Resumo
Este estudo examina o processo de construção do pensamento pedagógico em informática educativa na rede municipal de Caxias do Sul-RS entre 1992 e 2012, destacando as mudanças nas práticas e concepções pedagógicas nas escolas. Utilizando metodologias de pesquisa documental, história oral e análise de conteúdo, este artigo tem como objetivo apresentar algumas possibilidades metodológicas à luz da história digital. Além disso, oferece, de forma didática, procedimentos para a pesquisa em História utilizando bases de dados, mineração de dados e nuvens de palavras. Como resultados, revela-se uma relação pedagógica complexa, embasada em correntes construtivistas, com expoentes como Jean Piaget, Seymour Papert e Paulo Freire. Essas abordagens teóricas foram fundamentais para a implementação e desenvolvimento de práticas educativas inovadoras, promovidas por uma rede de educadores engajados na informática educativa. Os resultados mostram como esse pensamento pedagógico influenciou significativamente a educação na cidade, marcando um período de transformações no ensino e na aprendizagem.
Palavras-chave:
Informática Educativa; Pensamento Pedagógico; História Digital
Resumen
Este estudio examina el proceso de construcción del pensamiento pedagógico en informática educativa en la red municipal de Caxias do Sul-RS entre 1992 y 2012, destacando los cambios en las prácticas y concepciones pedagógicas en las escuelas. Utilizando metodologías de investigación documental, historia oral y análisis de contenido, este artículo tiene como objetivo presentar algunas posibilidades metodológicas a la luz de la historia digital. Además, ofrece, de forma didáctica, procedimientos para la investigación en Historia utilizando bases de datos, minería de datos y nubes de palabras. Como resultados, se revela una relación pedagógica compleja, basada en corrientes constructivistas, con exponentes como Jean Piaget, Seymour Papert y Paulo Freire. Estos enfoques teóricos fueron fundamentales para la implementación y desarrollo de prácticas educativas innovadoras, promovidas por una red de educadores comprometidos con la informática educativa. Los resultados muestran cómo este pensamiento pedagógico influyó significativamente en la educación en la ciudad, marcando un período de transformaciones en la enseñanza y el aprendizaje.
Palabras clave:
Informática Educativa; Pensamiento Pedagógico; Historia Digital
Abstract
This study examines the process of building pedagogical thinking in educational informatics in the municipal network of Caxias do Sul-RS between 1992 and 2012, highlighting changes in pedagogical practices and conceptions in schools. Using documentary research methodologies, oral history, and content analysis, this article aims to present some methodological possibilities in the light of digital history. Additionally, it offers didactic procedures for historical research using databases, data mining, and word clouds. The results reveal a complex pedagogical relationship, based on constructivist currents, with exponents such as Jean Piaget, Seymour Papert, and Paulo Freire. These theoretical approaches were fundamental for the implementation and development of innovative educational practices, promoted by a network of educators engaged in educational informatics. The results show how this pedagogical thinking significantly influenced education in the city, marking a period of transformations in teaching and learning.
Keywords:
Educational Informatics; Pedagogical Thinking; Digital History
Résumé
Cette étude examine le processus de construction de la pensée pédagogique en informatique éducative dans le réseau municipal de Caxias do Sul-RS entre 1992 et 2012, mettant en évidence les changements dans les pratiques et les conceptions pédagogiques dans les écoles. En utilisant des méthodologies de recherche documentaire, d'histoire orale et d'analyse de contenu, cet article vise à présenter quelques possibilités méthodologiques à la lumière de l'histoire numérique. De plus, il propose, de manière didactique, des procédures pour la recherche en Histoire utilisant des bases de données, le data mining et les nuages de mots. Les résultats révèlent une relation pédagogique complexe, fondée sur des courants constructivistes, avec des figures telles que Jean Piaget, Seymour Papert et Paulo Freire. Ces approches théoriques ont été fondamentales pour la mise en œuvre et le développement de pratiques éducatives innovantes, promues par un réseau d'éducateurs engagés dans l'informatique éducative. Les résultats montrent comment cette pensée pédagogique a influencé de manière significative l'éducation dans la ville, marquant une période de transformations dans l'enseignement et l'apprentissage.
Mots-clés :
Informatique Éducative; Pensée Pédagogique; Histoire Numérique
Primeiras Palavras
A Educação Tecnológica, ao longo das últimas décadas consolidou-se como um elemento indissociável na educação do século XXI (PASQUAL JÚNIOR, 2020). Enquanto, no início da informática educativa, por volta da segunda metade dos anos 1980, os computadores eram uma exceção, hoje, por outro lado, muitas escolas adotam os computadores como um elemento indispensável no processo educativo.
Em especial, após a pandemia de Covid-19, a necessidade dos recursos tecnológicos computacionais ficou muito mais evidente, uma vez que foram utilizados muito mais do que o período pré-pandemia (FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL, 2024). Pela primeira vez, na História, a educação remota foi, praticamente, a única forma de manter as escolas em funcionamento.
Nesse caminho, investigar a História da Informática Educativa é um campo profícuo e que precisa ser ainda constituído no campo da História da Educação, afinal, hoje a educação também se faz com os computadores e recursos tecnológicos que fazem parte do cotidiano escolar.
Este artigo é produto de uma pesquisa de doutorado que investigou a trajetória da informática educativa, dos anos 1992 até 2012 (PASQUAL JÚNIOR, 2023) buscando a compreensão do pensamento pedagógico, historicamente delineado em um tempo e um espaço. Nesse caminho, elegeu-se a Rede Municipal de Educação de Caxias do Sul e os marcos temporais, 1992, como o primeiro movimento de gestão pública no caminho da implementação da informática educativa nas escolas. Como fim deste recorte temporal, elencou-se o ano 2012, por se tratar do marco temporal do projeto Um Computador por Aluno (UCA) no Município de Caxias do Sul.
Este artigo, assim como a tese do qual ele se origina, busca construir uma narrativa acerca da História da Informática Educativa na Rede Municipal de Caxias do Sul, tendo como ênfase responder ao seguinte problema de pesquisa: como se constituiu o pensamento pedagógico na rede municipal de ensino de Caxias do Sul, durante os anos 1992 a 2012. Para a além da resposta ao problema de pesquisa, que se transforma em objetivo geral desse artigo, este texto, tem como objetivo discutir a pesquisa historiográfica, à luz da história digital, apresentando um enfoque em uma série de estratégias metodológicas, utilizando ferramentas digitais que compuseram o arcabouço ferramental dos historiadores para a efetivação dessa pesquisa. Assim como apontam Brasil e Nascimento (2020), os métodos para a pesquisa histórica digital têm ficado em segundo plano em diversos trabalhos historiográficos. Este artigo, portanto, se propõe a contribuir com reflexões, explorar as potencialidades e popularizar estratégias digitais para a construção de uma investigação histórica que coadune com o tempo presente.
Para além do que já foi publicado na tese, esse artigo não é apenas uma forma de sintetizar a produção científica realizada na tese, mas é uma possibilidade para didatizar o método, uma vez que instruções e links estão disponíveis em todo o artigo, buscando exprimir um arcabouço de recursos disponíveis para o historiador digital, além de ser também um esgarçamento da pesquisa, uma vez que não foi possível ouvir uma das entrevistadas durante a escrita da tese, o que permite, portanto, uma complementação tanto no que diz respeito ao campo metodológico, como do próprio objeto de investigação.
Ademais, a publicação em forma de artigo é um recurso indispensável para a universalização do conhecimento produzido na academia, uma vez que, muitas vezes, as teses e dissertações possuem menos reverberações, do que as publicações veiculadas em periódicos digitais de vasto acesso.
Um olhar para a metodologia
A pesquisa em História, assim como outras áreas das Humanidades, está cada vez mais permeadas pelas tecnologias digitais, seja pela forma ou pelo método, essas tecnologias permitem novos olhares e abordagens frente aos desafios da investigação no nosso tempo (LUCCHESI, 2020).
Assim como as tecnologias têm revolucionado o campo da investigação histórica, a própria historiografia, ao longo do tempo, propôs novos olhares para as fontes históricas. Este é o caso da História Cultural, referencial teórico que norteia esta pesquisa. Segundo Chartier (2002), a cultura abarca uma rede intricada de práticas e representações. Assim, o autor argumenta que a História Cultural representa uma abordagem historiográfica que enfatiza a cultura como um componente crucial na compreensão do passado.
A perspectiva da História Cultural admite a inexistência de total neutralidade por parte do historiador (PESAVENTO, 2008). Em vez disso, reconhece que o historiador está intrinsecamente ligado à narrativa que elabora, permeado por desejos e significados pessoais.
A História Cultural, apresenta-se como um esgarçamento das práticas historiográficas do início do século XX, e em termos de abordagem metodológica, esta pesquisa, inova ao utilizar recursos digitais para a conexão, interpretação e análise das fontes.
Essa interação entre o campo das Humanidades e as tecnologias digitais deu lugar a um campo, ainda em constituição, chamado de Humanidades Digitais.
Wolf (2023) define o termo como um conceito abrangente que descreve as diversas interações entre as humanidades e a computação, representando uma transdisciplinaridade digital. Essa integração pode, primeiramente, ampliar as oportunidades de pesquisa nas humanidades por meio das tecnologias digitais e, em segundo lugar, promover uma variedade de avanços no ensino das Ciências Humanas.
Nesse caminho, essa pesquisa também se insere nas diversas perspectivas das Humanidades Digitais, tanto pelo fato de investigar uma história que não deixa de ser digital, como pelas escolhas metodológicas realizadas para a constituição dessa pesquisa.
Em termos de procedimentos metodológicos, esta pesquisa desenvolveu-se em seis fases. A primeira fase, chamada de “Construção das Fontes” constituiu-se pela catalogação dos documentos consultados digitalmente no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami (AHMJSA), esses documentos foram consultados digitalmente e organizados em planilhas eletrônicas. A escolha dos documentos se deu vinculada às palavras-chave relativas à temática.
Ainda na primeira fase, após a organização dos documentos consultados digitalmente, foram realizadas consultas presenciais para aprofundamento em relação ao conteúdo dos documentos. Nesse caminho, foram realizadas digitalizações de documentos, extrações de trechos, bem como uma nova planilha digital, contendo todos os documentos, informações documentais e trechos relativamente relevantes à pesquisa. Na análise de fontes pela ótica do historiador cultural, Pesavento (2008) destaca que tais fontes são os vestígios e registros do passado que formam as representações utilizadas pelo historiador. Elas abrangem elementos que permitem ao historiador compreender e construir interpretações dos eventos passados.
Além dos documentos acessados no AHMJSA também foram consultados in loco uma série de documentos na Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Caxias do Sul. Os documentos selecionados também passaram pelos mesmos procedimentos já especificados anteriormente.
Como sequência da pesquisa, elencou-se a História Oral como uma forma de investigação articulada às fontes documentais. Alberti (2005, p. 18) explica que
“[...] a história oral é um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo.”.
Assim, durante a Fase 2 foram definidas as pessoas que seriam entrevistadas, a realização das entrevistas de história oral, bem como a realização das transcrições dessas entrevistas. A maior parte da pesquisa foi realizada durante a Pandemia de Covid-19, por este motivo, as entrevistas foram realizadas por meio de videoconferência, utilizando o software Google Meet.
Para a definição das entrevistadas, inicialmente elencou-se a Beatriz Maria Begolin que foi professora da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul e atuou diversas vezes na administração municipal como assessora administrativa e pedagógica da Secretaria Municipal de Educação. Além dela, a Professora Vera Maria Pacheco Rocha Massa, professora da Rede Estadual que, desde os anos 1990 atuava como professora de Informática Educativa e com formação para uso da informática na educação. Esses dois nomes iniciais foram suscitados, por conta das proximidades e lembranças da professora Eliana Rela, responsável pelo projeto HEDIGI II, “História das Práticas Culturais no Processo de Inserção Digital no Contexto da Rede Municipal de Caxias do Sul e da Universidade de Caxias do Sul (1992-2012)”, do qual esta pesquisa fez parte.
Uma vez definidas as duas primeiras entrevistadas, essas professoras foram, durante as entrevistas, indicando outros nomes. Assim, foram também elencadas para a entrevista as professoras Naura Andrade Luciano, Carla Beatris Valentini, Rejane Bueno Moré, Isabel Cristina Lopes, Sintian Schmidt e Ana Cesa.
A Figura 1 representa o fluxo de indicação de cada uma das entrevistadas.
A partir da definição das entrevistadas, foi realizado um roteiro para entrevista semiestruturada, é importante considerar que apesar de as entrevistas terem o caráter semiestruturado, salienta-se que o entrevistador deve reconhecer os momentos oportunos para deixar o entrevistado falar livremente. Por este motivo, as entrevistas também tiveram caráter narrativo, quando necessário. Este foi o caso das entrevistas com a Carla e a Isabel, enquanto com a Naura houve momentos em que foi seguido o roteiro e boa parte em que foi dado espaço para a entrevistada narrar as suas memórias e possibilitando explorar suas lembranças e seu imaginário. Nesse caminho, o imaginário torna-se, ao mesmo tempo, uma tentativa de representar a realidade e “uma outra forma de existência da realidade histórica” (PESAVENTO, 1995, p. 16).
A entrevista narrativa consiste em constituir um espaço profícuo para a busca da memória e a narração. Nesse caminho, o historiador tem a responsabilidade de captar o que está sendo narrado para que possa compor as suas fontes de pesquisa.
Através da narrativa, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Jovchelovitch e Bauer (2005, p. 91)
É importante ressaltar que ao narrar, há um movimento da memória, entre o lembrar e o esquecer, assim como escrevem Oliveira, Luchese e Lima (2021, p. 293),
Por meio das entrevistas narrativas, vamos além da simples lembrança, entre o lembrar e o esquecer, considero que por meio das memórias se constitui uma viagem no tempo, e narrar é, dentre outras, rememorar experiências diversas.
Neste caminho, dar sentido à narração é um exercício que, com base na articulação com as outras fontes, torna-se fundamental para a compreensão da história narrada.
Por fim, uma vez realizadas as entrevistas, gravadas e armazenadas, essas foram transcritas manualmente, e organizadas em arquivos. A escolha do pesquisador, neste ponto foi de realizar a transcrição manual, pois há um momento importante de análise à medida que se escuta e digita as entrevistas. Contudo, há outras formas de realizar transcrições de forma automática, tal qual a disponível no Microsoft Word 365 (versão on-line), por exemplo. Embora seja importante considerar que, mesmo com a transcrição automática há um longo trabalho de ajuste e revisão, uma vez que a conversão do áudio em texto não possui total precisão.
Na terceira fase, foram realizados procedimentos para organização e extração de conceitos. Como estratégia, foi utilizado um princípio de mineração de texto que se consistiu nas seguintes etapas.
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Listar as palavras por frequência;
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Excluir os termos acessórios e palavras com menos de 4 caracteres;
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Extrair as cinquenta palavras que mais se repetiam;
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Organizar em ordem decrescente as palavras que mais se repetiam com o número de ocorrências em cada uma delas;
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Listar todas as ocorrências de cada palavra.
Para automatizar esse processo, foi utilizado um script em linguagem de programação Python que viabilizou esses procedimentos rapidamente.1 Esse processo é um dos passos para a mineração de texto. A mineração de texto, um dos recursos utilizados, conforme Wolf (2023), tem como objetivo descobrir informações até então desconhecidas, permitindo a emergência de saberes e proporcionando ao historiador um novo olhar além da leitura tradicional das fontes. No entanto, há também limitações, na busca, contagem e classificação de palavras, na pesquisa histórica. Brasil e Nascimento (2020, p.19) problematizam esta questão ao mencionar que “[..] a linguagem tem a incrível capacidade de nos permitir falar das coisas sem que necessariamente mencionemos o nome delas”.
Esse tipo de nuance da mineração de dados, precisa ser considerado para que, na pesquisa histórica este recurso possa aparecer como uma potencialidade da pesquisa, sem excluir a análise heurística do historiador.
Nesse caminho, uma vez extraído os conceitos, foram utilizadas as nuvens de palavras para a representação gráfica dos principais conceitos narrados nas entrevistas. Há, na web, diversos recursos para a criação de nuvens de palavras, para esta pesquisa, o recurso utilizado foi o disponível no Microsoft Word 365 (versão para desktop), por meio da adição do suplemento, disponível na própria “store” de suplementos da ferramenta chamada “Pro World Cloud”.
O uso de nuvens de palavras2 já é bastante utilizado em pesquisas qualitativas, estudos como os de Kami et al. (2016), Carvalho Júnior et al. (2012) e Cruz et al. (2019), demonstram como há uma possibilidade de investigação e clarificação de conceitos por meio da utilização desse recurso.
A Figura 2 demonstra o resultado de uma das nuvens de palavras geradas.
Como se pode perceber, na Figura 2, a nuvem de palavras revela os principais conceitos abordados na entrevista com a Sintian (SCHMIDT, 2023), o que contribuiu para que o pesquisador possa ter insights para a próxima fase, que consiste na classificação de cada fragmento das entrevistas.
Nesse caminho, a quarta fase, caracterizou-se por um procedimento minucioso de classificação dos trechos da entrevista para posterior análise. À medida que o pesquisador realiza as entrevistas há um número enorme de informações que muitas vezes estão desconexas, por esse motivo foi realizada a organização de todo o corpus textual das entrevistas em documentos de texto. Após, esses textos foram classificados em unidades de sentido. A análise de conteúdo de Bardin (2011), aponta como procedimentos os seguintes passos a saber, 1- pré-análise, 2- exploração do material e 3 -tratamento dos resultados e interpretação. Em relação à pré-análise, a autora propõe que os textos sejam separados em unidades de registro e unidades de análise.
Para esta pesquisa, optou-se por buscar unidades de sentido no texto que foram separados em um ou dois parágrafos. Uma unidade de sentido consiste, em uma parte que remeta algum tipo de significado que se articula com os objetivos da investigação. Cada unidade de sentido foi extraída e classificada com base nos objetivos da pesquisa, com a seguinte notação, OG, objetivo Geral, E1, objetivo específico 1, E2, objetivo específico 2, E3, objetivo específico 3 e TP, Trajetória Pessoal. Esta última classificação foi necessária, pois uma parte significativa das entrevistas estavam relacionas às trajetórias pessoais, o que não poderia ser desconsiderado para a composição da narrativa final desta pesquisa. Neste artigo, apresenta-se apenas os desdobramentos do objetivo geral que consistiu em: investigar a constituição do pensamento pedagógico e seus desdobramentos no campo da Informática Educativa na rede municipal de Caxias do Sul, durante os anos 1992 e 2012.
Uma vez organizados e classificados todos os trechos a partir dos objetivos, houve um segundo passo na classificação a partir das palavras-chave emergentes das entrevistas.
Nesse caminho, a quinta fase metodológica se inicia por carregar todas as bases de dados constituídas no Power BI3, um software famosamente utilizado para análise de dados quantitativos no mundo corporativo.
Embora o Power BI seja prioritariamente usado para análises de dados quantitativos, nesta pesquisa, ele foi adaptado para a pesquisa qualitativa. O objetivo foi modelar os dados e relacioná-los de forma a garantir a consulta das fontes levantadas e seu inter-relacionamento, fornecendo, portanto, insights preciosos para a análise, relacionamento e composição do texto final. Nesse caminho, Alves e Brasil (2023, p. 8) explicam:
Os métodos da História diversificaram-se e expandiram-se com a maior interdisciplinaridade subjacente às Humanidades Digitais, com as possibilidades de podermos tratar objetos de estudo cada vez maiores, mais complexos, fundados em volumes de dados crescentes.
Assim, percebe-se que o uso desses recursos tecnológicos possibilita uma ampliação das possibilidades de análise, a partir de estratégias que contribuem para a apreciação de uma infinidade de informações. O modelo de dados criado, possibilita esse tipo de interconexão.
A Figura 3 demostra o modelo de dados gerado no Power BI.
Como se pode perceber, ao analisar o gráfico de entidades expresso na Figura 3, há uma relação entre as fontes documentais (TB_Base_Documentos), as fontes Orais (TB_Entrevistas), os objetivos (TB_Objetivo_Geral) e os conceitos emergentes no decorrer da mineração de dados (TB_Palavras_Chave).
Essa organização de dados permitiu a criação de um painel de análise, dashboard, para consulta desses dados já relacionados, a Figura 4 demonstra o resultado dessa consulta.
Esse dashboard exibe diversos filtros que relacionam as fontes documentais com as entrevistas, norteados pelos objetivos do trabalho, facilitando, portanto, a análise e composição do texto final, que está inserido na fase 6, fase esta que teve como objetivo compor uma possível narrativa acerca da história da informática educativa na rede municipal de Caxias do Sul.
Humanidades digitais em diálogo com o método
A utilização de computadores para análises não é uma ideia recente, especialmente após a popularização dos computadores pessoais, quando emergiu gradualmente o conceito de Humanidades Digitais. Este conceito abrange, de maneira geral, a ideia de empregar computadores para potencializar o campo das Humanidades (BURDICK et al. 2012).
À medida que os computadores modernos se tornaram parte integrante do cotidiano, principalmente com a invenção do computador pessoal, eles passaram a ser usados para automatizar diversos processos. Inicialmente, esse fenômeno ocorreu em ambientes universitários, expandindo-se para corporações e, por fim, para a vida cotidiana das pessoas. Como resultado, o uso de computadores trouxe novas perspectivas para a pesquisa, tanto qualitativa quanto quantitativa.
Há pelo menos trinta anos, os computadores têm desempenhado um papel fundamental na pesquisa em Ciências Humanas, dando origem às Humanidades Digitais, um termo abrangente que engloba as diversas interações entre as Humanidades e a Computação. Essa transdisciplinaridade digital proporciona possibilidades para a pesquisa nas humanidades mediada pela tecnologia digital e, além disso, estimula diversas abordagens no ensino das Ciências Humanas.
No contexto da pesquisa histórica, a utilização de metodologias digitais já possui uma prática consolidada, ganhando destaque com a massificação do computador pessoal e o acesso à internet. A presente pesquisa interage com as Humanidades Digitais, principalmente em seu aspecto metodológico, ao empregar diversos recursos digitais para a organização e análise de dados.
Na área da História, observa-se um movimento em que os computadores têm contribuído cada vez mais para o trabalho do historiador, proporcionando novas perspectivas nas investigações historiográficas. A diversificação e expansão dos métodos históricos, impulsionadas pela interdisciplinaridade das Humanidades Digitais, possibilitam o tratamento eficiente de conjuntos de dados cada vez maiores e mais complexos.
Essa expansão, tanto em termos de objetos de pesquisa quanto de métodos, oferece possibilidades inimagináveis para as pesquisas em Ciências Humanas, seja qualitativa ou quantitativa.
No âmbito da História, as Humanidades Digitais estão presentes em várias formas, desde a digitalização de acervos até a criação de bancos de dados públicos que disponibilizam pesquisas e documentos. Além disso, a análise de fontes por meio de recursos digitais, como softwares de análise qualitativa e quantitativa, enriquece a abordagem historiográfica.
Embora pesquisadores de diversas áreas das humanidades se beneficiem desses recursos digitais, especialmente para os historiadores, essa é uma oportunidade valiosa para avançar na produção do conhecimento historiográfico. O conceito de Humanidades Digitais, conforme Perry (2012), vai além das fronteiras tradicionais das humanidades, representando uma compreensão de novas formas de estudo e uma mudança fundamental no próprio conhecimento.
A digitalização do processo de organização e análise, mediada por recursos tecnológicos digitais, possibilita insights que seriam inviáveis com um grande volume de fontes sem o apoio desses recursos. Com a popularização da inteligência artificial, tais como o ChatGPT, entre outros, essas possibilidades foram ainda mais ampliadas, permitindo consultas e análises de informações de maneiras inéditas. Brasil e Nascimento (2020, p. 216) lançam mão da pergunta: “[..] qual história hoje não é digital? Ou seja, as pesquisas são feitas em meio digital, escritas em editores de texto, as fontes são armazenadas e consultadas em meio digital e toda a produção da história, passa de modo geral por algum recurso digital. Nesse sentido, os autores ainda refletem sobre a necessidade de os historiadores, voltarem-se para os métodos, e darem o espaço necessário às suas pesquisas para refletirem acerca das possibilidades dos caminhos digitais para a pesquisa em História.
Nesse caminho, a metodologia proposta nesta pesquisa insere-se no campo das Humanidades Digitais, focalizando o aspecto metodológico e buscando contribuir para a potencialização da análise histórica.
Breve Contextualização da História da Informática Educativa no Brasil
Compreender o contexto em que se inserem as primeiras iniciativas de informática educativa no Brasil é fundamental para a compreensão dos acontecimentos que se desdobram nos diferentes tempos e espaços no Brasil, neste caso, a Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Negligenciar a "macro-história" seria minimizar a importância das políticas educacionais que surgiram ao longo do tempo, em especial nas últimas décadas.
De acordo com Valente (2017) a política de informática na educação, nasce a partir da associação entre a educação e a formação de mão-de-obra, com a utilização de tecnologias educacionais, incluindo rádio, televisão e computadores. Nesse caminho, a autora ressalta que, uma visão capitalista do conhecimento, ou seja, como um motor para o crescimento econômico do país, foi que, levou a criação de políticas de informatização que, mais tarde levaram a informática na educação.
Essas políticas, nos anos 1980, deram espaço a criação do EDUCOM, um dos primeiros projetos de informática educativa, no Brasil, que possibilitou bases para grandes políticas de informática na educação, como o PROINFO, que seria lançado no final dos anos 1990.
O panorama educacional durante esse período era desafiador, conforme ilustrado por um artigo de 1989 do Jornal Aquarela, que destacava as condições socioeconômicas precárias do Brasil. O país, embora vasto, era economicamente concentrador e politicamente autoritário, resultando em exclusão social e educacional para grande parte da população. A educação era vista como um instrumento regulador no cenário político-econômico (AQUARELA,1989, p.13).
Por outro lado, os anos 1980 foram cruciais para os direitos dos cidadãos no Brasil, marcando o início da redemocratização com o governo Sarney e culminando na Constituição de 1988, que reconheceu o direito à educação como universal.
A década de 1990 testemunhou transformações significativas, refletidas na promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em 1996. Essa lei reafirmou o direito à educação básica, garantindo o acesso ao Ensino Fundamental dos 7 aos 14 anos, uma conquista já presente na Constituição de 1988 (CURY, 2016). Contudo, o acesso à educação ainda enfrentava desafios, como a insuficiência de vagas e a dificuldade de manter os alunos no Ensino Fundamental devido a custos como uniformes e livros didáticos.
O cenário começou a mudar na segunda metade da década de 1990, com iniciativas que visavam à universalização do ensino básico, incluindo o acesso à tecnologia digital. Já o Ensino Médio só foi universalizado em 2009, por meio da Emenda Constitucional nº 59 (BRASIL, 2009). Apesar das dificuldades enfrentadas pela educação básica no Brasil, houve avanços notáveis.
Algum tempo antes, ainda na década de 1980, inicia-se uma mudança na abordagem da Informática Educativa que inicialmente era focada em aspectos técnicos e, posteriormente, passou a dar ênfase na construção do conhecimento vindo ao encontro das perspectivas pedagógicas propostas por Papert (1980).
As raízes da informática educativa no Brasil estão fortemente vinculadas às universidades e grupos de pesquisa ativos desde os anos 1970 (FERNANDES; SANTOS, 1999). A criação de periódicos, como a Revista Brasileira de Informática Educativa, em 1998, reflete o crescente interesse acadêmico nesse campo
Nesse caminho, destaca-se o EDUCOM, projeto iniciado em 1984, que desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da Informática Educativa no Brasil.
Cabe destacar também, o PROINFO, Programa Nacional de Tecnologia Educacional, uma política pública, criada em 1997, que foi uma tentativa de implementar uma política nacional de Informática Educativa, envolvendo parcerias com governos estaduais e municipais, universidades e iniciativa privada (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2023).
Apesar dos desafios enfrentados pelo PROINFO, como a falta de estrutura escolar e a descontinuidade no longo prazo, o programa deixou um legado importante, contribuindo para o acesso de milhares de estudantes à Informática Educativa
Outro projeto notável é o Um Computador por Aluno (UCA), iniciado em 2007, que buscou inovar ao disponibilizar computadores nas salas de aula, rompendo com o modelo tradicional de laboratórios de informática.
Embora o UCA tenha enfrentado obstáculos, como a falta de infraestrutura nas escolas, resistência dos professores e a necessidade de capacitação docente, sua contribuição para a inclusão digital e reflexão sobre as práticas pedagógicas foi muito significativa. Essas iniciativas moldaram a trajetória da Informática Educativa no Brasil, proporcionando novas possibilidades de ensino e aprendizagem por meio da tecnologia.
Em síntese, quando se fala em informática educativa no Brasil, é importante ressaltar que há uma grande trajetória ao longo de décadas que possibilitaram, é claro, com certas limitações, a implantação da informática educativa em diversas escolas e, no contexto dessa pesquisa, contribuiu para a ampliação da informática educativa na rede municipal de Caxias do Sul.
O Pensamento Pedagógico Emergente a Partir das Fontes
Com base na evolução do pensamento pedagógico, especialmente no século XX, esta pesquisa explorou as epistemologias emergentes no recorte temporal (1992-2012) aqui definido e no espaço relativo à Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Durante esse período, o pensamento pedagógico foi inovador, refletindo-se nas práticas documentadas e narradas pelos participantes da pesquisa.
Destacam-se figuras como Seymour Papert, cuja influência na formação de professores era significativa, especialmente para Naura e Vera. Elas implementavam atividades baseadas nas ideias de Papert nos primeiros anos da Informática Educativa, aplicando uma abordagem construtivista (LUCIANO, 2022).
A interação entre criança e conhecimento, fundamentada nas teorias de Jean Piaget, foi uma das bases dos cursos e das práticas da informática educativa na rede. O Construcionismo de Papert, onde o computador se torna o objeto cognoscente, permeou essas práticas, persistindo até o projeto UCA em 2012.
A abordagem construtivista foi desafiadora, levando alguns professores a retornar às práticas tradicionais. A ideia de erro como parte do processo de aprendizagem, antes vista como negativa, foi ressignificada, alinhando-se a teorias contemporâneas. O computador não era apenas uma ferramenta, mas um meio para construir conhecimento (BEGOLIN, 2022) e (LOPES, 2022).
A influência de Paulo Freire também foi evidente, particularmente na busca por uma educação emancipadora, como refletido na implantação da informática educativa nas escolas da Zona Norte. As formações eram fortemente embasadas em teorias construtivistas e sociais, buscando uma ruptura com a educação bancária. Para Freire (1987) a educação bancária consiste em uma metáfora que reproduz a ideia de acúmulo de conhecimento, tal qual os depósitos bancários. Em contraposição a ideia de ensino bancário está, para o autor, a perspectiva da educação libertadora, em que o educando, torna-se agente da sua aprendizagem.
A convergência teórica entre Papert, Piaget e Freire permeou as práticas em Caxias do Sul, impulsionada por pesquisadores como Léa Fagundes e José Armando Valente. Nesse caminho, cabe destacar uma Especialização em Informática Educativa, realizada por Naura, sendo ela pioneira na região a estudar o tema, disseminando as bases teóricas do que viria a ser o pensamento pedagógico da Rede Municipal de Educação de Caxias do Sul, no âmbito da informática educativa.
Embora o construtivismo tenha sido predominante, indícios de influências de Vygotsky surgiram em aspectos como a valorização da aprendizagem com o outro. No entanto, desafios práticos levaram alguns professores a retornar a métodos tradicionais, indicando a complexidade da implementação de mudanças pedagógicas (LOPES, 2023).
Além disso, a análise do pensamento pedagógico revela a presença de elementos vygotskianos em algumas narrativas, evidenciando a importância da aprendizagem colaborativa e da interação entre os alunos. A valorização da busca por ajuda entre os estudantes sugere uma influência sutil das ideias de Vygotsky na abordagem pedagógica adotada na rede municipal.
A introdução da informática educativa em Caxias do Sul nos anos 1990 representou um movimento significativo de ruptura com as práticas educativas tradicionais. A ênfase na construção do conhecimento, aliada à utilização do computador como ferramenta cognitiva, reforçou a visão de que a educação deveria ser mais do que a mera transmissão de conhecimentos, como proposto pela educação bancária.
A entrevista com Beatriz destaca, inclusive, a mudança na perspectiva de avaliação após a implementação dos computadores. A passagem de uma abordagem padronizada para uma avaliação mais individualizada reflete a busca por uma educação que considere as singularidades de cada aluno, alinhando-se à visão construtivista (MORÉ, 2022).
No entanto, mesmo diante das inovações pedagógicas, há relatos que indicam a resistência de alguns professores em abandonar práticas tradicionais. A familiaridade e o conforto das abordagens convencionais muitas vezes se mostraram obstáculos para a plena adoção das metodologias construtivistas propostas.
A análise de documentos, como o pré-projeto de "Alfabetização Consciente" em 1995 (ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL JOÃO SPADARI ADAMI,1995), destaca a busca por uma educação sócio-interacionista-construtivista, alinhada aos princípios de Paulo Freire. A preocupação com o acesso popular ao conhecimento reforça o compromisso da rede municipal de educação em proporcionar uma educação mais inclusiva e emancipadora.
Em resumo, o pensamento pedagógico em Caxias do Sul, durante os anos 1990, reflete uma combinação de construtivismo piagetiano, ideias de Paulo Freire e influências vygotskianas, moldando uma abordagem educativa inovadora centrada na construção ativa do conhecimento pelos alunos. O desafio de superar práticas tradicionais evidencia a complexidade da transformação educacional, mas os esforços em direção a uma educação mais participativa e inclusiva permanecem como marcos importantes nessa trajetória.
O diálogo multiteórico presente nas práticas pedagógicas de Caxias do Sul revela uma abordagem educacional robusta e abrangente. A convergência de teorias construtivistas, críticas sociais e interacionistas proporcionou uma base sólida para a implementação da informática educativa, influenciando não apenas os métodos de ensino, mas também a forma como a avaliação era concebida.
A valorização da aprendizagem com o outro, conforme evidenciado na fala das entrevistadas (VALENTINI,2022), (CESA 2023), sugere a interação entre os alunos, buscando auxílio mútuo na compreensão da tecnologia, destacando a importância do ambiente colaborativo no processo de aprendizagem
A influência de Paulo Freire, principalmente na busca por uma educação emancipadora, permeia todo o contexto educacional. A implantação da informática educativa como uma alternativa para proporcionar oportunidades de construção de conhecimento de maneira diferente evidencia a intenção de superar abordagens hierárquicas.
A intersecção de ideias de Papert, Piaget, Freire e possivelmente Vygotsky cria uma teia complexa de influências teóricas que moldaram o pensamento pedagógico em Caxias do Sul. A formação de professores, ancorada nesses fundamentos, desencadeou práticas inovadoras e representou um avanço significativo na educação local.
Em síntese, a trajetória educacional em Caxias do Sul durante os anos 1990 é marcada pela interdisciplinaridade teórica, buscando integrar abordagens construtivistas, críticas sociais e interacionistas. O desafio constante de superar resistências e promover uma educação mais participativa destaca a dinâmica complexa da transformação educacional, um caminho que envolve a constante reflexão e adaptação às necessidades dos alunos e da sociedade.
Nos encontros da SMED/NTE, dedicamo-nos à exploração de teóricos influentes da época, como Léa Fagundes, Emília Ferrero, Vygotsky e Seymour Papert. Cada encontro era uma imersão nos textos desses pensadores, desencadeando reflexões enriquecedoras. A presença pioneira de Léa Fagundes no RS marcou profundamente nossa jornada, e a admiração por ela crescia a cada curso e interação. (SCHIMIDT, 2023).
A contribuição fundamental da professora Léa na disseminação das ideias de Seymour Papert e Piaget na região não pode ser subestimada. Nos anos noventa, o pensamento de Papert ganhou destaque, especialmente através de sua obra "Logo Computadores e Educação". Posteriormente, com "A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática" (1993), Papert introduziu o termo "Construcionismo" e uma visão que colocava o computador no cerne da construção do conhecimento, sob a perspectiva piagetiana.
O Logo desempenhou um papel significativo nos anos 1990, proporcionando uma linguagem que permitia aos alunos mergulhar no processo de construção do conhecimento. A entrevista com Isabel destaca a ênfase na construção conjunta entre professores e alunos, onde o erro não era visto como obstáculo, mas como elemento vital para o avanço do aprendizado (LOPES,2023).
A visão dos professores ia além do simples uso do computador; eles buscavam a construção ativa do conhecimento, diferenciando-se da abordagem instrucionista predominante na época. As entrevistadas ressaltam a importância de questionar o computador como uma simples ferramenta, enfatizando a necessidade de uma visão pedagógica transformadora diante do aluno.
A virada do século trouxe consigo uma mudança de foco, afastando-se do Logo e direcionando-se para projetos de aprendizagem. A Isabel destaca a transição, mencionando como os professores, no momento, trabalhavam colaborativamente na construção desses projetos, envolvendo os alunos de forma ativa. (LOPES, 2023).
A introdução do Windows trouxe uma revolução gráfica, mas também suscitou debates sobre a perda do raciocínio desenvolvido pelo Logo (MASSA,2022). Professores, como Vera, expressam suas preocupações com essa transição, enfatizando a importância de desenvolver o pensamento lógico mesmo diante das facilidades do novo ambiente gráfico.
A narrativa histórica construída, revela não apenas rupturas, mas também continuidades nas práticas educacionais. A transição para os projetos de aprendizagem trouxe desafios, mas as professoras empenharam-se em criar um espaço profícuo de capacitação continua, moldando uma abordagem pedagógica contemporânea e desafiadora.
O diálogo entre teóricos como Seymour Papert e Paulo Freire desafia concepções prévias sobre suas divergências, destacando pontos convergentes. A visão construtivista de aprendizagem, a ênfase na realidade do aluno e a necessidade de o aluno ser o agente do seu conhecimento são princípios compartilhados.
A riqueza dessas experiências e reflexões ao longo do tempo destaca não apenas a evolução tecnológica, mas também a transformação constante das abordagens pedagógicas, influenciando a maneira como concebemos o papel do educador e do aluno na construção do conhecimento.
Nos anos iniciais das décadas de 1990 e 2000, os projetos desempenharam um papel central nas formações, inicialmente como projetos de ensino e, posteriormente, especialmente após o PROINFO, evoluindo para projetos de aprendizagem.
Ao se analisar a frequência das palavras durante a mineração, o Logo permanece como o segundo termo mais frequente. vinculado a todas as atividades desse período. É essencial recordar que, inicialmente, o Logo representava, praticamente, a única alternativa para a informática educativa. Apesar de ter adormecido, a filosofia de aprendizagem subjacente a ele permaneceu vibrante durante o período examinado.
Paulo Freire também surge, e é crucial salientar que, ao mencionar "Projetos", não podemos esquecer a presença implícita desses autores, integrada à prática com os projetos. Emília Ferrero e Lev Vygotsky são mencionados como teóricos que contribuíram para o arcabouço de teorias nas formações e no pensamento pedagógico dos entrevistados.
No final do período abordado, o Projeto UCA emerge, indicando um pensamento pedagógico em constante construção. Apesar das mudanças estruturais, as teorias que embasavam essa prática mantiveram-se, intensificadas pela disponibilidade de computadores e diversas oportunidades para análises.
As influências do pensamento pedagógico nas décadas de 1980 e 1990 permanecem durante o Projeto UCA. A pedagogia construtivista potencializada pelo construcionismo e pelos projetos de aprendizagem norteou as práticas escolares. Sintian destaca que Papert, Léa e Valente formam a base, evidenciando a continuidade dessas influências (SCHMIDT, 2022).
A prática pedagógica, nesse ponto, mantém-se nesse viés, embora Sintian e Isabel confirmem que o município tenha explorado outros teóricos com menor ênfase. O investimento em estudos de Paulo Freire, segundo Sintian, sempre foi uma tradição na rede, convergindo com muitas teorias abordadas ao longo da informatização do município.
Resumidamente, o pensamento pedagógico relacionado à informática educativa, desde os anos 1990 até o Projeto UCA, baseou-se fortemente no construtivismo, com Piaget, Papert, Fagundes, Valente e Freire como expoentes. Na perspectiva da história local, educadores construíram esse pensamento, sendo reverberado por meio das professoras entrevistadas.
A Figura 5 apresenta as relações entre os principais pensadores da educação que fundamentavam as práticas na Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul.
Durante toda essa trajetória educacional, priorizou-se a construção de saberes, fundamentada na interação dos sujeitos com o computador, na curiosidade e na mobilização das aprendizagens por meio da pesquisa, refletindo um olhar à frente do tempo em direção a uma educação do século XXI.
Considerações Finais
Nas últimas quatro décadas, desde que a informática passou a ser objeto de estudo para a educação, diversos avanços e desafios marcaram a trajetória da informática educativa. O período de 1992 a 2012, abordado neste estudo, destaca o percurso da Rede Municipal de Educação de Caxias do Sul, iniciado nos anos 1980 por visionárias que reconheciam o potencial transformador dos computadores à educação.
Ao longo dessas décadas, a percepção dos computadores mudou de artigos desnecessários para recursos indispensáveis à aprendizagem. A acessibilidade aumentou, com laboratórios antes restritos tornando-se comuns, e em algumas escolas, computadores disponíveis em todas as salas, refletindo o projeto UCA.
Entretanto, a implementação da informática educativa não foi uniforme. Enquanto algumas escolas integraram com sucesso os computadores, outras enfrentaram e ainda enfrentam desafios. A resistência, principalmente por parte dos professores, persistiu até o marco temporal final desta pesquisa, apesar do reconhecimento da importância da informática educativa na sociedade.
O pensamento pedagógico, centrado no construtivismo, manteve-se sólido ao longo dos vinte anos estudados, influenciado por figuras como Paulo Freire, Seymour Papert, Léa Fagundes e José Armando Valente. Mesmo com o advento do Projeto UCA, o enfoque construtivista prevaleceu, destacando a interação do aluno com o computador.
A constituição da informática educativa em Caxias do Sul contou com uma rede de relações forte, iniciada em 1986 pela professora Naura. Essa rede permitiu o compartilhamento de conhecimentos e impulsionou a transformação digital nas salas de aula.
Assim, a informática educativa na Rede Municipal de Educação de Caxias do Sul é marcada por avanços, resistências e transformações ao longo de quatro décadas, evidenciando a importância de adaptar-se às demandas educacionais contemporâneas.
Ao examinar os esforços realizados pelas professoras para implantar a informática educativa na rede municipal, destaca-se, atualmente, a disciplina de Tecnomídias, representando uma atualização, em relação ao que iniciou décadas atrás, para a visão de educação tecnológica. O estudo aponta para a necessidade de considerar tanto as rupturas quanto as permanências nesse caminho trilhado.
A conclusão desta pesquisa ressalta sua natureza não totalizante, reconhecendo que outras narrativas e perspectivas podem surgir. Propõe-se investigar o pensamento pedagógico atual e o processo da informática educativa pós-2012, considerando o impacto da pandemia e as novas demandas educacionais. A discussão sobre a Linguagem Logo destaca sua relevância histórica, enquanto novas tecnologias como o “Scratch”4, por exemplo, mantêm a essência de programar para aprender.
Em síntese, a trajetória da informática educativa na rede municipal de Ensino de Caxias do Sul reflete a busca contínua por adaptação às transformações sociais e educacionais, destacando a importância de compreender e integrar as tecnologias no contexto pedagógico para enfrentar os desafios para uma educação do presente com olhos no futuro.
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O script completo pode ser encontrado no repositório GitHub por meio do link: https://github.com/paulopasqual/Processamento-de-Texto---Doutorado
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2
Há uma infinidade de recursos na web para a criação de nuvens de palavras. Nesta pesquisa, utilizou-se a nuvem de palavras disponível no Microsoft Word 365. Para encontrar o recurso, basta clicar no menu “Arquivo” e em seguida “Obter Suplementos”, no campo de pesquisa escrever “Word Cloud”, clicar no suplemento e, por fim adicioná-lo, ao MS Word. Após o suplemento adicionado, basta selecionar o texto base para a nuvem de palavras e clicar em “Create Word Cloud”.
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3
O PowerBI pode ser acessado pelo site do fabricante https://www.microsoft.com/pt-br/power-platform/products/power-bi/ e pode ser usado gratuitamente em sua versão para desktop e on-line, com algumas limitações.
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O Scrach é uma iniciativa do MIT, derivado do Logo, sendo uma das possibilidades de aprendizado de programação. Baseado no paradigma do LEGO, este software permite que se encaixe blocos para “montar” códigos de programação. Está disponível em: https://scratch.mit.edu/
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
26 Mar 2024 -
Aceito
14 Jul 2024






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Fonte: (PASQUAL JÚNIOR, 2023, p. 73)
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