao final da sessão, André Rebouças, a partir das observações de Buarque de Macedo, redigiu uma proposta a ser enviada ao governo imperial com algumas medidas consideradas importantes para combater de imediato e no longo prazo o problema das secas. Ficou acordado que os membros do instituto teriam um prazo para estudar sua viabilidade técnica e econômica e deliberariam por sua aprovação ou não na sessão seguinte. No dia 23 de outubro, após breves debates, o texto foi aprovado nos seguintes termos:

    O Instituto considera também da máxima vantagem que o governo ative ou faça executar, a fim de dar trabalho e salários aos retirantes:

    (1º) a construção de vias férreas já estudadas na região flagelada pelas secas;

    (2º) o melhoramento dos portos marítimos e fluviais;

    (3º) a construção de linhas telegráficas gerais;

    (4º) a desapropriação dos terrenos marginais dessas vias férreas para serem divididos pelos retirantes (Sessão..., 1983, p.158).

    Na sessão de 30 de outubro decidiu-se, finalmente, encaminhar ao governo imperial as propostas debatidas anteriormente e criar uma comissão de engenheiros – André Rebouças, José Américo dos Santos e Carneiro da Cunha – para avaliar sua viabilidade na remediação das tristes condições das províncias assoladas pela seca. Apesar de Joaquim Alves (1982, p.203) afirmar que nenhuma das sugestões apresentadas – a construção de açudes, estradas de ferro e portos – foi planejada e executada, pois não existiam verbas suficientes para fazer face às despesas extraordinárias exigidas pela região das secas, uma comissão de engenheiros chegou à província cearense em meados de 1878, ano em que se iniciaram as obras da Estrada de Ferro de Baturité.27 Pouco depois, em 1879, técnicos da Comissão de Açudes e Irrigação penetraram o interior do Ceará para estudar os locais mais propícios para a construção de açudes, cujo maior exemplo foi o do Cedro, em Quixadá, iniciado em 1884. Grandes projetos que se aproveitaram largamente da força de trabalho das populações assoladas pelas secas como condição para receber os “socorros públicos”.28

    José Américo dos Santos (1987, p.37), membro da comissão nomeada pelo Instituto Politécnico, registrou a inércia do governo imperial em março de 1878: “pode-se dizer que não se tem dado a devida atenção às ideias apresentadas, as quais não têm sido postas em execução”. No texto, o engenheiro não se furtou em defender as mesmas medidas propostas pelo instituto, afinal, também tomara parte daqueles debates. Chama atenção, no entanto, o tratamento dispensado à população do país em geral e, mais especificamente, aos sertanejos, considerados atrasados e arredios aos ensinamentos iluminados da ciência.

    A ignorância de um povo, cheio de superstições, como é o nosso, alia-se a essa indiferença e ambas formam uma barreira contra a qual vão bater infinitas vezes os mais bem fundados argumentos do homem da ciência e do filantropo, antes de conseguir abrir brecha a chegar a convencê-lo da eficácia dos meios que lhe são sugeridos, para alcançar o seu bem-estar (Santos, 1987, p.38).

    A crítica às condições morais dessa população não poupava nem mesmo o governo, considerado mesquinho e patriarcal.

    As secas ... têm causas físicas naturais; os desastres por elas ocasionados não devem, entretanto, ser lançados só à conta destas causas, mas sim a outras de ordem moral. Com efeito, a falta de instrução, de que se ressente a maioria da população de nossos sertões, o estado de abatimento moral em que se acham, em consequência da depravação de uma política mesquinha, levam-na a descurar de seu próprio bem-estar, a ser um extremo imprevidente, e a tudo esperar do patriarcal governo, acreditando em promessas falazes, que em abundância aparecem nas épocas de eleições (Santos, 1987, p.54).

    Observador “científico” in loco dos hábitos e costumes da população sertaneja, Américo dos Santos (1987, p.64-65) também condenou seu comportamento nômade.

    Muitos dos matutos do sertão continuam a ir nessa estação [verão] a ir às terras das zonas de matas, onde existem os engenhos de açúcar para neles trabalharem na ocasião da safra, levando deste modo uma espécie de vida nômade que não pode ser de grande vantagem. Este modo de vida ambulante concorre para que os moradores das povoações do interior se descuidem de dar caráter de permanência às suas construções o que faz com que seu aspecto traduza, quase sempre um ar de grande atraso ou de civilização muito primitiva, senão aspecto de completa decadência.

    André Rebouças, José Américo dos Santos e os outros autores da época aqui abordados estavam inseridos no universo cultural onde orbitava a mentalidade das elites brasileiras. Exemplos bem acabados de como parte significativa dos “homens da ciência” hierarquizava a sociedade dentro de supostos princípios de civilização e progresso, ambos ratificados pelo domínio do conhecimento científico. Nessa perspectiva, no andar de baixo encontravam-se aqueles cujo saber científico, a moral do trabalho e a civilização moderna ainda não os havia tocado por uma série de contingências. Resgatá-los! Essa seria a missão maior dos “ilustrados”. Como fazê-lo? Bastava pôr em prática o papel providencialista que a doutrina filosófica positivista conferia à ciência. Como condutora de ações políticas progressistas do Estado para superação dos graves problemas que afligiam a nação, a ciência iluminaria os caminhos a ser percorridos para se alcançar uma ordem social harmônica e moderna, superando a barbárie estrutural ou mesmo eventual.

    A partir de 1877, as secas, como observa Hélio Farias, passaram a representar para a nação muito mais do que um efeito climático adverso, responsável pelos movimentos migratórios, em uma sociedade onde predominavam relações patriarcais de dominação política e social, dinâmicas econômicas excludentes e representações culturais consideradas arcaicas que conferiam à região um caráter específico e inferior dentro das fronteiras do país. Os estudos sobre as causas das secas e como enfrentar o problema acabaram por incentivar, inicialmente, a exploração e o conhecimento da natureza do sertão, tarefa a cargo dos engenheiros; mais tarde, levaram ao questionamento das estruturas sociais que agravavam e perpetuavam os efeitos das estiagens (Farias, 2008, p.148).

    A seca como problema regional e nacional

    A ausência de chuvas no dia de São José e o mandacaru sem florescer indicavam – como ainda indicam – segundo os costumes da população sertaneja, o início e a continuidade do período de seca. Se a explicação para tal fato passou a ser conhecida pelas ciências naturais – o que, no entanto, não acarretou solução para o problema climático –, outras áreas do conhecimento, as ciências sociais e econômicas, precisariam ser evocadas para a compreensão de como o fenômeno natural da estiagem ajudou a potencializar e perpetuar uma estrutura social desigual e excludente comandada pelos interesses de uma secular elite política e econômica, que se utilizava da seca para barganhar políticas para a região.

    Na longa duração, dentre os diversos enfoques sobre o problema das secas, Souza e Medeiros Filho destacam dois que interessam diretamente a esta análise. O enfoque tecnicista, originado durante o Império, com apoio de dom Pedro II e defendido pelos engenheiros positivistas da Corte, cuja base assentava-se na irregularidade das chuvas, ou seja, na falta de água, a ser solucionada pela construção de açudes, barragens e poços. Esse início efetivo de uma política de águas a ser empreendida pelo Estado foi claramente demarcado pela seca de 1877-1879. O enfoque sociopolítico, mais tardio, no qual a seca não é entendida apenas como fenômeno climático, mas como fato social de múltiplas implicações, reveladoras do subdesenvolvimento regional e da fragilidade de uma estrutura rural profundamente desigual (Souza, Medeiros Filho, 1983, p.12-13).

    Albuquerque Júnior (1995, p.112, 118), em artigo instigante, propõe investigar a história da invenção da seca como um problema regional, que exige intervenção nacional, partindo da hipótese de que o marco 1877 não é explicação, mas deve ser compreendido dentro de uma realidade histórica que engendrou discursos e práticas responsáveis por essa transformação. A seca de 1877-1879 tornou-se diferente porque colocou em questão o tradicional padrão das relações de exploração e dominação, enfraquecendo ou mesmo vitimando grupos dominantes, que se aproveitaram do flagelo para colocar o problema no plano da natureza, afastando explicações residentes no plano social.

    Discursos e práticas que foram elaborados com base na cultura popular e nas interpretações da Igreja, ambas reforçando a imagem das secas como castigo divino, mas também nos relatos de técnicos que começavam a visitar a região com o objetivo de determinar as causas e propor soluções para o fenômeno das longas estiagens, apoiados nos pressupostos científico-sociais (Albuquerque Júnior, 1995, p.119). Uma espécie de “profissão de fé” do cientista esclarecido, elemento característico do ambiente intelectual a partir das décadas finais do século XIX.

    Considerações finais

    À guisa de conclusão, e expandindo um pouco as ideias desses três autores, como ficou exposto ao longo do texto, é possível afirmar que o discurso científico, dogmático, progressista e civilizador, ao estudar e associar a seca a uma manifestação da natureza que, acreditava-se, poderia ser dominada pelo conhecimento humano, implicando, portanto, a presença e ação do Estado por meio de políticas públicas, serviu, paradoxalmente, como instrumento e justificativa para perpetuação do atraso secular.

    Dois exemplos são ilustrativos. Com a seca transformada em problema regional e nacional, uma política de águas ancorada nos estudos dos “homens da ciência”, tributária de práticas intervencionistas supostamente modernizantes, implicou a instituição da Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), em 21 de outubro de 1909, que, no entender de Moraes (2010, p.14), representava uma construção sociocultural: o sertão como problema a ser resolvido pela ciência. Anos mais tarde, em 1919, a nomenclatura foi alterada para Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs), e, finalmente, em 1945, para Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), mas sua essência pouco mudara. Resultado de uma visão mais abrangente, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), criada em 15 de dezembro de 1959, sob o patrocínio intelectual de Celso Furtado (2013, p.344), pretendia ser, nas palavras do economista, um “órgão de natureza renovadora com duplo objetivo de fornecer ao governo instrumento que o capacitasse a formular uma política de desenvolvimento para o Nordeste e, ao mesmo tempo, o habilitasse a modificar a estrutura administrativa em função dos novos objetivos”.

    O primeiro órgão tinha preocupações mais específicas – as águas –, enquanto o segundo era fruto de uma visão global e integradora do problema, do qual fazia parte a região semiárida sujeita às secas, onde o “sistema econômico constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre a forma de vida da população e as condições ecológicas do meio ambiente” (Furtado, 2013, p.354). Nesse caso, a pesquisa e o conhecimento científico seriam os pilares da construção de políticas que se propunham a alterar profundamente a sociedade secularmente estabelecida, mas ainda sob os mantos do progresso e da civilização.

    O tempo, todavia, passou e tanto o Dnocs quanto a Sudene foram engolidos pelas antigas e persistentes estruturas, que acabaram por moldá-los de acordo com os próprios interesses. Mesmo que o mandacaru florescesse, sua flor, símbolo de esperança, luta e renovação, continuaria a sucumbir não apenas perante a seca, mas principalmente diante de uma sociedade hierárquica, desigual e excludente.

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    • 1
      O jornal O Retirante: órgão das vítimas da seca foi editado semanalmente na capital cearense durante os anos de 1877 a 1878. Situado no campo oposicionista, fazia fortes críticas a governos provincial e central, denunciando, além da situação calamitosa em que se encontrava a população assolada pela seca, os desmandos e a corrupção das autoridades e responsáveis pelo auxílio às vitimas da estiagem. Esse periódico, no entanto, ainda não foi estudado com a devida atenção, apesar de mencionado por diversos autores que se debruçaram sobre o tema da seca no final do Oitocentos, dentre eles Villa (2000); Neves (2000b); Avelar Júnior (1994).
    • 2
      Desde os tempos coloniais, a palavra sertão era empregada para designar as terras distantes ainda não exploradas, pouco habitadas e de difícil aceso. O sentido de “despovoado” estava ligado à ausência de “habitantes civilizados”, desprezando-se a existência das populações nativas. Com a colonização de grande parte dessas áreas, a definição mais comum ficou atrelada às regiões secas que compõem a região semiárida.
    • 3
      Cereus jamacaru, nome científico do mandacaru, da família das Cactaceae, é uma árvore típica da região Nordeste, nas áreas de caatingas arbóreas menos secas e de solo argiloso. Chega a medir entre cinco e oito metros de altura, com copa em formato de candelabro; suas raízes são responsáveis pela captação de água no lençol freático; seus ramos verdes do tipo cladódio (modificação presente em plantas xerófitas para armazenamento de água e clorofila) ficam dispostos de forma irregular; as flores, solitárias, surgem em cada ramo; o fruto é vermelho, de polpa carnosa e adocicada, com sementes pretas.
    • 4
      Rodolfo Teófilo (2011, p.19) descreveu com maestria, logo na abertura de seu romance A fome, a expectativa da população sertaneja de que a chuva chegasse em 19 de março de 1877, dia de São José. “Na noite de 18 de março poucos foram os que dormiram. Ao quebrar das barras já todos estavam nos terreiros, com o olhar fito no levante”. No mesmo parágrafo, apontou a desilusão pela certeza de que a chuva não viria. “O vento de leste esfuziou mais forte e foi uivando de mundo afora, torcendo a ramaria das árvores, levantando do solo nuvens de folhas secas e de poeira. Os sertanejos, que olhavam o nascer do sol, baixaram a vista, alguns chorando a sua sentença de morte”. Thomaz Pompeu de Souza Brasil (1983, p.15), em suas viagens pelo sertão desde meados do Oitocentos, observou que “os sertanejos, quando não chove em dezembro por Santa Luzia apelam para o ano bom, princípio de janeiro, e depois para São José, a 19 de março. Se até então não tem começado o inverno [estação chuvosa], tem-se por declarada a seca”.
    • 5
      Neves (2003, p.175) cita as palavras de Rodolfo Teófilo, que se opunha aos liberais que defendiam a imediata utilização dos retirantes nas obras públicas: “a Constituição garante, é verdade, socorro ao faminto sem lhe exigir serviços” e “o pensamento da lei não pode ser condenado, porquanto supõe indivíduos completamente inabilitados para o trabalho e, portanto, no caso de auxílio do Estado”.
    • 6
      O Instituto Politécnico Brasileiro foi fundado por engenheiros em 11 de setembro de 1862, com o objetivo de estudar e debater temas técnico-científicos e os problemas de infraestrutura no Brasil. Para um estudo detalhado sobre o instituto, ver Marinho (2002).
    • 7
      Vale lembrar aqui alguns estudos desenvolvidos junto ao Programa de Pós-graduação do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará que aprofundam temas ligados à seca: Cândido (2014); Monteiro (2012); Lima (2010); Silva (2003). E o esforço da Escola Superior de Agricultura de Mossoró, cujos Livros das secas, organizados por Vingt-Un Rosado, reproduzem estudos contemporâneos às secas desde meados do século XIX. Os trabalhos aqui analisados foram consultados nessa coleção.
    • 8
      Para Albuquerque Júnior (1999), o Nordeste não existiu até a década de 1910; a região surgiu como uma invenção recente na história brasileira, um recorte espacial feito a partir do fenômeno da seca. Melo (1999), porém, acredita que o vocábulo nordeste é de uso ainda mais recente, sendo raro encontrá-lo mencionado na bibliografia anterior a 1930.
    • 9
      Sobre a colonização do interior da colônia e a resistência da polução indígena, ver Puntoni (2002).
    • 10
      Uma carta régia de 1701 estabeleceu uma divisão espacial reservando a Zona da Mata para a plantação de cana e o sertão para a pecuária (Souza, Medeiros Filho, 1983, p.22).
    • 11
      Os produtores de algodão no interior de Pernambuco foram estudados por Palácios (2004). Sobre o algodão no Rio Grande do Norte ver Takeya (1985); para o Ceará, ver Leite (1993).
    • 12
      Segundo Furtado (1963, p.78), “as condições de trabalho e alimentação eram tais que propiciavam um forte crescimento vegetativo de sua própria força de trabalho”.
    • 13
      Neste artigo, o termo “elite” é empregado para se referir a um grupo minoritário situado em posição hierárquica superior, em uma dada organização, dotado de poder de decisão política, social e econômica.
    • 14
      De acordo com o censo de 1872, o Ceará tinha 721.686 habitantes; o Rio Grande do Norte, 233.979; e a Paraíba, 376.226 (Brasil, 1958).
    • 15
      Local onde ficavam os retirantes vindos do interior à espera de socorro.
    • 16
      Girão (1953, p.189) afirma que o Ceará perdeu 1/3 de sua população pela fuga e pela morte, e sua riqueza pastoril, que antes da seca era calculada em 24 mil contos de réis, não valia, agora, mais de duzentos contos, enquanto a agricultura desaparecera completamente.
    • 17
      A historiografia da seca fornece dados sobre o volume dessas migrações. A respeito dos deslocamentos para o norte, ver Nunes (2008). Em relação ao centro-sul, ver Gonçalves (2006). Girão (1953, p.187-188) informa que, desde 1869 até o fim do século, migraram do Ceará 300.902 pessoas, sendo 255.526 para o Amazonas e 45.376 para o sul do país.
    • 18
      Sobre o tema, ver Cardoso (2011).
    • 19
      Nos três anos de seca, a província cearense recebeu mais de 28 mil contos de réis, quase a metade do total dos créditos abertos pelo governo central para socorrer as vítimas do flagelo (Relatório..., 1880, p.85). Quanto à corrupção, a imprensa da época denunciou vários casos de desvio do dinheiro por parte dos responsáveis pela distribuição dos socorros às vítimas da seca: políticos, grandes proprietários de terras, comissários e até padres (Frota, 1985, p.155-163).
    • 20
      Rodolfo Teófilo (1901, p.15), por exemplo, era um dos maiores oposicionistas da migração e criticava duramente o governo por fechar “de todo os celeiros aos retirantes” e abrir “de todo os portos à emigração”.
    • 21
      Sobre o desenvolvimento do positivismo no Brasil, ver Costa (1967).
    • 22
      Instituída em 1874, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro tem origem na Escola Central que descende diretamente da Escola Militar e da Academia Real Militar. Sobre o papel da instituição na perspectiva abordada neste artigo, ver Ferreira (1989).
    • 23
      Segundo Ângela Alonso (2002), a “geração de 1870” deve ser compreendida a partir da experiência compartilhada de seus membros que deu sentido ao protesto coletivo que sacudiu o Império e propiciou a explosão de “ideias novas”.
    • 24
      A literatura também refletiu a preocupação com os problemas sociais das secas. Além do romance já citado, A fome, de Rodolfo Teófilo, outra importante obra, Os retirantes, foi publicada, em 1879, por José do Patrocínio. Ambas são apontadas como marco inaugural da temática da seca na literatura brasileira.
    • 25
      O engenheiro Guilherme Schüch Capanema e o geógrafo Giacomo Raja Gabaglia integraram a Comissão Científica que explorou o interior das províncias do Norte, entre 1859 e 1861, a mando do imperador dom Pedro II. Sobre essa comissão, ver Porto Alegre (2003).
    • 26
      Para uma discussão sobre a moralidade do trabalho e o seu potencial civilizador de acordo com a perspectiva das elites locais e da Corte, ver Cândido (2014) e Neves (2003).
    • 27
      Inicialmente, a comissão era composta por Henrique Beaurepaire Rohan, Nabuco de Araújo, Lassance Cunha e Júlio Pinkas (Moraes, 2010, p.27).
    • 28
      Sobre o recrutamento de retirantes para a construção de ferrovias, portos e açudes e as formas de resistência dessas populações ao trabalho intenso e sistemático, ver Cândido (2014); sobre a construção do Açude do Cedro, ver Monteiro (2012).

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      Apr-Jun 2018

    Histórico

    • Recebido
      8 Mar 2017
    • Aceito
      28 Ago 2017
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