Resumo
O presente artigo analisa as publicações de e sobre Renato Kehl (1889-1974) nos jornais de Santa Bárbara d’Oeste, município paulista que apresenta um histórico de controvérsias relacionadas à questão racial. A partir de uma pesquisa documental sobre os jornais barbarenses, em diálogo com a literatura especializada, objetiva-se compreender os esforços deste eugenista na formação da consciência eugênica para além das grandes capitais e dos círculos intelectuais tradicionais, bem como a adesão do público leigo, notadamente pais e educadores, às suas propostas educacionais. Conclui-se que os jornais e clubes sociais do interior paulista, concebidos como “clubes de brancura”, constituíram espaços informais de educação para a consciência eugênica até as décadas finais do século XX.
Palavras-chave:
Eugenia; Educação eugênica; Renato Kehl; Santa Bárbara d’Oeste; Racismo científico
Resumen
Este artículo analiza las publicaciones de y sobre Renato Kehl (1889-1974) en periódicos de Santa Bárbara d’Oeste, municipio de São Paulo que tiene una historia de controversias relacionadas con cuestiones raciales. A partir de una investigación documental sobre los periódicos barbarenses, en diálogo con la literatura especializada, el objetivo es comprender los esfuerzos de este eugenista en la formación de la conciencia eugenésica más allá de las grandes capitales y de los círculos intelectuales tradicionales, así como el apoyo del público laico, en particular padres y educadores, a sus propuestas educativas. Se concluye que los periódicos y clubes sociales del interior de São Paulo, concebidos como “clubes de blancura”, constituyeron espacios informales de educación para la conciencia eugenésica hasta las últimas décadas del siglo XX.
Palabras clave:
Eugenesia; Educación eugenésica; Renato Kehl; Santa Bárbara d'Oeste; Racismo científico
Abstract
This article analyzes publications by and about Renato Kehl (1889-1974) in the newspapers of Santa Bárbara d’Oeste, a municipality in São Paulo with a history of controversies related to racial issues. Based on documentary research on the city's newspapers, in dialogue with specialized literature, the objective is to understand the efforts of this eugenicist in the formation of eugenic consciousness beyond the large capitals and traditional intellectual circles, as well as the support of the lay public, notably parents and educators, to his educational proposals. The conclusion is that the newspapers and social clubs in the interior of São Paulo, conceived as “whiteness clubs”, constituted informal spaces of education for eugenic consciousness until the final decades of the 20th century.
Keywords:
Eugenics; Eugenics education; Renato Kehl; Santa Bárbara d’Oeste; Scientific racism
Résumé
Cet article analyse les publications de et sur Renato Kehl (1889-1974) dans les journaux de Santa Bárbara d’Oeste, une municipalité de São Paulo qui a une histoire de controverses liées aux questions raciales. A partir de recherches documentaires sur les journaux barbares, en dialogue avec la littérature spécialisée, l'objectif est de comprendre les efforts de cet eugéniste dans la formation d'une conscience eugéniste au-delà des grandes capitales et des cercles intellectuels traditionnels, ainsi que le soutien du public laïc, notamment parents et éducateurs, à leurs propositions pédagogiques. Nous concluons que les journaux et les clubs sociaux de l’intérieur de São Paulo, conçus comme des “clubs de blancheur”, constituaient des espaces informels d’éducation à la conscience eugénique jusqu’aux dernières décennies du XXe siècle.
Mots-clés:
Eugénisme; Éducation eugénique; Renato Kehl; Santa Bárbara d'Oeste; Racisme scientifique
Introdução
A cidade de Santa Bárbara d’Oeste possui um histórico de controvérsias relacionadas à questão racial, muitas das quais permanecem até hoje. Uma parcela da população, descendente dos sulistas estadunidenses que migraram para o Brasil após a Guerra de Secessão (1861-1865), realiza festas em homenagem ao “orgulho confederado” e defende a manutenção de símbolos utilizados por seus antepassados, incluindo a bandeira dos Estados Confederados da América. Membros das famílias confederadas atribuem o racismo aos indivíduos, não ao coletivo, enaltecendo a miscigenação, afirmando que “[...] o racismo parece diluir-se a cada geração” (MEDAGLIA, 2005, p. 59) e que houve uma “má apropriação” da bandeira por movimentos supremacistas brancos, sobretudo a Ku Klux Klan (DEBATE, 2017).
Em contrapartida, entidades e ativistas ligados ao movimento negro rechaçam a utilização de símbolos apologéticos ao racismo e à escravidão e criticam o revisionismo confederado. Além de denunciar a permanência do racismo na sociedade brasileira, esses grupos organizam ações que envolvem manifestos, debates, palestras e projetos de lei que visam o combate à discriminação e a promoção da igualdade racial (MAIS DE 100, 2019; DEFENSORIA, 2020; OLIVEIRA, 2021; VEREADORES, 2022). Conforme será demonstrado ao longo do artigo, esse debate racial recorrente nos jornais barbarenses se relaciona intimamente com o tema da eugenia1.
Situada no interior do estado de São Paulo, Santa Bárbara d’Oeste é contígua a Piracicaba, cidade sede da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP), instituição na qual estudaram e trabalharam os professores, geneticistas e diretores do Boletim de Eugenia Octavio Domingues (1897-1972) e Salvador de Toledo Piza Júnior (1898-1988). Com a transferência de direção do Boletim de Eugenia do Rio de Janeiro para Piracicaba nos anos de 1932 e 1933, a região se tornou o “polo irradiador” da campanha pela regeneração racial no país (KEHL, 1932). Ademais, pesquisas recentes revelaram que a ala mais radical desse movimento atuou ativamente nos municípios de Santa Bárbara d’Oeste e Piracicaba, particularmente através das ações de divulgação científica de Piza Júnior, que se estenderam até o final da década de 1980 (Roitberg, 2023).
De acordo com Krementsov (2018), o termo “eugenia” é genericamente utilizado na historiografia para explicar fenômenos em lugares e períodos distintos, abarcando do infanticídio espartano na Antiguidade à engenharia genética contemporânea. Essa característica multiforme também foi escrutinada por Souza (2019), que constatou que longe de constituir um movimento linear ou homogêneo, a eugenia compreendeu um campo complexo, fragmentado e polimorfo. Assimilada no final da década de 1910 pelo movimento médico-sanitarista como sinônimo de higiene e saúde, a eugenia de orientação racista se intensificou na América Latina nas décadas de 1920 e 1930, influenciada pelo movimento eugenista estadunidense e alemão. Nascido na cidade de Limeira, limítrofe a Santa Bárbara d’Oeste, e formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o médico e farmacêutico Renato (Ferraz) Kehl (1889-1974)2 se tornou, a partir da década de 1920, o principal líder do movimento eugenista e o maior representante do racismo científico no Brasil.
Ao longo de sua longa campanha pela “vulgarização” da eugenia no Brasil e na América Latina, Kehl publicou dezenas de livros, panfletos, cartilhas e artigos em jornais de grande circulação, muitos dos quais amplamente analisados na historiografia da eugenia. Nesse sentido, destacam-se os trabalhos de Carvalho (2018), Souza (2019) e Faggion e Souza (2019). Por sua vez, devido a sua abrangência e importância para a compreensão do movimento eugenista brasileiro no período entreguerras, o Boletim de Eugenia é um periódico fartamente investigado em trabalhos acadêmicos, a partir de múltiplas abordagens que contribuem para ampliar e aprofundar o debate. No campo da Educação, pode-se mencionar os trabalhos de Mai e Boarini (2002), Rocha (2011), Bonfim (2017), Stefano e Pereira (2019) e Léo Neto (2021).
Considerando esse contexto, a partir de uma pesquisa documental no acervo do Centro de Documentação Histórica (CEDOC) da Fundação Romi, amparada pela bibliografia especializada, este artigo propõe uma análise crítica das publicações de e sobre Renato Kehl nos jornais do município de Santa Bárbara d’Oeste. São eles: A Metralha (1933), Jornal d’Oeste (1953; 1956) e Edição Barbarense (1981). A partir dessas publicações em jornais locais, de circulação restrita e sem relação aparente com a eugenia, até então inexploradas na historiografia, objetiva-se desvelar tanto os esforços de Kehl na formação da consciência eugênica para além das grandes capitais e dos círculos intelectuais tradicionais, quanto a adesão do público leigo, notadamente pais e educadores, às suas propostas educacionais.
Para que essa proposta se efetive, será apresentado, inicialmente, o modelo de educação eugênica desenvolvido por Kehl em livros de grande circulação, com destaque para Lições de Eugenia (1929/1935) e Sexo e Civilização: aparas eugênicas (1933). Em um segundo momento, serão investigados os textos publicados nos jornais barbarenses, aglutinando tanto o período entreguerras, auge do movimento eugenista no Brasil, quanto o contexto posterior à Segunda Guerra Mundial, momento em que a eugenia foi reconstituída com o novo campo da genética humana (STEPAN, 2014) e continuou a circular em um meio intelectual reduzido, mas científica e politicamente atuante (KEVLES, 1986).
A EDUCAÇÃO LATO SENSU NA OBRA DE RENATO KEHL
A capilaridade da eugenia na história da educação brasileira tem sido objeto de importantes pesquisas, com destaque para a obra de Dávila (2003), que analisou a difusão dessa ciência entre as instituições de ensino e os educadores brasileiros na primeira metade do século XX. Ela foi assimilada por intelectuais que abarcam do movimento sanitarista aos apologistas da Rassenhygiene alemã, passando pelos reformadores progressistas alinhados à Escola Nova, em especial Manuel (Bergström) Lourenço Filho (1897-1970) e Fernando de Azevedo (1894-1974). Dos manuais de higiene aos laboratórios experimentais nas escolas, a eugenia legou à educação brasileira uma série de mecanismos de exclusão, em especial a brancura como parâmetro, o elitismo, o racismo e o capacitismo (DÁVILA, 2003).
Em linhas gerais, os projetos educacionais eugenistas emergiram entre as décadas de 1920 e 1940, mas com raízes que remetem às campanhas sanitaristas do início do século XX. Esses projetos se basearam na ideia de “degeneração”, que combinou o racismo científico europeu com o temor da elite branca brasileira sobre a população negra escravizada. Esse ideário da virada do século era repleto de mitos inferiorizantes sobre a população negra e mestiça, como o medo das amas-de-leite transmitirem doenças e “degenerações” às crianças brancas e a “instabilidade psicológica” e “tendência natural” à criminalidade dos “mulatos” (DÁVILA, 2003).
Com o fim da monarquia, o projeto político republicano objetivou implantar a educação escolarizada para todos. O ensino secundário, restrito às elites, tinha um caráter acadêmico e propedêutico. Longe de configurar a democratização da educação, as poucas vagas oferecidas pelas escolas eram disputadas pela classe média, enquanto os mais pobres permaneceram sem acesso ao ensino elementar. Prevaleceu a lógica dualista da educação burguesa, segundo a qual a elite tinha acesso à continuidade dos estudos científicos, enquanto a massa de trabalhadores estava restrita ao ensino elementar e profissional. A despeito da retórica da democracia e do progresso associados à República, o dualismo, o elitismo e o tradicionalismo seguiram em marcha (ARANHA, 2006).
Nesse contexto, a ideia de “raça brasileira” era vista como um processo em andamento, concebida como uma etnicidade comum que aglutinaria todos os brasileiros mediante o melhoramento das condições culturais e de higiene. Nas escolas, os professores ensinavam que fazer parte da “raça” era a chave para a cidadania e para o sucesso, o que implicava, na prática, no embranquecimento do comportamento e na rejeição às ideias e práticas de matriz africana e indígena. A partir da lógica branqueadora, diversos intelectuais defenderam a formação de uma “raça” saneada por intermédio da educação, que poderia e deveria ser ofertada pela escola. Assim, os espaços escolares se tornaram locais privilegiados para irradiação de ideias e práticas que objetivavam a promoção da saúde do brasileiro e a transformação da nação (DÁVILA, 2003).
Conforme Souza (2019), no final dos anos 1920, o movimento eugenista brasileiro se dividiu entre um setor que continuou seguindo ao modelo “suave” voltado para o saneamento e educação, e uma ala mais radical e autoritária, que não concebia as reformas nas condições sociais e ambientais como força regeneradora. Renato Kehl transitou entre esses dois modelos. Entre 1917 e 1927, o eugenista se aproximou do primeiro grupo, ligado ao movimento sanitarista, apresentando uma interpretação otimista com relação à miscigenação e defensor de reformas na saúde pública. A partir de 1928, Kehl se alinhou ao segundo grupo, se aproximando do modelo radical europeu e estadunidense, defensor da eugenia “negativa” (SOUZA, 2019). Além do Boletim de Eugenia (1929-1933), tanto as obras mais racistas publicadas por Kehl, como Lições de Eugenia (1929) e Sexo e Civilização: aparas eugênicas (1933), quanto os artigos aqui analisados, correspondem, pois, à fase mais radical de sua produção intelectual.
Em trabalhos anteriores (Roitberg, 2023a), verificou-se que não existe um conceito único de educação na história da eugenia, como desvelam os textos publicados pelos diretores do Boletim de Eugenia. Ao longo dos quatro anos e meio de existência do periódico, criado por Kehl com o objetivo de “vulgarizar” a ciência do melhoramento racial entre a elite intelectual do país, o termo “educação eugênica” foi mobilizado de formas distintas de acordo com cada autor e assunto abordado. Desde a fundação das bases científicas da eugenia por Galton (1909; 2000) na Inglaterra, o conceito nasceu e se desenvolveu de forma ambígua. Stricto sensu, a educação eugênica compreendia a educação formal, sinônimo de instrução ou educação escolar, cujos limites eram impostos a priori pelas desigualdades naturais entre os indivíduos e, mais profundamente, entre as “raças”. Lato sensu, a educação eugênica abrangia a formação da consciência eugênica ou consciência racial entre a elite intelectual, que contribuiria para o desenvolvimento, a disseminação e a institucionalização da eugenia nos países assolados pela “ameaça degenerativa” (Roitberg, 2023a).
A educação lato sensu elaborada por Galton foi assimilada por Kehl, Piza Júnior e Domingues. Apesar de divergirem sobre diversos temas, principalmente no que se refere ao papel da miscigenação no processo de regeneração racial3, eles concordaram com a imprescindibilidade de uma campanha educativa para a formação da consciência eugênica, ação necessária para a aceitação social das propostas de intervenção no processo reprodutivo. Essa campanha ultrapassou os círculos intelectuais tradicionais e os grandes centros urbanos, abrangendo jornais de pequena circulação no interior do país, com publicações voltadas para pais, educadores e estudantes. Conforme Bonfim (2019), do período de atuação no movimento sanitarista à adesão ao racismo científico, esse público-alvo foi uma constante na campanha eugênica de Kehl.
Souza (2019) considerou que, até 1927, a eugenia defendida por Kehl era a de matriz “preventiva”, apesar da defesa circunstancial de medidas mais extremadas, como a esterilização dos criminosos. As orientações sexuais e matrimoniais estavam ligadas a questões de saúde e higiene e ainda não estavam vinculadas às visões radicais e controladoras sobre a sexualidade. A viagem de cinco meses para a Europa em 1928 influenciou a compreensão de Kehl sobre a eugenia, se aproximando de intelectuais e instituições da Alemanha, Suécia, Noruega, Inglaterra e Áustria. Logo após seu retorno ao Brasil, Kehl publicou a primeira edição de Lições de Eugenia (1929), livro que marcou sua aproximação com as ideias radicais da eugenia “negativa” e com a Rassenhygiene alemã.
Em Lições de Eugenia (1929), obra reformulada e republicada em 1935 com elogios explícitos à Adolf Hitler (1889-1945) e ao “tribunal eugênico” nazista, Kehl postulou que a eugenia se relacionava intimamente com outros ramos do conhecimento humano, especialmente a Pedagogia, a filosofia moral, a higiene e a medicina social. Suas preocupações englobavam tanto as questões do meio físico e a profilaxia, quanto a hereditariedade, mesmo que, enquanto ciência, sua base se restringisse a essa última. Por esse motivo, as práticas eugênicas deveriam ser complementadas com medidas como a restrição à imigração e o controle dos nascimentos. Kehl (1935) reforçou, porém, que o campo da eugenia possuía bases sólidas e fronteiras bem delimitadas, definindo-a como Rassenhygiene, ou seja, a “higiene da raça”, que não deveria ser confundida com medidas auxiliares como higiene, sanitarismo e educação, tal qual faziam os eugenistas de orientação neolamarckista.
Apesar dessas ressalvas, a educação lato sensu estava longe de ser desprezível na obra de Kehl (1935). Sem o conhecimento da anatomia, histologia, fisiologia e embriologia, dos fenômenos da reprodução, hereditariedade, bem como das doutrinas de Charles (Robert) Darwin (1809-1882), (Friedrich Leopold) August Weismann (1834-1914) e Gregor (Johann) Mendel (1822-1884), seria difícil, salientou Kehl (1935), compreender a eugenia. Consequentemente, sem compreendê-la, a tarefa de vulgarizá-la seria praticamente impossível. Destarte, o conceito de educação eugênica desenvolvido pelo médico brasileiro não somente aglutinou a acepção lato sensu de Galton, como constituiu um fator preponderante na campanha pela regeneração racial. Por esse motivo, Kehl (1935) redigiu seu livro de forma didática, dividido em treze lições, indicando obras especializadas e orientando o leitor leigo segundo os preceitos básicos dessa ciência.
Ao apresentar os métodos eugênicos, Kehl (1935) retomou e aprofundou o conceito de educação lato sensu. O médico defendeu a educação como uma medida de eugenia “positiva”, e afirmou que até as massas “incultas”, fosse via consciência eugênica ou por um “reflexo instintivo” de amor à prole, desejavam o aperfeiçoamento racial. Para o autor, o intelectual que não fizesse “profissão de fé” no melhoramento progressivo da “raça” e não admitisse a possibilidade efetiva e eficiente da educação e da orientação eugênica para a reprodução consciente não poderia sequer ser considerado como um eugenista. “É preciso descrêr, completamente, na conciencia humana”, pontuou Kehl (1935, p. 193-194) “para negar a possibilidade de implantar, paulatinamente, a idéia da responsabilidade procriadora”.
Kehl (1935) concluiu sua lição reiterando a relevância da educação para a consciência eugênica, afirmando que somente os “débeis mentais” não poderiam compreender o crime que representava a procriação de um “degenerado”. Para o médico, a educação eugênica corresponderia à educação científica e racional capaz de resguardar a civilização frente aos comportamentos sexuais instintivos que careciam de “domesticação”. Conforme Kehl (1935), no que se refere às relações sexuais, ser “civilizado” significava ser eugenicamente orientado, justificando o papel fundamental da educação no controle das “pulsões irracionais”.
Conjuntamente à segunda edição de Lições de Eugenia (1935), o livro Sexo e Civilização: aparas eugênicas (1933) consiste em uma das obras mais racistas e radicais publicadas por Kehl. Seu prefácio foi assinado em maio de 1933, poucos meses após a ascensão do Partido Nazista na Alemanha. Segundo Souza (2019), Kehl fez uma nova viagem de seis meses para a Europa entre os anos de 1932 e 1933, radicalizando ainda mais seu pensamento. Foi nesse período em que o médico transferiu a direção do Boletim de Eugenia para Domingues e Piza Júnior, que passou a ser editado em Piracicaba, com periodicidade trimestral e em formato de revista científica. Publicado pouco tempo após seu retorno para o Brasil, o livro marcou o afastamento definitivo de Kehl com a ideia de “miscigenação racial construtiva” (STEPAN, 2014).
Ao abordar o tema do casamento eugênico, Kehl (1933b) retomou as discussões sobre a educação para a consciência eugênica expostas na primeira edição de Lições de Eugenia (1929). Sem camuflar seu preconceito de classe, baseado na lógica dualista classes-baixas/raças-inferiores e classes-altas/raças-superiores, o eugenista afirmou que os indivíduos de classes inferiores se reproduziam muito cedo e descontroladamente, enquanto os indivíduos de classes altas se reproduziam tardiamente e em menor escala, graças ao birth control comum entre os burgueses. Para Kehl (1933b), a falta de consciência eugênica entre as classes baixas era um dos principais fatores que contribuíam para a vitória dos “medíocres”, motivo pelo qual a educação eugênica, lato sensu, não deveria se restringir às classes altas.
Na sequência, Kehl (1933b) ponderou que a educação não era uma panaceia; pelo contrário, ela era um poderoso elemento transformador da sociedade e um valioso auxílio à campanha eugênica. Por esse motivo, era imprescindível pregar a beleza das uniões “eugênicas” e o horror da reprodução dos “degenerados” que ameaçavam a descendência. Considerando a eugenia como um “humanismo”, Kehl (1933b) reiterou que a educação não conseguiria persuadir os “cretinos”, “débeis mentais” e todos aqueles que, por “falso sentimentalismo” ou “egoísmo”, deixavam de olhar para a coletividade e, consequentemente, para o futuro da nação. Conforme Kehl (1933b, p. 65-66):
A nossa função, pois, é propagar o ‘nosce te ipsum’ e colaborar com a natureza para alcançar a felicidade almejada, sempre por meio de armas biológicas, sociais e morais. Pela educação racional do corpo e do espírito, sobretudo no período do crescimento e pela implementação da consciência eugênica, multiplicar-se-ão, cada vez mais, o número de indivíduos ‘bem dotados’, em plena posse de si mesmos, portanto adaptados ao meio e felizes com a existência.
Para que a eugenia vingasse no Brasil, ponderou Kehl (1933b), era necessário conquistar a opinião pública, sobretudo as pessoas cultas. Ademais, a implementação da eugenia nos currículos escolares era outra medida urgente para a formação da consciência eugênica. Essa proposta curricular englobava a introdução do ensino de biologia geral voltada para aplicação prática da eugenia, do ensino básico ao superior, além da criação de cadeiras específicas para essa ciência nas universidades, como ocorria na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos da América. A partir desses exemplos, Kehl (1933b) definiu um complexo programa para o ensino de eugenia nas escolas secundárias e superiores brasileiras.
Kehl (1933b) elaborou um diagrama no qual delineou as medidas individuais e coletivas do ensino de eugenia. O primeiro deles, de ordem individual, envolvia a educação lato sensu, ou seja, a educação para a consciência eugênica, segundo a qual os indivíduos deveriam ser instruídos sobre sua responsabilidade para com a descendência. Dada a imprescindibilidade da formação da consciência eugênica para o avanço da campanha pelo melhoramento racial no país, o programa de ensino de Kehl (1933b) previa a obrigatoriedade da educação eugênica nas escolas primárias, secundárias e superiores, mas também a educação sexual desde a infância. No projeto educacional de Kehl (1933b), a escola representava o espaço privilegiado para ensinar a criança sobre sua responsabilidade para com a saúde do corpo coletivo e para com o progresso biológico da nação.
Tomando como base o modelo escolar suíço, Kehl (1933b) propôs uma “Escola-lar-eugênica”, um modelo de educação integral, ao mesmo tempo intelectual, moral, físico, social, artístico, profissional e patriótico, associando o crescimento das capacidades individuais ao trabalho coletivo. Nesse modelo, os alunos seriam orientados de acordo com a vocação, com a propensão hereditária, com seus interesses e com suas habilidades. Essa escola só seria possível mediante a reconfiguração do papel do educador que, a partir da mudança de mentalidade e de um novo modelo de formação de professores, seria preparado para assumir a função de “chefe” da família escolar. Concluindo a delimitação de um projeto educacional elitista e excludente, Kehl (1933b) reiterou que o país carecia de uma elite bem formada para controlar as massas, que deveriam continuar analfabetas e subjugadas.
A EUGENIA COMO “EDUCAÇÃO PATRIÓTICA” NO JORNAL A METRALHA (1933)
Após a apresentação do conceito de educação eugênica elaborado por Kehl em suas obras de maior propagação, será investigada, a partir de agora, a circulação das ideias educacionais desse intelectual no interior paulista. No dia 30 de julho de 1933, o jornal barbarense A Metralha publicou o texto Eugenia e Patriotismo, lançado originalmente no Diário de São Paulo no dia 16 de julho do mesmo ano. Kehl (1933a) assinou o artigo como Presidente da Comissão Central Brasileira de Eugenia e, logo na abertura, mencionou o periódico Boletim de Eugenia como uma publicação referência na área. Definindo a eugenia como sinônimo de patriotismo, amor pela nação e progressismo, Kehl (1933a) ponderou que não bastava declarar amor pelo país se esse amor não fosse colocado em prática.
O médico alertou ao público leitor que o verdadeiro amor patriota só poderia ocorrer efetivamente caso o indivíduo se dedicasse a estudar e propagar os pressupostos da eugenia: “De que modo poderá cada um dos meus ouvintes prestar assim o seu culto á patria extremecida? Estudando, propagando e praticando os preceitos da doutrina da ‘bôa geração’ ou eugenia” (KEHL, 1933a, p. 1). Neste artigo, é possível observar a lógica dualista da eugenia de Kehl e a estratégia argumentativa similar à apresentada em seus livros, mas apelando, neste caso, para a moral e o patriotismo. Para Kehl (1933a), amar o Brasil significava amar a única ciência capaz de salvá-lo da “degeneração” que o assolava; caso contrário, esse amor não passava de retórica.
Em seguida, Kehl (1933a, p. 1) elogiou a Rassenhygiene nazista, admitindo seus “excessos doutrinários” e afirmando que a ciência de Galton não era uma ciência racista. Aparentemente, o autor pretendia aproximar o público leigo à eugenia em pleno contexto de ascensão do Terceiro Reich e de críticas na imprensa ao radicalismo nazista. Outrossim, a promoção da educação para a formação da consciência eugênica foi preponderante neste artigo. Conforme Kehl (1933a, p. 1):
Na Allemanha o programma de Hitler é um vasto desdobramento da doutrina eugênica para a preservação racial, em certo ponto levado ao maximo de não admittir mesclas com certos povos europeus, mesmo de alta categoria. A eugenia, porém, é responsavel por excessos doutrinarios. Ella não semeia preconceitos nem odios de raça, não crêa melindres nem sujeições. O seu espirito é beneficiar os homens de todas as raças, elevar todos os povos, tendo em conta o papel primacial da hereditariedade no desenvolvimento geral: “nada, no indivíduo, póde substituir as qualidades innatas, isto é, as herdadas, sendo futil pretender desenvolver taes traços do caracter, quando elles faltam nas cellulas germinaes que lhe deram origem”. Em palavras bem simples: “quem é bom já nasce feito” - ou “de tal pae, tal filho se espera. Nestas condições, para melhorar um povo, torna-se necessário, entre outras medidas, infundir no espirito publico a consciencia eugenica da reprodução, ou seja, “a consciencia da responsabilidade na procriação”. Só deve ter filhos quem está apto para dar nascimento a sêres “bem dotados”.
Seu tom supostamente “ameno”, ou seja, a retórica “humanista” à qual recorria em seus textos, foi rapidamente abandonada nas linhas subsequentes. Constatando que a maior parte da população não possuía a consciência eugênica, Kehl (1933a) defendeu a obrigatoriedade dos exames pré-nupciais e a proibição do casamento de indivíduos “doentes” e “degenerados”. Diferenciando eugenia “positiva” e eugenia “negativa”, Kehl (1933a) ressaltou que a eugenia não era apenas a proibição das uniões “condenáveis” (eugenia negativa), mas o incentivo às boas uniões (eugenia positiva). De forma clara e didática, nitidamente visando acessar o leitor não iniciado nos estudos sobre eugenia e hereditariedade, o autor deu sequência à sua argumentação, sintetizando os objetivos da ciência do melhoramento racial a partir de três pontos.
O primeiro ponto consistia em fazer os “bem-dotados”, ou seja, as pessoas “fortes, equilibradas, intelligentes e bonitas” se reproduzirem mais para se tornarem a maioria da população (KEHL, 1933a, p. 1). O termo “bonitas” expôs a estética racista da concepção eugênica de Renato Kehl, a despeito de suas tentativas de estruturar epistemologicamente a eugenia como uma “verdade biológica” livre de juízos de valor. O segundo ponto seria impedir a reprodução dos “inferiormente apresentáveis”, ou seja, as pessoas “doentes, taradas e miseráveis”. Por fim, o último objetivo consistia em diminuir a quantidade de filhos dos pobres (KEHL, 1933a, p. 1), escamoteando seus preconceitos de classe e raça através da retórica “humanista” baseada no combate à miséria.
As autoridades competentes seriam responsáveis por aplicar e fiscalizar as medidas eugênicas de caráter obrigatório, ponderou Kehl (1933a). Todavia, o médico salientou que a opinião pública precisava começar a conhecer e se acostumar para, enfim, aceitar a implementação das práticas eugênicas, a exemplo dos países desenvolvidos. O Brasil estaria “atrasado” nesse aspecto, pois a não-aceitação da eugenia era, segundo Kehl (1933a), fruto da falta de consciência eugênica e do excesso de individualismo entre a população brasileira.
Nesse ponto, é possível perceber os motivos que levaram o autor a elaborar o argumento de que a eugenia compreenderia um ato de cidadania e amor à pátria. Afinal, que tipo de cidadão renunciaria a defender a sua pátria de uma “ameaça” tão perigosa como a “degeneração” racial? Esse artigo evidenciou, ainda, a similaridade entre a argumentação de Kehl (1933a) e a de Galton (1909) no que tange à tentativa de disseminar a eugenia entre o público leigo como um dever cívico, uma responsabilidade patriótica em defesa da nação.
A EUGENIA COMO “EDUCAÇÃO MORAL” NO JORNAL D’OESTE (1953; 1956)
No dia 8 de março de 1953, o jornal barbarense Jornal d’Oeste publicou o artigo A mania de ser importante assinado por Renato Kehl. O texto versava, a partir de referências do campo da Psicologia, sobre exibicionismo, egocentrismo e ostentação, sem menções explícitas à eugenia (KEHL, 1953). No entanto, a partir de uma análise minuciosa, é possível verificar a permanência de elementos do ideário eugênico, mesmo que escamoteados por uma retórica desinteressada. Essa continuidade é desvelada logo nos primeiros parágrafos do texto, no qual Kehl (1953) atribuiu comportamentos “indesejáveis”, como o egocentrismo, à “natureza animal” do indivíduo, exprimindo a manutenção de suas teses baseadas no determinismo biológico.
Além disso, Kehl (1953, p. 1) também manteve a classificação dos seres humanos em diferentes níveis de inteligência, afirmando que o problema do exibicionismo se manifestava desde muito cedo na criança por ser de “natureza constitucional”, podendo assolar “[...] indivíduos de índice intelectual superior, mas também aos de nível médio e mesmo inferior”. Esse curto texto revelou que as ideias de Kehl continuaram circulando na imprensa barbarense no contexto posterior à Segunda Guerra Mundial. Denotou, também, a reconfiguração de sua retórica, que manteve concepções do ideário eugênico, especialmente a hierarquização dos seres humanos e o determinismo biológico, agora ocultadas em discussões comportamentais pertinentes ao campo da Filosofia4 e da Psicologia5.
Três anos depois, no dia 10 de junho de 1956, o mesmo Jornal d’Oeste publicou o artigo intitulado Educação, no qual Renato Kehl e seus livros foram elogiados por um autor que assinou apenas como “U. P.”. Esse artigo é de grande relevância para os estudos sobre eugenia, em especial no campo da Educação, pois denota a recepção das ideias de Kehl entre o público formado por pais e educadores. U. P. (1956) iniciou o breve artigo afirmando que, antes de tudo, os educadores e os pais deveriam ser os guias de conduta e mestres da moral da juventude, tomando como base a obra Tipos Vulgares. Na sequência, elogiou a vasta produção intelectual de Kehl, considerando suas obras como “maravilhosas”, escritas para todos os estudantes e com um imenso valor prático.
De acordo com U. P. (1956), os livros de Kehl deveriam ocupar um lugar de honra em todas as bibliotecas, e deveriam circular principalmente entre os mais jovens. O autor justificou seus elogios, pontuando que as obras de Kehl eram capazes de simultaneamente educar e instruir a juventude, evitando muitos dissabores futuros. Para evitar a formação de “tipos indesejáveis” entre os alunos, particularmente o “velhaco”, os professores deveriam se dedicar ao ensino dos “bons valores”, em aulas específicas de Educação Moral. Para U. P. (1956), essas aulas não deveriam se restringir ao ensino primário, mas aprofundadas no ginásio, nas escolas normais e nos cursos superiores. Ademais, a Educação Moral visando o aperfeiçoamento humano também deveria ser obrigatória no meio político e administrativo, de modo a evitar a corrupção e o prejuízo da coletividade.
O breve artigo de U. P. (1956) explicitou que, mesmo após o auge do movimento eugenista no Brasil, Kehl ainda era um intelectual influente, cuja vasta produção continuava sendo uma referência para pais e educadores que se propunham a debater os problemas da educação. No artigo publicado no jornal barbarense, verificou-se que a retórica do aperfeiçoamento racial deu lugar ao aperfeiçoamento moral. No entanto, a obra Tipos Vulgares, referência teórica para as aulas de Educação Moral propaladas por U. P. (1956), é permeada por princípios eugênicos, como o determinismo biológico e a classificação arbitrária de perfis “disgênicos”, incluindo o “velhaco”, caracterizado pela falta de escrúpulos e pela tendência a ludibriar (MASIERO, 2014).
A EDUCAÇÃO EUGÊNICA NOS “CLUBES DE BRANCURA”: O JORNAL EDIÇÃO BARBARENSE (1981)
A pesquisa documental confirmou que as teses de Renato Kehl continuaram circulando no interior paulista, mesmo após seu falecimento em 1974. Ao lado de eugenistas como Carlos Enrique Paz Soldán (1885-1972), Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947) e Alexandre Tepedino, as propostas eugênicas do ex-diretor do Boletim de Eugenia foram mencionadas no texto Felicidade do viver social: finalidade do Rotary Clube, publicado no dia 1° de fevereiro de 1981 na Coluna do Rotary do jornal Edição Barbarense. Esse documento foi devidamente escrutinado em outro trabalho (Roitberg, 2023), mas será mencionado brevemente neste espaço. A publicação, assinada em nome do Rotary Club, defendeu a miscigenação racial, visando a formação de uma “civilização superior”. O tópico Pensamentos sobre eugenia abordou explicitamente o tema, a ponto de afirmar: “A Eugênia não diz ao homem: não tens direito de ser feliz, mas sim não tem o direito de fazer desgraçados” (FELICIDADE, 1981, p. 4).
Classificando a eugenia como uma “escola da formação de caráter”, o texto se encerrou com um alerta para a urgência da aplicação de medidas de seleção eugênica, objetivando evitar o nascimento de crianças “inferiores”, resultantes de cruzamentos entre indivíduos de “má qualidade”. Mediante o aumento quantitativo, mas não qualitativo, da humanidade, a seleção eugênica seria a medida mais eficaz no combate à propagação de crimes, doenças, velhacarias e taras hereditárias (FELICIDADE, 1981).
Assim como os artigos publicados no Jornal d’Oeste na década de 1950, o texto veiculado na Coluna do Rotary do jornal Edição Barbarense asseverou a preponderância da imprensa local na circulação das ideais educacionais de Renato Kehl e, em um plano mais amplo, na difusão da eugenia entre o público leigo no contexto pós-1945. Explicitou, também, a manutenção da campanha pela regeneração racial promovida por membros do Rotary Club nos anos 1980. A despeito da defesa da miscigenação, condenada por Kehl, essa campanha possuía um declarado embasamento nas teses kehlianas. Qual seria, pois, o envolvimento dessa organização com a difusão da eugenia no Brasil, particularmente no interior do estado de São Paulo, ao longo do século XX? Apesar da escassez de pesquisas sobre o tema, alguns indícios podem ser debatidos neste espaço.
A primeira evidência do envolvimento do Rotary Club com a eugenia foi encontrada no artigo O problemma immigratorio e o futuro do Brasil, publicado no Boletim de Eugenia em novembro de 1929. O texto consistiu em um resumo da conferência de Antônio de Queiroz Telles proferida no Rotary Club de São Paulo. O conferencista, que também era um sócio rotariano (cf. ROTARY CLUBE, 1929), postulou que todos os países deveriam incentivar o afluxo do sangue europeu na constituição de sua hereditariedade. Considerou o povo japonês como uma “raça” culta, trabalhadora e disciplinada, ressaltando que, no aspecto moral, não haveria problemas com a imigração. Entretanto, Telles (1929) assinalou que os japoneses constituíam uma “raça” diferente da “raça brasileira”, o que poderia acarretar sérias modificações na estrutura étnica do nosso povo.
Já que a Constituição Federal não impedia a entrada desses povos “estranhos” à “raça brasileira”, continuou Telles (1929), não deveria haver, em contrapartida, qualquer tipo de incentivo a essa imigração. Ele propôs, por um lado, acabar com os mecanismos facilitadores visando inibir esse afluxo, promovendo e ampliando, por outro, a imigração europeia. O autor considerou que o Brasil já havia se tornado uma nação mestiça, com o consequente desaparecimento do sangue português. Telles (1929) também elogiou a Sociedade Promotora de Imigração (1886-1895), criada para promover a imigração europeia e compensar as perdas dos latifundiários com a iminente abolição, que em vez de promulgar a chegada de “raças” diversas, julgou “[…] ser seu dever sanear e melhorar ethnicamente a sua população pela introdução de grandes contingentes de sangue aryano” (TELLES, 1929, p. 5).
Outros indícios da relação entre as unidades paulistas do Rotary Club e o movimento eugenista brasileiro podem ser notados na trajetória do professor Piza Júnior. O ex-diretor do Boletim de Eugenia foi sócio-fundador do Rotary Club de Piracicaba (ACCORSI, 1969) e assíduo palestrante no Rotary Club de Santa Bárbara d’Oeste. Notas informativas publicadas nos jornais Cidade de Santa Bárbara, Jornal d’Oeste, Jornal do Povo e Diário de Santa Bárbara d’Oeste confirmam ao menos cinco palestras sobre educação e biologia ministradas por Piza Júnior no Rotary Club barbarense nos anos de 1944, 1945, 1949, 1952 e 1958. Além da unidade rotariana, Piza Júnior também proferiu palestras e conferências em outro tradicional clube local, a dizer, o Esporte Clube Barbarense (ROTARY CLUB, 1944; 1945; 1949; NOTÍCIAS LOCAIS, 1952; CERVONE, 1965; RECORDANDO, 2017; 2019).
Excetuando alguns estudos, especialmente o de Picelli (2020), a historiografia carece de pesquisas sobre o papel dos clubes sociais como “clubes de brancura” e espaços de difusão da eugenia no Brasil. O autor identificou alguns desses mecanismos em sua análise sobre os “tipos médios” de Rio Claro, município paulista próximo a Santa Bárbara d’Oeste. Definindo como “tipos médios” o grupo social heterogêneo fruto do processo de urbanização, o autor buscou recuperar as formas de racialização que se operaram na sociedade rioclarense através dos clubes sociais, entre os anos de 1879 e 1940. Para Picelli (2020), a ideia de “raça”, concebida ao mesmo tempo como uma construção ideológica e como um produto histórico, se articulou ao desmonte do escravismo na cidade pela perspectiva da branquitude média em sua busca por prestígio e integração à nação.
Estabelecendo como recorte social a Sociedade Philarmônica Rio Clarense, o Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e o Grupo Gymnástico Rio Clarense, Picelli (2020) demonstrou que, com a promulgação da Constituição Federal de 1934, os clubes sociais e recreativos passaram a ser vistos como locais privilegiados para o aperfeiçoamento da “raça”. Em Rio Claro, esses clubes intensificaram o monitoramento da saúde dos sócios por intermédio de fichas a serem enviadas para o Ministério da Saúde e Educação Pública, criado em novembro de 1930, e para o Departamento de Educação Physica do Estado de São Paulo (PICELLI, 2020).
Dessa maneira, a eugenia se disseminou na sociedade rio-clarense a partir da racionalização dos comportamentos, traduzindo preconceitos sociais e raciais sob o discurso do aprimoramento físico e moral. Caberia, pois, aos jovens, a responsabilidade de evitar os males hereditários através da seleção das “boas sementes” (PICELLI, 2020). Mais de trinta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, esse ideário eugênico remanesceu no interior dos clubes sociais paulistas, conforme publicizado pelo Rotary Club no jornal Edição Barbarense (FELICIDADE, 1981).
Conclusão
As fontes primárias analisadas no decorrer deste artigo, em diálogo com a literatura especializada, revelaram que o interior do estado de São Paulo constituiu um espaço privilegiado para a circulação do ideário da eugenia ao longo do século XX, especialmente nas cidades de Rio Claro, Piracicaba e Santa Bárbara d’Oeste. A pesquisa documental aqui empreendida desvelou uma duradoura circulação das ideias educacionais de Renato Kehl nos jornais barbarenses, assimiladas principalmente por pais, educadores e membros dos clubes sociais. Desvelou, também, o caráter flexível da eugenia, que prevaleceu na sociedade brasileira sob a forma de “educação patriótica” na década de 1930, “educação moral” na década de 1950 e “escola de formação de caráter” na década de 1980.
Os documentos escrutinados são relevantes para as pesquisas em História da Educação e História das Ciências, uma vez que permitem denunciar não apenas os esforços do intelectual mais racista e autoritário do movimento eugenista brasileiro, como constituem vestígios das tentativas de disseminação da consciência eugênica para além das universidades e dos círculos intelectuais de maior expressão. Piracicaba abrigou o Boletim de Eugenia e constituiu o epicentro da campanha eugênica dos professores da Esalq até 1933; Rio Claro sediou clubes sociais comprometidos com o aperfeiçoamento racial e com a educação eugênica da juventude (PICELLI, 2020); por fim, Santa Bárbara d’Oeste foi um local estratégico para a circulação das ideias educacionais de Kehl, através dos jornais, e de Piza Júnior, por intermédio dos clubes sociais.
No que concerne a Renato Kehl, foi possível identificar a continuidade do conceito de educação lato sensu em sua trajetória, visando a formação da consciência eugênica em diferentes espaços sociais. Seu otimismo com relação ao desenvolvimento da consciência eugênica no país (cf. KEHL, 1956) pode estar relacionado ao engajamento difuso, mas persistente, de pais e educadores às suas propostas, conforme examinado no texto de U. P. (1956). Todavia, novos estudos sobre os jornais locais podem permitir verificar o grau de adesão desse público-alvo às ideias educacionais kehlianas no contexto pós-1945. Outrossim, identificou-se que mesmo adotando um vocabulário mais “sutil” e dialogando com as áreas da Filosofia e da Psicologia após a Segunda Guerra Mundial, o médico não renunciou à defesa explícita da eugenia. Contrariamente, outros documentos desse mesmo período revelaram que Kehl (1956) permaneceu alinhado ao determinismo biológico e aos intelectuais da Rassenhygiene nazista.
A partir dos documentos analisados, pode-se concluir que, entre 1929 e 1981, sócios das unidades paulistas do Rotary Club atuaram em prol da “vulgarização” da eugenia entre o público leigo. Conjuntamente à pesquisa documental, o diálogo com as obras de Dávila (2003) e Picelli (2020) desvelou que a eugenia forneceu uma “ponte” entre a cultura popular e a ideologia racial. Denotou, ainda, a importância dos clubes sociais do interior de São Paulo para os prosélitos da eugenia. Nesses “clubes de brancura”, o ideário da regeneração racial penetrou de forma direta, com a premissa de promover a saúde dos jovens e aperfeiçoar a “raça”, ou indireta, como espaços de distinção social e reafirmação da brancura. Esses estudos vão ao encontro da tese de Schucman (2012), segundo a qual a construção da identidade racial da branquitude ocorre em sociedades estruturadas pelo racismo, delimitando fronteiras hierarquizadas e proporcionando privilégios materiais e simbólicos aos sujeitos considerados brancos.
Finalmente, as fontes primárias denotaram a permanência e o caráter difuso da eugenia após 1945. Nesse contexto, a ciência do melhoramento racial subsistiu, mesmo sem constituir um movimento social organizado, como no período entreguerras. Essa dispersão não significou, no entanto, que as premissas autoritárias, racistas e capacitistas desse ideário se atenuaram no país da suposta “democracia racial” e na cidade do “orgulho confederado”6. As publicações de e sobre Renato Kehl na imprensa barbarense revelaram justamente o contrário: os jornais e clubes sociais do interior paulista, concebidos como “clubes de brancura”, constituíram espaços informais de educação para a consciência eugênica até as décadas finais do século XX.
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» https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-21052012-154521/publico/schucman_corrigida.pdf - SOUZA, Vanderlei S. de. Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras. Guarapava - PR: Editora Unicentro, 2019.
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Este trabalho se baseia na definição de Sir Francis Galton (1822-1911), polímata inglês reconhecido pela sistematização científica da eugenia. Segundo Galton (1909), a eugenia é a ciência que estuda as influências que podem melhorar ou piorar as qualidades inatas das “raças”. A opção por essa definição está em consonância com a obra de Stern (2005), que sem ignorar as particularidades e variações, considerou a noção galtoniana, alicerçada sobre o conceito de hereditariedade, como a mais abrangente e influente em âmbito internacional.
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Considerado como o “pai” da eugenia no país, Kehl foi o idealizador do Instituto Brasileiro de Eugenia, membro-fundador da Sociedade Eugênica de São Paulo (1918) e fundador da Comissão Central Brasileira de Eugenia (1931). A partir da segunda metade da década de 1920, ele se tornou uma das maiores referências intelectuais para os eugenistas latino-americanos (SOUZA, 2019), além de ser respeitado por intelectuais dos principais institutos de eugenia da Europa e dos Estados Unidos da América.
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Sumariamente, Kehl (1933b) considerava negros e mestiços como “raças inferiores”; por sua vez, Piza Júnior (1933) postulava que negros e brancos “puros” poderiam ser perfeitos do ponto de vista eugênico, mas condenava a miscigenação, julgando-a como “antinatural” e “repugnante” por gerar “raças híbridas” e “desequilibradas”; finalmente, Domingues (1932) defendia a miscigenação como uma medida necessária à eugenização do país, uma vez que a mistura racial resultava em biotipos com maior potencial de adaptação ao meio brasileiro. A despeito dessas divergências, os três diretores do Boletim de Eugenia concordavam com a aplicação das medidas radicais da eugenia “negativa”, especialmente a proibição dos casamentos “disgênicos” e a esterilização dos “degenerados”. Para uma análise pormenorizada sobre os consensos e dissensos entre esses três intelectuais, ver (Roitberg, 2023a).
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Kehl se interessava por questões relacionadas à filosofia da ciência, como denota sua correspondência com Piza Júnior (cf. KEHL, 1957). Além disso, verificou-se que duas obras com teor filosófico publicadas pelos ex-diretores do Boletim de Eugenia circularam nos acervos barbarenses. No dia 14 de setembro de 1967, o Boletim da Associação Comercial e Industrial de Santa Bárbara d’Oeste publicou uma nota registrando o sucesso da Campanha da Biblioteca Pública da Associação Comercial e Industrial da cidade. Na lista de livros recebidos, constavam Filosofia e Bio-Perspectivismo (1955) de Kehl e Ciência e Fé entrelaçadas (1962) de Piza Júnior (BOLETIM, 1967).
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As discussões de Renato Kehl no campo da Psicologia podem ser verificadas em obras como Tipos Vulgares (1927), Psicologia da Personalidade (1941) e A interpretação do homem: ensaio de caracterologia (1951), devidamente analisadas por Masiero (2014) e Faggion e Boarini (2018).
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Se, por um lado, os símbolos apologéticos ao racismo e à escravidão ainda se fazem presentes na sociedade barbarense, por outro, críticas antirracistas e anti-eugenistas repercutiram nos jornais locais a partir dos anos 1990, sobretudo por intermédio de ações organizadas pelo movimento negro. Destacam-se os textos de Lira (1994), que criticou a ideia de que os latino-americanos eram racialmente “degenerados” em decorrência da miscigenação; Barros (2008), que classificou como “política eugenista” o descaso do poder público barbarense com a população negra e periférica; Rosostolato (2014), que criticou os comportamentos sociais baseados no sexismo, no racismo e na eugenia; Barros (CÂMARA, 2017), que denunciou as desigualdades raciais, a invisibilidade da população afrodescendente e os elementos eugênicos presentes no discurso da meritocracia; e Barros (FESTA, 2018), que criticou a utilização da bandeira confederada, evidenciando a exclusão social, o extermínio da população negra e indígena e, por fim, a educação eugênica do país.
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Declaração de financiamento:
Essa pesquisa foi parcialmente financiada pelas agências FAPERJ e CNPq.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
01 Jun 2024 -
Aceito
13 Jan 2025
