Open-access O REPERTÓRIO DRAMÁTICO LIDO E ENCENADO COMO ESTRATÉGIA EDUCATIVA: CAPITAL DA PROVÍNCIA MINEIRA, 1850

EL REPERTORIO DRAMÁTICO LEÍDO Y REPRESENTADO COMO ESTRATEGIA EDUCATIVA: LA CAPITAL DE LA PROVINCIA DE MINAS GERAIS, 1850

THE DRAMATIC REPERTOIRE READ AND STAGED AS AN EDUCATIONAL STRATEGY, IN THE CAPITAL OF THE PROVINCE OF MINAS GERAIS (1850)

LE RÉPERTOIRE DRAMATIQUE LU ET MIS EN SCÈNE COMME UNE STRATÉGIE ÉDUCATIVE : LA CAPITALE DE LA PROVINCE DU MINAS GERAIS, 1850

Resumo

Textos teatrais eram lidos e encenados em Ouro Preto - MG, na década de 1850. Naquele período, os homens da elite intelectual e dirigente se posicionavam em relação à função educativa do teatro. A partir da análise de uma lista de peças teatrais escritas, que foram anunciadas em um jornal local, investigamos a existência de um público leitor de textos dramáticos na capital da província mineira. Identificamos as peças que eram vendidas e supostamente lidas naquela cidade, o que essas peças ensinavam e a quem elas educavam. Analisamos, também, as peças mais encenadas, por meio da análise dos anúncios publicados nos jornais da cidade. Ao relacionar o repertório lido e o encenado, observamos que o primeiro ensinava quais eram as referências do teatro de “bom gosto”. Por sua vez, o repertório encenado pretendia transformar a sociedade ouro-pretana, por meio do riso, do ridículo e da exposição dos vícios e maus costumes brasileiros nos palcos.

Palavras-chave:
educação pelo teatro; texto dramático; leitura; encenação; Brasil Império

Resumen

Los textos teatrales se leían y se representaban en Ouro Preto - MG en la década de 1850. En aquella época, los hombres de la élite intelectual y dirigente tomaron una posición con respecto a la función educativa del teatro. Mediante el análisis de una lista de obras escritas anunciadas en un periódico local, investigamos la existencia de un público lector de textos dramáticos en la capital de la provincia de Minas Gerais. Identificamos qué obras se vendían y supuestamente se leían en esa ciudad; qué enseñaban esas obras y a quiénes educaban. A través de anuncios en los periódicos de la ciudad, analizamos las obras que más se representaban. Al relacionar el repertorio que se leía con el que se representaba, observamos que el primero enseñaba cuáles eran los referentes del «buen gusto» teatral. Por su lado, el repertorio escenificado pretendía transformar la sociedad de Ouro Preto por medio de la risa, la ridiculización y la exposición en escena de los vicios y las malas costumbres brasileñas.

Palabras clave:
educación a través del teatro; texto dramático; lectura; escenificación; Imperio Brasil

Abstract

Theatrical texts were read and staged in Ouro Preto - MG, in the 1850s. At that time, men from the intellectual and ruling elite took a position on the educational function of the theater. By analysing a list of plays that were advertised in a local newspaper, we investigated the existence of a readership for dramatic texts in the capital of the province of Minas Gerais. We identified which plays were sold and supposedly read in that city; what these plays taught and whom they educated. We also analysed the plays that were staged the most, through advertisements in the city's newspapers. By relating the repertoire read and the repertoire staged, we observed that the former taught what were the references of “good taste” theater. In turn, the staged repertoire aimed to transform Ouro Preto society through laughter, ridicule and the exposure of Brazilian vices and bad customs on stage.

Keywords:
education through theater; dramatic text; reading; staging; Empire of Brazil

Résumé

Les textes théâtraux étaient lus et mis en scène à Ouro Preto - MG dans les années 1850. À cette époque, les hommes de l'élite intellectuelle et dirigeante prenaient position par rapport à la fonction éducative du théâtre. En analysant une liste de pièces écrites publiées dans un journal local, nous avons étudié l'existence d'un lectorat pour les textes dramatiques dans la capitale de la province du Minas Gerais. Nous avons identifié les pièces vendues et censées d’être lues dans cette ville, ce que ces pièces ont enseigné et qui elles ont éduqué. Nous avons également analysé les pièces qui étaient le plus souvent jouées, à travers des annonces dans les journaux de la ville. En établissant un lien entre le répertoire lu et celui mis en scène, nous avons observé que le premier enseignait quelles étaient les références du « bon goût » théâtral. À son tour, le répertoire mis en scène visait à transformer la société d'Ouro Preto à travers le rire, le ridicule et la dénonciation des vices et des mauvaises coutumes brésiliennes sur scène.

Mots-clés:
l'éducation par le théâtre; le texte dramatique; la lecture; la mise en scène; l'Empire Brésil

Introdução

Ao longo do século XIX, no Brasil, o papel educativo do teatro é afirmado por homens de letras, intelectuais e dirigentes que o compreendiam como estratégia de difusão de ideais civilizadores e de construção da identidade da nação1. Este artigo apresenta os resultados de uma investigação2 que buscou analisar o teatro (texto e encenação) como estratégia educativa e de formação de uma população civilizada, em Ouro Preto, durante a década de 1850.

Esta pesquisa contribui para ampliar a compreensão de fenômenos educativos não escolares no campo da história da educação brasileira. Embora os historiadores da educação3, em diálogo com a história cultural, considerem que o fenômeno educativo perpassa diferentes dimensões da cultura, além daquelas ligadas à instrução e à escola, poucos se dedicam a compreender esses fenômenos. Se considerarmos os estudos sobre o teatro na história da educação, esse número é ainda mais reduzido.

Albuquerque e Buecke (2019), por meio de um balanço sobre os trabalhos apresentados nos Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE), entre 2000 e 2017, verificaram que poucos se dedicam a educação não escolar. Entre os 72 trabalhos analisados, quatro têm como espaços e/ou objetos de estudos o que elas denominaram Arte e esporte (teatro, música, dança, futebol)4.

A investigação aqui apresentada foi realizada no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura Escrita, que há décadas vem se dedicando a compreender os modos de participação nas culturas do escrito de indivíduos e grupos sociais entre o final do século XIX e o início do XXI5. A partir dos pressupostos da História Cultural (CHARTIER, 1990; BURKE, 2005), o grupo compreende o teatro como uma instância educativa, que se situa entre o oral, o escrito e a performance (CHARTIER, 2002; FISCHER-LICHTE, 2019; FINNEGAN, 2015). Como afirma Chartier (1998, p.26-27), o “teatro não é escrito para que um leitor o leia (...), ele é feito para ser encenado. (...) É a priori ilegítimo separar o texto teatral daquilo que lhe dá vida: a voz dos autores a audição dos espectadores”. Em diálogo, portanto, com as investigações que aproximam história e teatro6 - que têm rompido com a noção que compreende a história do teatro como o estudo das dramaturgias - consideramos o teatro um fenômeno cultural complexo, que envolve instituições, políticas, sujeitos, encenações e pode, ou não, envolver uma dramaturgia.

Nessa perspectiva, estivemos atentas aos diferentes sentidos construídos em torno dos textos escritos e das encenações, ao analisar fontes como os jornais publicados em Ouro Preto - MG no período, digitalizados e disponíveis no site do Arquivo Público Mineiro; o Diccionario Bibliographico Portuguez, escrito por Innocencio Francisco da Silva, Tomo primeiro (1858), sexto (1862) e oitavo (1867), disponíveis na biblioteca digital do Senado Federal e no acervo digital da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin; a antologia de textos teóricos e críticos sobre o teatro, organizada por João Roberto Faria em 2001, no livro Ideias teatrais: o século XIX no Brasil; as fichas catalográficas do catálogo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e o site do catálogo da Nacional Library of Australia.

Ao analisar os jornais, levamos em conta os significados da imprensa brasileira durante o século XIX, que, segundo Pallares-Burke (1998), era influenciada pela imprensa iluminista europeia e pretendia educar o público.

As fontes foram analisadas, portanto, com o objetivo de compreender a diversidade de pensamentos, entre os homens da elite intelectual e dirigente ouro-pretana, com relação à função do teatro na sociedade e aos significados da dramaturgia escrita e encenada. Investigamos como as apropriações dos ouropretanos sobre as discussões que aconteciam na Corte, a respeito do modo como o teatro ensinava, influenciavam a escolha do repertório lido e encenado em Ouro Preto.

Textos dramáticos lidos em Ouro Preto: origem das peças e autoria

Em 25 de setembro de 1851, foi publicada no jornal de Ouro Preto, O Conciliador, uma propaganda sobre a venda de textos dramáticos. Na livraria de Bernardo Xavier Pinto de Souza, eram vendidas “entre outras, muitas peças theatraes constantes dos cathalogos”7, a mil réis cada uma. Esse dado é um indício de que existia, na capital da província mineira, um público leitor que se interessava por esse tipo de texto. Segundo Ávila, em meados do século XVIII, período em que a elite da capital mineira frequentava espetáculos dramáticos na recém-inaugurada Casa de Ópera,

Formara-se (...) um ambiente teatral que não se cingia só às programações cênicas, mas que favorecia ao mesmo tempo o cultivo do gênero em sua forma literária. Por sua vez, o texto dramático era leitura relativamente disseminada entre os letrados mineiros, conforme demonstram as relações de livros seqüestrados aos inconfidentes. O cônego Luiz Vieira, dono da maior biblioteca particular das Minas, possuía, em vários volumes, as obras de Racine, Corneille, Metastásio, as tragédias de Sêneca e as comédias de Terêncio. Metastasio e Crebillón figuravam entre os autores confiscados a Alvarenga Peixoto, ao passo que o próprio coronel José de Resende Costa, em sua casa de fazenda, se dava ao luxo de ostentar nas estantes oito volumes de Molière, três de Racine e nada menos que onze do teatro de Voltaire. (ÁVILA, 1977, p.64. Grifos nossos).

N’ O Conciliador, foi divulgada uma lista com 35 títulos que, no pensamento do anunciante, despertariam o interesse do leitor daquele jornal. É importante notar que não há mais informações sobre as obras, como, por exemplo, o tema, o estilo, o gênero, o nome dos autores, sua nacionalidade ou a opinião de outros leitores e espectadores sobre esses textos. A divulgação dos títulos das peças, entre outras obras que eram vendidas e faziam parte dos cathalogos, era suficiente para atrair à loja de Bernardo Xavier pessoas interessadas em adquiri-las. Possivelmente, o público-alvo do anúncio já estava familiarizado com aqueles títulos e/ou com os catálogos mencionados.

Com o intuito de analisar o repertório considerado atrativo aos leitores de Ouro Preto, na Tabela 1, identificamos, das 35 peças anunciadas, 34 autores e/ou seus países de origem, além da classificação por gênero dada às peças naquele período. Três eram obras escritas por brasileiros, sete eram de autoria de portugueses, 22 peças foram escritas por franceses e apenas duas eram de origem inglesa.

Tabela 1
Lista de textos dramáticos vendidos em Ouro Preto

Segundo Ávila, por imposições diversas, “inclusive pela escassez de textos brasileiros, o repertório dominante eram as peças portuguesas ou traduções de originais franceses” (1977, p.74). A análise da lista de peças vendidas em Ouro Preto indica a forte presença de traduções de peças francesas e de textos escritos por portugueses, o que reafirma essas conclusões, ao menos no que diz respeito aos textos escritos que circulavam na cidade.

Alguns exemplares das obras estrangeiras ainda existentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro indicam os responsáveis pela tradução dos textos. Encontramos dados sobre a tradução das seguintes peças: Alzira, de Voltaire, traduzida pelo desembargador Camara; Andromaca, de Jean Racine, traduzida por Antonio José de Lima Leitão; Phedra, também de Racine, teve a “traducção publicada de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa”8; Lucrecia, de François Ponsard, “litteralmente traduzida em verso português por A. G. Teixeira e Souza”9; Rhadamistho, de Prosper Jolyot de Crébillon, traduzida por Maximiano Pedro de Araujo Ribeiro; Tartufo, de Molière, traduzida pelo capitão Manoel de Souza; Glenarvon, de Jean Pierre Felicien Mallefille, traduzida por J. M. de Castro.10 Organizamos essas informações na tabela a seguir.

Tabela 2
Responsáveis pela tradução de textos de origem estrangeira.

Como podemos observar na Tabela 2, das sete traduções identificadas, há um trabalho feito por um brasileiro e quatro por portugueses. Não conseguimos localizar a nacionalidade de dois tradutores. Com exceção de Glenarvon, os originais são franceses. A existência de traduções portuguesas de textos franceses nos leva a relativizar a presença, durante a década de 1850, da dramaturgia francesa em Ouro Preto, pois ela era mediada por uma interpretação, uma reescrita feita por portugueses e brasileiros.

Para Brito (1993, p.67), os tradutores dos séculos XVIII e XIX seguiam o modelo de tradução interpretativa, por oposição à linguística ou literal. Sobretudo as traduções de comédias deveriam ser recriações do original, pois se considerava que os mecanismos indutores do trágico, que provocavam o choro, eram mais universais, menos variáveis do que os mecanismos do cômico, que provocavam o riso. Portanto, a tradução de uma comédia só provocaria o riso se fosse transplantada13, levando-se em conta os costumes e ridículos peculiares à nação para a qual a comédia fosse dirigida.

O autor, António Feliciano de Castilho, homem que traduziu muitos textos clássicos e modernos, segundo ele próprio, acrescentou à sua tradução do original de Molière, Tartuffe, de 1870, a “Advertência indispensável”, em que opinava sobre como deveria ser a tradução de uma comédia: “cópia livre, uma adaptação e mesmo uma nacionalização do assunto” (BRITO, 1993, p.67). Uma tradução deveria, para Castilho, tornar o texto original, conterrâneo e contemporâneo.

A partir da análise de Brito (1993), podemos dizer que a tradução de Tartuffe, de Molière, por Manuel de Sousa, em 1768, seguiu os princípios que Castilho expressaria mais tarde, a começar pelos nomes das personagens que foram substituídos por nomes portugueses, certamente, com o objetivo de nacionalizar a obra. Mas não seria esse o destaque da obra de Manuel de Sousa. Segundo Brito, o tradutor caracterizou a personagem principal, Tartufo, descrito no original como faux dévot, em português literal, falso devoto, como “jesuíta hipócrita”. O fato de essa tradução ter sido encomendada pelo Marquês de Pombal provocou modificações que foram além da necessidade de criar mecanismos para provocar o riso. Caracterizar a personagem principal como um “jesuíta hipócrita”, segundo o autor, “obrigou logicamente o tradutor a vários retoques ideológicos na estrutura da peça” (BRITO, 1993, p.72), guiados pelo contexto português, em que os jesuítas, apesar de expulsos de Portugal em 1759, “continuavam na clandestinidade a desfeitear a imagem do Marquês com um enxame de trovas que o fustigavam” (BRITO, 1993, p.71). As modificações do tradutor indicam, assim, que, além do objetivo de provocar o riso, também se pretendia que a peça servisse aos interesses ideológicos locais.

A tradução de Manuel de Sousa era vendida na livraria de Bernardo Xavier em Ouro Preto. O anunciante apostou que os leitores d’ O Conciliador se interessariam por essa obra, o que nos provoca alguns questionamentos, quais sejam: que leituras eram possíveis aos letrados ouro-pretanos sobre essas traduções? Esses homens conseguiriam rir ao ler tais obras? Uma resposta afirmativa à questão indicaria a forte permanência da cultura, costumes e ideologias dos portugueses, em Ouro Preto, na década de 1850, ou ainda uma grande familiaridade desses homens com Portugal. Diante de uma resposta negativa, colocar-nos-íamos outras questões, a saber: qual o interesse desses leitores nessas traduções? Seriam eles produtores, diretores, empresários teatrais e/ou autores em potencial, dispostos a traduzir tal dramaturgia direcionada ao público ouro-pretano? Ou seriam eles apenas curiosos sobre os textos que circulavam no Rio de Janeiro e na Europa?

Acreditamos que a forte influência da Europa e da Corte, bem como o fato de essas obras terem sido impressas no Rio de Janeiro e originadas da França, são razões suficientes para despertar o interesse por tais leituras. Seriam exemplares que serviriam àqueles que buscassem um parâmetro sobre a dramaturgia legítima em uma sociedade civilizada e ilustrada. Mas que outras questões estavam envolvidas nessas escolhas?

Alguns autores tiveram mais de uma obra traduzida e vendida na livraria de Bernardo Xavier. Trata-se dos franceses Jean Racine, Voltaire e Victor Hugo, com duas obras traduzidas, e Molière, com três. Com exceção de Victor Hugo, esses autores também estavam presentes, como observou Ávila (1977), nas bibliotecas dos inconfidentes, na segunda metade do século XVIII. Portanto, ainda que a presença de suas obras em Ouro Preto tenha sido mediada pela tradução de portugueses e brasileiros, é preciso considerar a frequência de seus textos nas leituras dos ouro-pretanos. Seguimos, portanto, buscando compreender o que representavam as peças desses autores para os homens de letras e pessoas envolvidas com o teatro.

Em 1833, a Revista da Sociedade Filomática de São Paulo publicou alguns ensaios sobre a tragédia, escritos por Francisco Bernardino Ribeiro, Justiniano José da Rocha e Antonio Augusto de Queiroga14. Nesses trabalhos, os autores exaltaram o teatro francês, destacando os teatrólogos Corneille, Racine e Voltaire. Em análise sobre os “teatros modernos”, desqualificaram a dramaturgia italiana, espanhola e inglesa, tal como podemos verificar no trecho que segue:

(...) é que os teatros destas nações apresentando no meio de inumeráveis defeitos belezas de ordem superior, e que excitam o mais vivo entusiasmo, não podem entretanto ser dados como modelos de gosto para que as outras nações imitem. Outro tanto não se deve dizer do teatro francês (...).(RIBEIRO; ROCHA; QUEIROGA, 1833. In: FARIA, 2001, p.294).

Possivelmente, empenhados na construção de uma nação civilizada, mais pontualmente, na criação de uma dramaturgia nacional, esses ensaístas buscavam um “modelo de gosto” que pudesse ser imitado. Para tanto, apostaram nas produções francesas. Corneille teria demonstrado o caráter elevado romano e tratado de profundas questões políticas. Sua obra era superior pela “força das idéias”, a “beleza dos diálogos” e a “dignidade dos sentimentos”. Racine é descrito como aquele que superou os defeitos desse “grande homem”: Corneille. Um dos maiores trágicos da terra, perfeito versificador dos tempos modernos, “ninguém havia antes dele penetrado tão profundamente os arcanos do coração humano, ninguém tinha sido também iniciado nos mistérios de amor e da sensibilidade” (RIBEIRO; ROCHA; QUEIROGA, 1833. In: FARIA, 2001, p.295).

Segundo os autores, Racine seria um bom exemplo para aqueles que quisessem escrever o amor em tragédias, “para que o amor seja digno do trágico” (RIBEIRO; ROCHA; QUEIROGA, 1833. In: FARIA, 2001, p.295). Voltaire, por sua vez, teria superado Racine; sua obra era marcada por feitos heroicos, situações comoventes, expostas de maneira “natural”. Tal autor foi também “o poeta da razão: o amor da humanidade, os dogmas de tolerância, e de indulgência são por ele constantemente propagados” (p.297). É preciso sublinhar que Voltaire foi um dos disseminadores da noção do teatro educativo, o que é indício de que os ensaístas acreditavam na função pedagógica e moralizadora do teatro. Desse modo, as peças consideradas, por eles, como modelos, teriam esse perfil educativo.

A maneira como tais ensaios foram organizados insinua a construção de um manual dirigido àqueles que pretendessem escrever tragédias. Seus autores versaram sobre a origem e a história da tragédia, desde a antiguidade clássica, passando ao exame dos teatros antigos e modernos, ou seja, a dramaturgia grega e romana e as das nações modernas, o teatro italiano, espanhol, inglês, francês, alemão e português. Por fim, destrincharam as principais regras do poema trágico em relação ao enredo, personagens e estilo. Os autores concluíram recomendando:

Em uma palavra em vossos dramas pensai como Corneille, escrevei como Racine, movei como Voltaire! Com estas regras, com estes exemplos o teatro brasileiro surgirá com glória, e merecerá ser contado no número daqueles que podem servir de modelo. (RIBEIRO; ROCHA; QUEIROGA, 1833. In: FARIA, 2001, p.316)

A obra desses autores era, portanto, vista como exemplo de uma dramaturgia legítima, indicada para as sociedades civilizadas. Esses ensaístas defendiam o classicismo que era “feito com senso, juízo” e seguia regras que garantiam a verossimilhança. Estavam inflamados contra os românticos que, segundo eles, libertaram-se das regras; entregaram-se ao extravagante, ao disparatado, ao inverossímil. Para esses autores, alguns franceses, como Victor Hugo e Alexandre Dumas, teriam aderido à “sanha revolucionária” dos românticos e impregnavam suas obras do ridículo e do extravagante.

As ideias de Ribeiro, Rocha e Queiroga são representativas do pensamento de parcela da elite intelectual brasileira e de demais pessoas envolvidas com a arte dramática, que possivelmente encontrava adeptos em Ouro Preto. Todavia, o classicismo, o romantismo e as obras desses autores tiveram outros significados ao longo do século XIX, entre os pensadores da elite brasileira, atores, autores e administradores do teatro.

Gonçalves de Magalhães dirigia-se aos críticos de sua obra, Antonio José ou O poeta e a inquisição - para ele a primeira tragédia escrita por um brasileiro e a única de assunto nacional -, colocando-se como autor de uma tragédia pioneira e genuinamente brasileira, sem adotar um sistema único e absoluto (MAGALHÃES, 1865. In: FARIA, 2001, p.327). Existia, portanto, outras formas de significar essas escolas dramáticas, naquele período. A disputa entre classicistas e românticos, na década de 1830, gerava, também, posicionamentos distintos como esse15.

Justiniano José da Rocha lamentou que administradores dos principais teatros da Corte apresentassem repertórios dramáticos da “escola romântica”, por tempo insuficiente, abandonando-os antes que o público estivesse satisfeito e entendesse aquele drama, antes mesmo que os atores conseguissem penetrar nos papéis que representavam (ROCHA, 1836. In: FARIA, 2001, p.318). Tal matéria nos dá elementos para afirmar que Victor Hugo e Alexandre Dumas tinham seu lugar de prestígio entre os brasileiros envolvidos com o teatro.

Quintino Bocaiúva, em 1858, combatia a escola moderna ou romântica. Segundo ele, essa escola teria Shakespeare como soberano e Victor Hugo como seu primeiro-ministro. O teatro antigo teria mais virtude e mais caráter. “Os autores antigos sacrificavam antes a forma ao pensamento, o aparato à ideia, o movimento à paixão” (BOCAIÚVA, 1858. In: FARIA, 2001, p.453). O teatro moderno ou o romantismo era mais luxuoso, “seus autores sacrificam antes o pensamento à forma, a ideia ao aparato, a paixão ao movimento” (p.453).

Assim, havia diversos posicionamentos em relação ao significado e à utilidade das peças de autores franceses como Victor Hugo e Alexandre Dumas. Elas eram vistas por alguns como modelos do teatro de bom gosto; por outros, como referência daquilo que não se devia fazer, citados com respeito pela genialidade da forma, mas com ressalvas por seu conteúdo, que seria impróprio aos palcos do Império16. Fato é que tanto as obras de Jean Racine, Voltaire, como as de Victor Hugo, eram leituras imprescindíveis para aqueles que se envolviam com o teatro no Brasil do século XIX.

A obra de Molière, sobre a qual não identificamos muitas polêmicas, também era considerada leitura importante para esse grupo. Segundo Magalhães (1846, in: FARIA 2001, p.350), o francês foi o melhor autor cômico do mundo, o primeiro a introduzir a prosa no teatro francês. Bocaiúva (1858, in: FARIA, 2001, p.448) acrescentou que Molière foi para o teatro o que Platão foi para a filosofia; ele teria sido o responsável por regenerar a comédia, demonstrando que esse gênero não era nem uma sátira, nem tão pouco uma farsa, gêneros vistos como menores pelos homens de letras da época.

Para Bocaiúva, Molière não deixou seguidores; por isso, depois dele, a “comédia morreu”. Todavia, José de Alencar, em 1858, acreditava que Alexandre Dumas Filho teria aperfeiçoado a “escola dramática mais perfeita”: a obra de Molière (In: FARIA, 2001, p.471). De acordo com Alencar, Molière criou uma pintura dos costumes e da moralidade da crítica, pois “apresentava quadros históricos nos quais se viam perfeitamente desenhados os caracteres de uma época” (ALENCAR, 1858. In: FARIA, 2001, p.471). A forte presença desses textos franceses na lista de peças oferecidas por Bernardo Xavier é representativa, portanto, da influência das ideias propagadas pelos literatos da Corte em Ouro Preto.

Gêneros das peças

No que diz respeito ao gênero teatral dos textos vendidos em Ouro Preto, são utilizadas, nas fontes consultadas, quatro classificações: tragédia, comédia, drama e ópera joco-seria. Acreditamos que o gênero da peça está relacionado ao modo como o teatro ensinava. Por isso, buscamos entender o que significavam essas classificações naquele período, para, então, analisar quantitativamente o repertório teatral lido em Ouro Preto, o que nos aproximou dos sentidos atribuídos ao teatro naquela cidade.

Ribeiro, Rocha e Queiroga (1833) afirmavam que o princípio do belo estava na natureza. Contudo, ela teria defeitos que não deveriam ser imitados. A arte precisava corrigir as distorções, expondo uma “natureza embelecida”. Uma boa tragédia, portanto, não poderia abordar “o baixo, e o ridículo da natureza” (RIBEIRO; ROCHA; QUEIROGA, 1833. In: FARIA, 2001. p.267-316). Era preciso que ela representasse o sublime, que demonstrasse o quanto pode elevar-se a natureza humana. Os ensaístas enfatizavam que esses princípios não excluíam da tragédia as desgraças dos heróis. Todavia, tais infelicidades, necessariamente, deveriam demonstrar o caráter moral e superior de suas personagens.

Para os autores, uma tragédia possuía recursos que conseguiam entreter o público por um período maior do que a comédia, o que explicaria o fato de se conseguir uma boa tragédia com cinco atos; geralmente, as comédias se acomodavam em três atos. Por meio desses recursos, a tragédia deveria comover profundamente seus espectadores expondo os atos heroicos.

O censor José Joaquim Vieira Souto, em parecer para o Conservatório Dramático Brasileiro, sobre o drama O filho do alfaiate ou As más companhias, em 1858, fez breves considerações sobre a função dos três gêneros dramáticos: tragédia, comédia e o drama. Suas ideias se somam à exposição dos ensaístas de 1833. Para Souto, a tragédia apresentaria “os grandes feitos da história, as paixões nobres como exemplo para serem imitados”17. Bocaiúva, na mesma direção, apresentou a tragédia como o gênero que “descreve o grandioso, que se cerca de pompas, que impõe pela magnificência de seu motivo, de sua ação, de suas personagens, de sua decoração e de seu estilo” (BOCAIUVA, 1858. In: FARIA, 2001, P.448).

A tragédia, portanto, levaria para diante dos olhos dos povos, para dentro de seus corações, nobres atitudes sobre as quais teriam admiração e, então, desejariam ter comportamentos tão nobres como aqueles da personagem representada no palco. A tragédia ensinava a amar os nobres e soberanos, a tê-los como modelos de comportamento e de moralidade, transformando, assim, atitudes e valores da plateia. A tragédia ensinava, pois, por meio do exemplo.

A comédia foi considerada por Bocaiúva, de todos os gêneros dramáticos, o mais difícil para o poeta. Ela se distinguia por ser de fácil compreensão, por seu estilo desembaraçado, vivaz, “pelo frisante de suas sentenças”, ou seja, pelo seu poder de persuasão, pela “elevação de sua ideia e sobretudo pela nobreza de seu fim” (BOCAIUVA, 1858. In: FARIA, 2001, P.448). Sua finalidade era a de, por meio da ridicularização dos vícios e da crítica moralizadora dos defeitos, corrigir os costumes da sociedade. A diversão e o riso, no entanto, não eram os únicos e nem os objetivos mais importantes da comédia. O riso, para Bocaiúva, era efêmero, existiria por breves instantes, não mais do que o período em que o público ocupasse as cadeiras do teatro. O que deveria permanecer no espectador eram os ensinamentos da boa moral e dos bons costumes.

Da mesma forma, o censor do Conservatório, Vieira Souto, atribuiu, à comédia, o papel de “apresentar pelo lado ridículo e desprezível as extravagâncias, os desmandos, os vícios menos odiosos dos homens, pª q delles se corrijão”.18 Dessa forma, é possível perceber que a comédia ensinava por meio da denúncia, expondo os vícios e maus costumes pelo “lado ridículo e desprezível”19, para que as pessoas aprendessem a odiá-los, a se envergonharem deles.

Uma comédia, segundo esses homens, só poderia ser assim definida, se tivesse como central a intenção, o objetivo de educar em direção à boa moral e aos bons costumes. Caso contrário, poderia ser chamada de farsa ou sátira, gêneros considerados menores e que se preocupavam fortemente em provocar o riso, garantir distrações.

No que se refere ao drama, Vieira Souto afirmou que tal gênero representava nos palcos a variedade de sentimentos humanos, de ações que comoviam os homens e as paixões que os constrangiam. O drama desafiava a piedade das pessoas em relação aos males da humanidade, aconselhando prudência e cautela na prosperidade e humildade no infortúnio, tolerância e generosidade com os semelhantes.20

No mesmo ano, Bocaiúva definia drama como a pintura da “vida em sua verdade”. O gênero descreveria a realidade, conseguiria captar a atenção do espectador através da trama, “pelo movimento de suas paixões” (BOCAIUVA, 1858. In: FARIA, 2001, P.448). Seria composto com simplicidade nas descrições e naturalidade nas falas e personagens.

Analisando, em 1846, o que era denominado, naquele momento, como drama, Gonçalves Dias afirmou que tal gênero resumiria a comédia e a tragédia. Segundo o autor:

No começo do teatro moderno, havia apenas duas obras possíveis: a tragédia, que cobria as suas espáduas com manto de púrpura, e a comédia que pisava o palco cênico com os seus sapatos burgueses; era assim, porque a tragédia andava pelos grandes, enquanto que a comédia se entretinha com os pequenos, e ainda assim com o que nestes havia de mais cômico e risível. Hoje, a comédia e a tragédia fundiram-se numa só criação. E de feito, se atentamente examinarmos as produções de hoje, que chamamos dramas, notaremos que ainda nas mais líricas e majestosas há, de vez em quando, certa quebra de gravidade, sem a qual não há tragédia. Notaremos também que essa quebra provém do ordinário de uma cena da vida doméstica, o que verdadeiramente pertence à comédia. (DIAS, 1846. In: FARIA, 2001, p.350).

Podemos dizer, tendo como base essas três concepções, que o drama, por meio de elementos cômicos e trágicos, retratava, nos palcos, a vida, os seres humanos e suas paixões. De maneira “natural”, com diálogos e personagens “simples”, mais próximos do real, envolvia o público que se via nos palcos. Os sentimentos nobres, os bons costumes, um modo ideal de ser e agir eram pintados nos teatros como exemplos, incitando os espectadores a segui-los. Ensinava-se, pelo exemplo, como manter-se íntegro, piedoso, generoso, humilde e tolerante, nas diversas situações a que os seres humanos estão sujeitos ao longo da vida.

É pertinente levar em conta as definições dos gêneros dramáticos sob o ponto de vista desses homens, pois eles eram representantes de uma elite intelectual, inseridos no debate sobre a dramaturgia ideal para educar os povos, digna de uma sociedade civilizada, que contribuiria para a formação da nação. Esses sujeitos colaboraram com a construção do que se entendia por arte dramática naquele momento.

Ao analisar quantitativamente os gêneros das peças vendidas na livraria de Ouro Preto, identificamos 13 peças definidas como comédias; 11, como dramas; nove, como tragédias. Não conseguimos identificar o gênero de duas peças. Sobre a Ópera Joco-seria, a denominação insinua que a peça teria elementos cômicos e trágicos, o que nos permite considerá-la com um drama musicado. É possível observar que as comédias estavam ligeiramente mais presentes nas prateleiras da livraria de Ouro Preto.

Figura 1
Relação entre Origem e Gênero das peças vendidas em Ouro Preto. *Origem não Identificada.

Na Figura 1 acima, podemos visualizar o perfil da lista de peças vendidas por Bernardo Xavier, em Ouro Preto, no ano de 1851. Destaca-se a presença de traduções, algumas delas feitas por portugueses, de comédias francesas, o que pode ter dois significados, se consideramos o caráter impróprio de traduções portuguesas para os palcos brasileiros. O primeiro é que tais publicações estavam direcionadas aos leitores interessados pela arte dramática e escritores em potencial. Poderia, também, significar uma forte presença da cultura portuguesa em Ouro Preto, ao menos entre os leitores, que desfrutariam dessas comédias tanto quanto os portugueses.

As traduções de tragédias francesas são mais ofertadas na livraria do que as portuguesas e as brasileiras. Se considerarmos a forma como ensina e o conteúdo ensinado por esse gênero, podemos afirmar que o repertório vendido em Ouro Preto ensinava por meio do exemplo, a amar e respeitar os soberanos, a imitá-los na nobreza de seus sentimentos e ações. As traduções de tragédias, como já dissemos, eram geralmente feitas respeitando o máximo possível os originais. Por que, então, seria importante aos ouro-pretanos amar soberanos e nobres franceses e seguir seus exemplos e bons costumes e virtudes? Por que uma elite dirigente e intelectual, que se empenhava em construir uma identidade nacional, que buscava consolidar a imagem do imperador D. Pedro II, investiria tanto em heróis franceses? Seria esse mais um indício de que esses livros estavam no rol de leituras necessárias àqueles que gostariam de se inteirar sobre a arte dramática considerada legítima? Precisamos ponderar, também, a hipótese de que esses leitores simplesmente gostavam de ler peças teatrais. Tal gosto era pautado pelo que se considerava melhor na Europa.

Segundo Hallewell (2005), em 1848, Villeneuve,21 editor da coleção vendida em Ouro Preto: Archivo Theatral, era o maior impressor do Rio de Janeiro. Villeneuve era francês, o que pode explicar o predomínio de obras traduzidas de autores daquela nacionalidade. Além disso, sua nacionalidade trazia prestígio em virtude da força que a França exercia no Império brasileiro como referência de civilização.

Em relação aos dramas, prevalecem em mesmo número os franceses e os portugueses. Tal gênero, por se aproximar da vida e dos sentimentos humanos, por ensinar, pelo exemplo, os comportamentos nobres, diante das adversidades enfrentadas no cotidiano por diversos sujeitos, de setores sociais diferenciados, pode ser considerado mais universal; suas lições serviriam a todos os seres humanos, independente da origem dessas histórias. A maior incidência, na lista de peças vendidas em Ouro Preto, de dramas franceses e portugueses, acreditamos, está ligada à crença na genialidade dos autores estrangeiros e na falta de uma dramaturgia nacional.

Por fim, podemos concluir, também, que a existência dessas obras disponíveis para os leitores ouro-pretanos é sinal de que havia um grupo letrado familiarizado com os títulos e/ou os catálogos que continham os títulos das obras anunciadas n’O Conciliador, que poderia se interessar por aqueles textos por diversos motivos. Todavia, um motivo nos chama atenção: o interesse por conhecer o teatro que se fazia na Europa e na Corte, e por se aproximar dos valores e costumes das nações civilizadas através da dramaturgia. A busca por essa formação pode significar uma preocupação com o lugar social que a elite intelectual ouro-pretana ocupava em relação à província mineira. Buscava-se formar-se para educar os mineiros por meio do teatro.

Textos dramáticos encenados em Ouro Preto

Foram publicados, nos periódicos de Ouro Preto da década de 1850, anúncios de apresentações teatrais que nos indicaram 19 títulos de peças encenadas naquela cidade. Um pedido de licença à polícia, para uma representação na capital mineira, pela Companhia Dramática Diamantinense22, aumentou essa lista para 20 peças. Juntamos também a série de 25 títulos encenados em Ouro Preto na década de 1850, encontrados pela pesquisadora Regina Horta Duarte (1995). Algumas dessas 45 obras foram representadas mais de uma vez, totalizando, então, 51 encenações. Com o objetivo de analisar qual a presença predominante em Ouro Preto, no que diz respeito à origem das peças encenadas, consideramos todas as apresentações, ainda que algumas obras tenham sido representadas mais de uma vez.

Do total de 51 encenações identificadas, 22 foram de peças que podem ser consideradas brasileiras, 12 são portuguesas e apenas uma peça é de origem francesa. Não foi possível identificar os autores de 16 apresentações.

Um repertório predominantemente brasileiro pode ser uma expressão, em Ouro Preto, do grande desejo e investimento dos homens de letras, principalmente da Corte, em formar e valorizar uma dramaturgia nacional. O crítico Justiniano José da Rocha, em 1836, elogiava a peça O Cioso de si mesmo, de Antonio Xavier, destacando que essa peça não era uma das produções do teatro francês, “rapidamente traduzidas, que continuamente sobem a nosso tablado”. Tratava-se de uma “riqueza própria e não traduzida”, “nossa e não emprestada” (ROCHA, 1836. In: FARIA, 2001, p.322). Há aqui uma crítica à qualidade das traduções e à frequente presença delas nos palcos brasileiros, além de um incentivo à produção nacional. A tradução, vista como leitura necessária àqueles que pretendessem escrever peças e se inteirar sobre o que seria a dramaturgia considerada legítima, não era, portanto, aconselhada para os palcos brasileiros. Para tanto, era preciso que os literatos se empenhassem em escrever textos teatrais.

Émile Adet publicou, no periódico Minerva Brasiliense, em 1844, referindo-se aos teatros da Corte, um artigo em que denunciava a inexistência de uma literatura dramática brasileira e recomendava ao CDB que criasse uma “escola de declamação”, para que a dramaturgia nacional prosperasse23.

Por volta de 1851, no Rio de Janeiro, Álvares de Azevedo lamentou o estado de “miséria” em que se encontrava o teatro brasileiro, afirmando que seria fácil apresentar, no Teatro de São Pedro, obras de Émile Deschamps, Auguste Barbier, Léon de Wailly e Alfredo de Vigny, traduzindo-as. Assim, popularizar-se-iam esses trabalhos. Diferente de Justiniano, para Álvares de Azevedo, a encenação de obras estrangeiras não era um problema, mas, sim, os textos escolhidos e a qualidade das traduções. Preferindo as dramaturgias inglesa, espanhola e alemã à francesa, Álvares de Azevedo recomendava aos jovens escritores que, para produzirem peças, estudassem. Conforme Azevedo,

A mocidade laboriosa se animará, empreenderá trabalhos dramáticos. Começarão por traduções, estudarão o teatro espanhol de Calderón e Lope de Veja, o teatro cômico inglês de Shakespeare até Sheridan, o teatro francês de Molière, Regnard, Beaumarchais - e mais modernamente enriquecido pelo repertório de Scribe e pelos provérbios de Leclercq e de Alfredo de Musset. Os que tiverem mais gênio, os que tiverem estudado o teatro grego, o teatro francês, o teatro inglês e o teatro alemão, depois desse estudo atento e consciencioso, poderão talvez nos dar noites mais literárias, mais cheias de emoções do que aquelas em que assistimos (...) (AZEVEDO, 1851. In: FARIA, 2001, p. 359).

Álvares de Azevedo recomendava a encenação e o estudo dos textos europeus como uma etapa para que “a mocidade”, mais tarde, pudesse oferecer nos palcos da Corte “noites mais literárias” de um teatro nacional.

Novamente, podemos concluir que, do ponto de vista de alguns homens de letras, as traduções serviam para inspirar e instruir aqueles que se aventurassem na “nobre” tarefa de produzir a “dramaturgia nacional”. No entanto, para os palcos brasileiros, desejava-se o “teatro nacional”. Em meio aos lamentos de críticos e intelectuais, pela falta de escritores brasileiros que se dispusessem a essa tarefa, as traduções eram toleradas por alguns e consideradas necessárias por outros. Em Ouro Preto, a oferta de traduções relevantes aos estudos de possíveis dramaturgos era uma tarefa cumprida, principalmente, por meio dos livros. No palco da cidade, o destaque era dado ao teatro nacional.

Entre as peças encenadas na capital da província, há a reincidência de alguns autores e a encenação de uma mesma peça em momentos diferentes. Entre os autores que tiveram mais de uma peça encenada, estão Martins Pena, Luiz Antonio Burgain, João Ferreira da Cruz e José da Silva Mendes Leal. As peças O caixeiro da taverna, O noviço e Quem casa quer casa, de Martins Pena, foram apresentadas mais de uma vez, assim como Pedro sem, que já teve a agora não tem, de Luiz Antonio Burgain, e Nova Castro, de Mendes Leal. Para analisar a presença desses autores na cena ouro-pretana, consideramos cada representação de suas peças.

Tabela 3
Lista de peças de autoria de Martins Pena, Burgain, J.F. da Cruz e Mendes Leal encenadas em Ouro Preto

Como podemos observar na Tabela 3, ocorreram dez encenações de peças teatrais escritas por Martins Pena; seis, por Burgain; três, por Mendes Leal; duas, por João Ferreira da Cruz. Neste artigo, vamos focar nossas análises em Martins Pena e Burgain por serem os autores com maior número de encenações de suas peças em Ouro Preto.

Luiz Carlos Martins Pena escreveu folhetins para o Jornal do Comércio, entre agosto de 1846 e outubro de 1847, dando notícias e criticando as peças encenadas nos teatros da Corte. Membro fundador do CDB, dedicou-se ao teatro.

Segundo Faria (2001), Martins Pena escreveu comédias curtas, de apenas um ato, em que utilizava recursos farsescos, como esconderijos, pancadarias e disfarces. Como já dissemos, a farsa era malvista pelos homens de letras por priorizar o riso espontâneo do público e não, a tarefa pedagógica do teatro. Faria (2001) acrescenta outro fator que contribuía para o desprestígio das farsas: elas eram geralmente encenadas em noites de espetáculos, que tinham, como atração principal, um drama ou uma tragédia, o que é possível verificar nos anúncios de noites teatrais em Ouro Preto. Das dez encenações de peças escritas por Martins Pena, sete são anunciadas como apresentações secundárias que encerravam a noite.

José de Alencar, em artigo publicado no periódico Diario do Rio de Janeiro, de novembro de 1857, afirmou que as “farsas graciosas” de Martins Pena pintavam os costumes brasileiros sem criticá-los, visando mais ao efeito cômico da peça do que à sua função moralizadora. Por isso, eram consideradas como “sátiras dialogadas” e não como comédias. Alencar acreditava que a morte prematura do autor24 teria interrompido um trabalho que poderia ter introduzido, no Brasil, a escola de Molière e Beaumarchais.

A aposta de Alencar em um hipotético futuro de Martins Pena revela a importância de sua obra. Ele teria retratado o Brasil em suas comédias. Seu poder de observação levou para os palcos diversos “tipos” brasileiros e, apesar de sua obra ter sido vista como ingênua, sem intenção moralizadora, o dramaturgo apontou os vícios e maus costumes de autoridades e instituições, criticou a lei e a sociedade brasileira. A peça Juiz de Paz na Roça chegou a causar polêmicas entre os censores do CDB.

O censor André Pereira Lima negou a licença à peça, alegando que ela era “destituída de tudo quanto se pode desejar quer para o entretenimento do espírito, quer para o milhoramento [sic] dos costumes. Offende indirectamente as instituições do país, choca a dignidade d’ellas”.25 A peça foi enviada ao segundo censor, Joaquim Norberto, que a aprovou. Segundo Faria, a comédia de costumes, no Brasil, “adquiriu prestígio e teve vida mais longa do que o drama, cultivada por vários autores, como Joaquim Manuel de Macedo, França Júnior e Artur Azevedo” (FARIA, 2001, p.83).

É preciso mencionar que os anunciantes das peças de Martins Pena as denominaram como farsa. São elas: Irmãos das Almas, O Caixeiro da taverna, Quem casa quer casa e O juiz de paz na roça. Por sua vez, os membros do CDB designaram tais peças, com exceção da última, como comédias. Estariam os membros do conservatório dando mais credibilidade à obra de Martins Pena? Por que os anunciantes de espetáculos não se preocupavam em denominar as peças que seriam apresentadas como farsas, já que essas eram malvistas por uma parcela dos literatos? É possível que o público que frequentava o teatro de Ouro Preto não se importasse em assistir farsas e até, pelo contrário, as preferisse. Mas, e quanto aos administradores de companhias, membros das sociedades dramáticas, enfim, os responsáveis pelas apresentações? Não se sentiam constrangidos em oferecer o “baixo cômico” no teatro da capital mineira? Talvez o fato de essas encenações serem secundárias, ou seja, acontecerem após a apresentação de uma tragédia ou de um drama bem conceituado pelos homens de letras da Corte, os redimisse. A denominação, pelo Conservatório, das peças desse autor, como comédias, indicaria que alguns membros daquela instituição discordavam que tal obra pudesse ser classificada como “baixo cômico”?

Diante da impossibilidade de responder a essas questões, podemos concluir que, apesar dos elementos farsescos, a grande presença de Martins Pena nos palcos de Ouro Preto significou a pintura dos costumes e dos tipos brasileiros naquele teatro; uma crítica dos costumes considerada por alguns, “ingênua”, mas que, em alguns momentos, incomodava as autoridades. Os ouro-pretanos, de alguma maneira, seguiam a receita dos literatos da Corte, priorizando, desse modo, o teatro nacional para transformar atitudes e valores daquela sociedade por meio da exposição de vícios e maus costumes, pelo lado ridículo.

Luis Antonio Burgain, francês que viveu no Rio de Janeiro, era um professor de francês muito conhecido naquela cidade, membro do CDB. Literato, contribuiu com o periódico Jornal das Famílias (Bastos, 2002). Sua participação como membro do Conservatório e nesse periódico da Corte sinaliza para seu envolvimento com ações que buscavam educar a população. Segundo Maria Helena Bastos (2002), o Jornal das Famílias foi, sobretudo, “um veículo de ideias e mensagens”, responsável por propagar hábitos de leitura, de gosto e de preferências literárias. Em um país que vivia sob forte influência da cultura francesa, um francês teria seu lugar de prestígio somente pela nacionalidade. Além disso, Burgain ocupou funções e lugares de autoridade, sendo uma das pessoas que ditavam, na Corte, o que era um bom teatro e um teatro ruim, a boa literatura, o bom gosto e os bons costumes.

Na edição de sua obra Pedro sem, que já teve e agora não tem, de 1845, impressa na tipografia de Eduardo de Henrique Laemmert, Burgain acrescentou “Algumas palavras sobre a 1ª representação de Pedro-Sem”. Ao final dessas considerações, aproveitou para avaliar o estado do Teatro de São Pedro. Nesse texto, fez o seguinte preâmbulo:

Já que fallei da Companhia dramática do Theatro de S. Pedro, aproveitarei a occasião para dizer algumas palavras acerca do seu estado actual, e indicar a causa da sua decadência. Não sou movido por nenhuma consideração pessoal, pois, mercê de Deos, não vivo do theatro; digo - mercê de Deos - porque, para mim, tal existência seria synonymo de morrer de fome. Porém, além do vivo interesse que eu tomo pelo desenvolvimento das artes e da litteratura no Brasil, sou membro do Conservatorio Dramatico Brasileiro; e julgo que esta qualidade impõe-me a obrigação de chamar a attenção dos meus collegas e do Publico sobre abusos que, a não serem cortados, terão por resultado infallivel o anniquilamento da arte e da litteratura dramática brasileira (...) (BURGAIN, 1845).

Tal citação indica que o próprio Burgain se colocava nesse lugar de autoridade, responsável por chamar a atenção sobre abusos que ameaçavam a arte e a literatura dramáticas no Brasil. Escrevendo peças, Burgain buscava dar exemplos de como fazer um teatro nacional de bom gosto.

Em 1837, Justiniano José da Rocha criticou, no periódico O Cronista, a peça Glória e Infortúnio ou A morte de Camões de Burgain. Segundo Justiniano, a demonstração do talento dramático do autor já era esperada e a representação dessa obra no Teatro Constitucional, sua segunda composição, “mais perfeita, mais engenhosa que a 1ª”, atingiu as expectativas. Seus galicismos foram perdoados pelo crítico por sua nacionalidade e o destaque de “primeiro merecimento da composição” foram os “pensamentos de ordem elevada”. Duas características da peça foram consideradas impróprias pelo crítico: a passagem do tempo e a mudança de lugar da ação que, para ele, deveria ser mais marcada, não apenas com a mudança de “vistas”, ou seja, do cenário.

Outra característica problemática dessa obra de Burgain foi apontada pelo crítico com delicadeza, acreditamos, para não ferir a autoridade do autor. O cuidado ao realizar tal crítica é explicitado por Justiniano, que deixou claro não se atrever a fazer uma censura de “maior monta”, senão em “forma de dúvida”. Justiniano, após tal ressalva, questionou o destaque dado, na peça, à inspiração de Camões no amor de uma mulher, em detrimento do amor à pátria, o qual deveria ser considerado um sentimento mais generoso. O crítico termina a matéria afirmando que o drama era brilhante e digno do sucesso que teve no teatro. A presença destacada de Burgain nos palcos ouro-pretanos estampava, então, a forte referência que as pessoas envolvidas com o teatro em Ouro Preto tinham em relação à Corte.

No que se refere ao gênero das peças representadas, não localizamos a classificação da época dada a dois títulos. O repertório era composto por 23 peças denominadas como comédias,26 20 dramas, quatro farsas e duas tragédias. A Figura 2 a seguir nos permite visualizar, então, o perfil das peças encenadas em Ouro Preto, durante a década de 1850.

Figura 2
Relação entre origem e gênero das peças encenadas em Ouro Preto. *Origem e Gênero não identificados.

O total de comédias, ou seja, as brasileiras, a francesa, as portuguesas e aquelas sobre as quais não identificamos a origem, evidencia o predomínio do elemento cômico no palco ouro-pretano. Há ainda uma farsa brasileira e algumas das quais também não identificamos a origem. O drama é o segundo gênero mais encenado em Ouro Preto.

Com a presença destacada de dramas e comédias de origem brasileira em Ouro Preto, podemos dizer que os ouro-pretanos, envolvidos com o teatro, seguiam as lições da Corte. Ainda que a intencionalidade desses homens não tenha ficado evidente ao longo da pesquisa, o repertório disponível e as conexões com os ideais de teatro da Corte levam-nos a pensar que eles ensinavam através dos exemplos de bons costumes e virtudes, apresentando os dramas. Ensinavam também por meio da denúncia, ou da ridicularização dos vícios, encenando comédias. Esse último gênero foi preferido pelos encenadores que, talvez, estivessem atendendo a uma demanda do público. A presença de obras portuguesas também é significativa, o que revela uma proximidade grande entre as duas nações, em meados do século XIX.

As tragédias não agradavam tanto os ouro-pretanos, o que está coerente com a afirmação de José de Alencar em novembro de 1857. Segundo Alencar, “o tempo das caretas e das exagerações passou. Inês de Castro, que já foi uma grande tragédia, hoje é, para os homens de gosto, uma farsa ridícula” (In: FARIA, 2001, p.473).

Não encontramos apresentações de peças lírico-dramáticas, mas temos indícios de ser essa uma preferência de alguns dirigentes de Ouro Preto. Segundo Ávila (1977), o presidente Herculano Ferreira Penna criou, em 20 de junho de 1856, a lei nº 791, que autorizava o pagamento à companhia que executasse duas representações ao mês, no teatro da capital, de até 3:600$000 ao ano. Se a companhia fosse lírico-dramática, tal pagamento poderia chegar a 8:000$000.

A possibilidade de receber uma remuneração mais alta por apresentações de peças lírico-dramáticas resultou em um investimento nesse gênero por parte da companhia dramática de José Caetano Vianna, contratada pelo governo provincial na época. N’O Bom Senso, de 02 de julho de 1856, Caetano prometeu ao público a execução de uma série de peças desse gênero. Como foram anunciadas como promessas, podemos supor que tais apresentações não compunham o repertório do grupo. Por isso, tratava-se de um investimento futuro.

O empresário vai por em scena a linda comedia Lyrica - Dramatica <<A GRAÇA DE DEOS>> EM 5 ACTOS. Em todos os actos tem o publico de ouvir bellas Arias, duetos, tercetos, e bonitos córos. Esta é uma das peças lyricas-Dramaticas do theatro das variedades de Paris, e após esta promete levar á scena outras muitas como - O Arthur em 2 actos - A Dama Branca - O Fantasma em 4 actos - e outras de que mandou buscar a musica do Rio de Janeiro, e espera por este meio merecer a indulgencia do respeitavel publico desta capital, e que concorrão afim de poder sustentar a sua empresa (O Bom Senso, nº 428, p.4).

Esse seria mais um indício do esforço de uma elite ouro-pretana em se igualar à Corte. Burgain, em suas observações sobre o Teatro São Pedro, em 1845, constatou que o problema da sua decadência era o ínfimo investimento por parte do governo imperial em sua companhia dramática, ao passo que a segunda companhia do Teatro São Pedro, uma companhia lírica, levava toda a atenção, prestígio e recursos do governo.

Considerações Finais

Em Ouro Preto, Minas Gerais, durante a década de 1850, os textos teatrais e as apresentações dramáticas se configuravam como estratégias educativas com objetivos distintos. A análise das diferenças e semelhanças entre as peças encenadas e os textos dramáticos vendidos na cidade nos permitiu tal afirmação.

No que diz respeito à origem das peças, observamos que o repertório vendido tem a maioria das traduções de originais franceses, enquanto o repertório encenado é, em maior parte, de peças brasileiras. Um número muito pequeno de peças francesas é encenado. Por outro lado, o número de textos brasileiros vendidos é pequeno. Desconsiderando as peças não identificadas, as portuguesas ocupavam o segundo lugar tanto no repertório vendido, quanto no encenado.

Dessa forma, o repertório de textos dramáticos escritos era composto por um conjunto de peças imprescindíveis àqueles que desejassem conhecer a dramaturgia considerada legítima pelos literatos da Corte, como texto literário. Por sua vez, o repertório encenado atendia ao ideal de valorização da dramaturgia nacional e negava espaço às traduções muito criticadas em meados do século, na Corte.

A comédia é o gênero da maioria das peças vendidas e encenadas. A diferença, nesse caso, estava na origem dos textos. Eram vendidas comédias francesas e encenadas comédias nacionais. Os dramas, proporcionalmente, também ocupavam um lugar semelhante, o segundo lugar, entre o teatro vendido e encenado. A diferença também está relacionada à origem: as peças encenadas eram dramas nacionais e portugueses, e as vendidas, dramas franceses e portugueses.

Quanto às tragédias, havia uma quantidade expressiva no repertório de peças vendidas, ao passo que encontramos apenas duas encenações de peças desse gênero anunciadas em Ouro Preto, na década de 1850. No que se refere às farsas, elas estão ausentes das leituras oferecidas aos letrados daquela cidade. Como esse gênero era malvisto pelos literatos, não deveria figurar em um repertório lido que se pretendia modelo de dramaturgia para ser imitada.

Tanto o repertório lido quanto o repertório encenado em Ouro Preto cumpriam um papel educativo. O primeiro ensinava quais as referências que deveriam ser seguidas para alcançar um teatro de “bom gosto”. Ensinava a forma ideal, legítima, para cada gênero do teatro. Por sua vez, o repertório encenado pretendia, através do riso, do ridículo, e da exposição nos palcos dos vícios e maus costumes brasileiros, transformar a sociedade ouro-pretana. Além disso, buscava demonstrar, por meio dos dramas, a nobreza, possível, do espírito humano diante das adversidades da vida. Pretendia-se, portanto, conformar as pessoas sobre algumas dificuldades que o ser humano, por vezes, precisava enfrentar.

O estudo também reforçou a ideia de que, assim como tem sido discutido nas pesquisas contemporâneas sobre teatro, os trabalhos realizados no campo da História da Educação não devem restringir a sua análise às dramaturgias, mas considerar elementos singulares da linguagem teatral, como a oralidade e a performance, como constitutivos do seu papel como instância educativa. Mesmo considerando a limitação das fontes para alcançarmos os efeitos formativos das peças nos espectadores, é necessário que essas outras dimensões, ainda que de forma indiciária, sejam mobilizadas na análise.

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  • SEIXAS SOBRINHO, José. O teatro em Sabará: da Colônia à República. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1961.
  • SILVA, Luciane N. da. O Conservatório Dramático Brasileiro e os ideais de arte, moralidade e civilidade no século XIX. 2006, p. 211. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2006. <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=149598>.
    » http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=149598
  • SILVA, Innocencio F. da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Tomo Primeiro, Lisboa, Imprensa Nacional, M DCCC L VIII (1858), p. 303-305; Tomo Sexto, M DCCC LXII (1862), p.173; Tomo Oitavo, M DCCC LXVII (1867), p.327.
  • SOUSA, José Galante de.; COUTINHO, Afranio (orgs.). Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional: Academia Brasileira de Letras, 2001.
  • SOUZA, Silvia C. M. de. As noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas: Editora da UNICAMP , CECULT, 2002.
  • VIEIRA, C. E., & CORREA, F. M. Abdias Nascimento: a trajetória de um intelectual negro engajado na disseminação de saberes emancipatórios entre as décadas de 1920 e 1940. (2022). Rev. Bras. de História da Educação, 22.<https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e215>.
    » https://doi.org/10.4025/rbhe.v22.2022.e215
  • WOLF, Ferdinand. Le Brésil Littéraire - Histoire de la Littérature Brésilienne, Ed. A. Asher & Co. Berlin, 1863.
  • 1
    Para a formação do Estado brasileiro, ver, entre outros, Gomes (1999) e Mattos (1994). Para o papel educativo do teatro no segundo Império, ver Seixas Sobrinho (1961), Ávila (1977), Duarte (1995), Souza (2002), Silva (2006a), Sá (2009).
  • 2
    Pesquisa financiada pela CAPES e pelo CNPq.
  • 3
  • 4
    Podemos acrescentar os seguintes trabalhos que se dedicaram ao teatro no campo da história da educação: Ferreira Jr. e Bittar (2004), Sá (2009), Sales (2011), Sá (2015) e Vieira e Correa (2022).
  • 5
    O grupo, fundado em 2004, é sediado na FaE - UFMG. Ver: https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/24760
  • 6
    São referências importantes: Mostaço (2010), Garcia (2019), Brandão (2001).
  • 7
    O Conciliador, nº 232.
  • 8
    Fonte: ficha catalográfica, do Catálogo antigo de obras raras. Palavra-chave: Archivo. Disponível no site da FBN: <http://www.bn.br/portal/>.
  • 9
    Idem.
  • 10
    Idem.
  • 11
    Segundo Wolf (1863, p.261).
  • 12
    Segundo Silva (1862, p.173).
  • 13
    Segundo Brito (1993), a noção de transplantação é uma criação de Mendes Leal.
  • 14
    Segundo Faria (2001), esse texto teria introduzido, no Brasil, o debate literário e teatral, que já mobilizava escritores e intelectuais europeus há décadas.
  • 15
    Os estudos literários consideram que Magalhães inaugurou o romantismo no Brasil, em 1838, com a peça: Antonio José ou O poeta e a inquisição. No entanto, aqui estamos considerando as posições do próprio Magalhães.
  • 16
    Os censores do CDB, ao julgar as peças desses autores, apontavam duas questões que justificavam a negação da licença, embora reconhecessem a genialidade da obra: as peças deveriam preservar e exaltar a imagem do rei e demais membros da família real; os crimes cometidos pelas personagens deveriam ser moralizados/punidos em cena. Para mais informações sobre o assunto, ver Sá (2009) e Silva (2006).
  • 17
    Da coleção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Loc. I-08,15,063.
  • 18
    Idem.
  • 19
    Idem.
  • 20
    Idem.
  • 21
    Segundo Hallewell (2005), Villeneuve editava traduções de Hugo e Dumas. Esse dado reforça nossa hipótese de que os livros vendidos em Ouro Preto são, realmente, dessa tipografia.
  • 22
    Acervo do Arquivo Público Mineiro - Fundo Chefia de Polícia, série 10 - Diversos. Livro de Registro de despachos Secretaria de Polícia 1853-1859. POL 319.
  • 23
    Minerava Brasiliense, Rio de Janeiro, número 5, 1º de jan. 1844, vol. 1, p. 154, 157. In: FARIA, 2001, p.343.
  • 24
    Em 1848, Martins Pena morreu aos 33 anos, em Lisboa, para onde havia partido um ano antes, do Rio de Janeiro.
  • 25
    Acervo da FBN, Coleção de Manuscritos, Fundo do CDB código: I-08,01,046.
  • 26
    Estamos considerando a classificação das peças de Martins Pena, atribuída pelo CDB, ou seja, com exceção de “O juiz de paz na roça”, todas são comédias.

Editado por

  • Editora responsável:
    Patrícia Weiduschadt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2024
  • Aceito
    06 Out 2024
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