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Da circum-navegação da Vital de Oliveira às novas tabelas de rações: alimentação e saúde a bordo dos navios da Marinha Imperial Brasileira, 1879-1886

From the circumnavigation of the Vital de Oliveira to the new ration tables: nutrition and health on Brazilian Imperial Navy vessels, 1879-1886

Resumo

Entre 1879 e 1881 a corveta Vital de Oliveira realizou a primeira viagem de circum-navegação da Marinha Brasileira. Um dos itens que ocuparam as preocupações do comandante do navio, Júlio de Noronha, em seu relatório da viagem foi a alimentação; preocupação reforçada no relatório médico da expedição redigido pelo primeiro-cirurgião Galdino Magalhães. Essa preocupação ganhou destaque devido ao elevado saldo de enfermos e mortos durante a viagem, para o que teria contribuído a carência de determinados gêneros alimentícios, de acordo com ambos os relatórios. O artigo discute a relação entre a alimentação e a saúde das tripulações. Além disso, trata da relação entre a viagem da Vital e a implementação de uma nova tabela de rações efetivada em 1886.

Marinha do Brasil; viagem de circum-navegação; história da alimentação

Abstract

The corvette Vital de Oliveira was the first Brazilian Navy vessel to circumnavigate the world, from 1879 to 1881. One of the items that concerned its captain, Júlio de Noronha, in his trip report was the food supply, which was further reinforced in the medical report for the expedition written by the head surgeon, Galdino Magalhães. This concern was notable due to the high numbers of sailors who sickened and died during the trip, which according to both reports may have been caused by shortages of certain foods. This article discusses the relationship between food and health in the crew, as well as the relationship between this journey and the implementation of a new ration table that took effect in 1886.

Brazilian Navy; circumnavigation voyage; history of nutrition

A bromatologia náutica é uma das divisões da higiene marítima que mais reclama sério estudo da parte do Corpo Médico Naval. Estudar a composição das rações diárias e os espaços em que devam ser distribuídas; variá-las o mais que lhe for possível; aumentar ou diminuir certos gêneros em consideração às estações, ao clima e ao estado nosológico de bordo; apontar o melhor meio de torná-las mais nutritivas e digestivas; eis os pontos mais salientes, à cuja observação acurada deve dedicar-se o cirurgião da Armada ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.8).

Ao findar a década de 1870, a Marinha Imperial Brasileira enviou a corveta Vital de Oliveira a uma viagem de circum-navegação, a primeira do gênero levada a cabo pela instituição. Para tal viagem, que seria a comissão mais longa e extensa realizada por um navio da Marinha do Brasil até aquele momento, embarcaram 185 militares, entre os quais o médico primeiro-cirurgião da Armada Galdino Cícero de Magalhães (autor da epígrafe acima).

Iniciada no Rio de Janeiro em 19 de novembro de 1879 e finda no mesmo local a 24 de janeiro de 1881, após 430 dias de viagem e mais de 35 mil milhas náuticas navegadas, a empreitada resultou em dois importantes documentos, a saber: os relatórios do comandante do navio, o capitão de fragata Júlio César de Noronha (1882)NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. e do supracitado médico Galdino de Magalhães (1881)MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. .

A citação que trouxemos na abertura nos dá uma pequena dimensão de um dos assuntos que ganharam bastante espaço nos relatórios, isto é, a questão alimentar a bordo dos navios da Armada Imperial. Tanto o comandante como o cirurgião da Vital de Oliveira, com abordagens específicas às suas funções, destacaram preocupações quanto à tabela de rações em voga para as tripulações dos navios da Marinha do Brasil.

A inédita, longa e desgastante comissão naval redundou em uma série de dificuldades e desafios àqueles dois homens e aos seus companheiros de missão, dando mote a observações incisivas quanto à necessidade, no entender deles, de uma reavaliação e modificação da rotina alimentar dos marinheiros. Pelo exame das fontes percebeu-se que os trechos do relatório do comandante Noronha concernentes à alimentação foram subsidiados pelo médico do navio, conforme apontaremos adiante.

Tal percepção, somada à análise do relatório do próprio Galdino de Magalhães e às repercussões advindas da divulgação dos textos à época, isto é, a reformulação das tabelas de rações da Marinha nos levou a encetar uma discussão que também contemple o entendimento de um discurso que visava legitimar um saber médico a bordo dos navios e em estabelecimentos de terra da Marinha Imperial que se queria além de um mero saber paliativo cirúrgico de cura dos convalescentes, mas que servia, principalmente, para manter intacta a saúde dos homens por meio de uma série de medidas preventivas e normatizadoras embasadas em um prisma científico.

Ora, essa valorização do médico como detentor de um saber imprescindível à sociedade e aos indivíduos ganha vigor com as transformações pelas quais passou a medicina no século XVIII, quando, consoante Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal. 1979. , p.80, 2018, p.X), nasceu a medicina moderna com o aparecimento da anatomia patológica. Tal processo caminha alinhado ao controle dos indivíduos pela sociedade, o que foi exacerbado com o desenvolvimento do capitalismo e da industrialização que faz a medicina ser uma prática voltada para o controle dos corpos, tornando a atividade médica uma “estratégia biopolítica”.

A ascensão do poder do discurso médico teria sido acompanhada de vários fatores (urbanização, industrialização, cientificismo etc.) e feito do profissional que exerce a medicina um indivíduo que não restringe sua área de atuação apenas aos hospitais e enfermarias, mas que teria participação ativa nas decisões relacionadas, por exemplo, à distribuição do espaço, à arquitetura dos edifícios, aos variados aspectos da vida dos indivíduos, como a alimentação, a sexualidade e o comportamento social:

Além disso, os médicos deverão ensinar aos indivíduos as regras fundamentais de higiene que estes devem respeitar em benefício de sua própria saúde e da saúde dos outros: higiene da alimentação e do habitat, incitação a se fazer tratar em caso de doença. ... O médico se torna o grande conselheiro e o grande perito, se não na arte de governar, pelo menos na de observar, corrigir, melhorar o ‘corpo’ social e mantê-lo em um permanente estado de saúde ( Foucault, 1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal. 1979. , p.202-203).

Tal constatação não significa que a relação alimentação/medicina tenha surgido nos séculos XVIII-XIX, pois, como se sabe, a utilização dos alimentos como meio para se alcançar a cura de enfermos, bem como para preservar a saúde dos sãos, consiste em uma prática médica desde a Antiguidade. Mazzini (1998MAZZINI, Innocenzo. A alimentação e a medicina no mundo antigo. In. Flandrin, Jean-Louis; Montanari, Massimo. História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. p.254-262. 1998. , p.254) aponta que “a dietética, junto com a cirurgia e a farmacologia, é um dos três ramos fundamentais da medicina antiga”. Contudo, conforme o mesmo historiador, tais recomendações médicas relacionadas à prescrição de dietas alimentares na Antiguidade clássica teriam alcance restrito “às pessoas ricas ou abastadas, capazes de dedicar tempo e dinheiro à sua saúde”.

A “medicina moderna” apontada por Foucault difere da abordada por Mazzini não apenas por sua maior evolução dos saberes clínicos e por seu maior alcance entre grupos sociais menos abastados, que passam a fazer parte das preocupações do discurso médico, mas principalmente porque se transformou em uma medicina que apresenta seu discurso para além da relação médico/paciente e imiscui-se em uma dinâmica mais ampla que se relaciona com a normatização dos corpos dos indivíduos em variados espaços, por exemplo: cidades, prisões, escolas, hospitais, navios. Ao discorrer sobre as transformações no campo médico durante o século XVIII, Foucault (2018, p.97) argumenta que:

O olhar médico, além disso, se organiza de modo novo. Primeiramente, não é mais o olhar de qualquer observador, mas o de um médico apoiado e justificado por uma instituição, o de um médico que tem o poder de decisão e intervenção ... é um olhar que não se contenta em constatar o que evidentemente se dá a ver; deve permitir delinear as possibilidades e riscos; é calculador.

Tal olhar médico continuará preocupado com as práticas alimentares, mas sob uma perspectiva mais abrangente e que buscava ir além das bases hipocráticas e galênicas, avançando para uma “reflexão sobre os valores nutricionais dos alimentos” ( Montanari, 2008MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Editora Senac. 2008. , p.90). Para aprofundar essa discussão, no que diz respeito à alimentação a bordo dos navios da Marinha do Brasil em meados do século XIX, acreditamos ser necessário apresentar de modo concomitante os meandros relacionados à viagem de volta ao mundo da Vital de Oliveira, assim como o processo de reformulação das tabelas de rações da Marinha na primeira metade da década de 1880.

A primeira viagem de circum-navegação da Marinha do Brasil, 1879-1881

Entre outubro e novembro de 1879 estava em fase de finalização o planejamento para a primeira viagem de circum-navegação a ser executada por um navio da Marinha de Guerra Brasileira. A oficialização da comissão foi dada pelo aviso ministerial n.1.935, assinado pelo ministro da Marinha Sabino Eloy Pessoa, e publicado no dia 10 de novembro daquele ano. O objetivo da viagem, conforme o ato do ministro, seria “uma viagem de circum-navegação de acordo com o itinerário anexo ao presente Aviso. – O fim principal desta comissão é proporcionar aos oficiais embarcados no referido navio a instrução profissional que se adquire nas viagens de longo curso” ( Noronha, 1882NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. , p.3).

A corveta Vital de Oliveira, construída no Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro, sob o plano do engenheiro naval da Armada Napoleão Level e com as máquinas projetadas pelos também engenheiros navais Antônio Gomes de Mattos e Carlos Braconnot, foi lançada ao mar em 1867, ou seja, durante a Guerra da Tríplice Aliança contra o governo do Paraguai ( Mendonça, 2001MENDONÇA, Lauro Nogueira Furtado de. A Marinha Imperial: 1870 a 1889. In: Serviço de Documentação da Marinha. História naval brasileira. v.4. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. 2001. , p.44). Antes da comissão de volta ao mundo, tal navio já possuía em sua trajetória duas viagens de longo curso: em 1876 navegara no oceano Pacífico, indo até Acapulco; e em 1877 contornara o leste africano, tendo em seguida atravessado o canal de Suez e retornado pelo mar Mediterrâneo. De modo que fora considerada a embarcação mais adequada para outra longa viagem que duraria mais de um ano.

Ademais, algumas características intrínsecas do navio tornavam-no uma boa escolha para o desempenho das funções que sua tripulação teria de executar, isto é, por ser um navio misto (propulsão a vela e a vapor) e ser equipado com canhões raiados Withworth de quatro calibres diferentes, a extensa viagem poderia possibilitar um importante incremento de conhecimento na prática da navegação a vela, do manejo dos armamentos e no aprimoramento do labor marinheiro nas máquinas, que consistia em uma especialização relativamente nova na Marinha Imperial e em vias de regulamentação.

Figura 1
: Corveta Vital de Oliveira (Acervo iconográfico da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha do Brasil)

Além de uma viagem que proporcionaria aos seus tripulantes – que cruzariam três oceanos – treinamento em variados aspectos náuticos, militares e navais, o evento também serviu para cumprimento de uma missão diplomática à China. Naquele momento – década de 1870 –, diante do aumento do fluxo imigratório ao Brasil, um amplo e ferrenho debate foi desenvolvido na imprensa e nos meios políticos brasileiros a respeito da viabilidade da imigração chinesa ao Império. Segundo Czepula (2017)CZEPULA, Kamila Rosa. Os indesejáveis ‘chins’: um debate sobre a imigração chinesa no Brasil Império. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista, Assis. 2017. , 1879 foi justamente o auge de tal debate, o qual se enviesou, em muitos momentos, por uma retórica de forte teor racialista. E, justamente nesse ano, a viagem da Vital de Oliveira adentraria no espectro desse impasse ao servir de transporte a uma delegação diplomática à China com a seguinte missão:

O Governo Imperial, julgando conveniente abrir relações com a China, resolveu mandar a esse Império uma missão especial, incumbida de propor, negociar e concluir um tratado de amizade, comércio e navegação, no qual, sendo possível, se atenda também à necessidade da introdução de trabalhadores agrícolas no Brasil ... O pessoal da missão embarcou-se em Toulon na Corveta Vital de Oliveira (Brasil, 1880, p.14).

Foram nomeados como enviados extraordinários e ministros plenipotenciários: Eduardo Callado (representante do Império do Brasil no Paraguai) e o chefe de divisão Arthur Silveira da Motta (futuro barão de Jaceguay); além deles, em 15 de março de 1880, embarcaram na Vital de Oliveira em Toulon, com destino a Hong Kong, dois adidos militares, um secretário (o capitão de fragata Saldanha da Gama, que ficaria célebre na década seguinte por ser um dos líderes da Revolta da Armada) e um intérprete (um jovem francês chamado Vissiéres que estudara na Escola de Línguas Orientais de Paris).

Inegavelmente, realizar uma viagem de circum-navegação ao globo ainda era, na segunda metade do século XIX, uma empreitada bastante ousada para a Marinha de um país que não constava no rol das grandes potências, e, caso fosse bem-sucedida, a Marinha Imperial Brasileira seria a primeira força naval da América do Sul a realizar uma volta ao mundo, o que dava à viagem forte representatividade simbólica.

Era, contudo, feito bastante dispendioso financeiramente e que exigiria um grande esforço logístico e dedicação do pessoal empregado na missão. Percebe-se na documentação que a viagem só foi possível graças aos interesses relacionados aos acordos comerciais com a China; dando-se conta da necessidade de enviar uma delegação diplomática ao Extremo Oriente passando antes pela Europa, a Marinha aproveitou a oportunidade para regressar ao Brasil atravessando o Pacífico de modo a realizar a primeira circum-navegação de sua recente história.

Conforme as memórias do almirante Silveira da Motta ( Jaceguay, 1897JACEGUAY, Arthur. A primeira missão brasileira à China. Revista Brasileira, ano 3, v.12, p.74-85. 1897. , p.76), a viagem fora possível graças aos esforços do senador visconde de Sinimbu, um entusiasta da possível imigração de trabalhadores chineses ao Brasil, o qual, mesmo diante da “repugnância, por parte do Imperador” e da “oposição parlamentar e da imprensa”, teria conseguido a aprovação das verbas necessárias para aparelhar a corveta Vital de Oliveira para a missão.

De modo geral, pode-se verificar o itinerário da viagem descrito pelo comandante Júlio de Noronha no Quadro 1:

Quadro 1
: Itinerário da viagem de circum-navegação da corveta Vital de Oliveira,1879-1881

Desse modo, entre a partida de Toulon e a chegada à China, estaria a bordo um oficial de posto superior ao comandante Noronha: o já célebre Arthur Silveira da Motta, famoso por sua participação na guerra que pouco menos de dez anos antes se encerrara. No já citado aviso ministerial n.1.935, o ministro da Marinha fazia a seguinte indicação a Noronha (1882, p.3):

Foram expedidas ao chefe de divisão Arthur Silveira da Motta as inclusas instruções, estabelecendo as regras que têm de ser estritamente observadas para o bom desempenho do serviço a que me refiro a V.S. prestará àquele oficial general todo auxílio e cooperação na parte praticados diversos serviços que lhe são incumbidos, estabelecendo de acordo com ele o horário para os estudos, sem prejuízo do serviço de bordo.

O planejamento inicial previa uma viagem de um ano, um mês e dez dias e incluía no roteiro a passagem pelas cidades de Xangai e Tianjin; contudo, no curso da viagem, em cumprimento a ordens advindas do governo brasileiro, tais portos foram suprimidos, tendo sido acrescentados por “conveniência do serviço, os de Gibraltar, Toulon, Acapulco e Lota” ( Noronha, 1882NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. , p.83), redundando em um acréscimo de 25 dias além do previsto inicialmente.1 1 Cabe salientar que outro fator que incidiu no aumento do tempo de viagem foi o surto de beribéri que acometeu a tripulação (acerca do qual discorreremos adiante), fazendo com que o navio permanecesse em São Francisco por 15 dias, quando o planejamento pré-viagem era de dez dias naquele porto.

Figura 2
: Mapa com derrota da circum-navegação da corveta Vital de Oliveira ( Noronha, 1881NORONHA, Júlio César de. Carta geral do globo: derrota da viagem de circum-navegação da corveta Vital de Oliveira sob o comando do capitão de fragata Júlio Cesar de Noronha: 1879-1881. Rio de Janeiro: Litografia a Vapor Lombaerts. 1 mapa, col., 59 x 87cm em f. 61,2 x 87cm. Sem escala. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart174112/cart174112.jpg> Acesso em: 10 jul. 2019. 1881.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acer...
)

O pessoal a bordo

Conforme mencionado, ao partir do Rio de Janeiro em 19 de novembro de 1879, a corveta Vital de Oliveira tinha por comandante o capitão de fragata Júlio César de Noronha. Tal oficial contava com 34 anos de idade e ingressara na Marinha Imperial em 1862, sendo veterano da Guerra da Tríplice Aliança. Algumas décadas depois, já no princípio do século XX, sua trajetória naval o levaria à frente da pasta do Ministério da Marinha ( Marinha do Brasil, 2004MARINHA DO BRASIL. Biografias dos ministros da Marinha na República. v.1. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. 2004. , p.111-113).

Figura 3
: Júlio César de Noronha (Acervo iconográfico da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha do Brasil)

Sob seu comando estavam 21 oficiais e 163 praças. No relatório de Noronha, consta a lista nominal dos oficiais e o quantitativo de praças. Consoante já indicamos, entre os comandados de Noronha estava o primeiro-cirurgião da Armada, Galdino Cícero de Magalhães, que era um dos médicos de bordo juntamente com José Barata. Galdino já possuía certa experiência em longas viagens marítimas, pois, antes da viagem na Vital de Oliveira, experimentara outra longa comissão a bordo da corveta Bahiana, quando, em 1877, fora até a Índia.2 2 Além da corveta Bahiana, Galdino de Magalhães servira anteriormente na corveta Trajano e no encouraçado Brasil (Marinha do Brasil, 1860-1945).

Galdino de Magalhães nasceu na Bahia, em 1848, e era filho do conselheiro Vicente Ferreira de Magalhães, também médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia. Concluíra os estudos em 1871 na instituição em que seu pai lecionava, defendendo a tese Sintomas fornecidos pela respiração . No ano seguinte, ingressou na Marinha Imperial como segundo-cirurgião, aos 23 anos de idade ( Brasil, 1879BRASIL. Almanaque do Ministério da Marinha. Rio de Janeiro: Tipografia de José Dias de Oliveira. 1879. , p.280-281).

Não é objetivo do presente artigo um aprofundamento nas concepções médicas de Galdino de Magalhães, apesar de, no decorrer do texto, apresentarmos alguns de seus posicionamentos relativos às práticas e aos saberes de seu ofício. Não se pode, porém, apartar o indivíduo da teia de relações sociais em que estava inserido, do seu contexto histórico-cultural. É bastante possível que Galdino tenha recebido influências de médicos que fizeram uso do periódico Gazeta Médica da Bahia para difundir suas ideias e que, posteriormente, ficaram conhecidos como membros da Escola Tropicalista Baiana.3 3 Para uma breve perspectiva da Escola Tropicalista Baiana e de seus principais expoentes, cf. Escola... (s.d.). Tal escola (que na realidade era um repertório de ideias compartilhadas) alinhava-se com os saberes médicos em voga nos principais centros europeus, utilizando “os mais avançados instrumentos da medicina europeia” ( Edler, 2002EDLER, Flávio Coelho. A Escola Tropicalista Baiana: um mito de origem da medicina tropical no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.9, n.2, p.357-385. 2002. , p.361); contudo, envidava seus esforços no estudo de enfermidades que eram comuns às realidades climáticas do Brasil, tais como: o beribéri, a tuberculose, a lepra.

Para divulgar suas ideias, a Gazeta Médica da Bahia , periódico fundado em 1866, foi amplamente utilizado pelo grupo. De modo que a formação médica de Galdino na Faculdade da Bahia se deu exatamente nesse contexto histórico, havendo a grande possibilidade de as discussões encetadas na Gazeta o terem influenciado, visto que, após a viagem de circum-navegação, o médico dedicou-se ao estudo do beribéri, uma das principais moléstias que eram foco de pesquisas dos médicos da Escola Tropicalista Baiana.

Feita tal inflexão sobre o médico da Vital de Oliveira, cabe apontar que, apesar de ter sob seu comando o médico Galdino de Magalhães e outros 183 militares, nas considerações de Noronha a respeito da lotação do navio para a viagem, tal número de pessoas teria sido insuficiente para a referida comissão, tornando-a bem mais penosa e sobrecarregando os homens: “A lotação da corveta é assaz diminuta e só admissível nas proximidades do Império, onde não é difícil a substituição do pessoal” (Noronha, 1882, p.92). Visando deixar isso explícito, Júlio de Noronha apontaria que as viagens realizadas ao oceano Pacífico em 1876 e ao oceano Índico em 1877 partiram do Rio de Janeiro com mais 43 e 31 praças respectivamente. Se comparadas à viagem de volta ao mundo, “esta diferença torna-se mais sensível ante a consideração de ter sido a nossa viagem, além de mais longa, a mais penosa pela insalubridade dos climas que tivemos de atravessar” ( Noronha, 1882NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. , p.92).

A percepção da análise do comandante do navio se torna mais dramática quando se verificam os diversos contratempos e baixas de pessoal pelos quais a Vital de Oliveira passou na viagem. A preocupação relacionada à redução no quantitativo de marinheiros e a dificuldade de reposição de homens era explicável desde as grandes viagens marítimas da Idade Moderna, quando muitas expedições eram interrompidas por conta de doenças e mortes que acometiam as tripulações. Com o desenvolvimento da medicina e de tecnologias náuticas que tornavam as viagens mais rápidas e seguras esse panorama melhorou bastante, mas continuava a assolar os navios constantemente.

A Vital de Oliveira não passou ilesa por tragédias e dissabores relacionados a acidentes e enfermidades diversas, que ceifaram as vidas de muitos de seus homens em terras estrangeiras e no mar ao longo de 1880. O primeiro-cirurgião Galdino de Magalhães (1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.117-118) reporta um mapa nosológico em seu relatório com o total de noventa moléstias que levaram homens aos cuidados dos médicos do navio. Entre as mais comuns podem-se citar: catarro brônquio (59 casos), supressão transpirativa (58), diarreia (41), angina tonsilar (36), abscesso (31), reumatismo articular (24), cólica intestinal (23), furúnculo (23), contusão (22) e ferida contusa (21).

Algumas dessas enfermidades eram muito comuns em viagens como as doenças respiratórias e do sistema digestivo, as quais tinham por principais causas aspectos relacionados à alimentação, consumo de água contaminada, exposição a bruscas mudanças climáticas e intempéries. Ademais, eram recorrentes em comissões navais acidentes que causavam cortes e contusões, além da exaustão física advinda dos esforços contínuos em determinadas atividades.

Menção especial deve ser feita com respeito a um surto de beribéri que grassou no navio levando à enfermaria de bordo ou hospitais em terra 33 de seus homens.4 4 O surto de beribéri a bordo da corveta Vital de Oliveira resultou em um estudo específico de Galdino de Magalhães (1882) acerca do tema. Ademais, devido à excepcionalidade das internações ocorridas no hospital da Marinha norte-americana, outro estudo de autoria do médico estadunidense Hebersmith, que tratou dos marinheiros brasileiros em São Francisco, foi publicado no Annual Report of the Supervising Surgeon-General of the Marine Hospital Service of the United States , sob o título “‘Beri-beri’, at the United States Marine Hospital, San Francisco, Cal.” ( US, 1881 , p.203-229). Somente o beribéri causou a morte de seis militares; três deles faleceram durante a travessia do oceano Pacífico e outros três já no hospital em São Francisco (EUA), quando 18 homens da Vital de Oliveira tiveram de ser internados.5 5 Dezesseis desses homens não prosseguiram viagem, pois permaneceram internados no hospital em São Francisco. A respeito do beribéri e sua relação com as práticas alimentares a bordo retornaremos adiante.

O foco dado pelo comandante Noronha quanto ao que considerava diminuto quantitativo de praças em uma viagem de tal monta se justifica pelo fato de que, apesar de alguns dos oficiais terem ficado doentes, todas as 44 baixas enfrentadas – cerca de 25% da tripulação – foram de praças ( Quadro 2 ):

Quadro 2
: Baixas de pessoal durante a viagem de circum-navegação da corveta Vital de Oliveira

Ficou latente na percepção de Noronha e na do primeiro-cirurgião Magalhães que um dos aspectos causadores de muitos dos males sofridos na viagem relacionava-se diretamente à alimentação a bordo, de modo que o tema esteve presente no relatório de Noronha e foi recorrente no do médico do navio. O alerta feito por ambos resultaria, em 1881, na constituição de uma comissão que recebeu o encargo de reelaborar as tabelas de rações da Marinha do Brasil.

A alimentação na Armada e as tabelas de rações de 1877 e 1886

Não há encarecer o interesse com que devemos olhar para a saúde e bem-estar dos nossos marinheiros, ainda muito aquém do que fora para desejar.

Em nossa humilde opinião, baseada na prática de uma longa viagem realizada através de climas variáveis, o alimento e o fardamento das guarnições – carecem de melhoramentos.

O exame das tabelas juntas patenteia, quanto à ração, a inferioridade em que estamos com relação às Potências mais adiantadas no caminho do progresso e mais ciosas das regras higiênicas tão desconhecidas ou, pelo menos inobservadas entre nós ( Noronha, 1882NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. , p.92).

Com tais palavras o comandante Noronha se reportaria ao ministro da Marinha ao tratar a respeito da necessidade premente de melhorias na qualidade da alimentação a bordo dos navios da Armada Imperial. O fato de ter comandado um navio em uma inédita viagem longuíssima, demorada e repleta de sofrimentos e glória dava a Noronha imenso respaldo para discorrer sobre tudo que dissesse respeito às condições necessárias para realização de qualquer viagem por navios da Marinha.

O termo utilizado para a alimentação dos militares à época, assim como hoje, já era ração. Apesar de o leitor atual poder sentir certo estranhamento diante do termo ração para a alimentação de pessoas, o seu uso era comum quando se referia a porções fixas de provisões, especialmente, de militares.

Quando da viagem de volta ao mundo da Vital de Oliveira, a tabela de rações em vigor não era antiga,6 6 Ao estudar as modificações das tabelas de rações para a Marinha durante o século XIX se perceberá que ocorreram reformulações constantes. Eis o apanhado dos atos legislativos de algumas dessas reestruturações: decreto n.541, de 5 nov. 1847; decreto n.4.954, de 4 maio 1872; decreto n.6.772, de 15 dez. 1877; decreto n.9.579, de 10 abr. 1886; decreto n.9.935, de 25 abr. 1888; decreto n.9.974, de 27 jun. 1888; decreto n.9.980, de 12 jul. 1888; decreto n.181, de 24 jan. 1890. fora estabelecida pelo decreto n.6.772, de 15 de dezembro de 1877 ( Quadro 3 ). Não obstante, a experiência de diversas desventuras e infortúnios a bordo fizeram o comandante do navio considerar a tabela bastante inapropriada e extremamente inferior às empregadas por marinhas de outras nações consideradas por ele mais “adiantadas”.

Quadro 3
: Tabela de rações estabelecida pelo decreto n.6.772, de 15 de dezembro de 1877

Visando deixar clara a disparidade que considerava haver entre a alimentação fornecida aos marinheiros brasileiros e aos de outras nações, Noronha apresenta, logo na sequência, as tabelas de rações distribuídas às guarnições dos navios de guerra portugueses, alemães e franceses. Talvez de modo proposital, visando a uma correlação entre tais assuntos, o comandante da Vital de Oliveira traria em seguida duas tabelas: uma contendo o quantitativo de pessoal que falecera durante a viagem e a respectiva causa mortis ; e outra apontando a quantidade de militares internados por conta de enfermidades em hospitais de diversos locais do globo durante a comissão.

Não obstante, tal apresentação não foi acompanhada de nenhuma análise aprofundada da questão da alimentação, além da citação que trouxemos anteriormente em que Noronha indicava a necessidade de melhoramentos nos insumos alimentares e nos fardamentos. Por outro lado, ao trazer a referida indicação e apresentar as diversas tabelas é inegável a preocupação que circundava seu relato a respeito do tema. Acreditamos que essa preocupação, em grande parte, foi instigada no espírito do comandante Noronha por outro integrante da tripulação já citado por nós: o médico Magalhães.

Em determinado trecho de seu relatório, ao discorrer sobre o surto de beribéri, Noronha traz na íntegra um ofício que lhe foi remetido no dia 25 de agosto de 1880 quando estava na Califórnia, pelo médico do navio, a quem chama de “inteligente 1º cirurgião Dr. Magalhães”. Em tal ofício, Magalhães indicava uma série de causas para a eclosão da moléstia e sugeria ao comandante medidas para evitar novos casos, apontando, além de questões relacionadas ao clima e ambiente, aspectos alimentares com destaque:

A estas causas ... deverei acrescentar ... privação de qualquer alcoólico e alimentação pouco roborante, como sejam as carnes de vaca salgadas e ausência de vegetais. A moléstia apresentou-se sob suas três formas: aumentando seu número à proporção que a viagem se prolongava. É claro que a falta de alimentação fresca e fortificante enfraquecendo-os, tornavam-nos aptos para a sua invasão. ... Julgo necessário atualmente adotar as seguintes medidas. Evitar qualquer umidade a bordo, exercícios muito moderados, licenças para passear em terra, não consentir que vão à noite para terra, privá-los do relento, alimentação fresca e verduras, distribuir uma ração de vinho ao jantar ( Noronha, 1882NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. , p.94).

O relatório médico de Galdino, por sua vez, é extenso e traz temáticas diversas. Apesar de seu foco principal estar direcionado ao aspecto sanitário da tripulação da Vital de Oliveira, o médico trata de aspectos outros que considera atrelados a isto, daí a divisão do relatório em quatro partes: (1) a descrição pormenorizada de todos os ambientes do navio com seus pontos benéficos e nocivos à saúde de seus ocupantes, apontando sugestões para um “bom estado higiênico”; (2) descrição das cidades visitadas com a indicação de seus hospitais, condições sanitárias e estado de saúde da tripulação durante a estadia em cada local; (3) um panorama nosológico mensal da tripulação; e (4) apresentação da prática médica chamada de “sistema dosimétrico”, a qual praticara durante a viagem.

Por todo o texto de Magalhães são dispostas referências a outros autores,7 7 Louis Beaugrand, Jean-Baptiste Fonssagrives, Louis Figuier, Amédée Latour, Adolphe Burggraeve, Wilhelme Hufelland, Samuel Hahnemann, Gallard, Chevalier, Forget, Gaucher. em sua maioria médicos europeus, os quais são lançados ao leitor com vias a dar maior embasamento científico e respaldo às suas ponderações e análises. A maioria dos autores citados é apresentada apenas com o sobrenome e sem a indicação da obra, o que sugere a constituição de um protocolo de leitura8 8 Segundo Chartier (2011 , p.20) “todo autor, todo escrito impõe uma ordem, uma postura, uma atitude de leitura ... o protocolo da leitura define quais devem ser a interpretação correta e o uso adequado do texto, ao mesmo tempo em que esboça o seu leitor ideal”. que privilegiava os leitores profissionais da área e conhecedores da literatura especializada. Ademais, há uma preferência da parte de Galdino por autores francófonos.

Tais autores que embasam o relatório de Magalhães, assim como o contido nos constructos discursivos do médico da Vital de Oliveira, estão insertos em uma percepção da prática médica no que diz respeito ao ambiente militar no qual havia uma necessidade premente de se preservar a todo custo a saúde dos indivíduos cuja formação fora custosa e cuja substituição requereria tempo e dinheiro. Diferente do que ocorria até meados do século XVII, quando o recrutamento e a formação de contingentes de soldados e marinheiros não exigiam grande especialização técnica, o desenvolvimento tecnológico de novos instrumentos bélicos nos séculos XVIII e XIX mudou drasticamente esse quadro, tornando a medicina e os hospitais militares fatores de imensa relevância aos exércitos e marinhas:

Quando se formou um soldado não se pode deixá-lo morrer. Se ele morrer deve ser em plena forma, como soldado, na batalha, e não de doença. ... Surge, portanto, uma reorganização administrativa e política, um novo esquadrinhamento do poder no espaço do hospital militar. O mesmo acontece com o hospital marítimo, a partir do momento em que a técnica da marinha torna-se muito mais complicada e não se pode mais perder alguém cuja formação foi bastante custosa ( Foucault, 1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal. 1979. , p.104-105).

Já nas primeiras páginas de seu relatório, Magalhães (1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.6) apresenta uma descrição do paiol de gêneros alimentícios do navio cujas dimensões considerava adequadas, mas possuidor de alguns defeitos, como os caixões de zinco onde se conservavam os alimentos, os quais “deveriam ter redes de fio de ferro para ventilarem o seu interior”. Quanto às carnes- secas acondicionadas em barris, sugeria que elas poderiam ser colocadas em “varões de ferro verticais, atravessados por chapas finas horizontais”, o que as deixariam mais “refrescadas e livres das umidades do solo”. Por fim, pondera que algumas aberturas no paiol seriam interessantes para garantir ventilação.

Conforme apontamos, Galdino fizera parte da tripulação que realizara uma longa viagem na corveta Bahiana dois anos antes da viagem de circum-navegação. Acerca daquela ocasião, o médico indicaria que um estudo que realizara em seguida sobre as rações servidas a bordo fora o mote para o estabelecimento da tabela de rações de 1877. Contudo, as sugestões que dera não haviam sido adotadas plenamente, o que deixara a tabela aprovada pela Marinha muito aquém do ideal. Assim, o médico faz uso das experiências vivenciadas nos 430 dias de viagem da Vital de Oliveira para apresentar as deficiências na alimentação a bordo, não poupando palavras para criticar a tabela de rações de 1877, em voga na Armada Imperial.

Galdino afirma que um dos erros cometidos na formulação da tabela anterior era o foco dado tão somente ao aumento da quantidade diária dos gêneros distribuídos, não se levando em consideração a qualidade e variedade dos alimentos. Para o médico, tal resolução feria um axioma que considerava inquestionável:

Há um grande engano neste modo de pensar; não é a maior quantidade de limitada alimentação que produz melhores resultados, mas sim sua diversidade. É isto um ponto que não admite mais litígio; é hoje um axioma higiênico que a variedade é mais aproveitável do que a quantidade. É principalmente a este ponto que deve-se atender na confecção de tabelas de rações ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.8).

Em seguida, o médico passa a tecer outras críticas às práticas alimentares normativas. A primeira delas era com relação à supressão da aguardente diária aos marinheiros quando em viagem, por considerar que o álcool era fundamental aos homens do mar diante do trabalho exaustivo, na medida em que seu consumo seria estimulante e reanimador, além de necessário para o organismo em climas mais frios. Para reforçar sua análise, Galdino informa que a falta de álcool na travessia Rio de Janeiro-Lisboa redundara em vertigens pelo resfriamento ante a passagem pela linha do Equador, pois, naquela época do ano, se trocou o calor do hemisfério sul pelo inverno da região setentrional do globo. Já na travessia Japão-EUA, a carência do consumo de álcool causara, segundo o médico, o abatimento da guarnição, já abalada pelo surto beribérico.

Percebe-se que a argumentação do médico da corveta em momento algum leva em consideração aspectos relacionados à aceitação ou rejeição por parte dos marinheiros das rações a eles destinadas. O modo como as tabelas de rações eram vistas ou vividas pelos marinheiros durante o século XIX é de difícil mapeamento, uma vez que poucas são as fontes que nos dão pistas a esse respeito. De modo a perceber os registros a contrapelo, podem-se citar dois trechos da obra O bom crioulo , do ex-tenente da Marinha Adolfo Caminha, publicada em 1895. Enquadrada temporalmente pelo autor na década de 1880, a trama deste romance naturalista, logo em seu primeiro capítulo, aponta a viagem de uma corveta que, após muito tempo no mar, regressava ao Rio de Janeiro e, diante de tão longa comissão, “escasseavam os gêneros, e o regime da carne-seca e das conservas em lata aproximava-se ameaçadoramente, causando apreensões à marinhagem” ( Caminha, 2013CAMINHA, Adolfo. O bom crioulo. São Paulo: Martin Claret. 2013. , p.14). Em outro trecho, ao apresentar como Amaro, o “bom crioulo”, fugira da escravidão e adentrara a Marinha Imperial, Caminha descreve os alimentos na Fortaleza de Villegagnon: “Comia bem a fartar, como qualquer pessoa, hoje boa carne, amanhã suculenta feijoada, e, às sextas-feiras, um bacalhauzinho com pimenta e ‘sangue de Cristo’” (p.27-28).

Apesar de tratar-se de um romance, e escrito sob a perspectiva de um ex-oficial subalterno, a escrita de Caminha apresenta alguns detalhes importantes, como a clara diferença do regime alimentar em terra e no mar, assim como as apreensões sentidas pelos marinheiros diante da necessidade de implantação de determinado regime alimentar ostensivo e racionado. De fato, as reações da marinhagem diante dos alimentos que lhes eram servidos constituem-se em um relevante objeto ainda a ser mais bem explorado.

De volta ao relatório médico de Magalhães, este considerou extremamente insuficiente a distribuição de vegetais frescos proporcionada pela tabela de 1877, o que causava sérios males à tripulação nas longas travessias. Mas como fornecer um item tão perecível em viagens nessas “cidades movediças”? Para Galdino, a solução era deveras simples e estava nos incrementos tecnológicos daquele século na área da alimentação, a saber: o uso de vegetais em conservas.

Conforme a análise de Pedrocco (1998PEDROCCO, Giorgio. A indústria alimentar e as novas técnicas de conservação. In: Flandrin, Jean-Louis; Montanari, Massimo. História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. p.763-778. 1998. , p.765), entre os séculos XVIII e XIX, os países europeus aumentaram grandemente a produção agrícola, o que veio acompanhado da produtividade de uma indústria que desenvolvia técnicas para conservação dos alimentos:

Para aumentar sua produtividade, a indústria – particularmente a europeia – procura novos sistemas de acondicionamento para os produtos alimentares mais correntes ... a indústria alimentar conhece um forte crescimento no século XIX, com o rápido desenvolvimento das fábricas de conserva.

Capatti (1998CAPATTI, Alberto. O gosto pelas conservas. In: Flandrin, Jean-Louis; Montanari, Massimo. História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. p.779-791. 1998. , p.782) aponta na mesma obra que o desenvolvimento da indústria das conservas trouxe em seu bojo uma legitimação dada, já em princípios do século XIX, por indivíduos que labutavam nas ciências da saúde:

Na França, o extrato sólido é a ideia fixa dos farmacêuticos e químicos, das boas almas que pensam nos asilos, dos superintendentes que sonham com exércitos poderosos. ... A indústria das conservas orgulha-se por sua ascendência prestigiosa formada por médicos farmacêuticos e droguistas.

Coadunado ao discurso médico corrente no final do século XIX, que apregoava a manutenção dos elementos nutritivos dos alimentos mesmo que estivessem em conservas, Galdino advogava que a vida de trabalho no mar exigiria esse tipo de alimentação. Coligada a tal observação, sugeriria em seguida, com o fim de contribuir para o melhor funcionamento digestivo do pessoal de bordo, a introdução da pimenta, sem prejuízo aos demais condimentos já utilizados na Marinha do Brasil. Assim, arremata suas críticas e sugestões iniciais afirmando que: “admitidas estas modificações possuiremos uma tabela contendo alimentos reparadores, respiratórios e hidrocarbonados, em suficiente quantidade para satisfazerem as necessidades orgânicas” ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.13).

Um ponto de extrema relevância para nossa análise é apresentado pelo primeiro-cirurgião Magalhães quando este passa a discorrer a respeito dos alimentos destinados aos enfermos. O médico defende o estabelecimento de uma tabela de rações exclusivamente destinada às dietas dos doentes, a qual deveria ser contemplada com itens especiais, tais como “o leite em lata, o chocolate, os ovos, o champagne, a cerveja forte”. Contudo, tal tabela deveria ser flexível e “ficar sob o arbítrio do cirurgião, único habilitado a julgar das necessidades da ocasião”.

Impõe-se aí a demarcação de um território o qual há décadas Magalhães e muitos dos seus companheiros de profissão já vinham delimitando, a saber, o do lugar do cirurgião nos navios da Marinha, o qual deveria possuir o controle de todos os aspectos que dissessem respeito ao corpo dos homens embarcados no vaso de guerra sob seus cuidados.

Apesar de aqui buscarmos focar a discussão na alimentação, para se ter uma breve noção do amplo e complexo contexto que apresentamos, é interessante notar que Galdino tece severas críticas, tanto ao estado sanitário das prisões destinadas aos marinheiros faltosos, quanto aos castigos corporais, aos quais é totalmente avesso. Dentre seus argumentos pela melhoria dos ambientes destinados aos presos e contra a imposição de açoites e chibatadas aos marinheiros, o primordial está no arrazoado de que ambos os casos trariam mais males que benefícios à Marinha, tanto pela perspectiva moral quanto, primordialmente, pela deterioração da saúde das tripulações, a qual deveria ser preservada a todo custo pelos cirurgiões a serviço da Armada. Desse modo, a medicina imiscuía-se no universo de atribuições antes destinadas com soberania ao comandante do navio; por exemplo, as punições à tripulação.

É nesse sentido que se desenvolvem as inserções das temáticas relacionadas à bromatologia náutica no decorrer do relatório. Diante da necessidade de aquisição de insumos em terras estrangeiras, o primeiro-cirurgião Galdino apresenta, em diversos trechos do relatório, o controle, a vigilância e os cuidados tomados:

[Em Hong Kong] Tivemos ainda alguns embaraços gástricos, acompanhados de febres ... muito concorreu para o desenvolvimento deste mal estar foi o abuso das lagostas em latas ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.99).

...

[Em Acapulco] Houve vigilância no uso das frutas permitindo-se somente a compra das que se achavam bem maduras (p.75).

...

[Na Terra do Fogo] Encontram-se nos rios patos d’água muito saborosos. Há bastante peixe, mexilhão, lapa etc. Os mexilhões comidos a bordo não ocasionaram acidente algum; dizem os roteiros que são muito saudáveis; aconselha-se que as lapas sejam comidas cozidas, porque cruas produzem náuseas (p.81).

O ápice discursivo a respeito da alimentação encontra-se nos apontamentos sobre o principal mal enfrentado pela tripulação durante a viagem: o surto de beribéri. Consoante já indicado, a moléstia acometeu grande número de pessoas a bordo (33 marinheiros), tendo sido a maior causadora de mortes na circum-navegação ao ceifar a vida de seis desses homens.

O beribéri é enfermidade causada pela carência de vitamina B1 (tiamina) no organismo. Tal vitamina está presente em cereais integrais, feijão e carne bovina. Ademais, o excesso de consumo de álcool coligado à carência nutricional supramencionada contribui para o agravamento da doença. Os estudos relacionados à moléstia descobriram sua causa alimentar apenas nas primeiras décadas do século XX, o que, conjuntamente, contribuiu para pesquisas sobre as vitaminas. Muito comum no sudeste asiático (de onde advém o nome da moléstia), o Brasil também teve, durante o século XIX, presença constante e alarmante do beribéri ( Magalhães, 2014MAGALHÃES, Sônia Maria. Beribéri: doença misteriosa no Brasil oitocentista. História Unisinos, v.18, n.1, p.158-169. 2014. ).

Apesar de não ser um mal desconhecido pelos cirurgiões da Armada Imperial brasileira devido à sua constância entre as tripulações dos navios, não se tinha definição precisa quanto às causas da enfermidade. Almeida (2012ALMEIDA, Sílvia Capanema P. de. Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição, 1890-1910. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.19, supl., p.15-33. 2012. , p.27) informa que a preocupação das autoridades navais com a doença era constante na transição do século XIX para o século XX, tendo sido registrados 346 casos entre os militares da Marinha em 1892 e 586 casos em 1897: “No entanto, no final do século XIX e início do XX, ainda não se conheciam as causas da doença, mesmo que já se desconfiasse dos benefícios de dietas equilibradas”.

A desconfiança sobre a má alimentação somada aos aspectos relacionados ao ambiente (umidade, mudanças climáticas bruscas, uniformes inadequados para enfrentar as intempéries, falta de descanso) como fatores que levaram ao surto beribérico na Vital de Oliveira também estava na percepção de Magalhães.9 9 Após a viagem de circum-navegação, Magalhães se dedicaria a estudos relacionados ao beribéri, e, anos depois, seria nomeado encarregado de uma enfermaria da Marinha destinada a beribéricos instalada em Copacabana. Apesar de a longa travessia Yokohama-São Francisco, realizada em agosto de 1880, ter sido o momento em que no navio grassou com mais violência a moléstia, meses antes, ainda em viagem pelo mar Vermelho, surgiram alguns casos da doença que foram rapidamente debelados. Porém, o longo período no mar naquele mês de agosto fez o desenrolar dos acontecimentos relacionados ao beribéri ser extremamente desolador, posto que os medicamentos ministrados pelos dois médicos a bordo mostraram-se ineficazes, pois:

Faltavam-lhes as boas condições higiênicas, únicas capazes de debelarem esta enfermidade. Alimentação fresca e roborante, águas puras, vinho generoso, bom ar e outras necessidades muito difíceis de obter em uma longa travessia. Só a entrada no porto deveria aliviar-nos desta má situação. ... Em razão do mau estado sanitário em que nos achávamos propusemos algumas medidas sanitárias, que foram mandadas executar pelo Sr. Comandante. Consistiam elas em passeios higiênicos quotidianos para os convalescentes, licenças às demais praças, exercícios moderados, evitar toda umidade a bordo, privá-los do relento, distribuir carne verde, verduras e frutas diariamente, dar uma ração de vinho ao jantar ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.104-106).

Segundo Galdino, as medidas sanitárias foram propostas ao comandante do navio por meio de ofício. A respeito da relação estabelecida entre a carência alimentar e o beribéri, o comandante Noronha também se manifestaria nos seguintes termos:

O beribéri, que parecia em estado latente e cuja gravidade é fácil de avaliar pelos seus tristes efeitos, surgiu com incrível rapidez e desmesurada veemência. ... Este espetáculo desolador, ante o qual se confrange o coração humano, tornou-se ainda mais sombrio em face do avultado número de doentes que atulhava a coberta. Já o desânimo e a tristeza iam ganhando moral da guarnição, que não desconhecia o malogro das drogas medicinais nem os minguados recursos de bordo, isto é, a carência de dietas ... Nossas guarnições, mal alimentadas, sem vestimentas apropriadas às intempéries, não se podem eximir das terríveis consequências de uma atmosfera supersaturada de umidade ( Noronha, 1882NORONHA, Júlio César. Relatório da viagem de circum-navegação da Corveta Vital de Oliveira apresentado por Julio Cesar de Noronha capitão de fragata comandante. In: Duarte, José Rodrigues de Lima. Relatório apresentado pelo Ministro e secretário de estado dos Negócios da Marinha Dr. José Rodrigues de Lima Duarte. Anexo 2. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. , p.52-53).

Outra medida solicitada pelo primeiro-cirurgião Galdino ao comandante Noronha em seu ofício foi quanto à necessidade de demorar-se no porto de São Francisco além do inicialmente previsto, visando à recuperação dos doentes, o que foi prontamente atendido por Noronha, que enviou, em 24 de agosto, um telegrama ao ajudante general da Armada relatando o estado sanitário em que se encontrava seu pessoal e pedindo autorização para permanecer mais dias em São Francisco. Júlio de Noronha teve como resposta: “Demore; empregue os meios para melhorar o estado sanitário”.

Apesar do prolongamento da estadia em São Francisco por mais cinco dias, além dos dez que estavam inicialmente previstos, Galdino de Magalhães relataria que, em 11 de outubro, as dietas frescas haviam esgotado e que, no dia 26 daquele mês, o chá também havia acabado, isto é, em menos de dois meses após terem suspendido da Califórnia. A contumaz carência alimentar favorecida pela tabela de rações de 1877 seria reiterada em outros trechos do relatório do médico do navio, por exemplo, ao discorrer sobre o caso do marinheiro Elesbão Nogueira que, após cair enfermo em decorrência de um abcesso na fossa ilíaca esquerda, não pôde prosseguir viagem, tendo de ficar internado em um hospital de Hong Kong já que a bordo seria impossível “fornecer alimentação fortificante e fresca” ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.98).

Terminada a viagem de circum-navegação, a atuação de Magalhães somada à sua incisiva análise acerca da “higiene naval” levaram o ministro da Marinha a emitir elogios ao cirurgião logo após a comissão:

Por Aviso de vinte e três de março foi louvado este oficial pela sua conduta exemplar e aptidão durante a viagem de circum-navegação. Por Aviso de vinte e seis de julho determinou-se que fosse lançado nos apontamentos deste cirurgião ter apresentado um relatório sobre a viagem de circum-navegação pela Corveta Vital de Oliveira (Marinha do Brasil, 1860-1945).

Acreditamos que as várias apreciações concernentes à alimentação a bordo por parte do comandante Noronha, e, principalmente, pelo primeiro-cirurgião Magalhães em seus respectivos relatórios da viagem de circum-navegação da corveta Vital de Oliveira, tenham contribuído para que, em 11 de agosto daquele ano, o ministro da Marinha – José Rodrigues de Lima Duarte – baixasse um aviso ministerial nomeando uma comissão responsável por revisar a tabela de rações de 1877. Sendo assim noticiado tal empreendimento (Gazeta de Notícias, 15 ago. 1881):

O Ministro da Marinha acaba de nomear uma comissão composta do cirurgião-mor da Armada,10 10 Tratava-se do chefe de divisão graduado conselheiro doutor Carlos Xavier de Azevedo. dos Drs. João Ribeiro de Almeida, Luiz Augusto Pinto, Galdino Cícero de Magalhães e do 2º escriturário da contadoria Antonio de Babo Ribeiro e Souza Júnior, para rever as tabelas de rações e propor tudo quanto julgar conveniente a bem da higiene das praças da Armada, quer nos quartéis quer a bordo.

Anos depois, o periódico Jornal do Commercio (1 jun. 1886), apesar de não apresentar os nomes, apontaria que, além dos membros citados pela Gazeta de Notícias , também haviam feito parte de tal comissão: como presidente, um “oficial general tão experimentado quanto prudente e denodado, e que é uma das glórias da Marinha”, e como um dos membros “um oficial superior, reputado dentre os mais ilustrados e distintos da Armada, que acabara de comandar um navio em viagem de longo curso (à China)”. A partir da indicação que tal oficial superior teria comandado um navio em viagem à China pouco tempo antes de ser nomeado à comissão, deduz-se que se tratava do capitão de fragata Júlio de Noronha. Ou seja, poucos meses após transmitirem ao ministro da Marinha seus relatórios acerca da viagem da Vital de Oliveira, o comandante Noronha e o médico Galdino de Magalhães estavam trabalhando juntos novamente, mas agora como membros da comissão responsável pela revisão das tabelas de rações da Marinha.

No ano seguinte, as novas tabelas elaboradas pela comissão foram postas em prática de maneira experimental em outra longa viagem realizada pela corveta Vital de Oliveira, desta feita ao mar Báltico e sob o comando do capitão de fragata Eduardo Wandenkolk, viagem da qual o primeiro-cirurgião Magalhães também participaria. Contudo, apesar dos “elogios do comandante desse navio” (Jornal do Commercio, 1 jun. 1886), tais tabelas não foram efetivadas em sua totalidade, tendo o novo ministro da Marinha – Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves – nomeado, em 21 de fevereiro de 1884, outra comissão, que realizou alterações na proposta inicial, conforme esboçado no relatório ministerial:

Tendo-se patenteado, há muitos anos, que pelas tabelas em vigor eram as praças da Armada mal alimentadas, do que resultavam enfraquecimento físico e enfermidades, resolvi, depois de cuidadosamente examinar os trabalhos feitos pela comissão nomeada em 1881, composta por oficiais e Cirurgiões da Armada, e de tomar conhecimento dos resultados obtidos pelo emprego de novas tabelas, embora com alterações, das que haviam sido apresentadas pela aludida comissão, nomear outra para organizar definitivamente as tabelas, tendo em vista aqueles estudos.

Em ambas as comissões foi relator o Cirurgião de Esquadra graduado Dr. João Ribeiro de Almeida ( Brasil, 1886BRASIL. Relatório apresentado pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1886. ).

Desse modo, a reestruturação das tabelas de rações arrastou-se por quase cinco anos até ser oficializada pelo decreto n.9.579, de 10 de abril de 1886. Foram então publicadas quatro tabelas com detalhes a respeito de sua distribuição diária: (1) “Das rações no porto”; (2) “Das rações em viagem”; (3) “Das rações das praças da Armada enfermas a bordo (dietas)”; e (4) “Das rações das Escolas de Aprendizes Marinheiros”. Além disso, tais tabelas também eram seguidas por diversas observações.

Apesar de diversos aspectos que, aparentemente, incrementaram a alimentação do pessoal da Marinha do Brasil, como o acréscimo de novos itens às tabelas, além de elaboração de quatro tabelas distintas, a tabela de 1886 não vigorou por muito tempo. Poucos anos após ter sido estabelecida, a administração naval sentiu a necessidade de reestruturá-la nomeando outra comissão para tal fim e implementando uma nova tabela de rações em 25 de abril de 1888.

Considerações finais

A ração do marinheiro é resultado da combinação dos diversos elementos bromatológicos que há pouco estudamos, combinação estabelecida sobre a tríplice base da higiene, variedade e facilidade de os arrecadar a bordo.

A alimentação dos indivíduos empregados em terra varia com as estações, cuja sucessão está provavelmente em providencial harmonia com as modificações feitas no nosso organismo, e com as diversas fases do ano. Não acontece o mesmo ao homem do mar; ou navegue exposto ao calor ardente da zona tórrida ou afronte os frios das regiões polares, embora as estações se sucedam regularmente, a sua alimentação pouco variada pelos produtos dos países que visita, conserva monótona uniformidade. Acontece mais: obrigado a levar consigo alimentos para alguns anos, quando os aproveita já estão modificados por especiais processos de conservação, tanto na aparência como nas propriedades, e as substâncias animais e vegetais de que se nutre carecem das qualidades nutritivas que atribuímos às matérias orgânicas recentemente privadas de vida. Juntando a estas causas de perturbação nutritiva a circunstância de não estar o marinheiro habituado aos alimentos que lhe fornecem os países em que a navegação o conduz, facilmente se compreenderá quantos cuidados e sacrifícios pecuniários são necessários para neutralizar tão desvantajosas condições ( Fonssagrives, 1862FONSSAGRIVES, Jean-Baptiste. Tratado de higiene naval; ou influência das condições físicas e morais em que está o homem do mar. Lisboa: Imprensa Nacional. 1862. , p.457-458).

Entre os diversos autores de tratados médicos citados por Galdino de Magalhães em seu relatório, figura com destaque o médico da marinha francesa, Jean-Baptiste Fonssagrives, o qual foi apontado pelo cirurgião da Vital de Oliveira como o “ilustrado professor da Escola de Medicina Naval de Brest”. O Tratado de higiene naval de Fonssagrives, com suas 569 páginas de conteúdo na edição portuguesa de 1862, dá grande destaque à bromatologia náutica, cuja abordagem figura em quase duzentas páginas. As influências do médico francês estão explícitas, tanto na escrita de Galdino como em seu trabalho desenvolvido subsequentemente na comissão elaboradora das novas tabelas de rações para a Marinha do Brasil.

Muito além de um relato a respeito da viagem de circum-navegação empreendida pela Vital de Oliveira entre 1879 e 1881, o relatório médico de Magalhães pode ser percebido como forjado na busca da legitimação de um discurso, o qual, entre outras coisas, visava colocar o papel do médico da Armada para além de um “cirurgião” no estrito termo etimológico da palavra, isto é, um profissional que tinha por tarefa apenas remediar as mazelas de pacientes por meio de intervenções cirúrgicas.

Apesar de a transição do século XVIII para o XIX, com a ascensão da valorização da anatomia, ter permitido a aproximação dos saberes médicos e cirúrgicos, propagando a necessidade de o médico possuir amplos conhecimentos das práticas exercidas pelos cirurgiões, é possível supor que ainda houvesse reminiscências quanto à distinção entre os ofícios. Abreu (2011ABREU, Jean Luiz Neves. Nos domínios do corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2011. , p.25) aponta que em Portugal e no Brasil do século XVIII havia uma forte opinião de que “a cirurgia era considerada um ofício menor. Tal inferioridade era expressa pelos próprios letrados que valorizavam a medicina como arte maior em detrimento da cirurgia”.

Passados quase cem anos das discussões abordadas por Abreu, a Armada Imperial ainda dava aos seus médicos os postos com a nomenclatura de “cirurgião”.11 11 Em 1879 esses eram os postos dos oficiais do Corpo de Saúde da Armada e sua equiparação com os oficiais do Corpo da Armada: cirurgião-mor (capitão de mar e guerra), cirurgião de esquadra (capitão de fragata), cirurgião de divisão (capitão-tenente), primeiro-cirurgião (primeiro tenente) e segundo-cirurgião (segundo-tenente). Por mais que nesse ínterim de pouco mais de um século as atribuições dos médicos tenham absorvido as práticas cirúrgicas, a alcunha de cirurgião da Armada poderia ser reputada como não englobante de todos os encargos de um médico a bordo de um navio da Armada ou de uma instalação terrestre da Marinha no findar do século XIX.

Analisando os escritos de Galdino de Magalhães percebe-se que, para esse médico, a medicina a bordo dos navios, conhecida à época como higiene naval, deveria ser entendida em um sentido mais amplo, como uma ciência que tinha por propósito curar os corpos dos indivíduos enfermos, mas que deveria ir além, ao intentar preservar a saúde daqueles que se encontravam sãos. Tal cura embasava-se em uma disciplina dos corpos em que o médico tinha o controle sobre seus pacientes, mesmo que eles recusassem os cuidados médicos. Exemplo disso é o caso do grumete criado Alfredo Lemmand, diagnosticado por Galdino como acometido por febre tifoide. Dez dias após o diagnóstico, e mesmo com constante tratamento, o médico descobrira que o paciente expelia secretamente as medicações ministradas:

Nesta noite descobriu-se ao lado do beliche grande quantidade de grânulos. Conheceu-se que o enfermo, na ideia fixa de sua inevitável morte, ocultava os grânulos na boca para depois expeli-los; pelo que vimos calculamos que ele não tomara um quinto do que lhe fora ordenado. Foi necessário nomear uma pessoa, que ficasse ao seu lado obrigando-o a engolir os medicamentos ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.142).

O cotidiano de trabalho a bordo dos navios para a maioria das praças era bastante árduo e desgastante. Além do esforço físico despendido nas fainas diárias e das condições sanitárias por vezes precárias dos locais destinados ao descanso dos marinheiros, estes ainda tinham que lidar com uma rígida disciplina que envolvia severos castigos, inclusive corporais, baixos soldos e muitos anos de engajamento compulsório ( Almeida, 2012ALMEIDA, Sílvia Capanema P. de. Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição, 1890-1910. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.19, supl., p.15-33. 2012. , p.18). Apesar de as práticas de recrutamento para a Marinha terem, paulatinamente, adquirido novas formas na segunda metade do século XIX, com a tentativa de se ter homens mais bem capacitados e mais disciplinados por meio das Companhias de Aprendizes Marinheiros, ainda havia muitos resquícios do recrutamento compulsório, e até mesmo muitos daqueles marinheiros advindos das diversas companhias espalhadas pelo Império não se constituíam como homens que voluntariamente haviam se apresentado para servir na Marinha, tendo chegado à força naval muito jovens, levados por pais ou tutores e desde cedo inseridos em uma dura rotina.

Independente disso, a medicalização forçada do grumete Lemmand determinada pelo médico Galdino de Magalhães é naturalizada como ato necessário, de modo que fazia parte de um contexto mais amplo discutido por Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal. 1979. , p.97), que aponta as ações de imunização compulsória, os registros de epidemias, o mapeamento de ambientes insalubres e a destruição de potenciais focos de moléstias, surgidos na Inglaterra no princípio do século XIX, como “um controle da saúde e do corpo das classes mais pobres para torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes mais ricas”.

Nesse bojo advém o destaque dado à questão das práticas alimentares por parte dos marinheiros. O saber médico no século XIX desenvolveu um crescente constructo discursivo em torno da alimentação em que se colocava como prioridade no ato de alimentar-se não mais o prazer ou a sociabilidade que tal prática poderia proporcionar, tampouco o simples ato de subsistência, mas de que modo os alimentos seriam úteis para a manutenção de corpos sãos e como se poderia, a partir de combinações tidas por cientificamente corretas, potencializar os benefícios da ingestão da comida à saúde humana.

A alimentação a bordo continuou a ser tema de constantes debates e as reelaborações de tabelas de rações mantiveram-se na ordem do dia em diversas gestões da pasta do Ministério da Marinha nos anos que se seguiram à aprovação da tabela de 1886. No princípio do século XX, Júlio de Noronha, agora no posto de contra-almirante, assumiria o cargo de ministro da Marinha e, curiosamente, menos de três meses após ter assumido o Ministério, o almirante Noronha nomearia uma comissão revisora das tabelas de rações para a Armada Nacional.12 12 A comissão foi nomeada por meio do aviso n.137, de 3 de fevereiro de 1903. Almeida (2012 , p.22) aponta que, por determinação do ministro, a comissão deveria seguir “o exemplo dos países tidos como ‘mais avançados’ – França, Inglaterra, Alemanha, Áustria e EUA”.

As práticas alimentares permaneceram sendo objeto de trabalho para Noronha vinte anos após a viagem da Vital de Oliveira, mas, para tal, havia a necessidade de constituição de uma comissão que fosse considerada apta a dar à Marinha do Brasil uma tabela de acordo com os princípios desejados de higiene naval. De modo que não nos é surpreendente o fato de um dos membros da comissão de 1903 ter sido novamente Galdino de Magalhães, agora cirurgião de primeira classe capitão de mar e guerra.13 13 Os demais membros nomeados foram: o contra-almirante Pinheiro Guedes, o capitão de fragata Baptista das Neves, o capitão-tenente Ludgero Motta, o cirurgião de terceira classe Calmon Bulcão e o comissário de terceira classe Souza Leal.

O resultado dos trabalhos da comissão, apresentado ao ministro em relatório datado de 29 de abril de 1903, manteve em suas diretivas um pensamento que fora bastante massificado por Magalhães duas décadas antes:

Ora, está hoje reconhecido que, é mesmo princípio axiomático na higiene alimentar, que a variedade aproveita mais para a nutrição que a quantidade; assim não se alimenta melhor quem maior quantidade ingere, porém quem mais procura variar as qualidades dos alimentos ( Brasil, 1904BRASIL. Relatório apresentado pela Comissão Revisora das Tabelas de Mantimentos da Armada Nacional. In: Brasil. Relatório apresentado pelo vice-almirante Júlio César de Noronha, ministro de estado dos Negócios da Marinha em abril de 1904. Anexo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1904. , p.4).

Tais termos mimetizavam a máxima apresentada por Galdino em seu relatório sobre a viagem de circum-navegação da corveta Vital de Oliveira segundo a qual: “é hoje um axioma higiênico que a variedade é mais aproveitável do que a quantidade. É principalmente a este ponto que deve-se atender na confecção de tabelas de rações diárias” ( Magalhães, 1881MAGALHÃES, Galdino Cícero de. Relatório médico da Corveta Vital de Oliveira em sua viagem de circum-navegação apresentado pelo Dr. Galdino Cícero de Magalhães Primeiro Cirurgião da Armada. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1881. , p.8). Tal posição, por sua vez, tinha por embasamento escritos de outros médicos que anteriormente haviam tratado do tema como o francês Jean-Baptiste Fonssagrives (1862FONSSAGRIVES, Jean-Baptiste. Tratado de higiene naval; ou influência das condições físicas e morais em que está o homem do mar. Lisboa: Imprensa Nacional. 1862. , p.392), o qual apontava ser uma das necessidades da higiene alimentícia dos marinheiros a “variedade ainda mais que quantidade de alimentos”.

Infere-se desse escopo que, entre outros temas, as práticas alimentares estiveram inseridas em uma ampla discussão que punha em destaque a importância e legitimava o saber médico na instituição, tornando os cirurgiões da Armada mais que sujeitos que se devotavam à cura, pois também possuiriam em seu repertório o controle dos corpos do pessoal da Marinha com vias à maximização de seu desempenho, fosse na terra ou no mar.

REFERÊNCIAS

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  • ALMEIDA, Sílvia Capanema P. de. Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição, 1890-1910. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.19, supl., p.15-33. 2012.
  • BRASIL. Relatório apresentado pela Comissão Revisora das Tabelas de Mantimentos da Armada Nacional. In: Brasil. Relatório apresentado pelo vice-almirante Júlio César de Noronha, ministro de estado dos Negócios da Marinha em abril de 1904. Anexo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1904.
  • BRASIL. Relatório apresentado pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1886.
  • BRASIL. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros. Ministro e Secretário de Estado Pedro Luiz Pereira de Sousa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1880.
  • BRASIL. Almanaque do Ministério da Marinha. Rio de Janeiro: Tipografia de José Dias de Oliveira. 1879.
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  • CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade. 2011.
  • CZEPULA, Kamila Rosa. Os indesejáveis ‘chins’: um debate sobre a imigração chinesa no Brasil Império. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista, Assis. 2017.
  • EDLER, Flávio Coelho. A Escola Tropicalista Baiana: um mito de origem da medicina tropical no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.9, n.2, p.357-385. 2002.
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  • FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2018.
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  • GAZETA DE NOTÍCIAS. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, p.1. 15 ago. 1881.
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  • JORNAL DO COMMERCIO. Jornal do Commercio, p.3. 1 jun. 1886.
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  • MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Editora Senac. 2008.
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  • PEDROCCO, Giorgio. A indústria alimentar e as novas técnicas de conservação. In: Flandrin, Jean-Louis; Montanari, Massimo. História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. p.763-778. 1998.
  • US. United States. Annual report of the Surgeon-General of the Public Health and Marine Hospital Service of the United States. Washington: Public Health and Marine-Hospital Service. 1881.

NOTAS

  • 1
    Cabe salientar que outro fator que incidiu no aumento do tempo de viagem foi o surto de beribéri que acometeu a tripulação (acerca do qual discorreremos adiante), fazendo com que o navio permanecesse em São Francisco por 15 dias, quando o planejamento pré-viagem era de dez dias naquele porto.
  • 2
    Além da corveta Bahiana, Galdino de Magalhães servira anteriormente na corveta Trajano e no encouraçado Brasil (Marinha do Brasil, 1860-1945).
  • 3
    Para uma breve perspectiva da Escola Tropicalista Baiana e de seus principais expoentes, cf. Escola... (s.d.).
  • 4
    O surto de beribéri a bordo da corveta Vital de Oliveira resultou em um estudo específico de Galdino de Magalhães (1882)MAGALHÃES, Galdino Cícero de. História do desenvolvimento do beribéri a bordo da corveta Vital de Oliveira em sua recente viagem de circum-navegação. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 1882. acerca do tema. Ademais, devido à excepcionalidade das internações ocorridas no hospital da Marinha norte-americana, outro estudo de autoria do médico estadunidense Hebersmith, que tratou dos marinheiros brasileiros em São Francisco, foi publicado no Annual Report of the Supervising Surgeon-General of the Marine Hospital Service of the United States , sob o título “‘Beri-beri’, at the United States Marine Hospital, San Francisco, Cal.” ( US, 1881US. United States. Annual report of the Surgeon-General of the Public Health and Marine Hospital Service of the United States. Washington: Public Health and Marine-Hospital Service. 1881. , p.203-229).
  • 5
    Dezesseis desses homens não prosseguiram viagem, pois permaneceram internados no hospital em São Francisco.
  • 6
    Ao estudar as modificações das tabelas de rações para a Marinha durante o século XIX se perceberá que ocorreram reformulações constantes. Eis o apanhado dos atos legislativos de algumas dessas reestruturações: decreto n.541, de 5 nov. 1847; decreto n.4.954, de 4 maio 1872; decreto n.6.772, de 15 dez. 1877; decreto n.9.579, de 10 abr. 1886; decreto n.9.935, de 25 abr. 1888; decreto n.9.974, de 27 jun. 1888; decreto n.9.980, de 12 jul. 1888; decreto n.181, de 24 jan. 1890.
  • 7
    Louis Beaugrand, Jean-Baptiste Fonssagrives, Louis Figuier, Amédée Latour, Adolphe Burggraeve, Wilhelme Hufelland, Samuel Hahnemann, Gallard, Chevalier, Forget, Gaucher.
  • 8
    Segundo Chartier (2011CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade. 2011. , p.20) “todo autor, todo escrito impõe uma ordem, uma postura, uma atitude de leitura ... o protocolo da leitura define quais devem ser a interpretação correta e o uso adequado do texto, ao mesmo tempo em que esboça o seu leitor ideal”.
  • 9
    Após a viagem de circum-navegação, Magalhães se dedicaria a estudos relacionados ao beribéri, e, anos depois, seria nomeado encarregado de uma enfermaria da Marinha destinada a beribéricos instalada em Copacabana.
  • 10
    Tratava-se do chefe de divisão graduado conselheiro doutor Carlos Xavier de Azevedo.
  • 11
    Em 1879 esses eram os postos dos oficiais do Corpo de Saúde da Armada e sua equiparação com os oficiais do Corpo da Armada: cirurgião-mor (capitão de mar e guerra), cirurgião de esquadra (capitão de fragata), cirurgião de divisão (capitão-tenente), primeiro-cirurgião (primeiro tenente) e segundo-cirurgião (segundo-tenente).
  • 12
    A comissão foi nomeada por meio do aviso n.137, de 3 de fevereiro de 1903. Almeida (2012ALMEIDA, Sílvia Capanema P. de. Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição, 1890-1910. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.19, supl., p.15-33. 2012. , p.22) aponta que, por determinação do ministro, a comissão deveria seguir “o exemplo dos países tidos como ‘mais avançados’ – França, Inglaterra, Alemanha, Áustria e EUA”.
  • 13
    Os demais membros nomeados foram: o contra-almirante Pinheiro Guedes, o capitão de fragata Baptista das Neves, o capitão-tenente Ludgero Motta, o cirurgião de terceira classe Calmon Bulcão e o comissário de terceira classe Souza Leal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2019
  • Aceito
    25 Jul 2019
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