RESUMO
O artigo enfatiza a necessidade de se considerar o contexto histórico na análise da política educacional como tema de pesquisa, uma vez que diferentes definições de Estado, política e educação resultam em distintas formulações de políticas da educação e intervenções na sociedade. Recorrendo ao enfoque do materialismo histórico-dialético como método científico, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, o texto analisa de forma sintética os principais fenômenos que levaram à emancipação política do Brasil e à formação do novo Estado-nação independente, tendo a construção da política educacional à época da independência como objeto de pesquisa. Nas considerações finais, conclui-se que, na perspectiva teórico metodológica do materialismo histórico-dialético, o objeto da investigação sempre deve ser considerado no âmbito do processo histórico, em íntima relação dialética com sua totalidade.
Palavras-chave:
Educação escolar; política educacional; História do Brasil
RESUMEN
El artículo enfatiza la necesidad de considerar el contexto histórico al analizar la política educativa como tema de investigación, ya que diferentes definiciones de Estado, política y educación resultan en diferentes formulaciones de políticas e intervenciones educativas en la sociedad. Utilizando el enfoque del materialismo histórico-dialéctico como método científico, por medio de investigaciones bibliográficas y documentales, el texto analiza sintéticamente los principales fenómenos que llevaron a la emancipación política de Brasil y la formación del nuevo Estado-nación independiente, centrándose en la política educativa como un objeto de investigación. En las consideraciones finales, se concluye que, desde la perspectiva teórico-metodológica del materialismo histórico-dialéctico, el objeto de investigación debe ser considerado siempre dentro del ámbito del proceso histórico, en íntima relación con su totalidad.
Palabras clave:
Educación escolar; política educativa; Historia de Brasil
ABSTRACT
The article emphasizes the need to consider the historical context when analyzing educational policy as a research topic, since different definitions of the State, politics and education result in different policy formulations and educational interventions in society. Using the approach of historical-dialectical materialism as a scientific method, through bibliographic and documentary research, the text synthetically analyzes the main phenomena that led to the political emancipation of Brazil and the formation of the new independent nation-state, focusing on education policy as object of research. In the final considerations, it is concluded that, from the theoretical-methodological perspective of historical-dialectical materialism, the object of research must always be considered within the scope of the historical process, in intimate relationship with its totality.
Keywords:
School education; educational policy; History of Brazil
RÉSUMÉ
L’article souligne la nécessité de considérer le contexte historique lors de l’analyse de la politique éducative en tant que sujet de recherche, puisque différentes définitions de l’État, de la politique et de l'éducation aboutissent à différentes formulations politiques et interventions éducatives dans la société. En utilisant l’approche du matérialisme historico-dialectique comme méthode scientifique, à travers des recherches bibliographiques et documentaires, le texte analyse synthétiquement les principaux phénomènes qui ont conduit à l'émancipation politique du Brésil et à la formation du nouvel État-nation indépendant, se concentrant sur la politique éducative comme objet de recherche. Dans les considérations finales, on conclut que, du point de vue théorico-méthodologique du matérialisme historico-dialectique, l’objet de la recherche doit toujours être considéré dans le cadre du processus historique, en relation intime avec sa totalité.
Mots-clés:
Enseignement scolaire; politique éducative; Histoire du Brésil
INTRODUÇÃO
Este artigo propõe uma reflexão sobre a necessidade de se considerar o contexto histórico no qual está situada a escola ao selecionarmos as políticas educacionais e a educação escolar como tema da pesquisa científica. Para analisar a educação como política pública é fundamental a compreensão da concepção de Estado e de política que sustentam as ações e programas de intervenção de uma determinada organização política, pois visões diferentes sobre sociedade, Estado e política educacional resultam em projetos distintos de intervenção social (Höfling, 2001).
Na perspectiva marxista, ao se assumir o materialismo histórico-dialético como aporte teórico e, portanto, como método científico de investigação, se reconhece o tema e objeto de pesquisa como parte indissociável do concreto real, de forma que, ao realizarmos abstratamente um recorte do fenômeno para investigá-lo, não podemos perder de vista que ele se revela como síntese de múltiplas determinações.
O investigador, com o intuito de apreender a essência do fenômeno estudado, deve analisar a realidade para além de sua aparência, desvendando a lógica concreta do movimento do objeto em sua dinâmica dialética com os outros fenômenos, inserido, portanto, intrinsecamente na totalidade.
A categoria da totalidade implica numa concepção de realidade enquanto um todo (que é composto pelas partes) em processo dinâmico de estruturação, em que há a articulação entre o todo e as partes, as partes e o todo e, entre as diversas partes deste todo (Turmena, 2014, p. 27).
Contudo, o produto da investigação, não se identificando completamente com a realidade, uma vez que é impossível se apreender a dinâmica do movimento do fenômeno em sua totalidade, será apenas o reflexo da realidade concreta no plano do pensamento, ou dito de outra forma, o concreto pensado1.
Com o objetivo de oferecer alguns subsídios para a análise crítica do fenômeno escolar brasileiro no período imperial, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, segue de forma sucinta algumas considerações sobre os principais fenômenos que se relacionam, direta ou indiretamente, com a formação do Estado-nação moderno, o advento do liberalismo clássico como doutrina político-econômica e as concepções de educação escolar no período que antecede ao processo de emancipação política brasileira e que terão influência na elaboração das primeiras políticas educacionais no novo Estado independente, ao longo do século XIX.
DO MERCANTILISMO AO CAPITALISMO INDUSTRIAL
O processo de emancipação política do Brasil e posterior formação do Estado-nação brasileiro ultrapassa os impasses decorrentes das negociações frustradas entre deputados portugueses da América e deputados portugueses da Europa nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa2, realizada em Lisboa entre janeiro de 1821 e novembro de 1822, em decorrência da Revolução Liberal do Porto3. Ele se relaciona intimamente a um processo mais abrangente e profundo, de crise da economia-mundo (Braudel, 1988) do capitalismo mercantil em sua passagem para o capitalismo industrial.
Eric Hobsbawm (2010) situa esse processo de reprodução renovada do capitalismo entre os anos de 1789 e 1848, a partir das grandes transformações deflagradas na França revolucionária até o período de grande desenvolvimento tecnológico da Revolução Industrial na Inglaterra. As influências do socialismo francês e da política econômica inglesa, nessa “era das revoluções”, repercutiram mundialmente e moldaram a Modernidade com uma nova economia e organização social.
A grande revolução de 1789-1848 foi o triunfo não da “indústria” como tal, mas da indústria capitalista; não da liberdade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da sociedade “burguesa” liberal; não da “economia moderna” ou do “Estado moderno”, mas das economias e Estados em uma determinada região geográfica do mundo (parte da Europa e alguns trechos da América do Norte), cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da Grã-Bretanha e França (Hobsbawm, 2010, p. 20).
Nessa perspectiva, o processo de independência das colônias americanas está inserido nas crises do Sistema Colonial e do Antigo Regime, e na emergência do Estado-nação moderno, no bojo do desenvolvimento da indústria capitalista e da sociedade burguesa.
O movimento de independência das colônias inglesas na América (1776) anunciou o ingresso das ideias liberais no continente e repercutiram em todo o Novo Mundo. Já no velho continente, buscando veicular a filosofia crítica da Ilustração de forma controlada, de “cima para baixo”, em Portugal, o reformismo ilustrado do período pombalino (1750-1777) buscou modernizar todo o sistema colônia-metrópole sem, contudo, alterar sua essência. De modo geral, a política comercial adotada nas décadas seguintes foi no mesmo sentido, sem, todavia, lograr êxito em inibir o desenvolvimento do mercado interno na colônia e superar o atraso econômico na metrópole lusitana.
Em suma, a perspectiva reformista do absolutismo ilustrado português não foi capaz de impedir a acentuação das tensões decorrentes das contradições internas do desenvolvimento do colonialismo, baseada no pacto colonial e exclusivo metropolitano, pois, ao funcionar plenamente, a exploração colonial promovera a acumulação primitiva do capital necessário para o desenvolvimento industrial moderno, possibilitando a passagem do mercantilismo para o capitalismo industrial em um processo que ultrapassava as relações entre Portugal e Brasil (Novais, 1979). A política reformista lusitana:
[...] se, ao final e ao cabo fracassou, já que seu último limite foi transformar a colônia em sede de governo, fazendo crescer a brecha por onde entraria o liberalismo na metrópole, demonstrou-se naquele fracasso que as relações Portugal-Brasil não passaram de um segmento da crise geral do sistema de colonização mercantilista, crise da qual os nutrientes maiores eram, sem dúvida, o florescimento e o capitalismo industrial e o ideário da Ilustração [...] (Bellotto, 1981, p. 136).
Como se buscou demonstrar nessas poucas linhas, o processo pelo qual se desenrolou a crise colonial e posterior emancipação política do Brasil demanda a compreensão de dinâmicas exteriores às relações entre a colônia portuguesa da América e sua metrópole europeia, estando mais intimamente associada à totalidade da economia-mundo do mercantilismo e, portanto, inserida no processo dialético de desenvolvimento do capitalismo industrial moderno.
Nessa perspectiva, veremos a seguir como a escola moderna está inserida nessa totalidade, em um movimento de estatização da educação escolar, e como se desenvolveu no Brasil à época do processo de emancipação política e formação do Estado-nação.
EDUCAÇÃO ESCOLAR E ESTADO-NAÇÃO MODERNO
António Nóvoa (1991) apresenta informações relevantes sobre o fenômeno educativo escolar em artigo onde investiga o surgimento e desenvolvimento da profissão docente moderna. De acordo com sua análise, o ressurgimento da preocupação educativa manifesta-se na Europa a partir do século XV no contexto do Renascimento cultural, vinculando-se ao desenvolvimento de uma civilização urbana na era moderna4.
Durante os três primeiros séculos da época moderna se dará um processo de conquista da forma escolar sobre outros modos de aprendizagem, no qual, gradualmente, a escola tomará a seu cargo a educação das crianças. Nessa marcha, a gênese e desenvolvimento da educação escolar vincula-se às transformações sociais verificadas no período, como o surgimento de novas relações com o trabalho e as novas concepções acerca do desenvolvimento humano, que passam a prever um percurso a ser trilhado pelo sujeito, por meio da escolarização, até aproximar-se do ideal de um adulto “civilizado”5.
Entre os séculos XVI e XVIII a educação escolar estará predominantemente sob a influência da Igreja, nas suas vertentes protestantes e católica, com vistas à formação do fiel e à ampliação da moral cristã pela Europa e nos novos territórios colonizados em decorrência das grandes navegações. Contudo, como uma das consequências das transformações em curso ao longo do século XVIII, haverá uma gradual transferência da tarefa da escolarização das mãos do Clero para o Estado, com o objetivo de formação dos súditos, “em particular a do militar e do funcionário, tendo um caráter eminentemente disciplinar e intelectual” (Lombardi; Colares, 2020, p. 14).
O processo de estatização da escola não começa senão por volta do fim do século XVIII; ele é indissociável: do movimento secular de emergência do Estado-Nação que se desenvolve nos séculos XVIII e XIX; de uma transformação profunda das concepções relativas à moral que tendem a se libertar de uma definição estritamente religiosa; e da arrancada da revolução industrial e da emancipação do capital industrial dos entraves corporativos (Nóvoa, 1991, p.116).
Assim, a aliança entre Igreja Católica e monarquia portuguesa com relação ao empreendimento educacional, que remonta à época das grandes navegações, seria posta em xeque a partir de meados do setecentos. Ao longo do período de permanência e atuação dos inacianos no Brasil, entre meados do século XVI e a primeira metade do século XVIII, a Companhia de Jesus havia contado com o financiamento da Coroa para a institucionalização da educação sob as bases das ideias humanistas e religiosas (Coutinho, 2013, p. 56).
Embora em desacordo acerca dos tratos com a escravidão e os conflitos oriundos das invasões bandeirantes às missões jesuíticas, pode-se afirmar que houve uma parceria benéfica para a Coroa Portuguesa e para a Companhia de Jesus nos duzentos e dez anos de permanência dos jesuítas nos territórios ultramarinos lusitanos. Mas essa aliança seria redimensionada com as reviravoltas advindas do Iluminismo europeu e sua versão ibérica, levando à expulsão da Ordem dos Jesuítas em Portugal e seus territórios, no ano de 1759.
No âmbito do espírito modernizador que marcou o reinado de Dom José I, Marquês de Pombal, como secretário de Estado do Reino, promoveu uma série de reformas educacionais em Portugal e suas colônias, se contrapondo ao predomínio das ideias religiosas e com base nas ideias laicas inspiradas no absolutismo esclarecido6. “Os reformadores portugueses do final do século XVIII sabiam que a criação de uma rede escolar, geometricamente repartida pelo espaço nacional, era uma aposta de progresso” (Nóvoa, 1992, p. 14).
Entre as principais reformas educacionais promovidas ao longo do consulado pombalino (1750-1777) podemos citar o Alvará Régio de 28 de junho de 1759 que extinguiu as ações da Ordem de Inácio de Loyola nos territórios portugueses, ao mesmo tempo em que criava as aulas régias (ou avulsas) de Latim, Grego, Filosofia e Retórica, com professores nomeados e supervisionados pelo Diretor Geral dos Estudos (Saviani, 2019). Devemos observar, entretanto, que a expulsão dos inacianos não significou uma completa cisão entre Portugal e a Igreja Católica, visto que os seminários e colégios de outras ordens religiosas, como a dos beneditinos, franciscanos, carmelitas e oratorianos, mantiveram suas atividades na metrópole e nas colônias.
As dificuldades com relação à receita para os ordenados dos professores resultaram na publicação da Carta de Lei de 6 de novembro de 1772, que instituía o subsídio literário, imposto sobre mercadorias cuja renda deveria ser revertida, entre outras aplicações, para o pagamento dos mestres. Christianni Morais e Cleide Oliveira (2012) enfatizam que a referida lei de 1772 foi bastante ambiciosa, prevendo a criação do “primeiro sistema público de ensino do Ocidente, organizado em todos os níveis” (Morais; Oliveira, 2012, p. 84)7.
Embora não se saiba com exatidão quantas e quais destas aulas funcionaram com regularidade, a legislação permite inferir quais eram as intenções do Estado com a reformulação da instrução pública em seus territórios, indicando a possível gênese de uma política pública educacional nos territórios portugueses da América.
Eram oferecidas as aulas de Primeiras Letras (em que se aprendia a ler/escrever/contar e Doutrina Cristã) e as cadeiras do “secundário”, que antecediam a universidade. Este segundo nível era dividido em Humanidades (Grego, Latim e Retórica) e Filosofia ou Ciências da Natureza (Química, Física e Botânica) (Morais; Oliveira, 2012 p. 84).
A filosofia que orientou a reforma dos estudos menores e a reforma universitária tem seus alicerces no iluminismo português, no absolutismo doutrinário e na pedagogia pombalina, que visava a renovação lusitana em moldes modernos. O projeto de “reconstrução” de Portugal não era apenas metafórico, visto que o reino havia sido fortemente abalado por um terremoto no ano de 1755, que provocou grandes estragos em Lisboa, inclusive com o avanço de um tsunami sobre a parte baixa da cidade, na sequência do catastrófico abalo sísmico.
O pensamento reformista ilustrado, portanto, pretendia uma renovação simbólica e material de Portugal que possibilitasse o ingresso lusitano no universo das transformações presenciadas na França e Inglaterra, sem, contudo, abster-se dos modos de produção característicos do colonialismo. Em síntese, “a política colonial portuguesa tinha como objetivo a conquista do capital necessário para sua passagem da etapa mercantil para a industrial” (Seco; Amaral, 2006, p. 2).
Nesse sentido, as reformas pombalinas da instrução pública visavam a centralização do Império Português por meio de uma racionalização administrativa que passava pela diminuição do poder político das classes e frações de classe locais, incluindo um processo de secularização da educação escolar para torná-la de maior proveito aos interesses da nação portuguesa.
Seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma política de difusão intensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal organizar a escola que, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa (Carvalho, 1978, p. 139).
Ainda que, nesse primeiro momento, a tomada do cargo educacional pelo Estado seja voltada aos objetivos da manutenção dos “imperativos da Coroa” e da “nação portuguesa”, ela promove, contudo, um passo adiante no entendimento da educação escolar como um dos instrumentos a ser utilizado em prol do Estado e de suas classes dominantes, inclusive como difusor de legitimação ideológica do poder estatal em uma área fundamental do processo de reprodução social (Nóvoa, 1992).
As classes dirigentes no período do Brasil monárquico, com o país independente de Portugal, não esqueceriam essa valiosa lição aprendida nos tempos de colônia.
AS PROPOSTAS EDUCACIONAIS NO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA
No documento assinado por João Carlos Augusto de Oeynhausen-Gravenburg, José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Rodrigues Jordão, representantes da Junta Provisória de Governo da Província de São Paulo em 1821, é possível notar a preocupação com a temática educacional que deveria, em algum momento, ser objeto de debate nas já referidas Cortes Gerais de Lisboa, reunidas entre 1821 e 1822, cujo objetivo era a regeneração política da nação portuguesa por meio da elaboração de uma nova carta magna para Portugal e seus domínios ultramarinos.
Nas palavras de Manuel Emílio Gomes de Carvalho (2003), as Instruções aos deputados de São Paulo constituem-se como um verdadeiro programa político para a reconstrução da nação portuguesa. Com relação ao ensino, as Instruções apontam para a necessidade de que se
Multipliquem desassombradamente as escolas primárias e instalem em cada província brasileira aulas práticas de Medicina, Cirurgia, Veterinária, Matemáticas elementares, Física, Química, Botânica, Horticultura, Mineralogia e Zoologia. Conviria a criação de uma universidade (Carvalho, 2003. p. 162).
E mais adiante, após discorrer sobre a urgência na fixação das fronteiras geográficas do Reino do Brasil, as instruções aos deputados da bancada paulista sugerem que,
Determinados os limites, importa saneá-la pela civilização do gentio e pela emancipação progressiva dos escravos. Depois convém difundir largamente o ensino porque “não há povo livre sem moralidade e instrução” (Carvalho, 2003. p. 163).
Como se pode inferir a partir das observações de Gomes de Carvalho (2003), o programa político contido no documento construído para amparar os debates da delegação dos representantes paulistas nas Cortes de Lisboa apresentava, ao menos acerca da instrução pública, sintonia com as mais atuais discussões sobre o tema que ocorriam nos centros europeus.
Nas Cortes Constituintes, num primeiro momento, a maioria dos deputados representantes das províncias do Brasil expressou desejo de controlar os poderes conferidos à capital do Reino no Rio de Janeiro, por meio da autonomia das Juntas Provinciais, prescindindo do centro administrativo no Brasil, decorrente da transferência da Corte Portuguesa para a colônia americana, em 1808, e da posterior elevação da mesma à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, em 1815.
A chegada da bancada paulista, em fevereiro de 1822, acompanhada da notícia da decisão de D. Pedro de permanecer no Brasil, recebida em abril, modificaria radicalmente as negociações nas Cortes Constituintes a partir de então. Daí em diante, assinala-se o distanciamento dos acordos entre deputados de Portugal e do Brasil e a aproximação destes últimos com o programa paulista, que aliava num mesmo grupo os parlamentares do Norte e Nordeste em torno da defesa da autonomia provincial no Judiciário, e os deputados do Centro Sul pela manutenção do status de Reino no Brasil com um centro administrativo no universo lusitano (Berbel, 1999).
Com efeito, as negociações entre Portugal e Brasil estavam comprometidas desde o início em decorrência das distintas concepções de nação de ambos os lados:
[...] de um lado, os parlamentares lusos pensavam a nação como um todo orgânico, anterior a qualquer acordo, integrado política e/ou economicamente, que se expressava no Estado por meio das Cortes e da Constituição. De outro lado, os deputados do Brasil concebiam a integração com base no acordo entre representantes provinciais, capazes de compor a nação em um pacto social. A nação/tradição, formada pela história, chocava-se com a nação/Estado, formada pela política (Berbel, 1999, p. 195).
Pode-se também aventar como possibilidade de explicação para os impasses intransponíveis nas negociações da constituinte portuguesa o limitado alcance efetivo dos ideais ilustrados na sociedade lusitana, uma vez que, mesmo sendo fortemente influenciada pela Constituição de Cádiz8, de 1812, as Cortes Gerais de Lisboa não foram capazes de superar, durante as negociações entre as delegações de portugueses da Europa e portugueses da América, concepções que os hierarquizavam como colonizadores e colonos, respectivamente.
Esgotados os esforços de negociação para manutenção do Reino Unido do Brasil ao Império Português, os deputados representantes de suas províncias portuguesas na América voltaram-se para a negociação de um novo pacto social e político, por meio da elaboração de uma constituição para o novo Estado que então se formava.
É importante frisar que o decreto do Príncipe Regente D. Pedro, de 3 de junho de 1822, convocando a Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa e, portanto, se comprometendo com a elaboração da carta constitucional para o Estado do Brasil, antecedeu o próprio ato da Independência, o famoso episódio de 7 de setembro.
AS REFERÊNCIAS EDUCACIONAIS NA CONSTITUINTE DE 1823
Reunidos na Assembleia Geral Constituinte em 3 de maio de 1823, os deputados gerais passaram a discutir um esboço prévio da constituição elaborado pelo deputado Antônio Carlos de Andrada, documento inspirado nas constituições francesa e norueguesa. O projeto de Andrada Machado era bastante audacioso no campo da educação, pois estipulava a criação de escolas primárias em cada termo, uma legislação específica sobre a instrução pública e a liberdade de abertura de aulas particulares, mas subordinadas ao Estado (Fávero, 2001).
Em atendimento ao discurso de abertura oficial dos trabalhos da Assembleia Constituinte, em que o agora Imperador D. Pedro I enfatizara a necessidade de uma legislação especial sobre educação escolar, a Comissão de Instrução Pública da Assembleia Nacional instituiu um prêmio para o melhor Tratado Completo da Educação da Mocidade Brasileira9. Os debates sobre o tema permitem afirmar que os constituintes visavam “a organização de um sistema de escolas públicas, segundo um plano comum, a ser implantado em todo o território do novo Estado” (Saviani, 2006. p. 12).
O deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada, irmão de Antônio Carlos e José Bonifácio, reapresenta, agora alçada como projeto nacional, a proposta descrita na Memória sobre a Reforma dos Estudos da Capitania de São Paulo, elaborada em cerca de 181610. É importante observar que a obra dialoga com o pensamento pedagógico do Marquês de Condorcet, revolucionário francês autor das Cinco Memórias sobre a Instrução Pública, que por sua vez amparou o Relatório da Assembleia Nacional (1791-1792) na França Revolucionária.
Essa tradução e apropriação do pensamento pedagógico de Condorcet por Martim Francisco indica o diálogo e a presença recriada dos ideais iluministas e do liberalismo clássico por parte das classes dominantes ou frações da classe no Brasil à época da formação do Estado-nação (Bontempi Jr; Boto, 2014). Outros pensadores liberais haviam discorrido sobre o papel da educação para a sociedade moderna, mas não haviam sido tão radicais quanto Condorcet.
Bernard Mandeville (1670-1733), controverso economista e filósofo holandês, alertava para os perigos que uma população letrada podia representar para a ordem social estabelecida. A escola, assim, deveria estar a serviço do mercado e só deveria ter acesso a ela quem pudesse arcar com os custos da educação privada. Já para Adam Smith (1723-1790), filósofo e economista britânico,
[...] o Estado deveria prover o mínimo de educação básica para todos os cidadãos, para que eles pudessem competir no mercado a partir de parâmetros mais ou menos próximos, já que considerava a divisão social do trabalho, ao mesmo tempo, geradora de progressos e desigualdades (Leibão, 2015, p. 264).
Na obra do Marquês de Condorcet (1743-1794) encontramos uma teoria completa para a educação escolar a serviço de um projeto de nação a partir da formação da cidadania11. Ao enfatizar o conceito de humanidade como objetivo educacional, Condorcet defende uma educação de caráter público, universal, obrigatória e laica, estando ao lado de Thomas Paine (1737-1809), como fundador da instituição escolar republicana da atualidade:
A filosofia de Condorcet, analisada a partir do tema da instrução pública, remete-nos a constatar os aspectos absolutamente originais desse pensamento, ao mesmo tempo em que expressa também a tradição iluminista da qual o filósofo é legatário. A República torna-se efetiva somente quando todo o povo é cidadão, contudo o conceito de cidadania impõe a existência da escola como uma necessidade absoluta (Maamari, 2009, p. 61).
A proposta de Martim Francisco apresentada à Assembleia Constituinte de 1823, ao dialogar com a obra de Condorcet, traduzindo o texto para um novo contexto, qual seja, o do Brasil recém independente, reflete a intenção ao menos de parte dos deputados constituintes em promover, dentro da estrutura organizacional do governo, um projeto de Estado-nação nos moldes do liberalismo clássico, a partir da institucionalização da educação escolar como política de Estado.
O teor liberalizante do esboço da constituição apresentado pelo deputado Antônio Carlos, que visava na elaboração do contrato social em curso a construção de um Estado de Direito (Behring, 2006), com a divisão e independência dos três poderes e a contenção do poder do imperador, bem como o inflamado debate em torno da pauta da liberdade de imprensa, culminaram na dissolução da Assembleia Geral Constituinte no dia 12 de novembro de 1823, após a chamada “noite da agonia”.
Recém criado, o Conselho de Estado nomeado por D. Pedro reelaborou a redação do documento que se tornaria a Carta Magna de 25 de março de 1824, “oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador”. No capítulo referente às Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, o direito à educação surge de forma vaga no art. 179, nos incisos XXXII: “A instrução primária e gratuita a todos os cidadãos”; e XXXIII: “Colégios e universidades aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e Artes” (Brasil, 1886, p. 35).
Em que se ressalte a atualidade da Constituição de 1824 no reconhecimento dos direitos da cidadania somente poucas décadas após a Proclamação dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, convém situarmos historicamente a concepção de cidadania do período e sua acepção no Brasil.
À época da independência, por exclusão socioétnica, 40% dos habitantes não tinham acesso à educação como também não eram considerados cidadãos. Se a isso ajuntarmos as mulheres, cuja concepção organicista da época as limitava a uma cidadania passiva, então o universo dos não-cidadãos ou cidadãos imperfeitos sobe consideravelmente (Cury, 2008, p. 1190).
Como se pode observar, o conceito de cidadania no Brasil Monárquico, embora dialogando com os ideais liberais clássicos, não pressupõe ainda a concepção de igualdade jurídica entre todos os sujeitos de uma sociedade, como ela virá a se desenvolver de forma gradual posteriormente, com o avanço dos movimentos pelos alargamentos dos direitos da cidadania e da democracia.
No período em análise vigorava a concepção de “democracia utilitarista”, baseada na economia política clássica, postulante da “neutralidade” do Estado em relação à sociedade. “De acordo com essa teoria, cabe ao Estado o papel de guardião dos interesses públicos. Sua função é tão somente responder pelo provimento de alguns bens essenciais, a exemplo da educação, da defesa e da aplicação das leis” (Azevedo, 2004, p. 9).
A POLÍTICA EDUCACIONAL DURANTE A CONSTRUÇÃO DO ESTADO
O novo Estado que se formava a partir da crise e desagregação do império português na América marcaria o encerramento do Antigo Regime na antiga colônia ao mesmo tempo em que evidenciava a intenção dos governantes do novo país em promover seu ingresso no grupo das nações civilizadas, tendo como modelo as potências industriais europeias. E nesse contexto, a instrução escolar torna-se elemento fundamental de distinção entre a antiguidade dos reinos despóticos e a modernidade das sociedades liberais do século XIX, caracterizadas pelos governos representativos (Henriques, 2022).
Com efeito, a escolarização da sociedade passará a ser uma demanda presente durante o desenvolvimento do Estado-nação brasileiro ao longo do oitocentos, condição necessária para a formação dos novos quadros burocráticos da máquina do Estado em crescimento, para promoção da ideologia formadora da identidade nacional, para formação dos novos valores morais do liberalismo e para o exercício da cidadania.
A primeira década de existência do novo Estado independente seria marcada, contudo, por diversos conflitos bélicos decorrentes da emancipação política da antiga colônia, canalizando os recursos materiais do jovem país com o objetivo de garantir sua autonomia política e unidade territorial. Orbitando em torno da imagem de D. Pedro I e do Rio de Janeiro, as camadas sociais dominantes das províncias do sudeste, principais defensoras do novo pacto social representado pela monarquia constitucional representativa, além de enfrentarem, externamente, os conflitos bélicos contra Portugal, que não aceitara de imediato a independência de sua colônia mais promissora12, enfrentarão internamente os movimentos centrífugos representados pela Confederação do Equador e pela Campanha da Cisplatina13.
A influência das camadas sociais militares nesse período se fará presente tanto nas decisões da política nacional como nas medidas da política educacional nascente. Além de figurar nos níveis superiores de ensino por meio da Real Academia dos Guardas-Marinhas e da Academia Real Militar, criadas no período joanino, caberá às corporações militares a administração das primeiras escolas primárias estabelecidas pelo novo Estado, com vistas ao aproveitamento dos quadros dos Corpos de Linhas das províncias como professores formados pelo famoso método de Lancaster (Neves, 2003, p. 97).
Como um legado dos tempos pombalinos, a lógica da política das aulas régias permanecerá vigente ao longo dos primeiros anos do país independente, apesar da ruptura com Portugal. Complementando os estudos menores, o ensino secundário continuou sendo oferecido por meio das aulas avulsas ministradas nas residências dos professores, nas dependências dos estabelecimentos dos poderes públicos ou dos seminários eclesiásticos14.
Com o retorno das atividades parlamentares em 1826, a comissão de instrução pública apresentará um ambicioso plano geral para a educação escolar do jovem império. Assim como a Memória de Martim Francisco, a proposta do cônego Januário da Cunha Barbosa inspirava-se e traduzia a obra de Condorcet para o cenário brasileiro, com vistas à formulação de um sistema nacional de instrução pública15. Não obstante, os primeiros diplomas legais formulados no ano seguinte tratam de níveis específicos da educação escolar, prescindindo da formulação de um sistema de ensino, de forma contrária ao que havia sido defendido nos projetos supracitados.
A lei de 11 de agosto de 1827 (Brasil, 1878, p. 5-39) cria dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda que, posteriormente, seria transferido para Recife. Ao lado das academias reais das corporações militares, das escolas de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, e da Academia Imperial de Belas Artes, os novos cursos de Direito, espelhados nos cursos da Universidade de Coimbra, visavam a formação dos novos quadros da burocracia estatal exigidos com a nova ordem imposta pela criação do Estado imperial (Cunha, 2007).
No outro extremo e ainda no mesmo ano de 1827, a lei geral das escolas de primeiras letras, de 15 de outubro (Brasil, 1878, p. 71-73), determina a criação de escolas elementares em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Com um conteúdo básico que compreendia o ensino da leitura, escrita e iniciação matemática16, esse nível de ensino, único garantido como gratuito a todos os cidadãos, conforme preconizado pela constituição de 1824, voltava-se para a formação moral e cívica das camadas populares da sociedade monárquica, em atendimento às transformações necessárias para adequação social da população da antiga colônia à nova ordem institucional (Bittencourt, 2009).
As tensões políticas que culminaram na abdicação de D. Pedro I e na instalação do governo regencial marcam o fim do processo de independência do novo Estado. Afastada a ameaça portuguesa, as classes influentes de cada região do território nacional, como os tradicionais senhores de engenho do norte, os grandes mineradores das regiões das Minas Gerais e os ascendentes cafeicultores do sudeste, passam a articular-se em torno de um projeto liberal moderado, objetivando garantir a divisão de competências entre os governos provinciais e o governo central.
Tendo em comum o interesse pela manutenção do território da antiga colônia lusitana e da ordem social vigente, assentada na atividade monocultora agroexportadora organizada em torno do latifúndio e do trabalho escravo, as classes dominantes das diferentes regiões do Império do Brasil concentrarão esforços na construção de um projeto nacional que terá no desenvolvimento do Estado seu elo fundamental (Dolhnikoff, 2005) .
Nesse sentido, o Ato Adicional de 1834, ao efetivar a divisão dos dois níveis autônomos do governo, regional e geral, promovendo a separação constitucional das competências legislativa, tributária e coercitiva entre centro e províncias, favoreceu a acomodação das classes sociais influentes de cada província no interior do governo geral, de forma a tornar viável a participação das classes dominantes regionais nas decisões da política nacional, enquanto contavam com autonomia para permanecerem influenciando suas regiões.
No campo educacional, a emenda constitucional de 1834 definiu as competências de cada esfera de poder, provincial e geral, no §2º do artigo 10, onde se determina que compete às Assembleias provinciais legislar
[...] sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de Medicina, os Cursos Jurídicos, Academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral (Brasil, 1866?, p. 17).
Apesar de pouco preciso, a interpretação corrente desse parágrafo definia como competência do governo provincial legislar sobre a instrução primária e secundária sob seus territórios, ao passo que delegava ao governo geral a legislação sobre a instrução primária e secundária no Município Neutro, e a legislação do ensino superior em todo o território nacional. Em linhas gerais, esse entendimento vigorou por todo o período imperial (Haidar, 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse estudo procuramos demonstrar a necessidade da conexão dialética de um fenômeno particular - a educação escolar no Brasil à época da Independência - com outros processos históricos contemporâneos, a fim de superar uma compreensão aparente do acontecimento, em busca de uma síntese explicativa mais abrangente. Ou seja, ao inserir e relacionar o objeto de pesquisa na totalidade histórica da qual ele é parte constituinte e determinante torna-se possível o desvelamento de sua estrutura e dinâmica, ampliando o diálogo do objeto com a realidade concreta.
No caso em foco, o debate em torno da educação escolar no Brasil, durante a formação política do novo Estado, se relaciona a processos profundos de transformação pelos quais atravessavam as sociedades envolvidas na economia-mundo do mercantilismo em sua passagem para o capitalismo industrial, sob os ideais do liberalismo como doutrina política e política econômica a partir do século XIX (Lombardi; Colares, 2020).
A ruptura com Portugal possibilitou às classes dominantes das grandes regiões provinciais brasileiras, composta pelos senhores de engenho, grandes mineradores, lideranças militares e eclesiásticas, latifundiários e escravocratas, membros da antiga corte lusitana, entre tantos outros, a elaboração de um novo pacto social, com a construção de um novo Estado e uma nova nação. Contudo, a nova condição jurídico-política, dialogada com os preceitos da nova doutrina política do liberalismo, teria que dialogar igualmente com a estrutura econômico-social herdada do período colonial, resultando em um problema de difícil solução para os homens da época.
Como relacionar de forma coerente a primazia do indivíduo defendida pelo liberalismo em uma sociedade com resquícios de uma mentalidade estamental? Como defender a igualdade e a liberdade entre os sujeitos, baseado no jusnaturalismo, em um mesmo contexto em que se defendia a liberdade de propriedade de pessoas escravizadas?
O projeto de nação, visando a adequar o Estado recém-formado aos ideais da “civilização” europeia, implicava inevitavelmente na valorização da cultura letrada e na difusão da educação escolar para a formação da incipiente cidadania brasileira e desenvolvimento econômico do novo país independente (Henriques, 2022).
O desafio posto às classes dirigentes do período estava em como promover a modernização do país, sem, contudo, alterar o status quo da sociedade. Ou seja, mantendo as mesmas classes e/ou frações de classe no controle do Estado, promover o progresso material do país sem as temidas revoluções que poriam a integridade territorial em risco nos anos que se seguiram à sua emancipação política.
Portanto, o longo processo de institucionalização da educação no Império do Brasil, a construção do saber escolar e as primeiras formulações da nascente política pública educacional ao longo do século XIX devem ser analisadas tendo em conta as preocupações das camadas dirigentes da sociedade brasileira no curso da sua modernização. Mas em outra perspectiva, vale frisar, não se pode olvidar dessas análises que as lutas de classe presentes na sociedade encontram eco no interior da escola, terreno fértil das disputas ideológicas, em que discursos hegemônicos e contra-hegemônicos antagonizam-se em distintos processos educativos e projetos societários.
Ao situar o fenômeno escolar em seu contexto histórico torna-se possível desvelar suas múltiplas determinações, contradições e conflitos, favorecendo a compreensão de como as questões e problemas que se apresentavam no período em análise foram enfrentados pelos homens da época, dentro de suas condições objetivas e históricas.
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1
Sobre o método investigativo fundamentado no paradigma epistemológico do materialismo histórico-dialético, ver José Paulo Netto (2011).
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2
Convocada pela Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, instituída após a Revolução Liberal do Porto, as Cortes Constituintes de 1820 configurou-se como um parlamento português, formado por deputados representantes das diversas partes do império, reunidos no Palácio das Necessidades em Lisboa, com o objetivo de elaborar uma carta constitucional liberal para a nação portuguesa. Para acompanhar a participação dos deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa, ver relevante análise desenvolvida pela Profa Dra Márcia Regina Berbel (1999).
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3
A Revolução Liberal do Porto (1820) foi um movimento militar lusitano, de caráter liberal, que canalizou o descontentamento de diversas classes sociais portuguesas com a permanência da Corte no Rio de Janeiro e passou a reivindicar a convocação das Cortes Gerais para a elaboração de uma constituição, o imediato retorno da Corte lusitana para Portugal e a restauração do pacto colonial com o Brasil, que havia sido alterado pelo Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808.
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4
O termo “civilização” aqui empregado pode ser compreendido na perspectiva de Norbert Elias (1993) como categoria para identificar um processo de longa duração de institucionalização de uma série de padrões de conduta, regras sociais e impedimentos ao comportamento que caracterizam a sociabilidade urbana moderna.
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5
José Claudinei Lombardi e Anselmo Alencar Colares identificam o desenvolvimento da educação escolar na era moderna como expressão de um “projeto civilizatório” burguês. O artigo referenciado investiga “o desenvolvimento da instituição escolar como uma decorrência da expansão do modo de produção capitalista e sua ‘onda civilizatória’” (2020, p. 15).
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6
Laerte Ramos de Carvalho (1978) desenvolve uma rica análise sobre as reformas pombalinas da instrução pública no império português.
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7
Nesse sentido, Myriam Fragoso (1972) considera que, com a introdução do novo tributo do subsídio literário, a escolarização deixa de ser uma concessão arbitrária do Estado ou da Igreja e passa a ser entendida como direito civil comunitário (Fragoso, 1972, p. 146).
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8
La Pepa, como também ficou conhecida a constituição liberal espanhola, foi adotada provisoriamente pelas Cortes Constituintes de Lisboa enquanto se discutia a aprovação das bases para a elaboração da nova carta magna lusitana.
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9
Trata-se do projeto de lei nº 13 apresentado na sessão de 16 de junho da Assembleia Constituinte de 1823 (Brasil, 1874, p. 61).
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10
Além do clássico estudo elaborado por José Querino Ribeiro na década de 1940, há uma análise mais recente acerca das influências da Memória de Martim Francisco sobre a política educacional no Brasil monárquico desenvolvida por Maurizio Marchetti (2019).
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11
Problematizando a pluralidade de conceitos de cidadania na contemporaneidade, Marcos Francisco Martins aponta como todos os processos educativos pressupõem um modelo ideal de ser humano inserido em um meio social e, por isso, implicam necessariamente em formação para a cidadania (Martins, 2019).
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12
A guerra de independência contra Portugal teria seu término oficial com a assinatura do Tratado de Paz e Aliança entre D. Pedro I, Imperador do Brasil, e D. João VI, Rei de Portugal, no ano de 1825, mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas à antiga metrópole (Botelho; Reis, 2002, p. 309).
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13
A Confederação do Equador foi um movimento republicano separatista, liderado por Pernambuco no ano de 1824, que visava reunir as províncias do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e, possivelmente, Piauí e Pará. O movimento foi duramente reprimido pelo governo geral do Rio de Janeiro. Já a Campanha da Cisplatina, em linhas gerais, trata do movimento separatista da região conhecida como banda oriental do Rio da Prata, que havia sido anexada em 1816 por Portugal ao Reino do Brasil, sob o nome de Cisplatina. Os conflitos iniciados em 1825 estender-se-iam até 1828, resultando na independência da República Oriental do Uruguai (Vainfas, 2008, p. 161-162 e p. 321-322).
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14
Poucas medidas efetivas foram realizadas visando a organização do ensino secundário durante o Primeiro Reinado. Conforme análise de Maria de Lourdes Haidar (2008), “o aparecimento de liceus provinciais a partir de 1835, e a criação do Colégio de Pedro II na Corte, em 1837, representam, no campo do ensino público, os primeiros esforços no sentido de imprimir alguma organicidade a esse ramo do ensino” (Haidar, 2008, p. 12).
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15
A comissão de instrução pública era formada pelos deputados Januário da Cunha Barbosa, José Cardoso Pereira de Mello e Antonio Ferreira França. Não obstante, o projeto apresentado à Assembleia Geral no dia 16 de junho ficou conhecido como projeto Januário da Cunha Barbosa.
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16
Conforme definido no artigo 6º da lei, “os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, e os princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos, preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil”. Em relação ao ensino das meninas, o artigo 12 determina que “as mestras, além do declarado no art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitando a instrução da aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica, [....]” (Brasil, 1878, p. 72).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
24 Nov 2023 -
Aceito
06 Set 2024
