Resumo
O artigo apresenta as contribuições de Marc Bloch para a Escola dos Annales, e o seu trabalho na busca pela elevação da História à categoria de saber científico. Suas investigações foram fundamentais para a consolidação de uma nova metodologia na pesquisa em História, dando início a uma renovação no campo da Historiografia como o entendemos atualmente e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para que outras áreas do conhecimento, como a História da Educação, se beneficiassem com as suas inovações. O percurso por ele inaugurado transformou o conceito de História, além de ressignificar o papel do historiador em seu trabalho de pesquisa, ampliando o uso e a interpretação das fontes utilizadas em suas apurações. A partir de Bloch, o modo como se produz conhecimento sofreu mudanças significativas, sendo o objetivo deste texto explorar a Historiografia proposta por ele como um dos instrumentais teórico-metodológicos para o campo da História da Educação.
Palavras-chave:
Marc Bloch; Escola dos Annales; História; metodologia; pesquisa em História da Educação
Resumen
El artículo presenta los aportes de Marc Bloch a la Escuela de Annales y su labor en la búsqueda de elevar la Historia a la categoría de conocimiento científico. Sus investigaciones fueron fundamentales para la consolidación de una nueva metodología en la investigación de la Historia, iniciando una renovación en el campo de la Historiografía tal como la entendemos actualmente y, al mismo tiempo, abriendo espacio a otras áreas del conocimiento, como la Historia de la Educación, beneficiarse de sus innovaciones. El camino que inauguró transformó el concepto de Historia, además de darle un nuevo significado al papel del historiador en su labor de investigación, ampliando el uso e interpretación de las fuentes utilizadas en sus investigaciones. Desde Bloch, la forma en que se produce el conocimiento ha sufrido cambios significativos, y el objetivo de este texto es explorar la Historiografía propuesta por él como uno de los instrumentos teórico-metodológicos para el campo de la Historia de la Educación.
Palabras clave:
Marc Bloch; Escuela de Annales; Historia; metodología; investigación em Historia de la Educación
Abstract
The article presents Marc Bloch's contributions to the Annales School, and his work in seeking to elevate History to the category of scientific knowledge. His investigations were fundamental for the consolidation of a new methodology in History research, initiating a renewal in the field of Historiography as we currently understand it and, at the same time, opening space for other areas of knowledge, such as the History of Education, benefit from their innovations. The path he inaugurated transformed the concept of History, in addition to giving new meaning to the role of the historian in his research work, expanding the use and interpretation of the sources used in his investigations. Since Bloch, the way in which knowledge is produced has undergone significant changes, and the objective of this text is to explore the Historiography proposed by him as one of the theoretical-methodological instruments for the field of History of Education.
Keywords:
Marc Bloch; Annales School; History; methodology; research in History of Education
Résumé
L'article présente les contributions de Marc Bloch à l'École des Annales et ses travaux visant à élever l'Histoire au rang de savoir scientifique. Ses recherches ont été fondamentales pour la consolidation d'une nouvelle méthodologie dans la recherche historique, initiant un renouveau dans le domaine de l'Historiographie telle que nous la comprenons actuellement et, en même temps, ouvrant un espace à d'autres domaines de la connaissance, comme l'Histoire de l'éducation, bénéficier de leurs innovations. La voie qu'il a inaugurée a transformé le concept d'Histoire, en plus de donner un nouveau sens au rôle de l'historien dans son travail de recherche, en élargissant l'utilisation et l'interprétation des sources utilisées dans ses recherches. Depuis Bloch, la manière dont la connaissance est produite a subi des changements significatifs, et l'objectif de ce texte est d'explorer l'Historiographie qu'il propose comme l'un des instruments théorico-méthodologiques pour le domaine de l'Histoire de l'Education.
Mots-clés:
Marc Bloch; École des Annales; Histoire; méthodologie; recherche en Histoire de l'Éducation
Introdução
A discussão a respeito da História enquanto saber científico encontrou, ao longo dos anos, significativas contribuições em diversos pensadores que se ocuparam com essa temática, participando, cada qual em seu contexto, direta ou indiretamente, na edificação de uma nova área de estudos, a Historiografia. O legado deixado por tais teóricos permitiu que campos do saber surgissem e formassem novas ciências híbridas, capazes de se ocuparem com as particularidades e os pormenores de cada área até então não explorados. Neste texto destacamos as ideias do teórico Marc Bloch (1886-1944), fundamentais em sua época para o surgimento e a estruturação do movimento da Escola dos Annales, juntamente com o professor Lucien Febvre (1878-1956), seu amigo, e as relacionamos com o campo da História da Educação, o qual, apesar de não ser objeto de investigação de sua época, recebe cumulativamente o legado de suas considerações.
A investigação desenvolvida por Marc Bloch acerca do papel da História e do historiador alcança a Educação e permite a prática de pesquisas que consigam superar a mera leitura e reprodução de informações presentes em documentos. A partir do contato com o texto ou com demais fontes históricas, é possível ao pesquisador extrair informações não evidentes em um primeiro momento, mas capazes de serem apreendidas conforme ele as interpela, gerando novos saberes, promovendo o desenvolvimento da ciência e de transformações pertinentes à área. A interpretação de Bloch sobre a História como um saber vivo nos leva à compreensão de que as transformações presentes no desenrolar dos tempos são resultados de construções sociais eleitas pelo ser humano em sua trajetória de vida, das quais a Educação faz parte enquanto componente que a permeia, sendo possível ao historiador da Educação desenvolver pesquisas de qualidade a partir de tal leitura, utilizando-se desse método.
O objetivo, portanto, deste artigo, é explorar a Historiografia proposta por Marc Bloch como um instrumento teórico-metodológico que pode ser utilizado pelos historiadores da Educação, formados ou em formação, em suas pesquisas.
Bloch foi um dos criadores e idealizadores da Revista Annales (originalmente chamada Annales d’histoire économique et sociale), que futuramente daria espaço para o surgimento desse movimento francês que trouxe novas discussões para o campo da Historiografia moderna. Na intenção de tratar, inicialmente, sobre esse pensador, percorreremos a história dos Annales e nela nos deteremos em alguns momentos para compreendermos de que modo ele foi importante na consolidação do grupo. Paralelamente, nosso esforço consiste em reconhecer em cada argumento de Marc Bloch os elementos próprios da Pedagogia, relacionando a História com a vida, como ele próprio propunha, mas, também, indicando de que modo o seu objeto de estudo contribui com a consolidação da pesquisa em História da Educação.
Surgimento e estrutura da Revista dos Annales
A Escola dos Annales é um movimento que surgiu no ano de 1929, a partir das ideias de dois professores universitários, Marc Léopold Benjamim Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), que se opunham à tradicional concepção de História de sua época. Desde o início do surgimento do grupo, os annalistes contestavam a ideia de uma História que se limitasse meramente a narrar e a descrever situações e que se restringisse a testemunhar episódios e a reproduzi-los desinteressadamente, sem qualquer vínculo ou comprometimento por parte do historiador com o objeto investigado e/ou com o resultado produzido. Nessa perspectiva, ocupamo-nos especialmente com Bloch, pois suas contribuições foram fundamentais para contextualizar uma nova leitura sobre o papel do historiador, bem como os objetos dos quais competia à história se ocupar. Parafraseando José Carlos Reis (1994), fora Bloch o arquiteto que, a partir das bases levantadas na Revista, trouxera elementos modernos para esse movimento que despontava paulatinamente (Reis, 1994).
Encarados como “rebeldes” e “revolucionários” por Peter Burke, este defende que o grupo dos Annales compreendia que a História possuía em si condições superiores às até então consideradas pela área. Vemos essa nova perspectiva da História excitar os seus fundadores, sobretudo Bloch, a partir dos seus trabalhos ao longo de sua jornada enquanto pesquisador. É o caso do seu estudo sobre a história rural francesa, que resultou em uma de suas obras mais famosas, publicada originalmente em 1931 e intitulada Les caracteres originaux de l’histoire rurale française. Nela o seu autor demonstra um novo modo de trabalhar com as fontes, além de utilizar outros recursos na busca por compreender e interpretar a História, contando com a participação de outras áreas do conhecimento para levantar dados e produzir resultados.
A concepção de Bloch sobre ‘história agrária’, definida como ‘o estudo associado de técnicas e costumes rurais’, era incomumente ampla para a época, pois os historiadores estavam mais propensos a escrever sobre temas mais restritos como a história da agricultura, da servidão ou da propriedade agrária. Igualmente incomum era o uso sistemático de fontes não-literárias, tais como mapas cartográficos das propriedades, e sua ampla concepção de civilização agrária, um termo escolhido por realçar o fato de que a existência de diferentes sistemas agrários não poderia ser explicada apenas através do meio físico (Burke, 2010, p. 38).
A seu exemplo, os Annales compreendiam que o historiador deveria exercitar a capacidade de questionar os eventos históricos e extrair deles novos significados e instrumentos para releitura dos acontecimentos. Dessa forma, na visão de Burke, Bloch e Febvre seriam os guias dessa empreitada para derrubar o “antigo regime” no qual se encontrava a Historiografia (Burke, 2010). Sobre essa bandeira do revolucionarismo, encontraremos algumas críticas feitas aos Annales por outros pesquisadores, apresentando pontos de convergência e similaridades entre o discurso dos annalistes e o discurso que eles tanto combatiam e ao qual se contrapunham, considerado por eles como o do antigo regime, contrariando assim a campanha que seus admiradores, dentre eles, Burke, continuamente propagavam sobre a originalidade do movimento.
Na verdade, o que Bloch e os primeiros annalistes intencionavam era a criação de um projeto de referência em formato de revista científica que caminhasse na contramão de outros trabalhos de História já consagrados nacionalmente em sua época. É o caso da Revue Historique, de Gabriel Monod (1844-1912) e Gustave Fagniez (1842-1927), bem como a L’introduction aux études historiques, de Charles-Victor Langlois (1863-1929) e Charles Seignobos (1854-1942). Tanto os autores da primeira quanto os da segunda revista compartilhavam das ideias metódicas da escola alemã, promovidas, sobretudo, pelo legado de Leopold von Ranke (1795-1886), que influenciara a concepção de Historiografia, naturalmente incorporada por elas.
L’introduction aux études historiques, de Langlois e Seignobos, que viria a ser foco de muitas críticas dos Annales, parecia bem um eco da Revue Historique. Na sua primeira edição, em 1898, proclamava-se anticlerical e antifilosófica. Na busca pela isenção, preconizava uma espécie de ruptura epistemológica, ao buscar afastar-se do providencialismo cristão, do progressismo racionalista e do finalismo marxista. O fim do historiador deveria ser o de se ‘apagar’ por trás dos textos, em nome de uma estrita aplicação de documentos. Lembremo-nos: trabalho documental criterioso em nome da propagação de determinado ideal nacional (Yamashita, 2016, p. 74).
A Revue Historique obteve grande sucesso durante toda a Terceira República (1870-1940) e delineou a visão de História que se estabeleceria durante os anos seguintes, tendo em comum com a L’introduction aux études historiques o fato de ambas possuírem forte teor político e acentuado patriotismo em suas considerações no campo da pesquisa. Desse modo, os Annales surgiram, em 1929, como uma crítica direta a essa predominante definição que há anos se conservava como padrão e referência de pesquisa em Historiografia.
Os Fundamentos da teoria annaliste e sua relação com a educação
Em um período amplamente marcado por essa clássica definição metódica, o contraponto que identificou os trabalhos de Bloch e, consequentemente, a primeira geração dos Annales, foi a sua oposição à História política até então defendida (Rocha, 2010). Isso significou um salto na interpretação que se poderia ter da História enquanto campo de investigação científica, bem como o modo que seus pesquisadores, a partir dali, produziriam suas análises e observações, não mais centrados unicamente nas narrativas políticas massivamente aceitas, mas apoiando-se em outros elementos de informação possíveis, como depoimentos, demais registros e outras fontes recolhidas. Neste “salto” da História enquanto saber científico, outras áreas do conhecimento se beneficiaram com o seu progresso, dentre elas a Educação.
A Educação encontra significativos elementos para se utilizar da História a seu favor como um saber transversal, complementar à construção de sua identidade. De modo colaborativo, a História amplia a memória e as experiências institucionais de ensino, bem como é capaz de moldar os diversos perfis intelectuais, políticos e sociais dados à Educação ao longo dos tempos, tornando a História da Educação um campo validamente constituído e necessário (Cambi, 1999). Isso significa que, assim como a História, a Educação se mantém em constante transformação e atualização de seus objetivos e ideais, sendo assim objeto de investigação científica a ser explorado por seus pesquisadores.
Em sua época, enquanto as concepções tradicionais de História, oriundas da escola alemã e sob a influência das ideias de Ranke, creditavam às fontes históricas apenas a função de servirem como material informativo sobre os acontecimentos do passado, Bloch atribuiu aos seres humanos (assim no plural, para não cair em uma visão abstrata sobre estes) o papel principal em toda a pesquisa historiográfica, reconhecendo neles o objeto do qual todo historiador deveria se ocupar.
Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas], por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça (Bloch, 2001, p. 54).
Neste aspecto, já nos é possível reconhecer em Bloch um discurso que desejava problematizar as concepções de História e do papel do historiador existentes até aquele momento. Isso não significa que outros anteriores a ele e aos Annales já não o tivessem feito, que não houvessem questionado a forma como se produziam as pesquisas e o modo como estas se apresentavam. Essa discussão já existia e vinha de longa data, passando por intelectuais clássicos que, em algum momento de seus trabalhos, se detiveram nessa questão. É o caso de Voltaire (1694-1778), François Guizot (1787-1874), François Simiand (1873-1935) e demais historiadores franceses que se posicionavam contrariamente aos aspectos cumulativos e factuais a que a Historiografia insistentemente recorria naquele momento e que considerava como os mais assertivos (Barros, 2012).
Houve também o caso da chamada “controvérsia de Lamprecht”, em que o professor alemão Karl Lamprecht (1856-1915) distinguia a História política da História cultural, sendo a primeira o resultado de alguns indivíduos, enquanto a segunda advinha do povo (Burke, 2010). Contudo, o que observamos no caso dos Annalistes - ao longo de todas as três ou quatro gerações - e que se difere dos demais pensadores até aquele momento, é que esse grupo buscou constantemente a manutenção de uma teoria que, diferentemente das demais, os acompanhou e lhes deu identidade enquanto grupo, como demonstra Matos:
Imersos em um tempo no qual as visões teóricas se dividiam entre o materialismo economicista, o idealismo hegeliano e o historicismo metódico, os annalistes defenderam que a interpretação dos fenômenos deve sempre partir do princípio de que os homens fazem a história e sua consciência é fruto da ação do tempo e das mentalidades formadas em grandes estruturas sociais, econômicas e religiosas e não apenas pela interferência da materialidade; não são as ideias que fazem o homem, ou sua relação com o trabalho, e também ele não é um agente hegemônico (Matos, 2011, p. 129).
Há em tais ideias o mesmo princípio que conduz o trabalho de pesquisa de todo e qualquer estudioso no campo da Pedagogia. Não é possível desenvolver um levantamento científico em História da Educação caso não se relacione o objeto investigado com as mais variadas possibilidades de fontes de pesquisa existentes, até mesmo em áreas que não sejam propriamente pedagógicas (Luiz, 2020). Isso se faz necessário pois, ao se tratar de História da Educação, os fatores no seu entorno podem ser responsáveis por influenciar e/ou até mesmo determinar os resultados de seu percurso, de sua concepção ideológica e social. Desse modo, a interdisciplinaridade é ponto-chave na investigação científica, fator esse também fundamental quando se trata do percurso estruturante realizado ao longo da história dos Annales.
Tomemos cuidado, aliás; a superstição da causa única, em história, não raro é apenas a forma insidiosa da busca do responsável: por conseguinte, juízo de valor. [...] Preconceito do senso comum, postulado de lógico ou tique de magistrado instrutor, o monismo da causa seria para a explicação histórica simplesmente um embaraço (Bloch, 2001, p. 157).
Seus principais adeptos e simpatizantes defendem que, ancorado na intenção de refletir sobre as ações do ser humano ao longo dos tempos e em diversos aspectos, o processo de construção no qual foi pensada a Revista Annales se ocupou em realizar uma abordagem interdisciplinar, conciliando as diversas áreas do saber para se discutir a História social e econômica, o que representaria um significativo rompimento com as tradições (Burke, 2010). Essa fora uma de suas principais atividades, mas que não se limitaram a tal questão. Barros (2012) afirma que os Annales trouxeram diversas outras contribuições para a Historiografia e, por decorrência, podemos afirmar, também para a História da Educação.
[...] alguns itens programáticos fundamentais, como a prática e estímulo da Interdisciplinaridade, a ampliação de temáticas historiográficas, a gradual expansão de tipos de fontes históricas motivada pelos historiadores do movimento, e uma crítica mais ou menos veemente à história política tradicional na época dos fundadores do movimento, sobretudo nas duas primeiras gerações de Annalistas. Outro item programático de grande importância para o movimento dos Annales foi a conclamação a novos usos e experimentações relacionadas ao conceito de “tempo histórico”; os trabalhos na faixa da “longa duração”, por exemplo, tornaram-se bastante típicos de alguns historiadores ligados a cada uma das três ou quatro gerações de historiadores annalistas (Barros, 2012, p. 306).
Ao falar do tempo histórico, o primeiro dos Annalistes a abordá-lo em suas produções foi Marc Bloch, que, juntamente com Febvre, estaria inclinado a encontrar novos meios para renovar o entendimento até então existente sobre o significado e uso da História. A necessidade de ampliar a atuação dessa disciplina era imediata e, para isso, optou-se por conciliar áreas do conhecimento e se utilizar de abordagens e estudos produzidos de maneira interdisciplinar, a fim de validar o caráter científico que esses estudiosos acreditavam que a História poderia ter.
Esse trabalho sobre as possibilidades do saber histórico iniciou-se a partir do momento em que Febvre e Bloch foram nomeados professores, em 1920, na Faculdade de Estrasburgo. Trabalhando em salas próximas, ali se conheceram, tornaram-se amigos e reuniram uma equipe multidisciplinar para juntos pensarem a respeito das novas ideias que inspiravam a todos em suas intermináveis discussões. Alguns dos nomes que Burke (2010) apresenta como professores integrantes e que, em algum momento, participaram desses encontros são: Charles Blondel (1876-1939), Maurice Halbwachs (1877-1945), Henri Bremond (1865-1933), Georges Lefebvre (1874-1959), Gabriel Le Bras (1891-1970) e André Piganiol (1883-1968). Tais intelectuais eram oriundos das áreas da Psicologia, Sociologia, História das religiões, das guerras e revoluções e, também, da Antropologia, com reconhecidas obras e trabalhos realizados (Burke, 2010). Isso significa que aquilo que conhecemos hoje como Escola dos Annales fora, sem dúvidas, a coleção de narrativas e interpretações obtidas com o passar do tempo sobre diversas perspectivas e saberes de outras áreas que, quando reunidas em favor da Historiografia, seriam, a seu ver, “[...] o porta-voz, melhor dizendo, o alto-falante de difusão dos apelos dos editores em favor de uma abordagem nova e interdisciplinar da história” (Burke, 2010, p. 36).
Tal modelo de trabalho interdisciplinar deixado pelos Annales pode servir como referencial de pesquisa, especialmente para o campo da História da Educação. Ao nos ocuparmos do levantamento de fontes para a investigação na área da Educação, toda ajuda por parte de outras ciências sempre é bem-vinda, pois a pluralidade de áreas do saber é fator crucial para o aprimoramento e sucesso da pesquisa (Luiz, 2020). Além disso, ao nos guiarmos pelo método de pesquisa dos Annales, produzimos um conhecimento que sempre se encontra entre fronteiras, nunca isolado em suas observações, mas em permanente diálogo com os seus pares. Tal embate teórico e ideológico produz novos conhecimentos sem se resumir àqueles pré-existentes, movimentando diversos campos de investigação, ação própria e esperada de qualquer saber que se considere científico (Lamy; Saint-Martin, 2010).
Nestes termos defendidos pelos Annales, a História da Educação se constitui como o campo de investigação no qual os saberes pedagógicos são analisados a partir das relações interdisciplinares e dos vestígios legados por cada área do conhecimento. As análises política, sociológica, geográfica, econômica e tantas outras são capazes de delinear as experiências humanas coletivas e delas extraírem as circunstâncias educacionais em si, não sendo possível acessá-las isoladamente, e sim como um reflexo do movimento histórico promovido pelas relações, pelos conflitos e posicionamentos dos seres humanos no decorrer do tempo.
Que se trate das ossadas emparedadas nas muralhas da Síria, de uma palavra cuja forma ou emprego revele um costume, de um relato escrito pela testemunha de uma cena antigo [ou recente], o que entendemos efetivamente por documentos senão um ‘vestígio’, quer dizer, a marca, perceptível aos sentidos, deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar? (Bloch, 2001, p. 73).
Bloch, em sua Apologia da História, argumenta que toda ciência tomada de modo isolado nada mais é que um mero fragmento do conhecimento (Bloch, 2001), o que nos serve de aviso e estímulo na produção intelectual de nosso campo de pesquisa em História da Educação, levando em consideração o mérito e a relevância do pensamento desse autor para o campo da Historiografia.
A predominância das ideias de Bloch é inegável frente às inovações trazidas ao movimento iniciante, aceitando-se reconhecer nele a figura de destaque não somente nos Annales, mas, conforme afirma Gomes, “[...] em qualquer lista dos maiores historiadores de todos os tempos” (Gomes, 2006, p. 447). Bloch, conforme nos apresenta Reis, exerceu uma autoridade norteadora dos caminhos pelos quais rumariam não somente a revista e a visão que esta deveria promover sobre o estudo da História, mas também toda a História Moderna e as demais ciências que dela se valeriam, sendo ele o primeiro de seus membros (Reis, 1994).
A História enquanto ciência e o papel do historiador
Marc Bloch discutiu a História a partir de uma reflexão apoiada nos valores sociológicos, o que demonstra que ele fora influenciado pelas ideias de Durkheim, tão eloquentes e populares em sua época. Vendo nos seres humanos, cada qual em seu contexto, a verdadeira explicação para os pequenos e grandes eventos históricos da humanidade, Bloch reconhecia na Sociologia um recurso que não poderia ser ignorado, isto é, a leitura dos fatos históricos sempre numa perspectiva coletiva, nunca individual. Em outras palavras, foi a partir de sua relação com a Sociologia durkheimiana que o conceito de História dos seres humanos se tornou mais eloquente.
No entanto, é inegável que, apesar de estarem próximas das modernas ideias sociais que adquiriam cada vez mais espaço no século XX, bem como de um de seus primeiros idealizadores e representantes, as ideias de Bloch não se limitaram a reproduzir os mecanismos teóricos por elas criados. Enquanto historiador, ele se preocupou em garantir que a História mantivesse a sua identidade e não fosse absorvida pela Sociologia nem por qualquer outra ciência, como, por exemplo, a Geografia, que também lhe fora muito cara. Inspirado nos Annales de Géographie, Bloch retirou daí a sua compreensão de que a História deveria se constituir, também, como uma ciência da observação. Segundo ele, atrelado à escrita, caberia ao historiador o exercício de observar os territórios, utilizando-se de mapas, de fotografias e de quaisquer outros elementos que lhe permitissem retirar informações pertinentes não apenas sobre o solo em si, mas dos sinais que nele houvesse da ação humana ao longo dos tempos.
No curso ‘Os ensinamentos históricos de uma caminhada em um vilarejo francês’, [Bloch] procurava provar aos discentes que as plantas, rotações de cultura, casas, igrejas, bem como a forma e a dimensão dos campos são evidências históricas que não podem ser ignoradas pelo profissional de história. Alargava, assim a noção de fonte, ao promover a ideia de que cabe ao historiador ‘fazer falar’ objetos do mundo visível (Yamashita, 2016, p. 89).
Atrelado a esses fatores e com a preocupação de garantir à História a condição de ciência autônoma, foi necessário encontrar um equilíbrio em seus argumentos para torná-la um saber válido e, ao mesmo tempo, independente. Para isso, Bloch seguiu um caminho intermediário, pelo qual a sua visão da Historiografia não se afirmou positivista como a Sociologia de Durkheim, a ponto de sistematizar as relações dos homens no tempo como uma forma de controle sobre suas ações. Também não tratou a História apenas numa perspectiva artística que não fosse capaz de produzir verdadeiros conhecimentos e, dessa forma, estivesse fadada a discursos imprudentes e meramente decorativos. Numa apresentação ambígua, Bloch buscou conciliar ambos os aspectos, mantendo o caráter investigativo da História sobre os seres humanos, porém, compreendendo-a numa não mudança, numa permanência sobre o tempo, sendo tudo aquilo que conhecemos como grandes eventos ou períodos históricos apenas fases de uma evolução social. Por este motivo, o historiador, quando se utiliza do recorte histórico, não o faz por compreender que a História se divide e se fragmenta a cada evento que se destaca, mas apenas o faz como um recurso para tratar de determinados aspectos dos quais queira se ocupar em sua pesquisa (Reis, 1994).
Assim, o que ele inaugurou aqui foi uma nova concepção de tempo para a História que não estava mais concentrada nos fatos para descrever seus acontecimentos e suas épocas. Influenciado pelas ciências sociais durkheimianas, ele introduziu o conceito de permanência na História, o qual Reis (1994) chamará de terceiro tempo, um trabalho dialético sobre essa disciplina, conciliando a sua particularidade e sutileza de estudar os seres humanos em suas manifestações individuais, ao mesmo tempo que os conceitua e ordena suas ações entre continuidades e mudanças constantes (Reis, 1994).
Por esse motivo se afirma que a leitura da História realizada por Bloch se deu por uma análise estrutural, em que o mais importante não seriam os grandes eventos que marcaram épocas, mas a estrutura social, econômica e mental que existiu ao longo de certo período, sendo os acontecimentos marcantes apenas o ápice da expressão de um conjunto de fatores e escolhas alimentadas por anos, às vezes, por séculos (Reis, 1994). Vale destacar a palavra “escolhas”, pois aqui ela representa que, para Bloch, os caminhos trilhados pelos seres humanos na História não são meros frutos dos hábitos da época, ou simplesmente parte do contexto, como uma expressão natural do período em questão. Ao contrário, as escolhas são verdadeiros sinais dos movimentos e hábitos adquiridos pelo coletivo, incorporados por todos, seja conscientemente ou não, mas que os envolvem em valores sociais que, apesar de parecerem naturais, são expressão de suas próprias decisões. Em outras palavras, “[...] a estrutura social, a solidariedade, a ordem ou coesão social são as realidades básicas onde se encontram os princípios explicadores da sociedade” (Reis, 1994, p. 48). Serão estes elementos que comunicarão, na perspectiva de Bloch, o perfil pelo qual se identificará determinado cenário histórico e sua consciência coletiva.
Em Bloch, portanto, o tempo da consciência coletiva impõe-se sobre o tempo da consciência individual. A diferença entre uma e outra é a reflexão, a retomada de si. Enquanto coletiva, a consciência possui um tempo inconsciente, que se caracteriza pela tendência ao repouso, à continuidade, à permanência. Trata-se de uma consciência que mais realiza movimentos do que mudanças. Uma consciência inconsciente, irrefletida, aproxima-se da temporalidade natural: produz movimentos, isto é, a sucessão articula o anterior, o posterior e o simultâneo. No movimento só há ‘deslocamento do mesmo’, alteração espacial de posições (Reis, 1994, p. 49).
Há em Bloch uma interpretação flexível das ciências, até porque em sua época tal posicionamento já era possível graças aos avanços das ciências naturais. Inserir a História neste campo se tornara aceitável porque, para ela adquirir tal caráter, não se fazia necessário abandonar a sua definição própria de tempo. Isso significa que, enquanto as ciências sociais não enxergavam a possibilidade da mudança, pois baseavam suas pesquisas naquilo que estava posto socialmente, a História poderia caminhar por esses rumos na intenção de se validar como ciência, contudo, sem se limitar a falar do tempo presente, mas considerando as possibilidades do passado e do futuro (Reis, 1994). Isso se torna mais compreensível quando entendemos que a Sociologia em si não poderia tratar daquilo que ainda não é real, que não esteja presente em determinado grupo. Caso assim o fizesse, estaria ela abandonando aquilo que lhe dá identidade, utilizando em seu discurso aspectos de outras ciências como a Filosofia ou a própria História. A ambiguidade de Bloch e a sua compreensão sobre a História enquanto saber científico se encontrava neste ponto: na compreensão de que era possível sistematizar o seu conhecimento a partir de seu caráter permanente no tempo, mas também levando em consideração o aspecto da mudança, que difere uma época da outra a partir das interações que ocorrem no corpo social, isto é, entre os seres humanos.
Tal flexibilidade da definição e interpretação da História se reproduzirá, consequentemente, no método empregado pelos Annalistes, que souberam considerar
Il serait vain d'ailleurs de vouloir trouver dans les Annales une ‘doctrine’ rigoureusement échafaudée, aux préceptes magistralement énoncés. Rien n'eût été plus contraire à l'esprit si plein de mesure de Marc Bloch ; dans son horreur de l'abstraction, il savait bien que des formules trop absolues risquent d'engendrer des errements presque aussi graves que ceux qu'elles prétendent combattre1 (Dollinger, 1948, p. 110).
Pensar a História nesses moldes exige do pesquisador o grande esforço de produzir tal conhecimento de modo intencional e lógico, ao mesmo tempo que é necessário se lembrar de que seu objeto principal de pesquisa é o homem e sua constante transformação. Frente a essa ambiguidade, a combinação de tais fatores deve permitir que a pesquisa ocorra de modo criterioso e disciplinado, sem com isso limitar o objeto a rótulos temporais ou, ao contrário, à desapropriação de suas características, o que faz do trabalho do historiador uma tarefa de difícil e exigente produção.
O entendimento da História como ciência nos faz considerar que ela possui a própria estética de linguagem, que é permeada de poesia e arte, além de se caracterizar pela busca da compreensão daquilo que é humano, o que se mostra como um desafio e faz da História a mais difícil de todas as ciências (Luiz, 2020, p. 46).
É neste conjunto de movimentos e mudanças, em que ora se reproduz mais do mesmo, ora se apresentam significativas transformações, que se encontra o retrato da História enquanto saber científico. Ao compreender isso, caberia agora ao pesquisador o entendimento de que essa disciplina não poderia se restringir a um único modus operandi, mas deveria aprender a se adaptar, uma vez que o tempo humano não se restringe a regras e imposições técnicas. Esta seria a delicadeza da História e, ao mesmo tempo, o grande desafio do historiador: produzir um conhecimento efetivo a partir de uma área do saber que tem os seres humanos como objeto de pesquisa, e estes nunca param. Em outras palavras, assim como os homens, a História está sempre em movimento, num eterno e constante devir.
Vamos preservar-lhe aqui, ao contrário, sua significação mais ampla. [O que não proíbe, antecipadamente, nenhuma orientação de pesquisa, deva ela voltar-se de preferência para o indivíduo ou para a sociedade, para a descrição das crises momentâneas ou a busca dos elementos mais duradouros; o que também não encerra em si mesmo nenhum credo; não diz respeito, segundo sua etimologia primordial, senão à ‘pesquisa’] (Bloch, 2001, p. 51).
No início da Apologia da História, Bloch assim se referiu ao tempo histórico, afirmando que, ao historiador, não importa saber, por exemplo, o tempo que César levou para conquistar a Gália, ou então que Lutero levou quinze anos para iniciar a Reforma Protestante. O que este profissional certamente desejaria saber seria em que momento exato no tempo os problemas existentes nas sociedades europeias tornaram possível a conquista da Gália, assim como quais os aspectos sociais e os referenciais teóricos de Lutero que o despertaram para uma crise espiritual e, consequentemente, o conduziram ao levante contra a Igreja (Bloch, 2001). Bloch revela-se em seus escritos e biografia o pioneiro de valores da pesquisa em História, que, para nós, hoje, são tão comuns, mas que representaram um profundo rompimento com a Historiografia até então existente em sua época.
Ao ampliar as possibilidades de investigação existentes, Bloch se utilizou da História estrutural para analisar o coletivo social, revelando condições que ultrapassavam eventos históricos e iam além. É o caso da mentalidade humana que, em última análise, seria a matéria da História. São as mentalidades de cada época, as consciências que coletivamente se organizam e que dão o tom de cada tempo ao se inserirem os homens no mundo físico (Reis, 1994). A partir da necessidade de se ver vivendo em sociedade, o ser humano se depara com os desafios de criar relações que o sustentem na convivência com o grupo. O humano, em tais condições, produzirá coletivamente uma consciência de si, dando-lhe concepções de valores, solidariedade, justiça e outros atributos que o convocarão ao seu exercício, a fim de garantir a manutenção das relações de poder, afeto, trocas etc.
Tais características se manterão por longos períodos, repetindo-se por diversos momentos, apesar dos movimentos e mudanças de status que possam vir a acontecer. Esta consciência coletiva é o que conduz os humanos, mesmo não sendo refletida, lúcida - o que não significa que permanecerá assim para sempre, pois, em algum momento, as pessoas tomam consciência de si e resolvem compor as mudanças que consideram necessárias (Reis, 1994). É nesse aspecto que a História se aplicaria enquanto ciência, podendo ela, a partir de certas estratégias dadas por Bloch, demonstrar a organização dessa consciência no tempo como produto humano e não da natureza.
O que se pretende aqui, portanto, é situar Bloch na Nouvelle Histoire, a partir de sua compreensão do tempo histórico. Se Febvre abriu o caminho subjetivista da Nouvelle Histoire, que não continuou, Bloch abriu o caminho objetivista, que foi o que venceu. E objetivista no sentido em que, mesmo não reduzindo o tempo da consciência ao da natureza, ele o aborda de uma forma naturalista (Reis, 1994, p. 55).
É partir das ideias de Bloch que os demais pensadores da Nouvelle Histoire irão caminhar, bem como pelo legado que suas críticas deixaram para essa disciplina e que nos servem de parâmetro até os dias de hoje no que diz respeito à produção científica. É certo que, atualmente, um historiador formado na área e até mesmo os trabalhos acadêmicos, como teses e dissertações, que não apresentem um problema a ser debatido, isto é, que se limitem a ser meramente factuais, não encontram mais espaço nos ambientes de pesquisa. O modo como os primeiros Annalistes interpretaram a História se tornou universal, ensinando que o papel de um pesquisador é olhar o seu entorno e se posicionar criticamente, discutindo acerca dos problemas que assolam sua realidade.
Para isto serviria a Historiografia, seria ela a principal ferramenta de identificação dos fatos, cenários e contextos sociais, sendo o historiador aquele que, por meio da sua pesquisa, decifraria aquilo que é próprio do ser humano. Para Bloch, era necessário ao historiador elevar a sua prática de pesquisa - tida muitas vezes como mera especulação - à condição de ciência, tendo em vista que nela se identificariam os atributos de um conhecimento próprio, com método, sistematização e classificação racional (Bloch, 2001). Além disso, uma vez constituída como saber válido e ocupando o lugar que lhe é de direito, haveria a condição de sua pesquisa se multiplicar e contribuir com outras áreas, extraindo elementos que são úteis não apenas para si, mas para as demais discussões que dela possivelmente surgiriam.
Considerações finais
A História da Educação é, hoje, um campo consolidado nos cenários internacional e nacional. O ISCHE (International Standing Conference for the History of Education) e o CBHE (Congresso Brasileiro de História da Educação) são dois exemplos de coletivos que aglutinam os pesquisadores em História da Educação, na apresentação e discussão de novas pesquisas para a comunidade científica. Como campo consolidado, portanto, já produziu inúmeros documentos sobre o fazer do historiador da Educação. Também, nos últimos anos, o campo ampliou a utilização de fontes para as pesquisas, ao não se restringir mais à documentação oficial, como leis, por exemplo. No entanto, julgamos, e este é o motivador do texto que ora concluímos, que a discussão do que é a História, e de como ela é investigada e como se dá a produção da Historiografia específica da Educação, ainda é algo que está sempre em construção. Ao trazer aqui a teoria historiográfica de Marc Bloch, objetivamos instigar que historiadores, formados e, especialmente, aqueles em formação, possam ter contato com um fundamento metodológico que lhes possibilitará ampliar seus horizontes científicos.
A importância da revisão historiográfica produzida por Marc Bloch, com a criação da Revista dos Annales, idealizada por ele e Lucien Febvre, reside no esforço coletivo na busca por modernizar o conceito de ciência e História no século XX. Ao se opor ao modelo tradicional de História que se estruturava a partir das ideias da Escola Alemã da época, Bloch e os Annalistes esforçaram-se por produzir uma nova concepção de método de pesquisa, elevando a História a um campo científico válido, ao mesmo tempo que reformularam o conceito de fonte histórica, afirmando que toda produção e todo discurso dos seres humanos podem e devem ser considerados como objeto de manifestação temporal. Bloch é um dos representantes do início do século XX da renovação no estudo da História, e sua contribuição para a área o tornou um referencial para as gerações futuras, tanto dos Annales quanto de outros grupos.
A partir de um trabalho interdisciplinar existente desde os primeiros encontros dos Annales, Bloch propunha que a História como a conheciam deveria ser questionada, dando espaço para que surgissem novas formas de se considerarem os fatos oficialmente validados. Essa forma de desenvolver pesquisas legou para áreas da Pedagogia, como a História da Educação, estratégias indispensáveis na produção de sua identidade e conhecimentos, sendo o recurso da interdisciplinaridade fator-chave para o sucesso da pesquisa. A união de esforços das diversas áreas na busca por respostas aos seus questionamentos e, consequentemente, na formação de novos conceitos e abordagens teóricas, é o princípio de uma pesquisa científica completa e não fragmentada, como afirma Bloch em sua obra Apologia da História.
Neste ponto, o papel do historiador se torna crucial para o sucesso da pesquisa, sendo a sua concepção de História o elemento norteador de suas considerações ao realizar a investigação. Ele precisa ter em mente que a História não se encontra nos eventos em si, mas nos seres humanos e na sua mentalidade, que reúne a todos num único sistema, sendo o tempo da consciência humana diferente do tempo da natureza, o que implica a definição dos eventos históricos como meros reflexos da verdadeira História que se encontra na vivência coletiva, nas decisões tomadas no conjunto da vida em sociedade. A fatualidade deu espaço à leitura social da História, o que influenciou toda a concepção de ciência moderna, garantindo que novas formas de se produzir conhecimento permeassem o campo do saber, tornando-se assim a concepção de História de Marc Bloch um método reconhecido e utilizado em nível mundial.
Referências
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Tradução: “Seria inútil, além disso, querer encontrar nos Annales uma “doutrina” rigorosamente elaborada, com preceitos magistralmente declarados. Nada teria sido mais contrário ao espírito tão moderado de Marc Bloch; em seu horror à abstração, ele sabia bem que fórmulas muito absolutas correm o risco de gerar erros quase tão graves quanto aqueles que afirmam combater.”
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
15 Jan 2024 -
Aceito
13 Ago 2024
