Resumos
Este artigo objetiva apresentar uma descrição comentada da coleção fotográfica sobre o Brasil pertencente aos arquivos da Fundação Rockefeller nos Estados Unidos, o Rockefeller Archive Center. Traz informações sobre a origem de tal documentação, bem como sobre as formas de sua acumulação, tendo em vista compreender o contexto de produção daqueles documentos visuais. Tais documentos dizem respeito às relações entre a Fundação Rockefeller e organismos brasileiros voltados para o combate a doenças como a febre amarela, a malária e a ancilostomíase entre os anos 1920 e 1940.
fotografia; Fundação Rockefeller; saúde pública; arquivo fotográfico; febre amarela; malária; ancilostomíase; sanitarismo
This article describes and comments on the collection of photographs of Brazil that belongs to the Rockefeller Foundation archives (Rockefeller Archive Center) in the United States. It also contains information about the origin of such documents and the way they were collected, as well as analyzes the context in which these visual documents were produced. They record the relationship between Rockefeller Foundation and Brazilian institutions engaged in the combat against yellow fever, malaria and ancyclostomiasis from 1920 to 1940.
photography; Rockefeller Foundation; public health; photographic files; yellow fever; malaria; ancyclostomiasis; sanitation
I M A G E N S
Retratos do Brasil: uma coleção do Rockefeller Archive Center
Images of Brazil: a Rockefeller Archive Center collection
Aline Lopes de Lacerda
Pesquisadora do Departamento de Arquivo e Documentação da
Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Este artigo objetiva apresentar uma descrição comentada da coleção fotográfica sobre o Brasil pertencente aos arquivos da Fundação Rockefeller nos Estados Unidos, o Rockefeller Archive Center. Traz informações sobre a origem de tal documentação, bem como sobre as formas de sua acumulação, tendo em vista compreender o contexto de produção daqueles documentos visuais. Tais documentos dizem respeito às relações entre a Fundação Rockefeller e organismos brasileiros voltados para o combate a doenças como a febre amarela, a malária e a ancilostomíase entre os anos 1920 e 1940.
PALAVRAS-CHAVE: fotografia, Fundação Rockefeller, saúde pública, arquivo fotográfico, febre amarela, malária, ancilostomíase, sanitarismo.
This article describes and comments on the collection of photographs of Brazil that belongs to the Rockefeller Foundation archives (Rockefeller Archive Center) in the United States. It also contains information about the origin of such documents and the way they were collected, as well as analyzes the context in which these visual documents were produced. They record the relationship between Rockefeller Foundation and Brazilian institutions engaged in the combat against yellow fever, malaria and ancyclostomiasis from 1920 to 1940.
KEYWORDS: photography, Rockefeller Foundation, public health, photographic files, yellow fever, malaria, ancyclostomiasis, sanitation
A longa parceria entre norte-americanos e brasileiros no combate a doenças endêmicas, especialmente a febre amarela, na primeira metade do século XX, constitui um dos capítulos mais marcantes na história da saúde pública brasileira. Os primeiros contatos entre médicos da Fundação Rockefeller e membros do governo brasileiro aconteceram a partir de 1916, com a vinda de comissões norte-americanas para avaliação do cenário de saúde nacional. Mas data do ano de 1923 o estabelecimento de convênio entre o governo brasileiro e a fundação, que fez uma dotação de recursos financeiros e garantiu a cooperação médico-sanitária e educacional para a implementação de programas de erradicação das endemias, um problema grave que afetava todo o país, sobretudo as regiões do interior, onde os trabalhos concentraram-se no combate à febre amarela e, mais tarde, à malária. Inicialmente atuando como coadjuvante junto aos serviços estaduais e municipais no combate a doenças como ancilostomíase, a Fundação Rockefeller ampliou sobremaneira sua participação e influência na área governamental de saúde pública, sobretudo a partir da década de 1930, combatendo a febre amarela. Essa doença foi considerada à época o maior desafio para a equipe norte-americana e contou, durante os anos 1930 e 1940, com um aparato organizacional ímpar na história de combate sistemático a uma endemia.
Com uma estratégia definida, que tinha como objetivo o completo extermínio do então considerado único vetor da doença o mosquito Aedes aegypti , aos poucos, e por força das circunstâncias a verificação comprovada da existência da forma silvestre da doença , a fundação intensificou as atividades de pesquisa em laboratório visando ao aperfeiçoamento de uma vacina eficaz contra a moléstia. Esse processo foi simultâneo a uma associação da Fundação Rockefeller com organismos governamentais criados para atuar nesse mesmo cenário como o Serviço Nacional de Febre Amarela (SNFA), o Serviço de Malária do Nordeste (SMNE) o que concorreu para ampliar o alcance de suas ações e, ao mesmo tempo, propiciar uma troca de experiências e influências entre as instituições brasileiras e a norte-americana.
A conseqüência mais marcante dessa parceria foi a incorporação de um modelo de campanha de saúde pública no Brasil que iria marcar a área muitos anos após a saída formal da Rockefeller do país. A partir da década de 1940, a instituição norte-americana paulatinamente retirou-se e transferiu o controle das campanhas e de suas pesquisas para o SNFA, cujo laboratório de produção da vacina acabou sendo incorporado, em 1950, ao Instituto Oswaldo Cruz (IOC), atualmente uma das unidades da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Esses anos de trabalho de pesquisa dentro e fora dos laboratórios foram registrados de diversas formas. Hoje, podem ser recuperados pela pesquisa a dois arquivos institucionais que guardam documentos sobre esse episódio de cooperação entre Brasil e Estados Unidos. Trata-se da documentação sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, no Brasil, e da documentação sob a guarda do Rockefeller Archive Center (RAC), nos Estados Unidos. Este artigo é fruto de pesquisa nos arquivos depositados no RAC, notadamente a coleção de fotografias sobre o Brasil, cujas características serão comentadas a seguir.
As coleções fotográficas pertencentes ao RAC
Do ponto de vista da atuação da Rockefeller fora do território norte-americano, a coleção é muito significativa, pois traz imagens dos trabalhos realizados em vários países do Terceiro Mundo, mostrando doenças prevalecentes e atividades de assistência médica, assim como o cenário local, a vida social e as condições de existência das populações daqueles países. A maior parte dessas imagens são anteriores a 1940. As fotografias encontram-se arquivadas por país e subdivididas em categorias temáticas gerais.
Os assuntos que concentram o maior número de registros visuais são os relativos às ciências médicas escolas de medicina, laboratórios, hospitais, pesquisas com animais, produção de vacinas, enfermagem formação de enfermeiras, incluindo suas atividades práticas e saúde pública exposições, demonstrações e paradas, campanhas de leite, laboratórios e clínicas de saúde pública, aulas de nutrição, inoculação para febre tifóide, instalações de latrinas, campanhas de higiene pessoal.
Além desses assuntos mais gerais, algumas doenças são temas presentes, como ancilostomíase pacientes antes e após o tratamento, exposições, clínicas rurais, mobiliário de laboratório e equipamentos, instalações de latrinas e condições de vida da população afetada; malária tentativas de controle (destruição do mosquito), exame de pacientes, distribuição de quinina; febre amarela tentativas de controle, captura de mosquitos, exame e tratamento de pacientes; tuberculose condições ambientais gerais, exposições e clínicas de tratamento.
Ainda há imagens que documentam as pesquisas em desenvolvimento, como é o caso da então incipiente área de virologia. Por último, estão documentadas as atividades que resultaram da atuação da Fundação Rockefeller em outras áreas do conhecimento, tais como humanidades exposição de artes, aulas de teatro e música, estúdios de rádio e televisão, programas de língua inglesa e estrangeira, programas de história da América, Ásia e história islâmica, coleções de museus e bibliotecas e programas de conservação; ciências sociais computação, economia, estudos internacionais e de população; ciências naturais incremento em pesquisa e laboratórios em física, biologia, química, microbiologia, genética, pesquisa atômica, astronomia e outros campos de estudos científicos; agricultura maquinaria agrícola, controle de pragas e de doenças em plantas, novos métodos de colheita.
O Brasil nas coleções fotográficas do RAC
Integra o conjunto de registros visuais do fundo Fundação Rockefeller, depositado no RAC, uma série de imagens sobre o Brasil,objeto de nossa particular atenção. Ao longo dos anos em que esteve estreitamente relacionada com projetos nas áreas de saúde pública, ensino e pesquisa no país, a Fundação Rockefeller produziu, assim como permutou com o governo brasileiro, amplo material iconográfico relativo às suas áreas de interesse e de atuação. Por possuir escritórios no Brasil, esse material circulava entre os profissionais que ali trabalhavam e em muitos casos era remetido ao escritório central da instituição, em Nova York.
Esse circuito de produção e troca não se efetuava aleatoriamente, isto é, não se tratava apenas de troca de informações visuais ou de remessa de imagens sobre o país no qual os trabalhos vinham se concentrando. As fotografias eram peças importantes na lógica de funcionamento da Fundação Rockefeller e foram amplamente produzidas, acumuladas e sistematizadas por ela. Além das imagens produzidas pela equipe da fundação, eram colecionadas imagens enviadas pelo governo brasileiro apresentando as atividades e os serviços desenvolvidos nas áreas de medicina e saúde pública no país. Após sua produção, circulação e consumo, o destino dessas imagens, não raro, eram os arquivos da instituição nos Estados Unidos. Tal é a origem do que hoje encontramos no arquivo da Fundação Rockefeller.
Neste conjunto, seis pastas (ao todo 208 fotos) diferenciam-se do restante, pois trazem informações visuais sobre o período inicial de atuação da Fundação Rockefeller no Brasil. Embora de forma esparsa, e apresentando uma pulverização de temas, essas imagens retratam os contatos da Comissão Rockefeller com a classe política brasileira em almoços e encontros, levantamento visual de regiões do país, com aspectos de vegetação, plantas, frutos, sementes, doentes etc.
6Essas imagens em nada diferem do conjunto sobre a epidemia em Angra dos Reis descrito anteriormente e que integra a série de pastas sem classificação. Provavelmente foram produzidas na mesma ocasião, porém, quando da organização arquivística dada pela Fundação Rockefeller, foram separadas e inseridas no tema 'enfermagem', talvez por integrarem um relatório intitulado 'Groups of nurses from the Dona Anna Nery School of Nursisng who were assigned to work done to control in epidemic of typhoid fever at Angra dos Reis, RJ, 1934 (These photographs accompanied a report by Dr. Leal Ferreira who was in charge of the work transmitted with letter 4262, 3-20-34 from Fred L. Soper)'. As outras imagens não integravam qualquer relatório que lhes conferisse essa identidade. Talvez por essa razão não tenha havido uma correlação dos conteúdos entre os dois conjuntos.
7Essas fotos apresentam algumas autorias, como M. Dumiense (14 fotos), o mesmo autor da cobertura fotográfica dos trabalhos de enfermagem durante a epidemia de febre tifóide em Angra dos Reis, e Augusto Malta, presente com oito registros tirados em 1927 sobre as instalações do prédio onde funcionava a escola de Enfermagem Anna Nery, na avenida Rui Barbosa, onde até recentemente funcionou a Casa do Estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
8The Rockefeller Foundation Annual Report é uma publicação anual cujo objetivo é prestar contas das atividades desenvolvidas pela Fundação Rockefeller em todo o mundo. Apresenta relatórios financeiros, administrativos e operacionais dos trabalhos em desenvolvimento nas suas várias juntas e divisões internas, sempre acompanhados de documentação fotográfica.
O tema ancilostomíase ainda nos permite tecer dois comentários, o primeiro relativo à presença de crianças nas imagens. Estas são muito focalizadas, mas numa dupla perspectiva. De um lado, estão presentes quando se trata de representar a população doente. De outro, enfatizam a idéia de educação sanitária, ou seja, representam a necessidade de se imprimir desde cedo no indivíduo noções de higiene e de disciplina estrita no cumprimento das tarefas de higiene, como a foto que mostra um grupo escolar com cada criança segurando um penico na mão.
O segundo comentário diz respeito à existência de imagens que apresentam uma família infestada pela doença em dois tempos distintos, antes e dois anos após a campanha intensiva, estratégia visual empregada em um procedimento chamado resurvey. Essa nova pesquisa, efetuada após a campanha sanitária, exibia imagens de dois momentos, um 'antes' e 'depois' dos procedimentos da instituição, buscando associar aos trabalhos efetuados um valor positivo. Isto sugere uma outra função reservada às imagens em uma campanha de saúde pública: a de 'comprovação de resultados'. Para os estudiosos da fotografia, valeria um aprofundamento dessas várias 'marcas' encontradas de forma aparentemente aleatória nos arquivos para a verificação dos recursos que a imagem fotográfica representava nos trabalhos da Rockefeller.
O segundo tema com maior incidência de imagens na coleção, malária, representado pela letra I, conta com quinhentos registros fotográficos e seis mapas distribuídos em 12 pastas e abarcando o período de 1920 a 1955. De maneira geral, podemos considerar dois momentos nas tomadas fotográficas sobre o tema malária. O primeiro refere-se às atividades efetuadas pela fundação nessa área anteriormente a 1930, quando ela atuou no planejamento e desenvolvimento de trabalhos em saúde na esfera municipal e/ou estadual. O segundo momento, na campanha de combate ao mosquito Anopheles gambiae, no Nordeste, sob a responsabilidade do Serviço de Malária do Nordeste e a direção da Fundação Rockefeller.
Nos anos 1920, as atividades de combate à malária, assim como à ancilostomíase, compreendiam, entre outras medidas, a profilaxia e o saneamento das áreas suscetíveis por meio da construção de diques para canalizar as águas paradas e a drenagem de rios e brejos, cenários propícios ao desenvolvimento de mosquitos. Dessa forma, constata-se a existência de imagens dessas atividades com a repetição da estratégia do 'antes' e 'depois', mostrando-se mais uma vez a situação inicial não satisfatória e o inegável melhoramento após a intervenção da instituição.
Ainda desse período são os levantamentos fotográficos sobre as condições sanitárias encontradas em várias localidades, que hoje nos permitem inventariar os tipos de fossas utilizadas, as formas de distribuição de água em pequenas localidades etc. Essas imagens acompanhavam os surveys, relatórios produzidos pela equipe da Rockefeller com o objetivo de apresentar um quadro detalhado de cada região em estudo, tendo em vista a intervenção futura da instituição, ou já em decorrência dos acordos de cooperação técnica firmados. Atualmente separadas de seus conjuntos originários, essas fotos apenas sugerem a missão para a qual foram produzidas. Mas um olhar mais cuidadoso sobre o acervo do RAC permite localizar muitos surveys completos, apresentando texto e imagem, e faz-se necessário o cotejo com a coleção de fotos.
O destaque é o levantamento das condições de higiene da população, realizado pelo fotógrafo J. T. Alves no bairro de Jacarepaguá, em 1920, e aspectos de várias regiões fluminenses nas quais foram feitas intervenções desse tipo (Magé, Teresópolis, Itambi etc.). Registros mais institucionais também estão presentes, como imagens da equipe em vários postos de saúde, dispensários em pequenas cidades, escolas e departamentos de higiene, no escritório central do IHB no Brasil, fachadas e instalações internas de diversos serviços de saúde e higiene, além de registros das atividades de inspeção de larvas realizada em laboratórios, com a ajuda de microscópios. A multiplicidade de instalações e serviços permite-nos formar a idéia de uma rede de instituições em diferentes localidades lidando com a mesma problemática sob dois pontos de vista, o da profilaxia e o da educação.
Das atividades do SMNE, em finais dos anos 1930, encontram-se muitos registros, apresentando qualidade técnica e estética notável, no formato de cartões-postais. Apresentam uma divisão temática similar ao conjunto pré-1930: de um lado, registros de atuação mais institucional com a presença de imagens dos escritórios, laboratórios etc.; de outro, aspectos vários das regiões em foco (no caso, o estado do Ceará), como costumes, atividades de subsistência das populações (pesca, jangadeiros), os tipos regionais (lavadeiras, rendeiras) e o meio ambiente (praias, palmeirais, coqueirais etc.). Vale observar a ausência, nesse conjunto, dos personagens do SMNE, apesar da presença de imagens que documentam as obras em andamento (construção de diques de irrigação) ou alguns serviços (como a desinfecção de automóveis).
Existe um conjunto de cópias-contato fotográficas, reunidas ao lado de gráficos e mapas, com a referência de que teriam sido utilizadas em artigos científicos publicados por membros da equipe da Rockefeller no período, como R. C. Shannon e G. C. Andrade, Fred L. Soper ou B. Wilson. Nesses registros, esses médicos apresentavam seus estudos sobre o Anopheles gambiae no Brasil ou sobre observações acerca da estação da seca no Nordeste. Por último, um álbum intitulado Rockefeller Foundation International Health Board field studies of malaria in Brazil reúne 125 fotos e quatro mapas, além de imagens provenientes de fotogramas de um filme cinematográfico acerca do uso de verde-paris como eliminador do mosquito e sobre o serviço de drenagem para combate ao Anopheles.
Por último, o tema febre amarela (letra O) que concentra o maior número de imagens na coleção, 655 fotografias dispersas entre 19 pastas coincide com a área de atuação que mais esforço e mais tempo demandou do empreendimento da instituição no Brasil. Em linhas gerais, há uma divisão temática entre assuntos retratados no interior dos laboratórios de pesquisa da doença e de produção da vacina, por um lado, e aqueles relativos às diversas atividades que integravam as pesquisas epidemiológicas promovidas em campo, por outro, este último com maior concentração de imagens.
Seguindo esses marcos, as atividades laboratoriais estão representadas iconograficamente na coleção, pela presença de reportagem sobre o laboratório mandado construir pela Fundação Rockefeller no campus de Manguinhos, para sediar as pesquisas e a produção da vacina. Nela são mostradas desde as instalações internas e externas da edificação e aspectos gerais das atividades desenvolvidas nas suas várias seções, até a imagem do 'produto final', no caso o 'kit vacina', que incluía os elementos necessários à vacinação em campo (a vacina acondicionada em um recipiente com isolamento térmico, seringas, balanças, fogareiro para desinfecção de agulhas etc.). Esta imagem simbolizava o resultado dos empreendimentos, ao mesmo tempo que desempenhava a função de atestar o cumprimento dos objetivos a que se destinava toda a mobilização institucional.
Vale observar que as fotos de vacinação propriamente dita também nos remetem ao universo do laboratório, de onde são provenientes, e ao universo do trabalho em campo, para onde era destinada a vacina produzida para os testes, como sugerem as imagens feitas durante um dia de vacinação em uma fazenda de café em Minas Gerais, na década de 1930. O tema vacina, portanto, situa-se em uma zona intermediária de interpenetração dos universos de atuação de médicos e cientistas nos trabalhos da Rockefeller, o laboratório e o campo.
A coleção traz ainda registros dos primórdios da atuação da instituição, com ênfase nas atividades de combate a focos do mosquito Aedes aegypti, quando caixas-d'água e vasos que serviam como reservatórios de água e locais potenciais de criação de focos eram alvo de intervenção. Nesse esforço, foram amplamente documentados os costumes da população em diversas localidades com relação ao abastecimento e à reserva doméstica de água e as estratégias adotadas pelo Serviço de Febre Amarela, de acordo com o que havia sido determinado pela Rockefeller para combater os focos do mosquito. Entre as tarefas impostas, destaca-se a substituição da água armazenada nos vasos de flores localizados nos cemitérios por areia, que era inclusive fornecida pelo serviço e encontrava-se disponível em local estabelecido no interior dos cemitérios. Quanto à equipe envolvida nos trabalhos, cumpre registrar a existência de imagens do laboratório em Salvador (BA), o primeiro a abrigar a Fundação Rockefeller no país e sede da IHB, com destaque para a presença de Hideyo Noguchi e seus auxiliares.
Um último comentário diz respeito a um costume dos serviços nacionais e da própria Rockefeller: a exibição de aspectos dos trabalhos realizados por meio de exposições organizadas pelo governo brasileiro, que, de forma geral, expunha, como em uma vitrina, elementos considerados notáveis em termos de obras realizadas, utilizando um amplo leque de suportes de comunicação visual, como fotos, cartazes, objetos etc. Dessa forma, produzia-se uma espécie de 'prestação de contas' pública, ao mesmo tempo que isso contribuía para a divulgação e a propaganda das iniciativas governamentais.
Destacam-se na coleção aspectos da exposição do Serviço de Febre Amarela na Feira Internacional de Amostras, realizada no Rio de Janeiro, em 1936. O circuito de exibição de imagens dos trabalhos não raro eram os grandes eventos, como feiras e exposições, mas também efetuava-se cotidianamente, por meio da produção e circulação de relatórios, estudos, artigos e outros tipos de documentos de trabalho que eram consumidos por toda a equipe da Rockefeller, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Esses trabalhos podiam ser encaminhados por qualquer um dos médicos e cientistas atuantes, como resultado de uma pesquisa em uma região do país, de um trabalho científico publicado ou mesmo como anexo a uma correspondência oficial.
O Brasil na Rockefeller e a Rockefeller no Brasil: acervos complementares
Cabe observar que, ao mesmo tempo que se acumulava uma documentação sobre o Brasil nos Estados Unidos, outro arquivo vinha sendo formado no interior do laboratório de produção da vacina da febre amarela, em Manguinhos (Fiocruz). Integrado em sua maioria por cópias-contato cópias não ampliadas de negativos fotográficos , esse arquivo de imagens se conectava com todo o serviço efetuado no país, desde as pesquisas epidemiológicas, passando pelas técnicas de laboratório para diagnóstico patológico e sorológico da doença, até o registro da produção da vacina. Hoje faz parte do acervo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, como foi mencionado.
Agradeço ao Rockefeller Archive Center (RAC), na pessoa de seu diretor, Darwin Stapleton, o convite e a concessão de bolsa para a realização da pesquisa, em maio de 2000.
Aqui, como lá, podemos conferir temáticas semelhantes, os mesmos fotógrafos, por vezes até as mesmas imagens, mas os dois conjuntos, no todo, são bem diferentes. Em cada caso, podemos perceber lógicas de acumulação distintas, resultantes de funções diversificadas dadas às fotografias na economia interna das instituições envolvidas. Como fontes para o estudo da história da participação da Fundação Rockefeller nos trabalhos brasileiros de pesquisa e combate à febre amarela e à malária, as coleções devem ser consideradas complementares, e, nesse sentido, precisam ser entendidas a partir de uma visão de dentro do arquivo, da história de sua produção e acumulação. Dessa forma, é possível explorar o que de diverso existe na aparente semelhança, tornando mais rica uma abordagem daquela história por meio das suas imagens.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jan 2004 -
Data do Fascículo
Dez 2002