Resumo
A incidência da hanseníase em Governador Valadares nos anos 1980 propiciou à cidade tornar-se uma das pioneiras na introdução da poliquimioterapia. O objetivo aqui é compreender as relações entre os diversos “atores” inseridos nesse contexto, especialmente os funcionários da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública e os pacientes. Para a identificação dos territórios que essas relações necessariamente constituíam, foram utilizados diversos instrumentos teóricos, como o “dramatismo” (Burke) e a performance (Turner). Buscou-se, com a metáfora teatral, uma dinâmica na qual os diversos atores não só se apresentassem, mas também estabelecessem as suas relações mais significativas, num processo dinâmico de constituições e reconstituições de territórios.
território; hanseníase; políticas públicas de saúde; Governador Valadares; dramatismo
Abstract
The incidence of leprosy in Governador Valadares, Brazil, in the 1980s spurred this town to pioneer the introduction of polychemotherapy. The aim of this research was to understand how the different actors involved in this context interacted, especially the employees and patients at the Special Public Health Service. To identify the territories that these interactions inevitably constituted, a variety of theoretical instruments were used, including dramatism (Burke) and performance (Turner). By taking a theatrical metaphor, we sought to find out the dynamics by which the different actors took the stage and established their most significant relationships in a dynamic process of constituted and reconstituted territories.
territory; leprosy; public health policies; Governador Valadares; dramatism
A hanseníase é uma doença que há milênios sofre leituras culturais estigmatizantes por diversos motivos. A cidade de Governador Valadares, no vale do Rio Doce, por certo tempo, foi uma área de referência quanto a essa patologia, fosse pela incidência ou pela terapia inovadora, especialmente, a partir dos anos 1980. Essa década, em particular, marca a transição de uma doença incurável para uma nova realidade de tratamento e cura dos pacientes diagnosticados. Além disso, Governador Valadares se apresenta como uma cidade importante levando-se em consideração o grande número de pacientes notificados anualmente com hanseníase. De acordo com o relatório do Projeto para Implantação de Esquema Multidrogaterapia em Hanseníase, a unidade de saúde na época, Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (Fsesp), chegou a assistir mais de mil pacientes ao ano (Governador Valadares, 1987). A poliquimioterapia (PQT), introduzida em 1987 em um projeto-piloto, foi uma das grandes responsáveis pelas mudanças das ações de controle da doença.
Em virtude da complexidade desse fenômeno e de sua experiência, conceitos lineares não dão conta do que as pessoas envolvidas experimentaram. Para facilitar a compreensão, usamos aqui o termo “ator” exatamente para caracterizar não só um cenário, mas também os scripts aos quais os agentes sanitários e pacientes estão submetidos e, especialmente, a necessidade de “se apresentarem” ante uma plateia formada em parte por eles mesmos (imagem pessoal) e, em parte, por seus familiares e agentes oficiais de saúde.
Por isso, lançamos mão da metáfora do teatro e da “encenação”, vinculada a Kenneth Burke e Victor Turner, para que cada um dos “atores”, ao falar, possa não só transmitir a sua experiência, mas também “situar-se” na dinâmica de suas relações. Em outras palavras, cada pessoa tem compreensão de quem é e do papel que julga ser o seu. Nossos entrevistados sabem quem são e o quanto o papel desempenhado, no caso da hanseníase, não deixa de ser desconfortável. Por isso, cada ser humano lança mão dos recursos de sua cultura, experiência pessoal, familiar e mesmo médica – de seus “bastidores” – para dar conta da “vivência” – do script. Não desconsideramos que esse script possa ser mais ou menos rígido e, no caso, venha a ser uma vida de exclusão e mesmo de exílio de si mesmo e da sua comunidade.
Por fim, direta ou indiretamente, o “ator” tem diante de si uma plateia que aguarda ou espera um procedimento. Com isso, além da vivência individual da experiência, temos a vivência de relações complexas que no final das contas estabelecem “imensos palcos” – territórios – com mais ou menos delimitações, com fronteiras acolhedoras ou excludentes, mais ou menos estabelecidas.
Os “atores”, suas “cenas” e seus “bastidores”
Ao renomear os pacientes e os profissionais entrevistados e tomá-los como “atores”, ainda que diante de “máscaras”, como no teatro grego, a observação de suas narrativas polifônicas, configuradas a partir de múltiplas vozes, tornou-se facilitada e possibilitou a compreensão de que são capazes de se manifestar sob pontos de vista diferentes a respeito de um determinado assunto ou situação (Bakhtin, 2002). Cada “ator” teve sua particularidade desdobrada em ritmos e tempos diferenciados. Por meio da escuta minuciosa e de algumas anotações após o término das entrevistas, foi possível perceber que realmente algumas memórias ora se transbordaram, ora se retraíram e, ainda, o que foi dito possivelmente era o que naquele momento os entrevistados tinham para expor.
As memórias ressoaram como ecos de um passado ainda muito presente para esses “atores”, que contribuíram para a composição de algumas lacunas sobre a história da saúde e da hanseníase em Governador Valadares. Em cada “cena”, um eco que sugere uma imensidão de observações nas suas entrelinhas. Entrelinhas que apontam para “atores” que encenaram a interpretação de sua experiência, como se usassem “máscaras” para apresentar suas performances. Essas “máscaras” provocaram ruídos quando em contato com o corpo do “ator” (Dawsey, dez. 2007). Entendeu-se, portanto, que a vivência da hanseníase por esses “atores”, apresentada por meio de suas performances, apontava para o “dramatismo”, que tem a ver com a “ação simbólica” humana, por meio do pensamento e da linguagem de Kenneth Burke (1966, 1989) e do drama social (Turner, 1988), que se encontram em fontes de poder liminares que possibilitam a recriação de um mundo de significados.
Entre gestos, posicionamentos, cenários e atuações: percursos metodológicos
Embora a pesquisa não tenha sido rigorosamente de cunho etnográfico, adotou-se a perspectiva da observação dos depoimentos, compreendidos como narrativas repletas de representações, significados e sentidos produzidos e experimentados por cada “ator” (Ricoeur, 2010; Rapport, Overing, 2000). Ao observar cada um deles, sua particularidade de gestos, de entonações e de posicionamentos, seus cenários e suas atuações, percebeu-se que se assimilavam a algumas nuanças teatrais. Nos estudos sobre a performance, encontramos uma associação entre a antropologia e o teatro, resultantes do encontro entre Victor Turner (antropólogo) e Richard Schechner (diretor de teatro), que, fundamentados em tantos outros pesquisadores (sociólogos e antropólogos), discutiram as manifestações humanas corporais e de seus ruídos (Turner, 1988; Dawsey, dez. 2007). Os “cenários” de atuação de cada um dos “atores” foram compostos ao longo das entrevistas e de acordo com suas memórias (Alberti, 2004), de onde e quando quiseram lembrar; foi, a partir deles, que os “atores” foram tecendo situações que sugeriram o delineamento de territórios configurados dentro de um continuum, com elementos simbólicos e funcionais (Haesbaert, 2005).1
Em conformação com o sigilo e a ética propostos para a realização das entrevistas e de seu manejo, cada “ator” teve seu nome preservado.2 Além disso, buscou-se uma atitude acolhe- dora com os depoentes, diante de suas memórias, narrativas e sentimentos vividos e concebidos, na tentativa de aproximação do movimento em direção ao lugar de cada entrevistado, para compreendê-lo em suas emoções, reações e observações, que, oportunamente, podem ter sentido latente ou profundo, desvelados pela interpretação. Fato é que as entrevistas tiveram um movimento singular e dinâmico, para cada um dos depoentes. Cada um relatou suas memórias sob o seu ponto de vista, daquilo que foi importante lembrar ou esquecer, interpretando o passado, relacionando-o com temas e acontecimentos históricos (Ricoeur, 2010; Alberti, 2004; Pereira, Worcman, 2006). Notou-se um movimento de memórias de tamanha riqueza, em que os relatos partilhados sob a perspectiva da descrição densa foram considerados, dando importância ao contexto de cada depoente. Em cada contexto, buscou-se interpretar suas teias de significados, a partir da perspectiva de observação de cada “ator” (Geertz, 1978).
Assim, abordaremos a temática como um ato teatral, sob a perspectiva do drama e a associação dos colaboradores (entrevistados) ao teatro grego por meio das representações dos deuses e heróis gregos. Para tanto, foi preciso olhar para os enredos dos pacientes e profissionais envolvidos no processo da hanseníase como sujeitos principais desta pesquisa. Esse movimento tem relação com o fato de esses atores saírem de uma situação passiva para sujeitos ativos, dentro de um panorama de articulação de poder, no qual deixam de ser sujeitos individuais para ser atores coletivos (Brasil, 2006). Esse desafio implicou a busca de definições e conceitos vividos em determinados contextos históricos da saúde, embora se acredite que muito há que se desvendar sobre o processo da simbiose entre ciências da saúde, ciências humanas e ciências sociais.
Iniciaremos o “drama” com a apresentação dos “atores” e de suas “cenas”.
Os atores e suas cenas
Cena 1: Zeus
Trata-se de um profissional de saúde, de 59 anos, ainda atuante no Serviço de Hanseníase de Governador Valadares. Foi assim renomeado por sua habilidade demonstrada ao longo da entrevista, em se recordar de tempos remotos associados à história escutada, lida e vivenciada. Escolheu a casa de uma amiga como cenário, e sua disposição para aquele momento foi notável. Antes de a câmera ser ligada, apresentava-se ansioso, ajeitando a camisa, pigarreando, mas também demonstrava certa felicidade, justificada pela oportunidade para falar de sua vida. Ao sinal de gravando, iniciou fazendo brincadeiras, e suas memórias trouxeram-lhe as experiências revestidas a partir de uma perspectiva profissional.
Cena 2: Afrodite
Sentimentos de amor, comprometimento e dedicação à sua profissão, ora relatados, ora percebidos na entrevista e em outros momentos, credenciaram a essa “atriz”, visitadora sanitária, de 52 anos, o codinome Afrodite. No cenário de sua casa, pareceu um pouco apreensiva, talvez ansiosa, sentimentos expressados na rigidez dos ombros, em alguns movimentos com os cabelos e na utilização de “é” e “né” em grande escala. Iniciou sua cena discorrendo brevemente sobre o começo de sua carreira no Serviço Especial de Saúde Pública, quando era atendente de enfermagem em 1980 e foi designada para trabalhar na Dermatologia Sanitária. Ao vasculhar suas memórias, lembrou-se do setor e de sua relação com outros atores no período relativo à década de 1980.
Cena 3: Talia
Aos 68 anos, apresentou-se com grande doçura e uma autoafirmação em ser vaidosa e apreciar coisas belas, o que a aproximou da musa grega Talia. Vale ressaltar que, inicialmente, Talia teve muito receio em ir ao Centro de Referências em Doenças Endêmicas e Programas Especiais (Creden-PES), que atualmente atende os pacientes de hanseníase. Isso porque, ao ser contatada por telefone, preferiu esclarecer suas dúvidas na própria unidade, e como seu tratamento foi na Policlínica Central, quando tinha 39 anos, ainda não conhecia a nova estrutura. Enquanto a conversa acontecia, relatou ter pensado muito em comparecer ou não, até porque não compreendeu muito bem a proposta da entrevista. Até que decidiu procurar a unidade para se inteirar do que se tratava. Depois dessa longa conversa, expôs que seu medo era de que a entrevista se tratasse de uma desculpa para que fizesse novos exames e fosse submetida a um novo tratamento. Esclarecidas suas dúvidas, dispôs-se a falar e pediu para que fosse ali mesmo, na sala do Serviço Social. Meio tímida, preparou-se e desviou o olhar da câmera, e, por esse motivo, a imagem foi feita lateralizada. Após uma pequena pausa, verbalizou a descoberta da doença em entrelaces do passado e do presente.
Cena 4: Cronos
Essa cena retrata, ao contrário dos demais profissionais de saúde entrevistados, a vida de um profissional que, no período recortado da pesquisa, não trabalhou na Fsesp, e sim na Gerência Regional de Saúde (GRS) como técnico em saúde. No entanto, acredita-se que seu envolvimento com a hanseníase foi tão valioso quanto os demais, pois vivenciou situações diferentes e importantes na contextualização da doença na região de Governador Valadares. Atualmente, Cronos, com 54 anos, denominado assim por sua postura diante da entrevista, resguardando-se em relação às atitudes dos outros e posicionando-se perante os fatos e os acontecimentos, trabalha no Creden-PES como técnico de enfermagem e escolheu como cenário a própria instituição. A princípio, pareceu muito afoito para verbalizar suas memórias, apresentou um olhar centrado e parecia contrair os lábios, na tentativa de extravasar sua ansiedade. Câmera ligada, e como se houvesse um dispositivo acionado, fez suas considerações iniciais, entre movimentos labiais e das mãos sobre a mesa e na cadeira em que estava sentado.
Cena 5: Gaia
Gaia, de 44 anos, teve seu diagnóstico aos 20 anos, e foi assim renomeada por demonstrar ser uma mãe dedicada e acolhedora. Ela escolheu também como cenário o Creden-PES, e é importante ressaltar que até hoje ela o frequenta, para ações de prevenção de incapacidades e reabilitação. Por isso, é bem familiarizada com a equipe, o que pode ter influenciado em seu depoimento, bastante sereno. Com um olhar compenetrado, que desviava lentamente para o alto, como se tivesse escolhendo o que iria contar, em alguns momentos, Gaia balançava a cabeça, no sentido de afirmar o que aconteceu.
Cena 6: Hermes
Na hora marcada, fomos recebidas (equipe de pesquisa) na casa de Hermes, de 68 anos, por sua esposa, que logo comentou sobre a pontualidade. A recepção foi muito cordial, e logo Hermes, assim chamado por se tratar de um “senhor das palavras”, “condutor dos perdidos na vida”, perguntou sobre a pesquisa e acrescentou que ficava muito feliz em contribuir para que outras pessoas conhecessem sobre a hanseníase. Escolheu sua sala para revisitar suas lembranças e, acompanhado do filho e da esposa, disse estar pronto para contar sua história sobre o diagnóstico da hanseníase aos 44 anos. Em um primeiro momento, recordou sua vida anterior a Governador Valadares e, entre pequenas pausas, relatou sua experiência.
Cena 7: Hebe
Hebe, visitadora sanitária, com 64 anos, de aparência jovial e bastante hospitaleira, escolheu a sua residência como cenário. Preparou um suco e quis saber, com detalhes, quem éramos, por que nosso interesse em pesquisar a hanseníase e quem a havia indicado. Sanadas suas curiosidades, demonstrou-se preocupada se estava bem, se seu visual era apropriado para ser filmada, e perguntou se deveria ter estudado sobre hanseníase, pois não sabia mais nada. Enfim, chegou à conclusão de que a câmera poderia ser ligada e iniciou apresentando-se e como se estivesse num grande esforço, pois apertava os olhos e olhava para o alto, em busca de lembranças bem-guardadas.
Cena 8: Hefesto
Hefesto, de 53 anos, guarda marcas da hanseníase deixadas em 1988, aos 29 anos, prin-cipalmente o desabamento nasal. No entanto, lembrando aquele que contrariou sua aparência externa e avançou em outros dons, também escolheu sua casa como cenário. Recebeu-nos e, inicialmente, opôs-se a ser filmado, justificando que sua religião não permitia. Diante de uma conversa esclarecedora e muito amigável, mudou de ideia e pediu apenas que não fosse divulgada sua imagem. De forma restrita, tímida, ora diante de incertezas e repetições, e com um olhar desviante da câmera, com o cotovelo apoiado na mesa e a mão no rosto, iniciou seu relato.
O “drama” da doença e suas relações territoriais
Relatos, documentos e historiografia sobre a hanseníase delineiam como o território foi lido em seu desenho, numa perspectiva integradora, defendida por Haesbaert (2010).3 Nesse sentido, alguns elementos ajudaram a “desvelar” o processo vivido pelos seus atores numa interação entre a memória individual e a coletiva, em que emergem as experiências do mundo vivido, do cotidiano e das relações de poder que o permeiam.
Assim, por meio de fragmentos de memórias, foram tecidas observações de cada fato apresentado pelos atores que, atreladas ao referencial teórico, sugeriram o desenho de alguns territórios e territorialidades. Notou-se que, em alguns momentos, os relatos foram similares, como se um ator estivesse presente na entrevista do outro. Mas algumas situações também foram extrapoladas e abordadas em outros aspectos. Tanto as situações de proximidade quanto de distanciamento foram expressas de formas interrogativas ou afirmativas, perante eventos que pareciam óbvios para nós, mas que não eram! Iniciemos o reconhecimento do palco.
A história do Serviço Especial de Saúde Pública e da hanseníase em Governador Valadares: o palco na perspectiva dos atores
No palco, com cenários distintos, todos os relatos orais sugeriram – uns mais, outros menos – uma história da hanseníase que se entrelaça ao Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) e, por vezes, confunde-se com a Fundação Sesp (Genovez, Vilarino, jul.-dez. 2011).4 Ou seja, embora os atores tenham a década de 1980 como parâmetro, é importante perceber que alguns saíram desse período, referindo-se aos anos anteriores e posteriores, assim como, também, se referiram a outros municípios. No entanto, pôde-se perceber que suas cenas se concentraram em Governador Valadares, o que poderia ser considerado um primeiro território, sob uma concepção jurídico-política, ou seja, um espaço delimitado e controlado por determinantes político-administrativos com divisões estratégicas dos poderes e das esferas de governo vigentes da época (Haesbaert, 2010).
Para a identificação de outros territórios, perceberam-se alguns detalhes nos relatos carregados de expressões que, de uma forma densa, apresentaram o posicionamento de cada ator nesse ato. Há uma aproximação entre os depoimentos sobre o que o Sesp representou na história da hanseníase em Governador Valadares e em suas próprias vidas. Talvez seja esse o motivo de todos eles discorrerem, uns mais detalhadamente que os outros, sobre a organização estrutural e relacional do serviço a que se vinculavam como profissionais ou a que passaram a frequentar por ocasião do tratamento, indicando um pertencimento a esse território.
As narrativas dos profissionais apontaram para um Serviço de Hanseníase do Sesp, em que as possibilidades de mudança do status profissional e a sociabilidade estiveram condicionadas às atividades que desempenharam diante de uma forte ligação com a própria instituição e com os demais profissionais que dela faziam parte. Vejamos algumas frases ilustrativas: “Aqui, agora o sistema está na sua mão, agora a responsabilidade é sua em reorganizar isso” (Zeus); “Nós assumimos o setor ajudando lá, pela experiência que eu tinha” (Afrodite); “E também tinha uma parte social muito bonita” (Hebe).
Já os pacientes se referiram ao Serviço de Hanseníase-Sesp como um refúgio, dizendo que lá encontraram pessoas importantes, conforme expresso nas frases a seguir: “Eu fui lá ao Sesp, fiz aquele exame de raspar, encontrei pessoas maravilhosas lá dentro sabe, nossa!” (Talia); “Aí ele me mandou para o Sesp, aí o doutor Sebastião me encaminhou pra doutora Mara, né… Eu uso palmilha, mas tá tudo bem, graças a Deus” (Gaia); “Quando eu comecei a tratar no Sesp, um ano antes, mais ou menos um, um ano e pouco, coisa que eu comecei a tra- tar lá, muitas coisas que eu sentia, passei a não sentir mais” (Hefesto); “O doutor Rocha, que foi o primeiro que cuidou de nós, inclusive depois que a gente, depois, ô homem caridoso” (Hermes). Ao falar sobre a hanseníase, considerando-se as narrativas na sua totalidade, esses atores apresentaram situações vividas em seus cotidianos, pertinentes às políticas de saúde vigentes ou não na época estudada, mas que fizeram parte de suas lembranças: a segregação dos entes queridos, representada pelo vagão sanitário e os leprosários. São frases exemplares dessas lembranças: “Eles eram levados a Belo Horizonte, por policiais, é…, a Companhia Vale do Rio Doce designava o último vagão do trem como vagão sanitário” (Afrodite); “Eram retiradas das suas casas… então eram colocados nas colônias… e essas pessoas passariam a viver na fase de segregação em leprosários” (Zeus).
Outras situações foram abordadas, como questões sociais de acessibilidade aos serviços de saúde, condições de moradia e higiene e a própria questão biológica da hanseníase no que se refere à predisposição da doença no meio familiar, as legislações e as iniciativas como a Campanha Nacional da Lepra, citada por Zeus, em vários momentos, conforme ilustramos a seguir – “Essa chamada Campanha Nacional da Lepra, cuja responsabilidade foi do doutor Ozires Prates Dias na época” (Zeus) – e o próprio Projeto de Implantação da Poliquimioterapia: “Incluímos o primeiro paciente no novo projeto de poliquimioterapia”; “Nós fizemos um projeto para contemplar cem pacientes” (Zeus).
Em uma escala menor, Afrodite e Cronos se reportaram às legislações, às mudanças da organização dos serviços de saúde (desfederalização e municipalização), à divisão de trabalho e à implementação das atividades corriqueiras do Programa de Hanseníase: “Pedia os exames de laboratório”; “Ele não tinha alta por cura”; “Estava em fase da municipalização, foi uma época de transição” (Afrodite); “Na época era o DNDS (tratamento com dapsona chamado na época)”; “Aí saiu um funcionário de lá, saiu um monte de funcionário” (Cronos).
Já Hebe aprofundou nas relações entre os atores e se ateve aos relatos sobre as atividades desempenhadas nos locais de trabalho, o que, de certo modo, reflete as legislações da época e as suas próprias representações sobre a doença: “Era tão difícil falar lepra, né, que não podia, tinha que falar hanseníase”; “Era um serviço muito lindo, sabe por quê? Sem querer você ficava tão humana”.
Esse cruzamento de informações entre os atores e entre as fontes documentais indiretas permitiram o desvelamento de elementos que delinearam outros territórios e territorialidades. Revisitando cada depoimento e resguardadas suas particularidades, percebe-se um território materialista/funcional e cultural/simbólico (Haesbaert, 2010). Os recortes territoriais presentes nas narrativas ocorreram sem que o substrato espacial tenha sido alterado. Esses territórios dialogavam e consubstanciavam as relações sociais e de poder ocorridas em relação à hanseníase. Verifica-se o continuum entre o aspecto funcional e o simbólico da hanseníase, com nuanças voltadas para o cotidiano, para a projeção das relações humanas costumeiras e embasadas em normas, com ecos dos códigos e símbolos de uma doença milenar que foi capaz de constituir e redimensionar identidades.
Nesse sentido, por intermédio das memórias dos profissionais e dos pacientes, o território da hanseníase e o território do Sesp se entrecruzam (Genovez, Vilarino, jul.-dez. 2011). As referências a todo o processo, mesmo que diante da mudança da instituição (Gerência Regional de Saúde – GRS) ou do nome (Fsesp), desembocam no que foi o Sesp não só na década de 1980, mas em seus períodos anteriores e no que continua sendo até hoje para esses atores. De fato, a presença desse modelo de saúde parece arraigado nas lembranças deles.
Por outro lado, coexistem com esse território outros espaços ou lugares vividos, mencionados e que refletem o processo de territorialização-desterritorialização-reterritorialização (TDR) e, ainda, as multiterritorialidades, dos próprios entrevistados como de outros citados (não entrevistados): o vagão sanitário, as Unidades Básicas de Saúde, as salas de espera, a janela, o vidro que separava o funcionário do paciente, a Policlínica Central, os municípios visitados, as salas 28, 38, 40, o carro do Sesp, os locais de descanso e do café dos profissionais, os banheiros e até a entrada separada dos pacientes.
Espaços e lugares em que profissionais e pacientes exerciam suas territorialidades, às vezes sinalizadas: avisos nas paredes, vidro, portão e carro do Sesp relatados por Zeus, Afrodite e Hebe; às vezes, verbalizados pelos pacientes a outros grupos de pacientes presentes na policlínica, como expôs Talia sobre as mães “descuidosas” que deixavam seus filhos ultrapassar os limites espaciais do Serviço da Hanseníase e brincar no chão; ou até nas situações relatadas por Afrodite em que os pacientes, voluntária ou involuntariamente, contaminavam as seringas de medicação.
A conjugação de determinados espaços geográficos e tempos distintos com as políticas de saúde e das relações humanas que os permearam pode ser considerada resultante de relações de poder que aconteceram num cotidiano impregnado de ritmos, sentidos e significações sobre a hanseníase e, em consequência, numa configuração territorial que lhe era própria. Uma configuração na qual os atores se movimentavam, a exemplo da mobilidade humana proposta por Haesbaert (2010), gerando a TDR. Um bom exemplo desse processo: Hebe aponta esse movimento quando em um só dia se territorializava na sala de pós-consulta médica para realizar as orientações aos pacientes; se desterritorializava e se reterritorializava no carro do Sesp para fazer as visitas domiciliares. Novamente, se desterritorializava e se reterritorializava no domicílio do paciente e assim por diante, sem falar nos seus territórios familiar e o profissional – como professora à noite em outra instituição. Tal como esse exemplo, poderíamos apontar outros que ajudam a perceber a questão da multiterritorialidade exercida por esses atores no processo histórico da hanseníase em Governador Valadares na década de 1980.
Dentro dessa multiterritorialidade, “resultantes da sobreposição e∕ou combinação particular de controles, funções e simbolizações, como nos territórios pessoais de alguns indivíduos ou grupos”, percebem-se algumas relações de poder que implicam controle de fluxos (Haesbaert, 2010, p.342). Nesse caso, o fluxo de pessoas – representadas pelos pacientes e pelos profissionais – está ligado às normativas institucionais. A partir da abordagem elisiana de poder, relacionada à organização dos seres humanos em seus cotidianos, o poder é considerado “um atributo das relações sociais, é um fruto do contato entre indivíduos e das suas ações a todo instante, sejam elas no campo político, econômico, cognitivo etc.” (Medeiros, jan.-jul. 2007, p.170).
Nesse sentido, as relações apresentadas nas entrelinhas dos depoimentos não estão, necessariamente, ligadas a violência, coação e uso de força no sentido de dominação. São relações que ligavam as pessoas às normativas institucionais; e umas às outras por meio de um fluxo de informações representadas pelas políticas públicas da hanseníase que vigoravam na época e eram implementadas em Governador Valadares, indicando uma dada apropriação por seus atores. Essa apropriação reforça o delineamento de um território complexo que “tem a ver com poder, mas não apenas com o tradicional ‘poder político’. Ele diz respeito tanto ao poder, no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação” (Haesbaert, 2005, p.6774). Todo o processo se relaciona com o tempo, o ritmo, os símbolos e uma prática (Lefebvre, 1986).
Quanto a essa prática, estamos considerando as ações executadas pelos profissionais no Programa de Hanseníase. Elas condiziam com as normativas vigentes e com o modelo advindo do Sesp: a medicação realizada sob a supervisão de um profissional, as baciloscopias realizadas periodicamente, a vigilância realizada nas famílias, por meio dos exames de contatos e a própria implantação do novo esquema terapêutico (PQT), que muda a perspectiva do doente em relação à cura e ao tempo de permanência na unidade de saúde. Tudo isso aconteceu dentro de um tempo e de um ritmo compassados.
Todas essas ações foram fundamentadas em legislações: decretos e portarias que regulamentavam o controle da doença e estabeleciam uma hierarquização e a descentralização nas esferas de atenção em saúde federal, estadual e municipal. Portanto, elas resultavam da interligação entre esferas de governo – autoridades governamentais e técnicos em saúde que implementavam as leis –, profissionais de saúde – executores das ações nas unidades de saúde – e pacientes – que recebiam as ações.
Essas interligações sugerem as relações de poder numa perspectiva elisiana, se observadas como fruto de relações sociais, entre atores sociais e suas ações dentro de determinados contextos. Nesse sentido, existiu um campo político e cognitivo em que essas relações aconteceram bem detalhadas pelos atores depoentes dessa pesquisa. Esses campos sugerem um território entre o funcional e o simbólico em um continuum no qual atores se colocam como integrantes dos espaços mencionados e atribuem sentidos e significados ao que foi vivido na década de 1980. Há uma contiguidade entre eles e as salas do Sesp, os domicílios visitados, os vagões sanitários, os carros utilizados para as visitas que ultrapassam fronteiras jurídico-políticas, perfazendo os territórios-rede (Haesbaert, 2010).
Em expressões reveladas pelas memórias que traduzem o passado, o presente e o sentimento de proximidade com tudo o que viveram, percebemos certo pertencimento a esses espaços vividos, feitos territórios pelos profissionais, e às funções que neles exercem ou exerceram. Os pacientes também se sentem ligados aos profissionais, às ações executadas e aos seus cotidianos. Nesse contexto, o enredo histórico da hanseníase foi sendo contado, de uma forma singular, plasmado em atores envolvidos em um território em fluxo. No continuum territorial, nossos entrevistados exerceram de uma forma ainda que indireta o domínio sobre o espaço para realizar funções e para produzir significados, a partir de suas relações.
A multiterritorialidade em múltiplos territórios: os “atores”
De fato, à medida que os relatos foram acontecendo, foram se tornando claras as relações sociais entre os atores projetadas no espaço (Souza, 2009), ou seja, no território do Sesp-Hanseníase, ressaltando que essas relações dizem respeito aos profissionais entre si e a eles com os pacientes, diante das representações dos oito entrevistados, com ou sem máscaras, e diante dos ruídos internos e externos, numa verdadeira performance.
Sobre as relações entre os profissionais, foram observadas algumas situações de conflito, que sutilmente podem ser lidas como a expressão de relações de poder. O poder, porém, que acontece no cotidiano entre os indivíduos e que não necessariamente está ligado à força, mas à representação que uns têm dos outros. Assim, a incompatibilidade de diagnósticos citada por Cronos – “que falou que aquilo não era hanseníase, mas pra mim, pelo que o senhor ensinou pra gente, pra mim é hanseníase” – e o posicionamento de uma psicóloga – “aí ela encostou em mim e falou: ‘ô, Cronos, por que você não sai disso? Faz outra coisa, vai mexer com outra coisa’” – podem indicar possíveis relações de conflito em que os saberes determinam as relações assimétricas do poder. Esses elementos são percebidos também nas assertivas de Afrodite em relação à não execução de ações assistenciais pela enfermeira do Sesp, sendo essas atribuições referentes às atendentes, o que sugere certa insatisfação.
Em contrapartida, outras relações foram percebidas como cumplicidade, responsabilidade, reconhecimento e respeito, tanto nos relatos dos profissionais quanto dos pacientes. Alguns profissionais foram citados com certa recorrência, como “doutor Rocha” e “doutor Alexandre”. Dentro de um contexto temporal, a eles foi atribuída a responsabilidade pela condução das ações de hanseníase no município. Entretanto, outros também mereceram destaque para profissionais, pacientes e o próprio Serviço de Hanseníase, como Narmic, Regina, doutor Sebastião, Mara, doutor Jorge, doutora Cristina e doutor Ozires.
As relações entre profissionais e pacientes foram referenciadas como amigáveis, afetivas e solidárias, exatamente em um território que, a princípio, poderia ser considerado de exclusão pelo contexto da doença e sua representação coletiva ou de suas imagens reproduzidas ao longo da história. Relações essas que parecem se justificar no esforço da assistência prestada pelos profissionais, tanto pelo altruísmo quanto pela condição do cargo que ocupavam, salientados por suas atribuições e seu lugar de ocupação na equipe, compatíveis com as normativas vigentes na época estudada.
Nesse caso, não se tem a pretensão de desconsiderar a relevância dos trabalhos realizados por todos os atores. No entanto, percebe-se sutilmente nas narrativas que se trata de dois grupos sociais diferenciados, o grupo dos pacientes que se identificam com a imagem denegrida e o grupo dos profissionais de saúde que se assemelham com a idealização, imagens sociais relacionadas às relações de poder, de cunho simbólico (Elias, Scotson, 2000).
Ao retornar às narrativas e observá-las densamente, essas imagens e os ideais aparecem, nas entrelinhas ou verbalizados, retratando os perfis dos profissionais e dos pacientes por eles ecoados. Foram relações permeadas por sentimentos diversos: paternalismo, cuidado, pena, angústia, medo, imposição e até transgressão. Tudo isso pode ser atribuído à imagem coletiva e histórica (cultural) da lepra ou da hanseníase, carregada de sofrimentos, dores, mutila- ções e isolamento social, imersa num vasto campo de representações sociais: uma doença popular e envolta em tabus e crenças de natureza simbólica que reforçam o estigma (Claro, 1995; Paolmeira, Queiroz, Ferreira, 2012) – imagens citadas pelos dois grupos.
Mas, também, pelas memórias, abre-se outra possibilidade de interpretação de alguns desses sentimentos e da recordação do modelo sespiano, em que os profissionais eram treinados para ser árduos em seus trabalhos e persistir no cumprimento das atividades, entre as quais a busca de pacientes faltosos ao tratamento, as orientações sobre como os casais deveriam dormir, entre outras. Denota-se que era um esforço da relação entre profissionais de saúde e pacientes que implicava mudanças de hábitos de vida cotidianos que eram supervisionadas pelos profissionais in loco. Mesmo assim, diante dos atores depoentes, as relações com os profissionais de saúde foram verbalizadas em tons de afetividade e até de agradecimento, ao se referirem à realização dos exames, das fisioterapias ou de outros procedimentos. Nesse sentido, há quase um sentimento de afiliação que “inclui motivações ligadas ao amor, amizade, compartilhamento. Diz respeito ao que nos pertence e ao que nós pertencemos. É uma necessidade de inclusão e união sempre afetuosa, próxima e comunicativa” (Galvan, 2003, p.128) entre pacientes e profissionais de saúde no Sesp.
Essas relações ajudam a reforçar os entrelaces existentes entre atores sociais e uma doença, em que muitos elementos importam para uma configuração territorial, ultrapassando a perspectiva biológica da hanseníase. Um território feito espaço de vida pulsante, de alegrias e conflitos diante de relações assimétricas e em fluxo, mas, simultaneamente, esquadrinhado de acordo com os determinantes sociais (Mendes, 1993) e ousaríamos acrescentar que de acordo também com determinantes políticos, referindo-nos às políticas públicas da hanseníase da época.
Ressalta-se ainda que, a partir dessas relações espacializadas, esses atores desempenharam múltiplas territorialidades: cada depoente apropriou-se de alguns lugares e deles fez uso a partir de suas significações e ressignificações diante de suas experiências de vida (Koga, 2003). Territorialidades entendidas como as projeções das identidades desses depoentes em cada território (Misoczky, 2002) ou nos múltiplos territórios que podem ser encontrados como subdivisões desse território Sesp-Hanseníase, já identificado.
No território Sesp-Hanseníase, viu-se claramente a epopeia dessas relações e de um pertencimento aos lugares vividos (territórios) e de suas territorialidades que, mais tarde, sofreram mudanças, marcadas pela escolha do município como um dos municípios-sede do projeto-piloto de implantação da PQT. A polifonia das narrativas indica uma grande mobilização de vários poderes, funcionais e simbólicos, para que a doença fosse redimensionada no sertão valadarense. Fato é que, novamente, esse processo contribuiu para novas significações sobre a hanseníase, novos deslocamentos de poderes e novas perspectivas em relação à doença, que passaria a ter cura.
O “ator” numa perspectiva relacional: o próprio corpo, a doença, a família e a sociedade
Retomando as territorialidades como projeções das identidades dos atores nos territórios, torna-se importante discorrer sobre como elas se constroem na relação com o mundo vivido e com a cultura e, por isso, podem ser consideradas identidades territoriais (Rocha, Almeida, 2005). Mundo vivido que pode se apresentar sob três aspectos: geográfico, natural e cultural ou social (Relph, abr. 1979).
Ao contar suas histórias, Hermes, Talia, Gaia e Hefesto trouxeram à tona elementos importantes que fogem da discussão apenas biológica da hanseníase e que se reportam à relação consigo mesmo, com a família, a sociedade e os próprios profissionais de saúde – histórias que nem sempre ficaram restritas à hanseníase. Em alguns momentos, suas memórias extrapolaram e alcançaram outras situações de vida, de maneira irregular e despadronizada, que ajudam a delinear suas identidades nesses territórios vividos.
Diante disso, destacaram-se alguns pontos, situações e eventos que, a partir das vozes dos pacientes, aproximam-se ou se afastam, mas apontam para uma identidade territorial, que tem a ver com a construção das representações de alguns espaços humanizados (Claval, 2008; Silva, 2013) ou nos múltiplos territórios da hanseníase, do Sesp, da família, da sociedade, da igreja, do próprio corpo na década de 1980, em Governador Valadares.
Pois bem, se o objeto em questão fosse o estudo das expressões de cada depoente, com certeza se chegaria a situações peculiares a cada um. No entanto, os quatro atores pacientes apresentaram suas relações com a hanseníase sob o ponto de vista de seus valores atuais, entrelaçados ao passado e àquilo que puderam e se permitiram relembrar e, ainda, às suas significações sobre tudo o que viveram até o momento em que deram seus depoimentos.
Nesse sentido, percebeu-se que a identidade de cada relator apresentou-se diferenciada diante de determinados territórios, a exemplo de Hermes, que, no território da fé, era pastor, já no território Sesp-Hanseníase era paciente; o que sugere territorialidades também diferenciadas para cada situação vivida em seu cotidiano e que podem ser lidas pelas expressões de cada ator ou personagem em sua performance e em seu drama da hanseníase, enfatizadas pelos ruídos produzidos ou pelo próprio silêncio.
Essas territorialidades se ligam num ponto comum: o estigma. Tanto os profissionais de saúde como os pacientes se referiram ao estigma. Alguns utilizando a expressão, outros em palavras subentendidas. Em linhas gerais, o estigma se relaciona à redução e à restrição das possibilidades de participação social do indivíduo em determinadas situações, denotando um estigma social (Goffman, 2008). Não muito raro, o estigma pode ser referenciado como preconceito. Nesse caso, o preconceito pode ser lido como construção individual ou social, que está interligado com a própria pessoa e com os outros, gerando uma segregação social (Galvan, 2003). Já para Elias e Scotson (2000), o estigma social pode se relacionar ao fato de alguns indivíduos demonstrarem desapreço acentuado por outros indivíduos. Os conceitos utilizados para estigma sugerem acontecimentos presentes no cotidiano diretamente relacionados ao mundo vivido por cada depoente e o modo como ele se comportava territorialmente a partir deles.
Para Zeus, o estigma foi percebido no próprio Sesp, onde placas foram afixadas com dizeres: “Não se aproxime”, “Distancie-se”, entre outros, na disposição física do prédio e no vidro que separava profissionais de pacientes. Já Afrodite relembra a vizinhança dos pacientes e de suas indagações, as especulações surgidas quando da chegada do carro do Sesp próximo a algumas casas, as dificuldades já relatadas quanto ao trabalho, aluguéis de casas e do estigma entre casais.
Também foram citadas situações de estigma sofridas por Cronos e Afrodite perante outros profissionais de saúde com os quais conviviam. Hebe recordou não ter sofrido estigma, seja ele familiar ou profissional. No entanto, ela e Afrodite discorreram sobre situações estigmatizantes sofridas pelos pacientes que assistiram. Nesse caso, Hebe se refere ao termo “lepra” como o principal causador do estigma, pois se trata de uma representação coletiva da doença que pode ser decorrente das mutilações físicas e ainda se relacionar à sujeira material e moral do indivíduo (Claro, 1995). A doença carrega consigo o estigma bíblico e, portanto, está associada ao pecado, à sujeira e à corrupção (Curi, 2002).
Já para os pacientes, o estigma é percebido a partir de alterações físicas reais como: a mudança de coloração da pele pelos efeitos medicamentosos, as alterações dermatoló-gicas – manchas e caroços – e alterações neurais – diminuição de sensibilidade e dores nas articulações. Essas alterações aliadas ao diagnóstico recebido já de hanseníase, mas entendido como lepra, apontavam para uma nova identidade: a leprosa. Dentro dessa nova identidade, o sujeito estigmatizado passa por um distanciamento, que leva à não visualização social e possível exclusão da hanseníase e de seus portadores de debates sociais, reafirmando a segregação (Carvalho, 2011).
Em meio a esse contexto, são esperadas reações sociais que passam pelos seguintes processos: emocional; reação negativa de significado ameaçador e de desvalorização diante do que a sociedade adota como valor em relação à integridade física; as condutas de afasta-mento que passam pelo esquivamento – perante os demais indivíduos –, pela discrimi- nação – negação de igualdade entre os indivíduos – e a segregação – proposição de limites espaciais entre os indivíduos (Gandra, 1970).
Pautando-se nesses conceitos, Talia expressa tais reações sociais em seus depoimentos, quando se refere às estratégias adotadas para se distanciar de amigos e até de familiares. No caso dela, há uma percepção de que há, ainda, uma luta das identidades antes e depois da hanseníase nas expressões: “Porque eu sou vaidosa, né, eu achei que estava feio e queria saber o que era” e “porque eu mudei minha personalidade…” – sugerindo um autoestigma em que ela própria tratou de incorporar novos padrões diante da família e do trabalho.
Para Hermes a mudança da cor, os machucados e as dormências apresentadas percebidos não só por ele, mas, também, por seus familiares, demonstram uma luta constante entre assumir uma nova identidade de leproso e a de condutor de outras pessoas no contexto social, familiar e também do trabalho.
O estigma foi verbalizado de forma mais suave por Gaia e Hefesto; no entanto, ambos manifestaram o medo da discriminação ao dizer que não revelaram seu diagnóstico socialmente: “Não, ninguém sabe” (Gaia); “Eu nunca neguei pra ninguém que eu tava em tratamento, não, as pessoas é que percebiam, né, que eu tava tratando lá” (Hefesto), embora tenham afirmado não ter problema com a doença. Retomando a importância das identidades e das territorialidades, percebeu-se que, tanto para os pacientes como para os profissionais, a questão do estigma foi um fator presente no território funcional/simbólico da hanseníase.
Cada ator, de uma forma particular, vivenciou identidades distintas que fizeram de suas experiências com a hanseníase/lepra um sentimento de apropriação do espaço vivido. E, diante dessas territorialidades múltiplas, tantos outros territórios submergiram: o território da fé, do trabalho, familiar e o social, que se entrecruzam em um nó, o território Sesp, representado pelos lugares como as salas, os bancos, os portões e a recepção da Policlínica Central e pelos seus funcionários, na década de 1980. É evidente que as políticas públicas da hanseníase vigentes regulamentavam as ações de acordo com a portaria n.001, de 9 de outubro de 1987 (Oliveira, 1987), a exemplo dos relatos de Hermes: como a fisioterapia com feijão, os exames dos familiares, os exames periódicos de baciloscopias dos familiares doentes, a medicação observada pelos profissionais regularmente.
Esse comportamento diferenciado, ou seja, essas territorialidades que variavam de acordo com cada território frequentado pelos atores, fazem lembrar a posição dos estabelecidos (grupos de indivíduos ocupantes de posições de poder e de prestígio) e dos outsiders (indivíduos que estão fora desse contexto de poder, autoridade e influência) de Elias e Scotson (2010), em que as relações de poder acontecem na sociedade, ou seja, pelos atores sociais, sejam eles quais forem. Mas o que se passou entre os próprios atores, entre os familiares e perante a sociedade pôde-se relacionar ao que cada indivíduo percebe de si e dos outros, em múltiplos territórios.
Considerações finais
Encerrar essa encenação, em vários atos, é tão desafiante quanto foi descrevê-la. Pode-se dizer que diante da leitura feita a partir das vozes, dos ruídos, dos gestos, dos sentimen- tos desses “atores”, houve, sim, delineamentos de territórios que se relacionaram diretamente com a história da configuração da saúde em Governador Valadares e com as políticas públicas da hanseníase na década de 1980. O enredo que foi contado para se chegar à década de ١٩٨٠ e em Governador Valadares, cenário dos vários atos, foi necessário para que se tivesse um entendimento da importância de uma mudança de tratamento. Essa modificação não chegou à cidade somente com a inclusão de novos medicamentos, mas, também, trouxe a perspectiva de cura, num contraponto entre o que acontecia antes da PQT, fatos citados pelos atores.
O entendimento teórico sobre o território possibilitou o conhecimento sobre as relações sociais que aconteceram nesse cenário, em determinados ritmos, sentidos e significações para os atores envolvidos no processo da hanseníase e, assim, compreender que, de fato, esses atores se apropriaram do diagnóstico de uma doença permitindo uma leitura, simbólica e funcional, dos espaços e lugares vividos por eles.
Denota-se que a discussão territorial da saúde vem acontecendo desde a implantação do Sistema Único de Saúde, que foi um divisor de águas em relação à ampliação da assistência à saúde dos brasileiros. No entanto, essa discussão ainda revela um olhar mais funcional do território, em que as demarcações espaciais sobressaem às manifestações culturais das comunidades. Porém, alguns autores já avançaram nesse sentido, em que há múltiplas territorialidades e múltiplos territórios no âmbito da saúde e que deverão ser considerados em seu continuum, ou seja, funcional e simbólico, simultaneamente.
Tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes retrataram suas vidas não só a partir do que era feito para o cumprimento das determinações das ações de controle da hanseníase, mas também de como e onde as ações eram efetuadas. Perceberam-se claramente as relações existentes entre esses atores e deles com os demais citados e com as instituições. Cabe ressaltar que essas relações, permeadas de poder, aconteceram, sim, mas no que se refere aos atores, especificamente os que estiveram em cena, foi um poder que passou mais pela argumentação social, que se relacionava às políticas públicas da hanseníase, a exemplo das relações de poder elisianas.
Nos múltiplos territórios da hanseníase (Sesp e suas instalações físicas, familiar, da fé, do trabalho, entre outros), cada ator demonstrou, também, territorialidades múltiplas, como Hermes e Hebe enfatizaram. Territórios que se desenharam a partir da produção de significados, que ligavam as pessoas entre si e entre os espaços e lugares vividos, nos quais foram exercidas funções – funções que mudavam de acordo com a identidade que cada ator assumiu em suas memórias e em cada momento relembrado. Percebeu-se que, embora já fosse a hanseníase a doença com a qual lidavam, na verdade, ainda era a lepra que determinava suas reações entre os dois grupos de atores. As imagens da mudança física foram relembradas como fator determinante de estigma e de alguns posicionamentos tomados em função delas, como a mudança de identidade diante do diagnóstico, o que causa medo ainda hoje, como retra- tou Talia.
Com a chegada da PQT em Governador Valadares, estabeleceu-se um marco referencial de projeção do município no cenário nacional em relação à hanseníase. Foram percebidas em alguns relatos, principalmente pelos profissionais de saúde, as expressões de alívio e de novas perspectivas futuras. A partir da PQT, a hanseníase foi levada para debate na sociedade, como relataram os jornais da época (Diário do Rio Doce e Porta Voz de Valadares). Houve também capacitações de novos profissionais de saúde e o esforço conjunto de novos profissionais que transitavam em outras categorias, além da medicina e da enfermagem.
Para os pacientes, afora as situações de angústia, em suas memórias ficaram o acolhimento dos profissionais, as atividades que desenvolveram e o período em que frequentavam o Sesp. Mesmo hoje, não há uma separação entre esse serviço de saúde e a unidade atual, o Creden-PES. Todos os atores se referiram sempre, mesmo com a câmera desligada, ao Sesp e a seus profissionais, o que revela que a hanseníase está atrelada à história desse modelo de atenção à saúde no imaginário coletivo de alguns valadarenses.
Enfim, diante das respostas encontradas nessa longa encenação, ficam algumas indagações sobre como, atualmente, as ações de controle da hanseníase têm sido implementadas: seriam os territórios e as territorialidades ainda múltiplas? As vozes de todos os atores são escutadas com um acolhimento eficiente? As metas alcançadas são reflexos desse acolhimento? Todos os atores têm igual importância na implementação das ações? O mundo vivido de cada um tem sido considerado em função do tempo, do ritmo e do sentido que o diagnóstico ainda provoca em seus atores? Vivemos na era do poder do toque e da escuta como um elemento integrante da terapêutica?
Essas e muitas outras indagações podem ajudar na gestão integrada desses territórios, que foram apresentados na década de 1980, mas que podem repercutir no “hoje” de todos os atores envolvidos no processo da hanseníase – uma doença milenar, mas que ainda se traduz em altos números de incidência, de comportamento constantemente dinâmico e que mantém, ainda, muitos elementos escondidos no íntimo de cada indivíduo. É, por isso, uma doença passível de agregar todas as ciências, todos os profissionais e instituições de saúde, todas as esferas de governo e toda a sociedade que, num esforço conjunto, possam discutir, de fato, ações que minimizem os efeitos prejudiciais desse mal, em todas as suas dimensões e em suas várias cenas.
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1
De acordo com Haesbaert (2005, p.6777), o território funcional encontra-se representado por processos de dominação, desigualdade, território sem territorialidade, princípio de exclusividade, unifuncionalidade, recurso e valor de troca, controle físico, produção e lucro. No território simbólico os processos são de apropriação, da diferença, da territorialidade sem território, do princípio da multiplicidade, das múltiplas identidades, do território como símbolo e de valor simbólico, abrigo, segurança afetiva.
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2
Os depoimentos dos atores que construíram as cenas apresentadas estão em conformidade com os requisitos éticos e aprovação do Conselho de Ética e Pesquisa da Universidade Vale do Rio Doce, sob o protocolo n.005/11-07.
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3
Como continuum dentro de um processo de dominação e/ou apropriação, o território e a territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações – que é também, e sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados, por meio dos múltiplos sujeitos envolvidos, configurando multiterritorialidades.
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4
O Serviço foi estabelecido em Governador Valadares em 1942, como resultado de um acordo bilateral entre Brasil e EUA (Acordos de Washington). O Sesp manteve seu funcionamento até 1960, quando foi transformado em Fundação Sesp, ligada ao Ministério da Saúde. Os informantes sempre se referiam ao Sesp sem fazer uma distinção clara a partir da criação da Fundação.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2016
Histórico
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Recebido
Abr 2014 -
Aceito
Dez 2014