Open-access A RACIALIZAÇÃO DA CRIMINOLOGIA E DA EDUCAÇÃO NO TRATO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA HISTÓRIA DECOLONIAL

LA RACIALIZACIÓN DE LA CRIMINOLOGÍA Y LA EDUCACIÓN EN EL TRATAMIENTO DE LA INFANCIA BRASILEÑA APORTES A UNA HISTORIA DESCOLONIAL

THE RACIALIZATION OF CRIMINOLOGY AND EDUCATION IN THE TREATMENT OF BRAZILIAN CHILDHOOD: CONTRIBUTIONS TO A DECOLONIAL HISTORY

LA RACIALISATION DE LA CRIMINOLOGIE ET L'ÉDUCATION DANS LE TRAITEMENT DE L'ENFANCE BRÉSILIENNE : CONTRIBUTIONS À UNE HISTOIRE DÉCOLONIALE

Resumo

O artigo discute a criminalização de crianças e adolescentes pretos em legislações e obras de criminologistas, produzidas em fins do século XIX e início do XX, e nas proposições pedagógicas de regeneração pelo trabalho. Nesse recorte temporal, são analisados o Código Penal de 1890 e o Código de Menores de 1927. Toma-se como hipótese a estreita relação entre a racialização criminal e a divisão racial da educação, com a oferta de escolarização diferenciada em instituições disciplinares, onde o trabalho obrigatório apresentava-se como pedagogia regeneradora. Selecionou-se como fontes documentais: legislações, imprensa e obras de época, tendo como referenciais teóricos os autores Norbert Elias e Anibal Quijano. Pretende-se problematizar as possibilidades de uma história decolonial da educação da infância que dê visibilidade à tradição longeva da criminalização da infância preta, e da divisão racial da educação pela oferta desigual de escolarização.

Palavras-chave:
Raça; Criança; Marginalização

Resumen

El artículo analiza la criminalización de niños y adolescentes negros en la legislación y los trabajos de criminólogos, producidos a finales del siglo XIX y principios del XX, y en las propuestas pedagógicas de regeneración a través del trabajo. En este marco temporal se analiza el Código Penal de 1890 y el Código de Menores de 1927. La hipótesis es la estrecha relación entre la racialización criminal y la división racial de la educación, con la provisión de escolarización diferenciada, en instituciones disciplinarias, donde el trabajo obligatorio se presentó como una pedagogía regenerativa. Se seleccionaron fuentes documentales: legislación, prensa y obras de época, tomando como referentes teóricos a los autores Norbert Elías y Aníbal Quijano. El objetivo es problematizar las posibilidades de una historia descolonial de la educación infantil, que dé visibilidad a la larga tradición de criminalización de la infancia negra y de la división racial de la educación.

Palabras clave:
Raza; Niño; Marginación

Abstract

The article discusses the criminalization of black children and adolescents in legislation and works by criminologists, produced at the end of the 19th century and beginning of the 20th, and in the pedagogical propositions of regeneration through work. In this time frame, the Penal Code of 1890 and the Minors Code of 1927 are analyzed. The hypothesis is the close relationship between criminal racialization and the racial division of education, with the provision of differentiated schooling, in disciplinary institutions, where the Mandatory work presented itself as regenerative pedagogy. Documentary sources were selected: legislation, press and period works, using the authors Norbert Elias and Anibal Quijano as theoretical references. The aim is to problematize the possibilities of a decolonial history of childhood education, which gives visibility to the long-standing tradition of the criminalization of black childhood and the racial division of education, due to the unequal provision of schooling.

Keywords:
Race; Child; Marginalization

Résumé

L'article discute de la criminalisation des enfants et adolescents noirs dans la législation et les travaux des criminologues, produits à la fin du XIXe siècle et au début du XXe, ainsi que dans les propositions pédagogiques de régénération par le travail. Dans cette période, on analyse le Code Pénal de 1890 et le Code des Mineurs de 1927. L'hypothèse est la relation étroite entre la racialisation criminelle et la division raciale de l'éducation, avec l'offre d'une scolarité différenciée, dans des institutions disciplinaires, où le travail obligatoire. se présente comme une pédagogie régénératrice. Des sources documentaires ont été sélectionnées : législation, presse et ouvrages d'époque, en utilisant les auteurs Norbert Elias et Anibal Quijano comme références théoriques. L’objectif est de problématiser les possibilités d’une histoire décoloniale de l’éducation des enfants, qui donne de la visibilité à la longue tradition de criminalisation de l’enfance noire et de division raciale de l’éducation.

Mots-clés:
Race; Enfant; Marginalisation

Introdução

Nos anos iniciais da república brasileira vários foram os adjetivos usados para designar aquelas crianças e adolescentes1 que perambulavam pelas ruas das cidades, elencados por juristas, médicos, jornalistas, policiais, tais como, menor, delinquente, pervertido, vadio. Não obstante, a aplicação desses epítetos não é específica da história da infância brasileira, pelo contrário, teve como fonte as cidades europeias no contexto de expansão industrial, tomadas por crianças pobres e maltrapilhas. Do mesmo modo, encontramos a defesa do trabalho como pedagogia regeneradora, aplicada em instituições de reclusão espalhadas por toda a Europa, que, no mesmo contexto, estava mergulhada em desigualdades sociais profundas. Não há originalidade nos estudos históricos sobre a infância pobre, sua criminalização e educação como demonstram várias publicações nacionais e estrangeiras (Hopkins, 1994; Marcilio, 1998; Rizzini e Rizzini, 2004). Entretanto, faz-se necessário avançar na investigação histórica da criminalização de crianças pretas2, acontecimento recorrente ainda nos dias atuais.

Nossa contribuição aqui é problematizar a racialização presente nos procedimentos de criminalização e de educação, não somente da infância pobre, mas da infância preta. É preciso dar visibilidade a radical diferença, por exemplo, entre o epíteto de delinquente direcionado à uma criança ou adolescente branco, de quando é dirigido à uma criança ou adolescente preto. Faz-se necessário indicar elementos para problematizarmos a elaboração sócio-histórica dessa diferença, levando-se em consideração a longeva opressão e condição de exclusão vivenciada pela população preta. Ou seja, queremos ressaltar que essa problemática se refere não somente às desigualdades sociais, mas, principalmente à elaboração histórica das desigualdades raciais, e aqui, em específico, da divisão racial da infância.

Numa longa duração histórica, desde os primórdios da colonização no século XVI, crianças e adolescentes pretos se situaram de modo subalterno na sociedade, sendo suas histórias invisibilizadas. Essa afirmação possui respaldo em documentos, como por exemplo, iconografias e relatos de viajantes europeus, ou nas discussões referentes à Lei do Ventre Livre, editada em 1871 (Malheiros, 1867), e pode ser fundamentada pela perspectiva da história decolonial, na elaboração teórica feita por Anibal Quijano (2005) sobre a divisão racial do trabalho, como elemento estrutural das sociedades coloniais na modernidade. Denota-se que tal condição de inferioridade, se aprofundou no período pós independência e, ainda mais, após a abolição da escravidão em 1888 e instalação da república em 1889. A esse processo histórico, de continuidade das relações coloniais, Quijano conceituou como colonialidade do poder (2005).

De acordo com os dados de Carvalho (2023), por época da abolição, as pessoas escravizadas somavam em torno de 15% da população total. Embora, a partir desse tempo, houvesse formalmente o fim dos processos legais de diferenciação da condição jurídica entre pessoas brancas e pretas, contraditoriamente, as desigualdades raciais se acentuaram profundamente, nos mais diferenciados aspectos. Como expressão da colonialidade do poder, vamos analisar aqui, ainda que de modo breve, os vínculos entre a criminalização da infância preta e a divisão racial da educação, marcada pela pedagogia regeneradora do trabalho.

Elencamos para análise as duas principais legislações republicanas de referência desse processo: o Código Penal de 1890 e o Código de Menores de 1927. Tais regulamentações integram transformações nos campos sociais, políticos, jurídicos e científicos em curso. Ou seja, no contexto pós lei do ventre livre (1871), pós abolição (1888) e de decretação da República (1889), as elites se perguntavam, de modo cada vez mais enfático: o que fazer com a população preta e pobre que densamente povoava as cidades e os campos?

Fundamental destacar que, não por acaso, nesse mesmo contexto, expandia-se o cientificismo eurocêntrico por meio da intensa circulação das teses higienistas3 e eugênicas4, estruturantes científicas no processo de criminalização da infância preta. Isso pode ser identificado em obras de criminologistas e de médicos referência na época, quais sejam, O homem delinquente, do italiano Cesare Lombroso (1835-1909), 1885; e obras de brasileiros, Menores e loucos em Direito Criminal de Tobias Barreto (1839-1889), de 1886 e Raças Humanas e responsabilidade penal de Nina Rodrigues (1862-1906), editado em 1894. Destacamos que, embora sejam obras publicadas no final do século XIX, elas tiveram várias edições e republicações ao longo das décadas seguintes, repercutindo suas ideias, conceitos e preconceitos5.

Para o desenvolvimento dessa problemática, o texto está dividido em três tópicos. No primeiro pretende-se apresentar algumas reflexões para pensarmos a perspectiva da história decolonial nos estudos da história da infância e de sua educação. O diálogo central se faz com o sociólogo peruano Anibal Quijano (1918-2018), um dos autores referência para os estudos históricos decoloniais, fundamentados na tese da divisão racial do trabalho. Nossa intenção é dar visibilidade à relação entre a divisão racial do trabalho, a criminalização da infância preta e a defesa da pedagogia do trabalho como princípio regenerador, e, evidenciar a colonialidade do poder.

Também o sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990), embora não seja um representante dessa vertente historiográfica, apresenta importantes contribuições para problematizarmos o processo histórico de elaboração das desigualdades raciais como expressão do desequilíbrio da balança de poder. Nesse caso, destacamos o conceito da figuração estabelecidos e outsiders, e da proposição de análise dessa relação interdependente por meio do conceito de sociodinâmica da estigmatização, enquanto estratégia fundamental para afirmar o grupo estabelecido (Elias e Scotson, 2000).

No segundo tópico, é analisado o Código Penal de 1890. Esse código foi editado, ainda no governo provisório de Deodoro da Fonseca, antes mesmo da Constituição de 1891, portanto, podemos indagar sobre a preocupação das elites em definir o criminoso, antes mesmo do cidadão republicano. É notória a intencionalidade de criminalizar a população preta, objeto de estudo de outros autores (Prando, 2018; Paulino e Oliveira, 2020), mas o que dizer das crianças e adolescentes pretos?

No terceiro item, o objeto de estudo é o Código de Menores de 1927. Essa legislação consolidou e unificou em nível nacional o tratamento a ser dado às crianças e aos adolescentes abandonados, pervertidos e delinquentes, conforme nomenclatura estabelecida. Nesse código, como veremos, é explícita a prescrição de trabalho como fonte pedagógica regeneradora.

Divisão racial da infância e de sua educação: proposições para uma história decolonial

Os estudos decoloniais vinculam-se ao grupo de estudiosos latino-americanos denominado Modernidade/Colonialidade (Ballestrin, 2013), e, desde os anos de 1980, vem desenvolvendo aportes teóricos de crítica à história eurocêntrica, ao introduzir a noção de “giro decolonial” para expressar sua radicalidade na crítica decolonial6. Os autores propõem outras epistemologias para romper com a perspectiva de história única, e dar visibilidade à ideia de raça como eixo organizador das estruturas coloniais de poder, desde o século XVI, no âmbito de uma história global. Dois conceitos se apresentam como fundamentais para a problematização dos autores, são eles: divisão racial do trabalho e colonialidade.

Conforme demonstra Anibal Quijano (2005), o processo colonizador europeu nas Américas promoveu a hierarquização racial como fundamento da dominação social, por meio da divisão racial do trabalho executado por africanos e indígenas escravizados. Desde então, estabeleceu-se um novo padrão mundial de poder que outorgava legitimidade às relações de dominação, elaborado a partir da ideia de raça. De acordo com Quijano, “(...) A formação de relações sociais fundadas nessa ideia, produziu na América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços (...)” (Quijano, 2005, p.107).

Ao longo do processo civilizador/colonizador os povos dominados, pretos e indígenas, foram transmutados em pessoas inferiores, ou seja, pela nova classificação racial estabelecida, seus traços fenotípicos, suas culturas, hábitos, valores e crenças, se transformaram em objetos de dominação e de invisibilização. Fundamental ressaltar que essa nova dinâmica de dominação não se restringiu aos adultos. Queremos chamar atenção aqui para a divisão racial da infância, e para a primeira manifestação da divisão racial da educação, quando os membros da ordem dos jesuítas, submeteram crianças e adolescentes indígenas ao assédio religioso e ao trabalho regenerador.

Não obstante, a divisão racista do trabalho, promovedora dos avanços da burguesia europeia e do mercado capitalista, não se interrompeu com as independências e a abolição da escravatura. Pelo contrário, os movimentos pelos direitos que se disseminaram em grande parte do mundo, a partir de fins do século XVIII, foram excludentes, pelo menos até as primeiras décadas do século XX, como no caso dos direitos das mulheres e dos indígenas. Os debates políticos, por época da elaboração das primeiras Constituições do mundo, foram realizados com a permanência da escravização de pessoas, por exemplo, nas colônias francesas e inglesas; nos Estados Unidos independente, com abolição apenas em 1868, e nas ex-colônias latino-americanas. No caso do Brasil, a combinação entre governo constitucional, em 1824, e a manutenção da escravidão, integra a mesma dinâmica política excludente de outras nações.

Portanto, constata-se que a discriminação racial se aprofundou com o avanço da exploração capitalista e com a organização dos Estados nação, sob governos constitucionais de igualdade jurídica, provocando tensões e conflitos. Essa continuidade é conceituada como colonialidade do poder, expressa na inferiorização da população não europeia, pela desqualificação de seus saberes (colonialidade do saber) e costumes (colonialidade do ser). Conforme afirma Lander (2005, p. 13), “As outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras formas de conhecimento, são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas”. Contrariando e denunciando essa constatação, Catherine Walsh (2013) introduziu a palavra decolonialidade. O objetivo não é apenas diferenciar da palavra descolonização, que dissimula a geopolítica do poder, mas, pretende atender a dois propósitos: dar visibilidade aos processos históricos e contínuos de opressão e subalternização aos quais estão submetidas as populações pretas e indígenas, bem como dar visibilidade às lutas de resistência aos processos de exclusão.

Nesse texto, objetivamos evidenciar os processos de subalternização da população preta, pela problematização da divisão racial da infância, ou seja, investigar o processo histórico de racialização do trabalho e da educação de crianças e adolescentes pretos, embora incluísse também a população indígena. Essas crianças, vinculadas ou não às suas famílias, também integraram a divisão racial do trabalho, quando se difundiram as identidades inventadas de indiozinhos e negrinhos. Do mesmo modo que para os adultos indígenas e africanos, uma nova classificação social da infância se fez, tendo a cor e os traços fenotípicos como estruturantes de legitimação da escravização, inferiorização e, portanto, de interrupção da história originária de suas infâncias.

O processo civilizador/ colonizador instituiu, de modo inédito, desde o século XVI, a racialização do trabalho infantil, pela escravização de crianças e adolescentes. Por sua vez, a racialização da educação se fez presente, inicialmente, na catequese indígena, especificamente voltada para filhos/as dos povos originários, e, posteriormente para a infância preta, especialmente a partir das discussões sobre a Lei do Ventre Livre (1871), e com a criação de asilos, institutos agrícolas, etc. Concomitantemente, a racialização da criminalização da infância preta, no contexto pós abolição e do estabelecimento da igualdade jurídica, deu continuidade aos costumeiros processos de inferiorização e opressão da população preta.

Acresce-se que, grande parte dos homens adultos pretos, devido à condição de não alfabetizados, implicitamente estiveram excluídos da organização da república brasileira, ao passo que as mulheres foram explicitamente excluídas, e os indígenas não foram mencionados, tais situações de exclusão e de omissão também afetaram as suas crianças e adolescentes. Por sua vez, a escola republicana era, em sua origem, excludente e desigual, devido ao trabalho infantil e pobreza das famílias, o censo de 1920, indicou o percentual de 75% da população analfabeta (Carvalho, 2023). Portanto, constata-se a longa duração histórica desse processo desigual e opressor, constituído no âmbito da figuração estabelecidos e outsiders, como desenvolvido por Elias e Scotson (2000). De acordo com os autores, no cerne das relações sociais, grupos mais poderosos que assim o são por causa de sua posição nas relações de interdependências, identificam-se e se autodenominam como superiores. Os autores enfatizam que as posições desiguais de poder ocorrem e se mantêm pela sociodinâmica da estigmatização em que um grupo dominante atribui características negativas ao grupo dominado, nos aspectos estéticos, culturais, etc. Segundo os autores, essa dinâmica estigmatizante funciona como um reforço das relações de poder e impulsiona sentimentos de repulsa, vindo a justificar a “evitação social”. E afirmam, “Afixar o rótulo de ‘valor humano inferior’ a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social” (Elias e Scotson, 2000, p. 23-24). A estigmatização histórica das populações pretas e indígenas se estabeleceram como a base do racismo estrutural vigente.

Nas Américas, crianças e adolescentes pretos e indígenas, desde o século XVI, foram submetidos a várias sociodinâmicas de estigmatização. Nesse artigo, analisamos especialmente os filhos da população preta, nos primórdios da república brasileira. Em fins do século XIX e início do XX, como em outras nações, difundiram-se vários debates relativos à assistência à infância, devido à condição de vulnerabilidade em que se encontravam as famílias pobres. Contudo, como pudemos constatar, tais debates, reforçaram as retóricas estigmatizantes, levando-se em consideração, não apenas a classe social, mas a cor dessas famílias e de suas crianças. Como consequência, é possível identificar ações marginalizadoras, tanto no campo jurídico como educacional, no reforço das crianças e adolescentes pretos como grupo outsider. Às crianças e aos adolescentes pobres e pretos foram endereçadas leis de assistência social que reforçaram oficialmente sua exclusão, devido ao internamento e isolamento da sociedade, bem como, propostas pedagógicas com enfoque no trabalho regenerador, com poucas chances de sair de seu lugar social racializado. Acresce-se à atribuição de características desqualificadoras, identificando-as como pessoas “desvalidas” e inferiores, do ponto de vista físico/estético, moral, intelectual e econômico (Camara, 2010). Além do mais, no contexto de incremento da urbanização no Brasil eles se tornaram não somente um problema social, mas também caso de polícia, pois crianças e adolescentes pretos perambulavam e “vadiavam”, pelas ruas das cidades, em “bandos” e “maltas”, e frequentemente esses “menores de rua” eram acusados da prática de roubos e golpes.

Londoño (1995), ao falar sobre a origem do uso do termo menor, evidencia que a terminologia surge no campo do Direito, nos discursos dos juristas, assim como na imprensa, no fim do século XIX e começo do século XX, no Brasil. Nesse contexto, a palavra “menor” se tornou sinônimo de crianças e adolescentes marginais que, se ainda não integrados ao crime, estavam propensos a serem futuros criminosos. Queremos destacar aqui que, desde a dominação colonial, crianças e adolescentes pretos foram expostos à condição de inferioridade pela cor da sua pele e pelo trabalho escravizado. Desse modo, a estigmatização dos menores pretos como pessoas desvalidas, ou seja, sem validade no contexto do trabalho livre, por juristas e políticos, nos dá uma outra dimensão da história de suas infâncias e do futuro de opressão racial à qual serão submetidos.

Código Penal de 1890: a confirmação criminal do “menor capoeira”

Para ter destino, mandou hontem o subdelegado do 1º districto do Sacramento apresentar ao Dr. Chefe de polícia o menor João Vieira da Cunha acusado de improbidade e de ser capoeira. (Diário do Comercio, 21/12/ 1889, p. 1) (grifo nosso)

Registros como esse abundavam nos jornais desde o início do século XIX, embora a perseguição aos capoeiras remonta o período colonial. De acordo com Vainfas (2002), os chamados capoeiras eram identificados como escravizados fugidos, vadios, desordeiros, assassinos e eram cruelmente reprimidos. Importante destacar que a criminalização expressa da capoeira em nível nacional não foi obra do Império, mas, da República, pelo Código Penal de 1890. Esse Código, editado pelo Decreto 847, 11/10/1890, substituiu o Código Penal de 1830, da época do Império, e, até então, a penalização por “ser capoeira” era tratada nas posturas municipais. O magistrado João Vieira de Araujo (1844-1922) comenta o assunto, em obra de 1901, afirmando que “O código criminal de 1830, art. 295, apenas continha a disposição deste artigo sobre os vadios; então não havia surgido o capoeira, que é delinquente indígena, porém muito mais moderno” (Araujo, [1901], 2004, p. 393). Apesar da abolição da escravidão em 1888, a perseguição e criminalização da população preta, e de sua cultura, não foi abolida, pelo contrário, permaneceu por uma longa duração histórica, expressão da colonialidade do poder, do ser e do saber (Quijano, 2005).

Na nota publicada no jornal Diário do Comércio, escrita já no contexto republicano, nos chama atenção a identificação de um menor como capoeira. Destaca-se que a notícia foi publicada antes da edição do novo Código, e reforça nosso questionamento sobre a problemática do que fazer com a população preta, pois, o debate jurídico a respeito da penalização dos capoeiras foi recorrente. Por exemplo, na edição de 27/01/1890, esse jornal iniciou uma coluna periódica intitulada Direito Criminal, assinada pelo advogado Carlos Perdigão (1830-?), para contribuir com as discussões do novo Código Penal, cujo teor central era a repressão aos capoeiras, definidos por ele como “(...) malfeitores, que perigosamente convivem entre todos os cidadãos conhecidos pelo nome popular de capoeiras” (p.2) Ele explica que o grande número de mendicantes perigosos, de vagabundos e de capoeiras nas ruas da cidade era fruto de famílias que não cuidavam de seus filhos, sendo causas também a “(...) imensa liberdade dos costumes, a imensa liberdade dos atos, a imensa liberdade do trabalho (...)” (p.2).

Na edição de 31/01/1890, Perdigão afirmava que vadiação e pauperismo não eram exclusividades brasileiras, havia muito mais na Inglaterra, Estados Unidos e França, mas, em nenhum outro lugar do mundo há o capoeira “(...) que só pertence à cidade do Rio de Janeiro” (p.2). Em consonância com o pensamento do magistrado Araujo ([1901], 2004), confirmava ser o capoeira o nativo da cidade, ou, o “delinquente indígena”. Perdigão comenta sobre a legislação preventiva da vadiagem na Europa e a ineficácia de legislações semelhantes no Brasil. Ele argumenta que, no Brasil, o problema da vadiagem era o trabalho facultativo, e relembra os “bons tempos” da escravidão (Diário do Comercio, 27/01, 1890, p. 2).

Na análise do Código de 1890, destacamos, para esse texto, três aspectos que incidem diretamente sobre a população preta, suas famílias e crianças: a redefinição da faixa etária para a penalização de crianças e adolescentes, a criminalização das manifestações culturais e a valorização do trabalho como fonte regeneradora da vadiagem. Ressaltamos esses aspectos porque, legalmente, já não era mais possível escravizar as pessoas pretas, e nem mesmo discriminar as penalizações para pessoas livres e para as escravizadas, como prescrevia o Código de 1830. Ao que tudo indica, a uniformidade pretendida era cercada pela realidade da discriminação racial.

O código republicano alterou significativamente a idade das crianças a serem penalizadas, conforme previsto no Artigo 27 - da idade de 14 anos (Código de 1830) para 9 anos, bem como a faixa etária da aplicação da tese de discernimento7 - de 14 a 17 anos (Código de 1830), para 9 a 14 anos. Ora, qual o significado histórico da alteração das idades para criminalizar crianças? Até o momento ainda não encontramos registros sobre discordâncias quanto a essa alteração da idade, inclusive no livro já citado de Araujo ([1901],2004), referência na interpretação e crítica ao novo Código, não há menção alguma de reparações a serem feitas no Artigo 27. Trazemos como hipótese para essa alteração da idade, o contexto pós abolição, o adensamento urbano, e a condição de pobreza da maioria da população brasileira. Não se tratava de penalização de qualquer criança acima de 9 anos, mas principalmente das crianças e adolescentes pretos. Não se tratava de uma codificação penal direcionada para crianças brancas.

Importa salientar que a criminalização de pessoas pelo seu fenótipo teve importante divulgação com Cesare Lombroso, no livro O Homem delinquente de 1885. Nele o autor desenvolve suas teses sobre a infância criminosa, especificamente nos capítulos 5, 6 e 7, a saber respectivamente: A demência moral e os delitos entre as crianças; Casuística (de delitos nos meninos) e Sanções e meios preventivos do crime dos meninos (Lombroso, [1885] 2007, p. 85). O autor defende o determinismo biológico na identificação do criminoso nato, e prescreveu o aprisionamento e isolamento da criança “delinquente nato” do convívio social com aquelas não possuidoras do “gene do crime”, em prol do bem social. Ele também atribuía papel essencial da educação para desviar do crime aqueles que nasceram bons, mas eram detentores de uma “criminalidade infantil transitória” (Lombroso, [1885] 2007, p. 86).

Sob esse prisma, o jurista e professor Tobias Barreto, na obra Menores e Loucos em Direito Criminal, de 1886, destacava a necessidade de normas jurídicas que se adequassem às peculiaridades de um povo diverso como o brasileiro - incivilizado e subserviente - se comparado aos europeus (Barreto, [1886] 2003). Por exemplo, ele entendia que a tese do discernimento não poderia ser aplicada ao “menor brasileiro”, cuja educação se limitava a “pedir à benção a todos os mais velhos” (Barreto, [1886] 2003, p. 16-17). É fato que, ao que tudo indica, a definição da maioridade penal aos 9 anos, e da faixa etária do discernimento ente 9 e 14 anos, associado aos argumentos científicos do determinismo biológico e das “especificidades” da população brasileira, esteve, naquele contexto pós abolição, diretamente direcionado à infância preta.

Outro autor, Raimundo Nina Rodrigues, médico estudioso das “raças humanas”, corroborava com as ideias de Lombroso e Barreto, e sustentava a necessidade de diferenciar a responsabilização criminal de acordo com o tipo racial. Em Raças Humanas e responsabilidade penal, de 1894, ele defendeu que as raças inferiores - pessoas não brancas - não poderiam ser julgadas com as mesmas leis dos brancos (Rodrigues, [1894] 1938, p. 25). Como em Tobias Barreto, sobressai nos estudos de Nina Rodrigues o pensamento eurocêntrico e colonial que interpreta a maioria do povo brasileiro como perigoso e inferior, dado sua origem selvagem, sua negritude e mestiçagem. Em seu livro utiliza termos e expressões como “raças inferiores”, “impulsividade primitiva”, potencialidades e limites “da domesticação do índio e a submissão do negro”, “negro não tem mau caráter, mas somente caráter instável como de uma criança”, “indolência do mestiço” e etc. (Rodrigues, [1894] 1938, p. 29).

A criminalização da população preta também pode ser identificada pela penalização de suas práticas culturais e dos saberes populares. Destacamos no Título III (“Dos crimes contra a tranquilidade pública”), Capítulo III (“Dos crimes contra a saúde pública”), os artigos 157 e 158 - em ambos há a expressa condenação de costumes ancestrais de “cura”, mas identificadas na lei como espiritismo, magia e cartomancias que despertam “sentimentos de ódio ou amor” e prometem cura de moléstias (Brasil, Código Penal, 1890). Acresce-se a penalização do curandeirismo e do ofício de curandeiro, sendo proibido o preparo de “substância de qualquer dos reinos da natureza”, como meio curativo de uso interno ou externo.

Por sua vez, é conhecida e já bastante estudada, a condenação da prática da capoeira no Código de 1890 (Oliveira e Leal, 2009), mas, e o que dizer do “menor capoeira”? No Livro III (“Das contravenções em espécie”), Capítulo XIII, “Dos vadios e capoeiras”, o artigo 402, criminaliza a prática de “(...) exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem (...)” em espaços públicos, sob o argumento de que podem provocar tumultos, desordens e ultrajar o pudor. A associação entre vadio e capoeira é imediata - falta de ocupação, de domicílio certo, ou exercício de atividades ofensivas aos bons costumes, conforme definindo no artigo 399. Levando-se em consideração a prática da capoeira pela população preta, a estigmatização de vadios reforça a condição outsider. Nesse mesmo artigo 402, nos chamou atenção a criminalização da prática da capoeira direcionada aos adolescentes, bem como a pena do trabalho, conforme o “§ 2º Os maiores de 14 annos serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes, onde poderão ser conservados até a idade de 21 annos”. Desse modo, o Código de 1890 reforçou a criminalização do “menor capoeira” - meninos pretos a serem excluídos da sociedade e condenados ao trabalho. É fundamental destacar que o Código de 1890 prescrevia trabalho obrigatório como pena (Título V, artigo 43, inciso d; artigo 45 e artigo 48).

Por outro lado, na associação entre “vadios e capoeiras” esteve a ênfase na concepção de trabalho como algo edificante. Toda “vagabundagem” deveria ser coibida, tal como explicitado no capítulo XII Dos Mendigos e ébrios e no capítulo XIII, já citado. Essa questão pode ser exemplificada pela carta do Sr. Luiz Schreiner, diretor das colônias São Bento e Conde de Mesquita, Rio de Janeiro, endereçada ao editor do Diário do Comercio e publicada em 15/03/1890. Nela, ele relata os gastos e reclama autonomia e mais verbas, uma vez que o trabalho agrícola das crianças, embora originalmente tenha sido pensado como fonte de automanutenção, não vingou devido a vários fatores. Ele afirma que fez o compromisso de criar um estabelecimento “(...) destinado a recolher os mendigos e vagabundos que infestam a capital afim de regenerá-los pelo trabalho da lavoura (...)” (p. 1). Mas, quem eram essas pessoas? Assim define, “Os menores que se acham na colônia S. Bento foram enviados na maior parte pelo cidadão chefe da polícia com as notas: gatuno, vagabundo, com baixa da marinha por incapacidade physica [...], capoeira, etc.” (p.1). Destaca-se novamente a “nota” de “menor capoeira”.

Em resposta às críticas recebidas, devido à sua severidade no trato dos meninos, o diretor fez a seguinte defesa:

Que um rapaz de 13 a 16 annos bem alimentado pode passar 3 horas por dia nas aulas para aprender a ler e escrever e 5 horas em serviços leves da lavoura, parece-me incontestável, como também que o seu tratamento deve ser severo, por quanto só depois de esgotados todos os meios nas diferentes escolas e institutos, foram eles enviados para S. Bento, onde, pelo trabalho ao ar livre, em pouco tempo se modificarão (Diário do Comercio, 15/03/1890, p. 1).

Como podemos constatar, por época da edição do Código de 1890, estava em pleno curso a prática de criminalização das ações da população preta, não somente de suas práticas culturais e saberes, mas também na criminalização da infância de suas crianças. O rebaixamento da maioridade penal para 9 anos, a penalização do “menor capoeira”, a adoção da pedagogia da reclusão e do trabalho regenerador eram expressões da divisão racial da infância e a divisão racial da sua educação, o que foi plenamente consolidado no Código de Menores de 1927.

Código de Menores de 1927: ratificação dos mecanismos perpetuadores da marginalidade da infância preta e de sua educação

O Código de Menores, assinado pelo presidente Washington Luiz (1869-1957) e pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores Viana do Castelo (1874-1953), em 12 de outubro de 1927, é bastante detalhado e extenso, composto de 231 artigos. Esse Código definiu as ações dos órgãos públicos e as competências estaduais e municipais, no objetivo de consolidar em nível nacional as legislações de assistência e proteção ao menor. Destaca-se que a denominação Código de Menores, tal qual explícito na legislação, consolidou o uso do termo menor como adjetivo desqualificador de crianças e adolescentes abandonados, pobres, pretos, marginalizados.

Ressalta-se que, antes da edição desse código, outras legislações locais e algumas de abrangência nacional8 tiveram vigência, fomentando a cultura criminalizadora da infância preta e pobre. Em fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, crianças e adolescentes abandonados eram encaminhadas pelo Estado, para instituições de assistência, em sua maioria filantrópicas, leigas e religiosas. A atuação do Estado ocorria de forma limitada, seja, nas esparsas instituições públicas, ou na subvenção de instituições não públicas, intervindo somente em situações de calamidade pública e epidemia, portanto, de forma muito pontual. De acordo com as elites da época, tal desempenho era insuficiente, e mais parecia “Caridade Oficial do Estado”, nos dizeres do jurista Ataulpho de Paiva (1867-1955) (apud Pilotti e Rizzini, 2011, p. 240).

No início do século XX, identifica-se a implantação de instituições de assistência pública endereçadas às crianças e aos adolescentes abandonados e/ou condenados. Podemos destacar, por exemplo, a Colônia Correcional de Dois Rios, no Rio de Janeiro (1908-1930); os Patronatos Agrícolas, a serem fundados em nível nacional de acordo com a legislação (BRASIL, Decreto nº 12.893 de 1918 e Decreto nº13.706, de 1919) e as Escolas Premonitórias.

Entre as instituições criadas, salientamos a Escola Premonitória Quinze de Novembro, no Rio de Janeiro. Tal instituição se tornou referência nacional no tratamento do menor abandonado e infrator, e foi sendo remodelada, acompanhando as alterações nas leis criminais da cidade (Vianna, 1999). Inaugurada em 1899, como Escola Correcional, passou a Escola Premonitória em 1903, devido às reformas no serviço policial da cidade, com vistas a instruir a regeneração dos outsiders, ou seja, dos mendigos, inválidos, vagabundos ou vadios; dos capoeiras e dos menores viciosos, pelo trabalho e instrução (Distrito Federal, 1902). A nova regulamentação da instituição, através do decreto nº 4.780, de 2 de março de 1903, prescrevia “(...) dar educação física, profissional e moral aos menores abandonados e recolhidos ao estabelecimento por ordem das autoridades competentes” (Brasil, 1903). De acordo com o preâmbulo do Decreto, a nova regulamentação tinha como intuito atualizar a assistência aos menores, em sintonia com o entendimento dos intelectuais e juristas do período, que rogavam pela modernização do tratamento da infância desvalida, nos moldes das sociedades europeias e norte-americana, que, nos termos do decreto, detinham a “experiência dos povos cultos” (Brasil, 1903, preâmbulo). Contudo, no contexto republicano brasileiro, tal atualização reforçou a divisão racial da infância.

Outra ação estatal de destaque foi a edição da lei que criava Patronatos Agrícolas em todo o país, por meio do Decreto nº 12.893 de 1918, mais geral, e do Decreto nº 13.706, de 1919, que especificava funções, funcionamento, verbas etc. assinado pelo vice-presidente Delfim Moreira e pelo Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Commercio. De acordo com o Capítulo I, art. 1º, do Decreto de 1919:

Os patronatos agricolas instituidos por decreto n. 12.893, de 28 de fevereiro de 1918, são, exclusivamente, destinados às classes pobres, e visam a educação moral, civica, physica e profissional de menores desvalidos, e daquelles que, por insuficiencia da capacidade de educação na familia, forem postos, por quem de direito, à disposição do Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio (Brasil, 1918).

Não bastasse a exclusividade das “classes pobres” a serem enclausuradas nesses estabelecimentos, no Decreto é evidente a concepção de proteção defendida pelas elites políticas e intelectuais, ou seja, recorrer “(...) para esse effeito ao trabalho agricola, sem outro intuito que não o de utilizar sua acção educativa e regeneradora, com o fim de os dirigir e orientar, até incorporá-los no meio rural” (Dec. 13.706, capítulo 1, artigo 2º). A preferência pelo isolamento no campo e pelo trabalho na roça evidencia que seus destinatários não eram apenas meninos pobres, mas pretos e pobres, continuando a tradição dos tempos da escravidão.

A instituição funcionava como internato, para meninos entre 10 e 16 anos, e externato, para acima de 16 anos. Por sua vez, numa clara evidência da desigualdade escolar, ou seja, de divisão racial da educação, a prioridade no currículo era de noções práticas de agricultura e manejo de animais, sendo a instrução primária, basicamente reduzida a ler, escrever e contar; já para os alfabetizados era previsto formação profissional, direcionada para o trabalho no campo, e para os não internos, oferta de cursos avulsos sobre agricultura. Evidentemente que nesse tipo de instituição, dando continuidade à tradição histórica, o trabalho na roça era obrigatório - como prescreve o art. 59, “Trabalhos praticos, assim como nos differentes serviços a seu cargo, os educandos serão divididos em turmas, que se revezarão periodicamente, a fim de que todos participem das mesmas funções”.

Outra regulamentação, de abrangência nacional, antes do Código de 1927, foi o Decreto nº 16.272 de 1923. Nele destacamos a criação do Juizado de Menores, inicialmente no distrito federal, e posteriormente, com o Código de 1927, em todo o Brasil. O Juiz de Menor era responsável por processar e julgar o abandono de menores (Artigo 38 I); inquirir e examinar o estado psíquico, mental e moral do menor (Artigo 38 II); ordenar as medidas concernentes ao tratamento, colocação, guarda, vigilância e educação dos menores, entre outras funções. Por força da mesma lei, foi necessária a criação de abrigo temporário para a triagem dos menores, até o seu encaminhamento para instituições disponíveis para internação.

Apesar dessas iniciativas estatais, intelectuais como Ataulpho de Paiva e o médico Moncorvo Filho (1871-1944), entre outros, reclamavam a necessidade de centralização e unissonância da legislação sobre os serviços de assistência aos menores, com prescrição de medidas regenerativas cientificas (medicina, psicologia e criminologia) (Pilottii e Rizzini, 2011, p. 236). Desta feita, foi elaborado o Código de Menores, em 1927, que, já em seu primeiro artigo, especificava para quais crianças e adolescentes era endereçada a lei: “Art. 1º O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Código” (Brasil, 1927). Em contrapartida, às crianças e aos adolescentes, não consideradas como pessoas “menores”, cabia a regulamentação e proteção do Código Civil de 1916 que, inclusive, tinha normas diferentes em relação à instituição e destituição do pátrio poder9, o que sugere a divisão racial da infância.

Entre as várias prescrições do Código, optamos por analisar nesse texto dois aspectos: as definições de assistência e proteção por faixa etária e as instituições educativas previstas. A lei normatizou a assistência de crianças de zero a 18 anos, discriminadas em dois grupos, os infantes expostos e os menores abandonados. O primeiro, reunia crianças de zero a sete anos, encontradas em estado de abandono (Capítulo III), e, inclusive, teve como objetivo extinguir as rodas de expostos; já o grupo dos “menores abandonados” reunia menores de 18 anos de idade, em estado de indigência e/ou vítimas de maus tratos, devido à ausência ou incapacidade dos pais ou tutores de lhes dar assistência e proteção, e/ou também aqueles menores praticantes de “atos contrários a moral e aos bons costumes” (Capítulo IV). Nesse grupo de abandonados é especificado ainda a sua condição, qual seja, encontrar-se em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou libertinagem, portanto, segue a cultura do Código Penal de 1890, em duplo aspecto, na condenação dos “refratários ao trabalho” e na criminalização da maioria das crianças e adolescentes que se encontravam nessas condições - crianças e adolescente pobres pretos, numa clara divisão racial da justiça.

Quanto aos tipos de instituições, o Código especifica apenas as disposições referentes ao Distrito Federal, entretanto, a partir do mesmo ano, cada estado brasileiro editou a sua regulamentação, fundamentada nos exatos dispositivos. São previstos três tipos: o Abrigo de Menores (Capítulo III) e dois Institutos Disciplinares (Capítulo IV): a escola de preservação (artigo 198) e a escola de reforma (artigo 204).

Conforme a legislação, o abrigo tinha como função recolher, provisoriamente, meninos e meninas, menores de 18 anos, por caso de abandono ou de delinquência, e, após o julgamento dos casos, eles deveriam ser destinados às instituições disciplinares, para sua “preservação” ou para sua “reforma”, no caso daqueles que cometeram crimes. A escola de preservação, como diz o nome, tinha como objetivo preservar os/as menores do crime, entretanto, especificamente, na parte especial do código, referente ao Distrito Federal, o artigo 198, se direciona apenas para meninas da idade de 7 a 14 anos, pois, para a “preservação” dos meninos já havia a Escola Quinze de novembro, conforme prescrito no artigo 203. Por sua vez, as regulamentações estaduais, como foi o caso de Minas Gerais, normatizou escola de preservação também para meninos (Minas Gerais, Decreto nº 7.680, 1927, art. 84 e art. 102, p. 578-580). Já a escola de reforma destinava-se a meninos da idade de 14 a 18, ou melhor, aos menores delinquentes. O Código não previa escola de reforma para meninas delinquentes, uma questão a ser mais bem aprofundada na continuidade dessa pesquisa.

É fundamental problematizar que o Código deu continuidade a já longeva história das desigualdades escolares e da divisão racial da educação. Em todos os três tipos de instituições era prevista a contratação de professor primário ou ter uma escola primária, com o mínimo de conteúdo e com reforço na aprendizagem de ofícios e no trabalho em roça ou oficina. Tais normas foram muito diferentes das legislações educacionais que, no mesmo contexto, criaram os grupos escolares, ou, ainda daquelas que promoveram as reformas educacionais em todo o país, ao longo da década de 1920, no âmbito do movimento escolanovista10.

No abrigo de menores era previsto o ensino de ler, escrever e contar, uma professora para meninas e um professor para meninos, mestre de ginástica e de ofícios (artigos 191 e 193). Na escola de preservação, também a escolaridade era básica, embora a oferta de ofícios fosse mais ampla. No caso da legislação do Distrito Federal, para meninas, conforme o artigo 202, a maioria da oferta, ao que tudo indica, tinha o intuito de preparar futuras empregadas domésticas, pois, constava de aprendizagem de costura, lavagem de roupa, engomagem e cozinha; havia também ensinamentos de ofícios para a lida em roças: jardinagem, horticultura, pomicultura e criação de aves. Ou seja, eram ofícios nada diferentes do que costumeiramente meninas e moças pretas executavam nas “casas de família” e em fazendas. Apenas a possibilidade de aprendizagem de dois ofícios se distingue, entre os outros, por, provavelmente, favorecem oportunidade de trabalho fora do lugar da cor: datilografia e manufatura de chapéus. Destaca-se ainda, a previsão das meninas executarem trabalhos na própria instituição, conforme o artigo 202, parágrafo 2º, “Os serviços domesticos da escola serão auxiliados pelas alumnas de acordo com a idade, saude e forças dellas”.

Por sua vez, na normatização da escola de reforma, para delinquentes, é explícito a intenção de regenerar pelo trabalho (artigo 204) e no caso da educação, a legislação previa a contração de um instrutor militar, quatro professores primários, quatro mestres de oficinas, um mestre de desenho, um mestre de música e um mestre de ginástica (artigo 206). Quanto ao tipo de oficinas, a lei indica que elas ainda seriam definidas, entretanto, para as duas instituições disciplinares, de modo geral, regulamentou-se sobre a venda de artefatos e dos produtos do trabalho na roça executados pelas crianças, a qual um terço seria destinado a uma poupança a ser entregue quando da saída da instituição (artigo 212). A regeneração dos meninos pelo trabalho, significava, do mesmo modo que para as meninas, a sua inclusão na sociedade pelo exercício de um ofício inferior. Por exemplo, no caso dos internos na escola de preservação, o diretor poderia desligá-los, antes de atingirem os 18 anos, caso fossem empregados na própria escola ou fora dela. A educação pelo e para o trabalho era defendida como a única forma de desvio da delinquência e da criminalidade (Gonçalves, 2012).

Portanto, o Código de Menores seguia em consonância ao Código Penal da República, neles, as condições de vadiagem, mendicidade e libertinagem eram situações potenciais de delinquência. De outro lado, as instituições educacionais criadas pelo Código - abrigo de menores, escola de preservação e escola de reforma - previam aprendizagem de ofícios de menor qualificação e o trabalho infantil, o que pouco favorecia a alteração da sua condição social, reforçando estigmatizações racistas.

Conclusão

Nesse texto, procuramos apresentar algumas evidências históricas que contribuam para a discussão de uma história decolonial da infância e de sua educação. Nessa perspectiva trouxemos como premissa o entendimento da divisão racial da infância e da divisão racial da educação, inspiradas na proposição de Anibal Quijano (2005) sobre a divisão racial do trabalho, constituído desde a colonização europeia e com vigência ainda nos dias atuais, como colonialidade do poder. Nosso objetivo foi dar visibilidade a esse processo.

Para isso, discutimos a hipótese da racialização da criminologia e da educação nas primeiras décadas republicanas, por meio da análise do Código Penal de 1890 e do Código de Menores de 1927 e de algumas obras de época. Nessa discussão, o enfoque central foi a criminalização da infância preta, pois, embora vários estudos tratem da criminalização das crianças pobres em estado de abandono, entendemos que há uma radical diferença quando o que esteve em questão foi a criminalização da cor preta. Vários indícios confirmam essa questão. A edição do Código Penal republicano, imediatamente após a abolição da escravidão, e antes da Constituição, é bastante sintomático das tensões geradas com o fim da escravidão, pois, ao que tudo indica, havia pressa em definir o criminoso antes mesmo de esclarecer quem era o cidadão republicano. Destaca-se que no contexto, ampliaram-se estudos da criminologia de perspectiva eurocêntrica, fundamentados em autores como Cesare Lombroso, disseminando a ideologia eugênica e o determinismo biológico para definição do criminoso, o que teve consequências trágicas num país constituído de população preta em sua grande parte. É o que pudemos observar, por exemplo, nas obras de Nina Rodrigues e Tobias Barreto.

Ainda que o número de escravizados fosse reduzido, pela lei não seria mais possível escravizar pessoa alguma, assim, um certo pânico parece ter tomado conta das elites. Chama atenção no Código Penal, a criminalização das práticas culturais e dos saberes originários da população preta; a significativa redução da idade para responsabilidade criminal, ou seja, idade de 9 anos, e a indicação de internação em instituições com prática de trabalho, como penalidade criminal. Lembramos aqui, que, para não sair de imediato da cultura escravocrata, o Código Penal republicano previa prisão com trabalho obrigatório em vários artigos, o que não foi diferente para a penalização das crianças e dos adolescentes capoeiras.

Entre o Código Penal de 1890 e Código de Menores de 1927, mudanças substantivas ocorreram na sociedade brasileira, entre elas, as discussões educacionais, não somente no intento de alterar o alto índice de analfabetismo, mas de incorporar as novidades pedagógicas de Europa e Estados Unidos, conhecidas como movimento da escola nova. Entretanto, não percebemos esse movimento na escolarização proposta em institutos disciplinares. Pelas nossas análises entendemos que o Código de Menores de 1927 oficializou a divisão racial da infância e de sua educação. Observa-se que, no seu conjunto, as propostas pedagógicas para a educação dos “menores” pretos, não foi renovada, pois, manteve-se a tradição da divisão racial do trabalho e da divisão racial da educação.

Portanto, configurou-se uma pedagogia da exclusão, de reforço da condição outsider dessas crianças. Nas instituições disciplinares é visível a divisão racial da educação, pela oferta desigual do tempo de estudos e dos currículos, muito diferentes, por exemplo, daqueles ofertados nos grupos escolares. Por outro lado, é patente a divisão racial do trabalho, pois crianças pretas, numa longa duração histórica, continuaram exercendo o trabalho na lavoura, como pedagogia regeneradora. Nesse artigo, intencionamos trazer a discussão da contribuição da perspectiva da história decolonial para a história da educação, ao demonstrarmos os vínculos entre a criminalização das crianças e adolescentes pretos, a divisão racial da infância e a divisão racial da educação.

Fontes

Referências

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  • 1
    O termo adolescente esteve dicionarizado na língua portuguesa desde o século XVIII, conforme Jinzenji e Costa (2019). Nos dicionários do século XIX, investigados pelos autores, o termo adolescente contempla a idades compreendidas entre 14 e 25 anos (p. 201).
  • 2
    O recorte na categoria racial/cor se fez pela própria configuração da sociedade brasileira na época, onde constata-se evidências de que a maioria da população infantil “abandonada” e/ ou praticante de delitos era pobre e preta. Não há números exatos, ao molde positivista, sobre essa afirmação, uma vez que, nos censos entre 1900 e 1930, não foi registrado o quesito cor, mas, trata-se de evidências históricas. De acordo com Fonseca (2002) e Papali (2007), entre outros, desde as discussões sobre a Lei do Ventre Livre, de 1871, autoridades judiciarias “(...) tomaram as rédeas no controle sobre a ‘vadiagem’ de crianças e menores desamparados” (PAPALI, 2007, p. 150). Por sua vez, após a abolição da escravidão, a maioria da população preta teve dificuldades no acesso a propriedade (moradia urbana ou rural); a oportunidades de trabalho; e escolarização (Veiga, 2022). O crescimento das favelas e cortiços nas cidades maiores e a falta de emprego, associado a ausência de políticas públicas, deixava as famílias brasileiras e suas crianças, descendentes de escravizados, em situações de abandono.
  • 3
    No Brasil, o movimento higienista iniciou em fins do século XIX e início do XX, com a propagação de ideias relativas a saneamento básico e adoção de hábitos higiênicos, com foco no desenvolvimento de uma população limpa moralizada (Góis Junior e Lovisolo, 2003).
  • 4
    O termo eugenia, criado por Francis Galton (1822-1911), refere-se ao conjunto de conhecimentos e práticas com vistas a melhoria genética de uma população, o que alimentou concepções políticas direcionadas à uma seleção social deliberada contra os indivíduos “inadequados” ou o racismo genético (Stepan, 2005, p. 09).
  • 5
    “O homem delinquente” foi publicado pela primeira vez em 1876, na Itália, e no Brasil em 1885, com outras edições entre os anos de 1886 a 1909, seguido de várias reimpressões. A obra de Nina Rodrigues, “Raças Humanas e responsabilidade penal”, publicado em 1894, é uma obra citada por vários juristas brasileiros tais como Tobias Barreto, Evaristo de Moraes, Silvio Romero, entre outros, mantendo a permanência de suas ideias por anos após sua primeira publicação (Alvarez, 2003).
  • 6
    O grupo era composto originalmente por Edgardo Lander, Arthuro Escobar, Walter Mignolo, Enrique Dussel, Anibal Quijano e Fernando Coronil. Em 2000, foi lançado uma das suas mais importantes publicações, “A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas”, organizada por Edgardo Lander (2005).
  • 7
    Segundo a tese ou sistema do discernimento, caberia ao juiz analisar subjetivamente, se o menor entre 9 e 14 anos detinha elementos para discernir/compreender que o ato cometido por ele era crime, para que este pudesse vir a ser condenado (Brasil, 1890, Título III, art. 27).
  • 8
    Destacamos as de âmbito nacional: Decreto nº 1.154/1904 (Reorganiza os serviços de hygiene administrativa da União); Lei nº 4.242/1921(Estabelece a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1921 e autoriza a organizar o serviço de assistência e proteção á infância abandonada e delinquente); Decreto nº16.272/1923 (Approva o regulamento de assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes).
  • 9
    O Código Civil de 1916 regulamentava acerca dos deveres dos pais quanto ao bem-estar dos filhos, e as causas de extinção do pátrio poder: morte dos pais, emancipação, maioridade e adoção (Brasil, 1916, art. 392 e seguintes). Já o Código de Menores de 1927 tratava da inabilitação do pátrio poder e da remoção de tutela nos seguintes casos: condenação contra a segurança e honestidade das famílias; condenação por coautoria em crime cometido pelo menor; castigo imoderado; abandono e atentado contra a moral e os bons costumes (Brasil, 1927, art. 31 e seguintes).
  • 10
    Os grupos escolares, fundados em fins do século XIX, eram escolas graduadas de ensino primário, distribuído em 4 anos, com professoras formadas em Escolas Normais, em geral, eram caracterizados por arquitetura imponente, como monumentos da República (Souza, 1998). O movimento escolanovista, inspirado em Europa e Estados Unidos, propunha como pedagogia o protagonismo da criança no processo ensino aprendizagem, materiais pedagógicos modernos e concepção pedagógica fundamentada na Psicologia e Biologia (Monarcha, 2009).
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Editado por

  • Editora responsável:
    Vania Grim Thies

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2024
  • Aceito
    10 Fev 2025
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