Open-access “AINDA TEM O SEU PERFUME PELA SALA”: um encontro com o arquivo pessoal da professora Zilah Totta (1917 - 1997)

«TODAVÍA TIENE SU PERFUME POR LA HABITACIÓN»: un encuentro con el archivo personal de la profesora Zilah Totta (1917 - 1997)

“SHE STILL HAS HER PERFUME AROUND THE ROOM”: An encounter with the personal archive of teacher Zilah Totta (1917 - 1997)

« ELLE A TOUJOURS SON PARFUM DANS LA CHAMBRE »: une rencontre avec les archives personnelles de l'enseignante Zilah Totta (1917 - 1997)

Resumo

Neste artigo, analisa-se uma coleção pessoal, que representa uma parte dos percursos da professora Zilah Totta. Buscou-se compreender seus investimentos nessas práticas de arquivamento, como uma produção de si, seguindo ímpetos memoriais, com vistas a combater o esquecimento, em que estão implicadas diferentes temporalidades e dimensões da titular. Neste encontro com o arquivo pessoal, procurou-se manter a atenção em Zilah, essa mulher que, sem deixar de ser professora, ocupou espaços de poder no mundo público, desafiou, de diferentes modos, uma sociedade dominada pelos homens, ressignificando o ethos feminino da profissão. A coleção pessoal, constituída por documentos familiares, certificados da trajetória, materiais de aulas, um livro e muitos recortes da imprensa, a maioria referente aos anos de 1981 e 1982, é um testemunho da memória de uma professora, que marca sua existência, atividades e experiências de vida, em meio à memória do associativismo docente no Rio Grande do Sul.

Palavras-chave:
arquivo pessoal; Zilah Totta; associativismo docente

RESUMEN

Este artículo analiza una colección personal que representa parte de la trayectoria de la profesora Zilah Totta. El objetivo era entender sus inversiones en estas prácticas archivísticas como una producción de sí misma, siguiendo impulsos memorialistas, con vistas a combatir el olvido, en la que están implicadas diferentes temporalidades y dimensiones de lo titular. En este encuentro con el archivo personal, el objetivo fue centrarse en Zilah, esta mujer que, sin dejar de ser profesora, ocupó espacios de poder en el mundo público y desafió de diferentes maneras a una sociedad dominada por los hombres, resignificando el ethos femenino de la profesión. El acervo personal, compuesto por documentos familiares, certificados de su carrera, material didáctico, un libro y muchos recortes de prensa, la mayoría de 1981 y 1982, es un testimonio de la memoria de una profesora, que marca su existencia, actividades y experiencias de vida en medio de la memoria de las asociaciones de profesores de Rio Grande do Sul.

Palabras clave:
archivo personal; Zilah Totta; asociaciones de professores

ABSTRACT

This article analyses a personal collection that represents part of Professor Zilah Totta's career. The aim was to understand her investments in these archiving practices as a production of self, following memorial impulses, with a view to combating forgetfulness, in which different temporalities and dimensions of the titular are implicated. In this encounter with the personal archive, the aim was to focus on Zilah, this woman who, without ceasing to be a teacher, occupied spaces of power in the public world and challenged a male-dominated society in different ways, re-signifying the feminine ethos of the profession. The personal collection, made up of family documents, certificates from her career, teaching materials, a book and many press cuttings, most of them from 1981 and 1982, is a testimony to the memory of a teacher, marking her existence, activities and life experiences amid the memory of teachers' associations in Rio Grande do Sul.

Keywords:
personal archive; Zilah Totta; teacher associations

RÉSUMÉ

Cet article analyse une collection personnelle qui représente une partie de la carrière du professeur Zilah Totta. Il s'agit de comprendre son investissement dans ces pratiques d'archivage comme une production de soi, suivant des impulsions mémorielles, en vue de lutter contre l'oubli, dans laquelle sont impliquées différentes temporalités et dimensions du titulaire. Dans cette rencontre avec l'archive personnelle, l'objectif était de se concentrer sur Zilah, cette femme qui, sans cesser d'être enseignante, a occupé des espaces de pouvoir dans le monde public et a défié une société dominée par les hommes de différentes manières, en re-signifiant l'éthique féminine de la profession. La collection personnelle, composée de documents familiaux, de certificats de sa carrière, de matériel pédagogique, d'un livre et de nombreuses coupures de presse, la plupart datant de 1981 et 1982, est un témoignage de la mémoire d'une enseignante, marquant son existence, ses activités et ses expériences de vie dans la mémoire des associations d'enseignants du Rio Grande do Sul.

Mots clés :
archives personnelles; Zilah Totta; associations d'enseignants

Introdução

Ainda tem o seu perfume pela casa Ainda tem você na sala Porque meu coração dispara Quando tem o seu cheiro Dentro de um livro Na cinza das horas
(Adriana Calcanhoto)

Este artigo tem a intenção de lançar luz para as memórias de Zilah Totta (1917 - 1997), professora rio-grandense, liderança do magistério, por meio do exercício de perscrutar seu arquivo pessoal. Portanto, tomam-se como objetos de estudo documentos de intimidade, guardados por ela e, depois, pela família e cedidos para a realização deste estudo.

Por que seguir nas trilhas de Zilah? Há alguns anos me acompanha uma vontade de investir em seus itinerários, ainda pouco explorados pela historiografia da educação. Estamos a falar de alguém que seguiu a profissão esperada às moças das camadas mais abastadas da população, naquela temporalidade. Entretanto, sem se afastar da Educação, esteve em lugares pouco comuns às mulheres de sua geração: ocupou cargo político em alto escalão do governo estadual, foi Presidente do órgão representativo do magistério rio-grandense, professora universitária, diretora de duas escolas, uma das fundadoras do Colégio João XXIII. Ao circular por essa escola diariamente, observava um painel com a imagem da professora, acompanhada da frase: “Nós não fundamos um colégio, mas uma obra em educação” e pensava Zilah merece mais história.

Sabemos, a memória é o substrato, a matriz da História (Ricouer, 2007), como historiadores, somos dependentes das fontes que conseguimos produzir. E onde encontrar mais memórias da professora? Zilah faleceu há algum tempo, muitos de seus contemporâneos também já se foram. Sem filhos, teve cinco irmãos, quem sabe teriam preservado algo da professora? Iniciei a busca pelo Colégio João XXIII, afinal, ainda é forte presença da fundadora na instituição, talvez indicassem possíveis caminhos para a pesquisa. Tive sorte. Saí de lá com o contato de sua sobrinha, Maria Rejane Silveira da Silveira, que também foi professora da escola e, atualmente, leva a neta para lá estudar. Em nossa primeira conversa, explicou-me que, de toda a família, restaram ela e uma irmã e que sim, haviam guardado “algumas coisas da tia Zilah”.

Em um dia do mês de maio de 2023, combinamos um encontro na escola, Maria Rejane chegou com sacolas, repletas de pastas e álbuns de fotos. Não era uma grande quantidade, mas com o ânimo da pesquisadora que encontra o que procura, fui tomada por um misto de comoção e ansiedade, diante do que aqueles papeis, conservados por tantos anos, tinham a me dizer. Papeis esses que, generosamente, haviam sido emprestados a mim1. Inspirada em Maria Teresa Santos Cunha (2019), sempre penso que é preciso reverenciar os gestos das pessoas que nos confiam esses arquivos privados. Diante de mim, havia uma preciosidade, algo quase sagrado, muito possivelmente tocado por poucos e que poderia revelar mais dessa mulher pela qual fui seduzida. Pensando na letra da canção “Vambora”, de Adriana Calcanhoto, era como se, metaforicamente, eu pudesse chegar mais perto da personagem dessa história, sentindo “seu cheiro na cinza das horas.”

Em meio a tanto por fazer no cotidiano da vida e do trabalho, olhei, animada e apressadamente, o material. Quando foi possível, examinei, com cuidado, o que cada pasta e cada álbum conservava. Em meio a fotos familiares, estavam muitos papeis alusivos aos percursos trilhados pela professora, papeis que misturam sua individualidade com a memória coletiva, especialmente o que diz respeito à categoria do magistério público no Rio Grande do Sul, no início dos anos 1980.

Assim, seguindo a ideia de empregar esforços por mais história para Zilah, neste estudo, procuro compreender o que o arquivo pessoal é capaz de fazer dizer dos itinerários vividos pela professora. O que ela e seus familiares mantiveram? Por quê? Como organizaram? Para quem guardaram?

Sabemos que os gestos de guardar comportam os mais diferentes motivos. Todos conservamos papeis que serão necessários em diferentes momentos da vida civil. Há quem os guarde, intencionalmente ou não, procurando forjar uma espécie de glorificação em vida (Ribeiro, 1998). E, não menos importante, guardamos pelos afetos, “guarda-se para se guardar” (Cunha, 2019). Entretanto, Phillippe Artières (1998, 2013), e tantos outros estudiosos do tema, afirmam que guardar e descartar são dois verbos que andam de mãos dadas. Arrisco dizer que o segundo sempre leva vantagem sobre o primeiro, salvo raras exceções, afinal o esquecimento/apagamento sempre será maior que a memória. Nos desfazemos das nossas coisas pela não necessidade do uso, porque talvez não tenhamos mais espaço para os “mil nadas” (Perrot, 1998) em nossas moradias, cada vez mais compactas, e também porque guardar nem sempre tem a capacidade de evocar lembranças felizes. Então, para que sofrer, se podemos nos libertar? Artières pondera que o descarte é feito por nós ou por quem sobrevive a nós. A quem interessam nossos arquivos pessoais, comumente dotados de ego-documentos? Essas são questões importantes que rompem com a “ilusão” de encontrarmos uma coerência de si dos documentos de intimidade, tomando de empréstimo a palavra usada por Pierre Bourdieu (1996), em texto clássico.

Portanto, a construção do arquivo pessoal é uma prática subjetivada, atravessada por diferentes agentes, não obedece a padrões estabelecidos, nunca é igual, porque somos seres dotados de individualidades, embora afetados por discursos comuns. Arquivar a própria vida obedece a motivações autobiográficas do tempo presente, sempre ele a guiar a memória, a indicar o que fica e o que vai embora. Nas palavras de Eclea Bosi, “fica o que significa” (....). Sendo assim, “o arquivamento do eu”, segundo Artières (1998), é um modo de dizer quem somos nós, por mais incoerente e incompleto que possa parecer ser.

Penso que vale adensar a reflexão sobre o guardar, verbo que pode remeter a ações habituais, mas que comporta importantes significados para a pesquisa com arquivos pessoais. Reforçando as ponderações de Artières, Richard Cox (2017) explica que o arquivamento pessoal é uma prática narrativa, com vistas a contar uma história sobre nós mesmos. Fala sobre o “potente impulso humano” (p.23) que leva muitas pessoas a manterem documentos pessoais e familiares, como “desejos de sobrevivência” (p.25). Portanto, de acordo com ambos os estudiosos, a construção do arquivo pessoal é um modo de lutar contra o esquecimento, de buscar uma espécie de perenização de momentos vividos, remete a um “desejo inato de possuir um sentido de nós mesmos, de sermos capazes de comunicar esse significado aos outros e, acima de tudo, de sobreviver deixando algo para trás” (Cox, 2017, p.26).

Feitas essas considerações, passo a explicar os outros passos do desenvolvimento metodológico da pesquisa. Foram examinadas cuidadosamente cada pasta e cada álbum com fotos (Quadro 1), procurou-se reunir os papeis, respeitando a organização feita por ela ou seus familiares. A literatura (Cunha, 2019; Cox, 2017; Gomes 1998/2004) reforça a importância de reverenciar os modos como esses documentos de intimidade foram ordenados pelo titular e/ou seus familiares. Neste sentido, chegou-se a essa sistematização de eixos narrativos.

Quadro 1 -
Organização de eixos narrativos do arquivo pessoal de Zillah Totta.

Jamais saberemos os motivos exatos que fizeram com que esses papeis sobrevivessem até o momento presente e este não é o objetivo do estudo. O passado é alteridade, nosso trabalho é construir movimentos de aproximação dos fenômenos de outrora que desejamos investigar, por meio dos vestígios que restaram e, assim, produzir narrativas historiográficas verossímeis. Entretanto, arriscam-se algumas inferências. É possível que esses papeis tenham permanecido esquecidos por Zilah, em vida e, depois, foram cuidados pelas sobrinhas. Sendo uma professora, manteve organizados os certificados adquiridos durante sua trajetória, bem como o documento que a nomeou Secretária de Educação. É impactante observar a quantidade de notícias da imprensa referentes às lutas do magistério, nas quais esteve diretamente envolvida como Presidente do Centro de Professores do Estado (CPERS). Também provoca a pensar o fato de ter poucos registros relativos à escola que ajudou a fundar, sabendo-se que foi sua primeira diretora durante vários anos. Seria a memória das lutas do magistério mais relevante a ponto de ocupar um lugar considerável em suas gavetas?

Metodologicamente, por meio da análise documental (Cellard, 2008), o arquivo pessoal que tenho em mãos, me possibilita analisar, indiciariamente, a construção dos itinerários intelectuais da professora Zilah, marcados pelo engajamento no associativismo docente (Vicentini, 2009). Além disso, a quantidade de reportagens publicadas pela imprensa do Rio Grande do Sul alusivas ao final de 1981 e 1982 permitem recompor os embates travados entre magistério e governo estadual, bem como sua atuação como Presidente do Centro de Professores do Estado. São sobre essas duas perspectivas de análise que as páginas seguintes se debruçam.

UMA MULHER INQUIETA: DOCÊNCIA, POLÍTICA, GESTÃO, MILITÂNCIA

Inquieta. É assim que percebo Zilah Totta. Alguém que, coerente ao campo de possibilidades (Velho, 2003) de sua geração, condição econômica, raça, gênero, entre outras clivagens, ocupou posições de destaque na sociedade rio-grandense, sobretudo no campo da Educação. Nascida no final da década de 1910, atravessou o século XX, viveu sempre em Porto Alegre. Formou-se como professora primária pela Escola Complementar, em 1935, e, no ensino superior, graduou-se em Música e Educação Física, pela UFRGS, e em Filosofia, pela PUCRS. Exerceu a docência a partir de 1941, lecionou no ensino primário, depois as disciplinas de Educação Física e Filosofia em escolas públicas e privadas. A partir de 1962, também se dedicou ao ensino superior, atuando nas áreas de Filosofia da Cultura na Faculdade de Filosofia na UFRGS e História da Filosofia e Filosofia da Educação na Faculdade de Educação, na PUCRS (Abrãao, 2007). Neste meio tempo, foi Diretora do Colégio Pio XII e lá implementou uma classe experimental no ensino secundário de meninas (Bastos e Almeida, 2023), afinada aos discursos escolanovistas. Esses são dados biográficos não meramente ilustrativos, mas significativos para o entendimento de sua intelectualidade, considerando a importância da formação escolar, especialmente os cursos secundário e superior, como espaços de socialização, desenvolvimento de talentos, construção de redes de sociabilidade e descoberta de afinidades com determinadas áreas de conhecimento que reverberaram nos seus itinerários futuros (Alves, 2017, 2019).

Ideologicamente, sabe-se de sua forte relação com setores progressistas do catolicismo, afinada aos princípios da Teologia da Libertação, na perspectiva da defesa dos empobrecidos, da organização de grupos populares, do apreço à liberdade e solidariedade. Neste sentido, alguns professores a influenciaram: Hernani Fiori (Souza, 1985), Irmão José Otão2 e Armando Camara3. Deve ter vindo daí sua atração pelo pensamento de Paulo Freire e Anísio Teixeira. Zilah participou da juventude feminina católica, percorreu o estado em missões apostólicas, participou de diversos congressos eucarísticos, trabalhou com o arcebispo D. Claudio Kolling na Cúria Metropolitana de Porto Alegre. Do ponto de vista político, manteve-se apartidária, mas contra qualquer forma de ditadura (Fischer, 1999).

A datar de 1963, destacam-se fatos marcantes, pois assumiu o posto de Secretária de Educação do RS, no Governo Ildo Meneguetti. No arquivo pessoal, foram localizados o Diário Oficial e o Decreto com sua nomeação. Fischer (1999) explica que a escolha por Zilah para o cargo se deveu ao fato não ter filiação partidária, é possível que o Governador imaginasse que, por ser mulher, professora, católica, solteira, fosse uma pessoa de fácil manipulação. Ledo engano. Entre as ações progressistas da Secretária, destaca-se a presença de Paulo Freire em Porto Alegre, a convite da Divisão do Ensino Primário da Secretaria de Educação. Contudo, antes de findar um ano à frente da Secretaria, houve um conflito envolvendo professoras contratadas, que paralisaram as atividades para reivindicarem salários atrasados, e o Governo do Estado exigiu que Zilah assinasse uma portaria que cancelava os contratos das grevistas. Diante de sua negativa, foi afastada do cargo. De acordo com Fischer (1999):

Zilah, que havia introduzido a prática participativa na administração, Zilah que defendera o direito dos contratados, Zilah, que havia reforçado a integração escola-comunidade, Zilah que ordenara “blitz contra analfabetismo”, baseado no Método Paulo Freire. Esta senhora - que representava pela primeira vez a presença da mulher e da professora no comandando da Secretaria de Educação - seria demitida (Fischer, 1999, p.95).

Conclui-se que Zilah ocupou uma importante função política, em uma temporalidade ainda difícil para as mulheres. Entende-se que ela manteve seu papel de Secretária da Educação, mas nunca deixou de ser professora, justamente por isso, não conseguiu permanecer no cargo político por muito tempo, não se curvou às determinações que penalizavam as docentes, seus pares. Em seu arquivo pessoal, guardou o documento de sua nomeação como Secretária de Educação, bem como uma cópia da publicação no Diário Oficial do Estado.

Ato seguinte à demissão, em pleno início da ditadura civil-militar no país, ela, juntamente com Lilia Rodrigues, que havia sido diretora do Colégio Pio XII, Leda de Freitas Falcão, professora de Música, e Frederico Lamachia Filho, colega na Secretaria de Educação, fundaram uma escola, o Colégio João XXIII. Nas memórias da instituição, fala-se que os quatro idealizadores do João XXIII costumavam dizer “O João é o melhor filho do Golpe” (Duarte, 2014, p.15). De caráter comunitário, afinava-se aos postulados das classes experimentais, inspiradas nas classes nouvelles francesas4. Entende-se que a criação da escola está diretamente relacionada a alguns acontecimentos prévios na vida de Zilah Totta: entre 1956 e 1962, foi Diretora do Grupo Escolar Paula Soares e, em 1962, implementou uma classe experimental secundária de meninas no mesmo edifício que, à tarde, chamava-se Pio XII (Autor).

Zilah esteve à frente da direção do Colégio entre os anos 1964 a 1973, um bom tempo de implementação e fortalecimento da instituição na cidade. No livro de memórias da escola, consta que este grupo de professores “ousou sonhar com uma educação capaz de contrariar o modelo tecnicista e dogmático implantado pelos ditadores. Filho deste sonho nasceu o Colégio João XXIII, destinado a educar com liberdade, solidariedade e respeito” (Duarte, 2014 p.40).

Entre os guardados de Zilah, identifiquei um cartão de apresentação da escola à sociedade, assinado, primeiramente, Frederico Lamachia, como Diretor Administrativo e, ao lado, Zilah Totta, como Diretora Técnica.

Ilmo sr. Pelo presente, desejamos comunicar aos nossos amigos a instalação do INSTITUTO EDUCACIONAL JOÃO XXIII, ocorrida a 23 de agosto de 1964. O Instituto funcionará das 8 às 17h, diariamente, exceto aos sábados, em regime de escola mista com o curso MATERNAL e JARDIM DE INFÂNCIA, no corrente ano, e ainda com o Curso PRIMÁRIO, a partir de 1965. Sua visita à nossa escola será, para nós, motivo de imensa alegria e sua presença será um estímulo para o prosseguimento das atividades educacionais, em seu sentido comunitário. Cordialmente, agradecemos sua acolhida ao convite que ora lhe formulamos e nos colocamos à sua inteira disposição.

E como entender a escolha do nome de um Papa para uma instituição laica? Teria sido um consenso entre os quatro fundadores? Ou iniciativa de Zilah, tendo em vista sua identificação com os princípios do catolicismo, na perspectiva do à liberdade e solidariedade, ideias essas que, de certo modo, encontravam eco na pessoa do Papa João XXIII? Sobre essas relações de Zilah com setores progressistas da Igreja, em consulta ao seu arquivo pessoal, encontra-se uma página do Jornal Zero Hora (10/07/1972), da seção “Gente”, que traz a notícia do convite que teve do Conselho Episcopal Latino-Americano para “expor a experiência educacional que a sua equipe vem realizando há oito anos no Seminário sobre a Comunidade Educacional na América Latina, acontecido em Bogotá”. A professora representou o Brasil naquele evento. Defendeu a importância da construção de escolas comunitárias, inspirada na “Doutrina Social da Igreja, seguindo o exemplo do Papa João XXIII”. Para Zilah “liberdade, justiça, a realização do outro, somente são possíveis dentro de uma ação norteada pelo princípio comunitário.”

Em todo o arquivo pessoal, há um único livro, “Educação para uma civilização em mudança”, de autoria de William Heard Kilpatrick, não se trata de uma obra qualquer, pois permite uma aproximação do pensamento da professora. O autor, situado no campo da educação democrática, foi discípulo de John Dewey que, no Brasil, influenciou Anísio Teixeira (Henning, 2022). É considerado o mentor da metodologia de projetos para Educação Infantil, importante para os princípios da escola comunitária. Mas o que mais interessa aqui é observar os fragmentos da presença leitora nas páginas do impresso. Esses vestígios indicam rastros e caminhos percorridos pela professora durante o ato da leitura. Observar com cuidado cada registro feito permite inferir, de modo indiciário, sua relação com o texto (Chartier, 2004; Cunha, 2012).

No prefácio de Lourenço Filho, ela destacou a ideia “A escola pode ser revitalizada, engrandecida, em suas funções, animada de novo espírito criador”. Na sequência, escreve “magnífico”, ao lado de uma reflexão sobre problemas sociais, no sentido que as melhorias deveriam ser para todos, incluindo a educação. Em seguida, ao lado da frase “A escola agora em vias de realização, é o lugar onde se deve viver o verdadeiro viver”, registra “ponto de partida para a escola comunitária”. Pode-se dizer que o fato deste livro, único livro, estar em seus guardados seja um indicativo da força da criação da escola de caráter comunitário em sua memória.

Antes de seguir os percursos de Zilah, por meio de seus guardados, é importante uma última referência ao Colégio João XXIII, em memória de seus fundadores que, apesar de toda as dificuldades que traria o Golpe, ousaram criar uma escola inusitada em Porto Alegre. Dentro do que era possível naquele tempo, entende-se que ofereceram resistência, nas táticas cotidianas de enfrentamento à ditadura e muito pelo viés ideológico que fundamentava a filosofia institucional. E pensar no Colégio, é também pensar no trabalho da professora Zilah, em suas convicções políticas e educacionais que deram o tom da nova instituição.

Pelos papeis que guardou, percebe-se que, com sua saída do Colégio João XXIII5, houve um investimento mais efetivo na construção de sua intelectualidade6 pelo viés do associativismo docente. Portanto, aqui discute-se a construção da intelectual Zilah (Quadro 2), entre os anos 1972 a 1985, por meio da observação do que foi conservado, convites, certificados de apresentação de palestras e participação em eventos:

Quadro 2 -
Sistematização dos eventos com a participação de Zillah Totta, conforme seu arquivos pessoa.

Considerando-se que Zilah viveu mais de uma década após essa última participação em Seminário na PUCRS, em 1985, é de se estranhar por que não foram guardadas memórias de sua presença em outros acontecimentos. De qualquer modo, chama a atenção a concentração de eventos em que se fez presente, sobretudo como palestrante, a partir de 1979, estendendo-se pelo período em que esteve à frente do CPERS. Vê-se que era chamada para falar a seus pares, as professoras, em diferentes instituições. Além disso, também comparecia às universidades, sendo, inclusive, convidada para paraninfa do Curso de Pedagogia da UFRGS, em 1981, ano em que iniciou sua gestão como Presidente do CPERS. É possível que tenha estado em muitos outros eventos, dos quais não restaram papeis comprobatórios, dado o significado de sua presença entre o magistério rio-grandense.

A inquietude de Zilah a levou para outros caminhos. Ao deixar a Direção da escola, investiu na docência no ensino superior e em sua atividade de militância no Centro de Professores, a ponto de, em 1981, ter sido eleita Presidente da entidade, em um momento complexo da história do magistério e do país. Estávamos na chamada abertura política, mas ainda vivíamos sob uma ditadura7 e o magistério havia ousado fazer sua primeira grande greve em 1979, situação que abalou concretamente as estruturas de uma concepção messiânica da docência. Foi naquele período de ebulição entre o magistério público que Zilah assumiu a Presidência da entidade e, justamente, esses são os papeis em maior quantidade em seu arquivo pessoal, que serão examinados a seguir.

NÃO ESQUEÇAM: O ASSOCIATIVISMO DOCENTE NOS DIFÍCEIS ANOS DE 1981 E 1982

Para falar da militância de Zilah e de sua atuação no Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul, é preciso, antes, trazer informações sobre essa entidade. Em abril de 1945, fundou-se, em Porto Alegre, o Centro de Professores Primários Estaduais, o CPPE. Com este passo inicial de associativismo, buscava-se cobrar dos governantes uma solução para a precariedade do magistério no Rio Grande do Sul. Para isso, foram, ao longo dos anos seguintes, apresentadas à Secretaria de Educação as reivindicações: luta pela autonomia profissional dos professores, elaboração do Estatuto do Professor, equiparação salarial dos professores contratados e subvencionados, aumento salarial, promoção quinquenal automática e aposentadoria especial aos vinte cinco anos de serviço ou sessenta anos de idade completos, incorporação de novos critérios para concurso público, inclusão dos professores manuais na carreira do magistério e estabelecimento de justificativa de faltas em caso de doença (Pacheco, 1993).

Considerando a construção do CPPE e seu fomento político na defesa do magistério, pode-se perceber que a instituição, aos poucos, ganhou espaço entre as professoras primárias, não só da capital, mas também do interior do estado. A partir de 1973, assumiu a denominação CPERS, ampliou sua abrangência entre o professorado, conseguindo sobreviver em meio a tempos muito difíceis. Aquele tinha sido o último ano de Zilah à frente da Direção do Colégio João XXIII. Muito provavelmente, ela já estava envolvida com a atividade militante, nas defesas pelas causas do magistério, embora nada haja dessa temporalidade em seu arquivo pessoal.

Poucos anos após, em 1979, conforme comentado anteriormente, as e os docentes gaúchos protagonizaram aquela que seria a primeira greve do magistério rio-grandense, tendo em vista que o movimento de 1963 envolveu apenas as professoras contratadas. Zilah era membro do comando de greve8. As pautas se aproximavam bastante daquelas pleiteadas pelos que lhes antecederam. Foram treze dias de greve e não pararam por aí. No ano seguinte, durante vinte e um dias, muitos docentes cruzaram os braços e aderiram ao movimento grevista. E foi naquele contexto que Zilah e outros colegas formaram uma chapa em 1981, concorreram e venceram as eleições para Presidência do CPERS nos próximos quatro anos. Não há como não pensar no significado desses eventos na memória de Zilah, tendo em vista a quantidade de papeis preservados representativos de sua atuação no CPERS, nos anos de 1981 e, sobretudo, 1982 .

Sobre sua eleição, foram identificados impressos referentes à chapa liderada por Zilah e mais oito professores, sendo um total de cinco homens e três mulheres9. Importante lembrar que ainda faltavam quatro anos para a ditadura civil-militar terminar no Brasil e, mesmo assim, entre as pautas da chapa 1, destaca-se a importância de manter os professores mobilizados, conscientizados. Os candidatos à Presidência do CPERS reforçavam a intenção de lutar pela defesa dos direitos humanos, direito à greve, liberdade de organização, democratização da sociedade brasileira e formação da Assembleia Nacional Constituinte “livre e soberana”, o que só viria a acontecer sete anos depois. Pensando especificamente na categoria do magistério, prometiam lutar por “salário básico referencial nunca inferior ao equivalente a três vezes o maior salário mínimo do país”, “por no mínimo doze por cento do orçamento da União destinados à Educação, tendo como meta vinte e cinco por cento”. Além disso, defendiam a participação do magistério nas decisões em todos os níveis do sistema educacional.

Observa-se, portanto, que foram vários os panfletos da chapa 1 que circularam no Rio Grande do Sul, em um tempo que se apostava na potência do papel para convencer os professores ao voto. Assim, escreveram: “Unidade e Ação, quem decide é a maioria”, “Não acredite em zum zum, vote na chapa 1”, “Na hora de escolher, escolha quem se identifica com você”, “Vamos ganhar essa guerra”, “Vote naqueles que fazem com você a história do magistério”.

Entre os papeis, localizei o discurso de posse de Zilah, em que colocou o título “Desafio ao professor”. Trazendo trechos de Paulo Freire, o texto fala da “caminhada do magistério gaúcho” e declara a intenção da chapa de “dar a nossa resposta ao desafio da hora presente”. Zilah defende a categoria ao afirmar que é “respeitada por muitos, mas ameaçada, desafiada e, muitas vezes, utilizada e vista pela ótica ainda estreita dos que não descobriram nele uma categoria que quer se afirmar e ser respeitada em sua autonomia.”

E, desse modo, a chapa 1 foi eleita, disposta a enfrentar os embates que logo estavam por vir. Ao examinar a quantidade de notícias da imprensa preservadas por Zilah, pode ter-se uma ideia dos desafios enfrentados por ela e seus colegas, à frente do CPERS. As notícias que serão tramadas a seguir, foram organizadas no Quadro 3, cronologicamente, do seguinte modo:

Quadro 3 -
Anos das notícias sobre o CPERS veiculadas na imprensa, guardadas por Zillah Totta.

Sobre o uso da imprensa para a produção historiográfica, não é demais lembrar que, como qualquer fonte, são representações acerca de diferentes temas que emergem no tecido social, capazes de gerar interesse ente o público leitor. Portanto, a publicação de qualquer notícia não é neutra, nela estão implicadas relações de poder, interesses políticos e econômicos, que se traduzem em estratégias discursivas, que vão desde a forma do impresso, sua aparência física, o espaço que a notícia ocupa na página, as palavras utilizadas, as manchetes, o alinhamento ideológico dos proprietários do periódico, entre outros aspectos. De acordo com Tania de Luca, cabe aos historiadores problematizarem “a identificação imediata e linear entre a narração do acontecimento e o próprio acontecimento, questão, aliás que está longe de ser exclusiva do texto da imprensa” (2008, p.139). Desse modo, a historiadora destaca o fato de cada órgão da imprensa constituir um projeto coletivo, “por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita.” (p.140)

Ao examinar cada matéria publicada na imprensa de grande circulação do estado10, muitas delas coladas em folhas oficiais do CPERS, não há como não pensar no gesto da personagem deste estudo que, por diferentes motivos, mais ou menos propositais, conservou esses papeis. Na grande maioria das publicações, as palavras dela comparecem, palavras fortes, emblemáticas, muito provavelmente calculadas, mas que marcaram posição diante do autoritarismo do governo estadual, que estava respaldado pela ditadura que ainda se mantinha no país. Assim, nas páginas seguintes, me proponho a trazer essa memória, especialmente do ano de 1982, talvez pouco conhecida dos leitores, ensaiando algumas especulações.

As notícias da imprensa, colecionadas por Zilah, iniciam nos últimos dias de 1981, com o magistério ocupando as páginas dos maiores periódicos do Rio Grande do Sul. Em meio ao clima de final de ano, no dia 26 de dezembro, Zero Hora publicou matéria central, que continuou no dia seguinte, expondo os conflitos entre Estado e magistério, tendo como mote a questão do aumento salarial dos professores. A entidade acusava o governador Amaral de Souza (Partido Democrático Socialista/PDS) de ter se valido de pronunciamento oficial na noite de natal “atingindo o CPERS e semeando a discórdia entre os professores”. Pela leitura, entende-se que o governo queria pagar um abono de salário, o que não era aceito pela entidade, que exigia o cumprimento do acordo de 1980 por parte do governo. Nas palavras de Zilah Totta, “abono é engodo, não é salário”. No Jornal Folha da Tarde, do dia 27 de dezembro, o governo rebateu, afirmando que “o aumento do magistério foi muito maior que outros quadros do funcionalismo”. Ao que tudo indica, o ano findou com esse impasse e o tema foi retomado em fevereiro de 1982.

Assim, o conflito se acirrou e, no dia 02 de fevereiro, a Folha da Tarde publicou, em capa, a manchete “Magistério reafirma disposição de greve”, seguida da fala de Teresa Noronha, grande companheira de Zilah, “Governo será totalmente responsável pela nova Greve”. Dois dias depois, Zero Hora noticiou a seguinte manchete “Professores se reúnem hoje em Rainha do Mar, CPERS mobiliza a classe no litoral e no interior”. A família de Zilah Totta tinha uma propriedade nessa praia do litoral gaúcho, é possível que essas reuniões tenham sido em sua casa.

Nos dias que se seguiram, a Presidente do CPERS fez o pronunciamento, “a categoria continua firme na sua proposição de exigir o cumprimento do acordo assinado em novembro de 1980”. Diante da proposta do governo, afirma que era “pior que a apresentada em dezembro de 1981”. Entretanto, sob vaias dos professores presentes, a tal proposta foi votada e aprovada pela Assembleia Legislativa, por 35 votos a 19 contrários, o que evidencia o conservadorismo da composição dos deputados gaúchos.

Diante disso, Zero Hora divulgou que houve uma grande assembleia, com 24.000 professores que “cantaram o hino nacional e fizeram um minuto de silêncio pelo não cumprimento do acordo pelo governo”. Destacou o momento “hora da arte”, com apresentações artísticas, enquanto a direção do CPERS se reunia para organizar as propostas a serem apresentadas à categoria reunida. Como resultado, deliberou-se por uma paralisação de cinco dias, a iniciar no dia 22 de março. Para o Correio do Povo, Zilah afirmou que a decisão “talvez não tenha a mais acertada, mas foi acertada porque resguardou uma posição assumida e saímos dessa assembleia de cabeça erguida”.

Tanto a Folha da Tarde como a Zero Hora fizeram ampla divulgação à greve programada, em reportagens de capa e página central. A manchete da Folha da Tarde, em 19 de março, diz “GREVE: professores param segunda e Amaral promete usar a lei”. Zero Hora, no editorial, intitulado “Protesto emocional”, questionou a atitude da paralisação. Alinhado ao governo estadual, valorizou o “bom senso dos professores que rejeitaram a proposta da greve”, dando a entender que não havia recursos para o aumento salarial. Considerou que os grevistas “estariam comovidos no clima emocional da assembleia”, levando a crer que não agiam racionalmente, mas, ingenuamente, movidos pela emoção. O texto se identifica à histórica concepção feminilizada da docência, associada às ideias de docilidade, fragilidade, atravessada pelos discursos da falta de capacidade de racionalizarem suas atitudes (Louro, 2004).

O Correio do Povo, no mesmo dia, seguiu o tom da Zero Hora, divulgou um texto em defesa do governo, destacando os prejuízos de uma greve. Pôs em dúvida os números trazidos pelo CPERS, ao afirmar que havia muitos docentes trabalhando, afirmou que “o governo fez o que pode”, pois precisava atender o restante do funcionalismo público. Nas palavras do Jornal, “os professores estão bem conscientes da repercussão e das consequências decorrentes da decisão livremente assumida. A comunidade rio-grandense espera que tudo volte à normalidade.”

Apoiado pela imprensa, o governo reagiu rapidamente diante da iminência da paralisação, referindo-se às lideranças do CPERS como “incitadores da paralisação” (Zero Hora, 20/03). Ameaçou uma intervenção na entidade, que poderia ser decretada pelo Presidente da República, general João Batista Figueiredo, em atendimento ao pedido do governo estadual. A Presidente do CPERS se declarou “perplexa”:

Não há incitadores entre nós... o magistério não optou pela greve na sua assembleia e sim apenas por uma paralisação de protesto em que os professores comparecerão as escolas para trabalharem entre si, com os pais e com os alunos. Sobre as ameaças que estão sendo jogadas contra a categoria, pediríamos ao Secretário que repensasse sobre sua atitude e em vez de ameaças se abrisse ao diálogo com os professores a quem ele representa” (...)

Naquele 20 de março, em reportagem de página central na Zero Hora, o CPERS manteve a disposição de prosseguir com o que foi decidido em assembleia, nas palavras de Zilah “ameaças não intimidam o magistério”. Em reunião realizada no Centro de Professores, os dirigentes avaliaram os riscos, discutiram a Lei de Segurança Nacional e a possível intervenção federal no CPERS. Entenderam que a Educação não era considerada, pela Constituição Federal vigente, um serviço essencial, portanto a greve não seria ilegal. Entretanto, o governo endureceu e fez mais uma intimidação: a suspensão do desconto em folha de pagamento dos associados da entidade, como estratégia para fragilizá-la.

Chegou o dia 22 de março, data marcada para o início da paralisação, e as manchetes da Folha da Tarde foram: “Paralisação começa hoje e CPERS não acredita em punições” e “Governo só negocia com magistério se a greve não sair”. O Jornal Zero Hora anunciou “Professores em greve a partir de hoje. Mas governo convoca alunos”. Em nota, o CPERS fez um comunicado à sociedade, explicando que o acordo com o governo não havia sido cumprido, alertou para a fundamentalidade das verbas públicas para a Educação, assim como a necessidade de eleições democráticas para a direção das escolas.

Em meio a tantas notícias, localizei uma nota da Folha da Tarde escrita pelo Presidente em exercício da Federação dos Servidores do Estado, em que apelava às famílias para que não mandassem os filhos para a escola naquele momento, sobretudo, dirigiu-se aos pais que eram servidores públicos. A Federação declarou-se solidária ao CPERS, “a batalha dos professores é a mesma do funcionalismo público e por isso manifesta irrestrito apoio ao magistério.”

Foram dias tensos. Por meio de seus guardados, Zilah Totta nos conduz àquelas lembranças das lutas do magistério, como se nos dissesse “não esqueçam”. Observa-se que a pressão do Estado foi muito forte e o que parecia intimidação transformou-se em realidade punitiva ao magistério. O governo atacou diretamente o Centro de Professores por meio de ação do Ministério da Justiça que determinou a suspensão das atividades, o que poderia levar à sua dissolução, se a greve prosseguisse. O Ministério do Trabalho considerou ilegal a greve e, assim, foram delegados amplos poderes ao governo estadual para reprimir o movimento com uso da força, inclusive. Ainda, o Secretário da Educação, Leônidas Ribas (PDS), puniu diretoras de escolas, do interior e da capital11, sob o argumento que haviam sido solidários à greve e não poderiam, por estarem em cargos de confiança. Garantiu que a Secretaria de Administração tinha mecanismos e pessoal suficientes para substituir os grevistas. Assegurou que haveria uma sindicância, posteriormente transformada em inquérito administrativo pela Procuradoria Geral do Estado.

Diante dessas ações truculentas de intervenção no CPERS e punição de lideranças docentes, o magistério precisou recuar. As edições dos jornais do dia 24 de março traziam as manchetes: “FIM DA GREVE: magistério volta às aulas hoje. Governo vai manter punições” (Zero Hora), “A GREVE ACABOU: professores querem acordo cumprido” (Folha da Tarde). Zero Hora publicou que “em assembleia, ontem à tarde, oito mil professores decidiram suspender a greve para evitar intervenção federal no CPERS”. A entidade manifestou-se em nota na imprensa, lembrando à sociedade que ainda vivíamos em um regime de exceção, neste sentido questionou se o Brasil estaria mesmo em abertura política, afirmou que, “se houve recuo não foi para um governador e três secretários, mas para um presidente e seus ministros”. Nas palavras de Zilah, “suspendemos a paralisação, mas não a mobilização da categoria” (Folha da Tarde).

Em mais um editorial, “Volta ao bom senso”, Zero Hora valorizou a atitude dos professores de retornarem ao trabalho, destacando a “elogiável capacidade de se situar diante de um quadro que ao fim ao cabo acabaria resultando contrário a seus próprios interesses”. Afirmou que, ao desistirem da paralisação, retomavam a capacidade para dialogar com o governo, “o que certamente resultará em benefício de toda a comunidade do RS”.

Em reportagem de página central do mesmo periódico daquele dia, Zilah fez um pronunciamento, exaltando a categoria docente que “mais uma vez deu a sua grande aula, seu grande testemunho de que é consciente, de que não é anarquista, porque entendeu que esta é a forma de preservar a sua entidade e seus direitos conquistados”. E prosseguiu, “não permito que seja classificado como um recuo a decisão dessa assembleia”, “pressões e ameaças foram tomando um colorido profundamente melancólico”.

Entretanto, a reconsideração da categoria não conseguiu reverter os atos já praticados pelo poder público. A Folha da Tarde do dia seguinte publicou em capa: “Governo continua disposto a punir professores que fizeram greve”. Sobre as condenações, o Secretário da Educação disse “atos praticados estão praticados”, explicou que o governo não aceitaria imposições do CPERS, garantiu que todos os que paralisaram nos dois dias seriam punidos.

Cabe destacar que o Jornal publicou também posições de outras lideranças, como o professor José Clovis de Azevedo que falou do “medo” que tomou conta da categoria, “o regime mostrou tudo o que pode fazer de coerção e ameaças, colocando em cheque o emprego das pessoas [...]. Começamos a pagar um preço pela história do nosso movimento”. Salientou a importância de uma organização mais fecunda do movimento docente, “tendo à frente uma convicção maior do que aumento de salário”. Outro professor, Luiz Escobar, lamentou “é com pesar que vejo uma categoria como a dos professores que se orgulha em ser esclarecida ser manipulada descaradamente para servir de base eleitoral a determinados candidatos”.

Ainda na Folha da Tarde, o jornalista Sergio Jockymann, defensor da categoria docente, escreveu sua coluna com o título “A derrota”, nela atribui o insucesso dos professores à sua ingenuidade, por terem acreditado em uma “luta limpa e leal” contra o governo e, por este, foram tratados como “marginais e arruaceiros”. Mais uma evidência da concepção feminilizada, docilizada da professora? Refletiu sobre a profissão docente, disse que o professor não estava preparado para a violência, deveria ser aquele que, com seu ofício, luta “contra o baixo nível, a ignorância e a manipulação, não tem condições psicológicas para enfrentar os golpes baixos, as pressões desmedidas... foi uma triste batalha sem vencedores”.

Neste sentido, Zilah também guardou uma única nota do Jornal do Comércio, informando que o Bispo de Novo Hamburgo “acredita em diálogo”, chamando a atenção para “medidas vingativas do governo”. Da mesma forma, guardou uma pequena notícia publicada na Folha da Tarde “Oposição dificulta aprovação de projetos”, em que o líder da bancada, deputado Romildo Bolzan (Partido Democrático Trabalhista) advertiu que a oposição poderia dificultar a aprovação de projetos do governo enviados ao Legislativo se fossem mantidas as ameaças de pressão e punição aos professores que participaram da paralisação da categoria.

Evidenciando que nem todos estavam contra o magistério, no dia 27 de março, a Folha da Tarde publicou a matéria “Profissionais liberais dão apoio ao magistério”, informando que representantes de trinta entidades profissionais liberais se reuniram para lançamento de manifesto em defesa do CPERS. Zilah compareceu à reunião, considerou o gesto mais que uma demonstração de solidariedade, um importante momento de construção, explicou que a entidade procurava:

concretizar a dimensão político-social da educação, nossa caminhada é gradual, mas irreversível, pois recebe todo nosso empenho. Ser professor parecia até bem pouco tempo um sacerdócio, o que lhe conferia uma certa aura mística, mas agora procuramos conscientizar os professores do caráter profissional de que ser professor está revestido com objetivos claros e sérios. A luta não se refere exclusivamente a questão do reajuste salarial, mas também a uma nova política educacional com vivência democrática.

O fato de ter localizado no arquivo pessoal em questão essas notícias da imprensa indicativas que a sociedade civil não aderia integralmente ao discurso do governo estadual faz pensar que houve intenção de guardá-las, justamente para mostrar que havia resistência ao autoritarismo do Estado naquele episódio.

Quase dois meses se passaram e, em maio, o magistério voltou à cena pública. No dia 2, as manchetes dos jornais exibiam “CPERS aguarda resposta sobre eleição de diretores” (Zero Hora), “CPERS aguarda manifestação do Secretário Leônidas sobre as eleições e sobre a demissão da diretora do Instituto de Educação” (Folha da Tarde). Noticiaram-se também as reuniões dos núcleos do CPERS, na perspectiva da retomada das lutas pelas reivindicações, entre elas, a demora pela nomeação dos concursados.

Zilah Totta explicou que a categoria estava retomando o movimento de suas bases, depois da paralisação de março quando houve ameaça de intervenção na entidade. Em suas palavras, “O CPERS segue esperando explicação das demissões”. Em 13 de maio, Zero Hora anunciava “Zilah reafirma que acordo de 1980 não foi cumprido”. Diante do argumento de Leônidas Ribas que o governo teria cumprido o referido acordo, a Presidente disse “Me causa espanto essa afirmativa”, critica o Secretário que, segundo ela, ignorava a construção política do CPERS, desconhecia o “momento histórico do magistério” e “esquece que o próprio acordo não é um instrumento de reivindicação salarial, mas um instrumento que fixa uma política educacional que exige a participação do professor.” Na mesma reportagem, a professora buscou na memória os motivos que levaram à sua saída como Secretária da Educação em 1963, em que permaneceu ao lado das professoras, conforme discutido anteriormente, “por essa razão, por minha recusa, fui demitida pelo governo e que muito me honra, porque sai de cabeça erguida, respeitando a categoria que eu representava.”

Cinco dias depois, a Folha da Tarde publicou mais um texto de Zilah Totta, “O CPERS cresceu, parte agora para avaliação”. Nele, declarou a importância dos sessenta mil associados, lembrou as quatro metas da sua gestão “educação, magistério, entidade e realidade brasileira”, reafirmou a promessa de “lutar por um sistema educacional centrado nos interesses da população brasileira e voltado para a formação de uma consciência crítica, dentro das perspectivas de uma educação libertadora”. Advertiu para a necessidade do professor construir-se como ser politizado, identificar-se com as lutas da sociedade, sendo importante que a entidade se unisse ao Movimento dos Trabalhadores sem Terra e com a Campanha da Fraternidade.

Chegamos ao segundo semestre de 1982, o arquivo de Zilah traz reportagens da imprensa alusivas ao magistério, entre os meses setembro e outubro. Em setembro, observa-se que a Secretaria da Fazenda havia conseguido uma intervenção econômica no CPERS, impedindo a cobrança da mensalidade, descontada em folha de pagamento, como um modo legal de enfraquecê-lo. Entretanto, o CPERS reverteu a situação, através de mandado de segurança, impetrado pela sua assessoria jurídica, que obrigava a Secretaria da Fazenda a voltar a descontar a mensalidade dos associados em folha de pagamento.

Enfim, as notícias terminam em 15 de outubro, data em que se comemora o “dia do professor”. Zero Hora publicou que Amaral de Souza garantiria os 2,5 salários ao magistério, com a promessa de nomear todos os concursados, “em solenidade do Palacio Piratini, o governador disse ter agora cumprido todos os compromissos com o magistério”. A Folha da Tarde publicou em manchete de capa “Saiu pacote do magistério, 2,5 já em vigor, nomeação de todos os concursados até o fim do governo”. Todavia, com menor destaque, noticia-se também a avaliação do CPERS. Para a entidade, o “pacote apenas atende velhas reivindicações”.

Além desses informes, naquele dia, a Folha da Tarde também publicou um texto escrito por Zilah Totta. Nele, começa dizendo que a data inspirava poucos motivos para comemorar. Como uma mulher que enfrentou novos modos de existir, vivenciou profundas mudanças no estatuto de sua profissão, reivindicou condições de trabalho dignas para o magistério, ela posicionou-se: “o professor atualmente espera mais do que presentes. A figura do sacerdote ficou pra trás e o que temos hoje é um profissional bem mais consciente, crítico e sofrido”. Destacou a vontade dos professores de participarem das decisões, de se fazerem ouvidos, “por isso a categoria luta por melhores salários, maior participação no processo ensino-aprendizagem e por todos os seus direitos”. Sobre os gestos do governo, afirmou que “não se trata de doação do governo, mas de conquistas da categoria, através de seus movimentos reivindicatórios.” Entretanto, pontuou que a anistia às faltas ainda não havia sido decidida.

Sabemos que as lutas do magistério ainda seriam muitas, se estendem até o momento presente e, muito provavelmente, continuarão, atravessando temporalidades. Nos dois anos seguintes, a entidade investiu na formação de lideranças, uma nova geração se afirmava como dirigentes da categoria para, em 1985, liderarem uma greve de 60 dias. A década terminou com mais greves e não foi diferente nos anos que viriam.

Passados mais de quarenta anos, tenta-se compreender o difícil ano de 1982 pelo desenrolar dos acontecimentos, conduzida pelos gestos de guardar da professora Zilah. Assim, alguns pontos merecem atenção. Primeiramente, observa-se uma forte reação do governo estadual, diante da decisão de paralisação do trabalho docente por apenas cinco dias. Importa lembrar que aquela não havia sido a primeira greve da categoria, que, em 1979, paralisou por quase duas semanas. Em 1980, mais uma greve de vinte e um dias. Como entender? É possível que, nos anos anteriores, a capacidade de organização do magistério tenha surpreendido o governo que não estava preparado para tamanha mobilização. Afinal, quem imaginaria que as pacatas, vocacionadas, “trabalhadoras dóceis” (Louro, 2004), seriam capazes de parar de trabalhar em defesa de seus direitos? As professoras arriscaram, ousaram, pela terceira vez, em um curto espaço de tempo, logo em março, enfrentar o Estado. O movimento docente, conduzido por Zilah Totta, não teria feito uma avaliação dos riscos de insistir com as paralisações? Ou não esperavam reações tão autoritárias, com as tentativas do governo de definhar o associativismo docente e punir os professores grevistas? Entretanto, passados alguns meses, exatamente no final de sua administração, Amaral de Souza cumpriu as promessas que havia feito ao magistério. Preparava-se o eleitorado para a continuidade de um partido conservador no poder do Rio Grande do Sul?

Outro elemento a considerar é que, naquele momento, o CPERS tinha como Presidente uma mulher solteira, católica, de meia idade. Presume-se que Zilah Totta tenha sofrido pressão por todos os lados, pressão da sociedade e de seus pares, tanto daqueles que não queriam as greves, quanto dos que clamavam por elas. Ela pagou um preço, alto talvez, pelo que fez e pelo que não fez. De qualquer forma, a organização docente não terminou, ao contrário, o CPERS investiu, ainda mais, na formação do magistério e na construção de novas lideranças nos anos seguintes.

Como terceiro ponto, faço um destaque às diferenças desses dois periódicos, Zero Hora e Folha da Tarde, pois são os que mais comparecem na coleção. Em um primeiro olhar, podem parecer semelhantes as manchetes, abordagens dos fatos. Entretanto, um olhar mais atento, buscando os indícios (Ginzburg, 1989), permite observar diferenças, às vezes sutis, em outros momentos não tanto, nas construções das narrativas. O Jornal Zero Hora, controlado pelo Grupo RBS12, caracterizava-se por um alinhamento ideológico conservador, compactuava diretamente com o governo, conduzindo os leitores a tomarem partido, contra o movimento docente. A Folha da Tarde pertencia à empresa Caldas Junior, e teve, nos anos 1980, a direção do jornalista Sergio Jockymann, conhecido defensor do magistério. Neste sentido, se tomarmos como referência o que foi guardado por Zilah, veremos que as notícias que procuram apoiar a categoria docente, via de regra, comparecem na Folha da Tarde.

Para quem toma contato com esses acontecimentos, depois de tantos anos, talvez o mais importante seja o reconhecimento da historicidade das lutas do magistério, marcadas por enfrentamentos ao estado. Isso nos leva a pensar na história das professoras, as protagonistas do associativismo docente, que ocuparam espaços públicos, desenvolveram novas formas de sociabilidade, reivindicaram direitos, transformaram a vida social, política e cultural nos primeiros anos da década de 1980.

AINDA TEM O SEU PERFUME PELA CASA...

Estamos todos de passagem, mas uma parte dos nossos papeis pode sobreviver a nós. Não temos como conversar com a professora Zilah, mas “ainda tem o seu perfume pela casa”. O verso escrito por Adriana Calcanhoto inspira a refletir sobre as pesquisas nos arquivos pessoais, que permitem, de muitos modos, chegar perto de seus titulares, de suas possíveis vontades e intenções, pelos gestos de guardar.

Neste artigo, procurei analisar uma coleção pessoal, que representa uma pequena parte dos percursos da professora Zilah Totta. Ao perseguir seus itinerários, busquei compreender o que o aqueles papeis tinham a me dizer sobre a professora. De acordo com Cox, cada arquivo pessoal “pode parecer exótico ou frívolo mas sempre revela algum sentido interno mais profundo que se dá à razão de estarmos vivos (2017, p.27). Essa ideia corrobora o significado dos investimentos nessas práticas de arquivamento, como uma produção de imagem de si, seguindo ímpetos memoriais, com vistas a combater o esquecimento, em que estão implicadas diferentes temporalidades e dimensões dos titulares. Esses rastros da existência da professora sobreviveram à passagem do tempo, não foram descartados pelos familiares, estiveram por anos quietos, adormecidos, metaforicamente à espera de serem, mais uma vez, remexidos. Por meio de outras tramas, esses vestígios de uma vida permitiram a construção de novas versões para os percursos trilhados por Zilah.

Entretanto, cabe dizer que, nos muitos momentos em que me deixei encantar por esses guardados, procurei manter a atenção nessa mulher que chamo de inquieta, que, sem deixar de ser professora, ocupou outros espaços de poder no mundo público, desafiou, de diferentes modos, uma sociedade marcadamente dominada pelos homens, ressignificando o ethos feminino da profissão (Rago, 2013). Zilah, uma mulher de seu tempo, atravessada por discursos distintos, ao mesmo tempo que cultivava princípios católicos, historicamente incorporados à identidade feminina docente, conseguiu avançar, também pelas condições que começavam a se afirmar na sociedade. Diante de um cristianismo que se renovava, Zilah, era sensível aos problemas sociais, e isso traduziu-se, especialmente, na sua militância e defesa das causas que afetavam o magistério.

A coleção que tive em mãos é um testemunho da memória de uma professora, que marca sua existência, atividades, experiência, seu “lugar no mundo” (Mckmemmish, Sue, 2018, p.239), em meio à memória coletiva, sobretudo a do magistério público do Rio Grande do Sul.

Referências:

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  • VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas (3a ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
  • 1
    O arquivo pessoal de Zillah Totta foi emprestado para a escrita deste texto e, posteriormente, doado pela família ao Centro de Memórias da Faculdade de Educação/UFRGS. Diante do convite para doação, possivelmente, as sobrinhas consideraram a importância da preservação institucional desses documentos de intimidade, concedidos ao referido Centro de Memórias que prosseguirá o trabalho de guardar e divulgar a memória da professora.
  • 2
    O Irmão José Otão foi professor do Colégio Nossa Senhora do Rosário, em Porto Alegre, até o ano de 1948, quando foi nomeado vice-reitor da então recém-criada Universidade Católica do Rio Grande do Sul, vinculada aos Irmãos Maristas. Em 1951, tornou-se diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras dessa instituição. Portanto, teve contato direto com a formação de Zilah Totta.
  • 3
    A aproximação de Zilah de Armando Camara deve ter relação com o fato deste ter fundado a Associação dos Professores Católicos do Rio Grande do Sul, bem como a revista Estudos em 1943. Também foi presidente da Ação Católica da Arquidiocese de Porto Alegre.
  • 4
    As classes secundárias experimentais, inspiradas no modelo das “classes nouvelles” da França, foram implantadas oficialmente no Brasil em 1959, com o “objetivo de ensaiar a aplicação de métodos pedagógicos, processos escolares e tipos de currículo, objetivando ensino menos acadêmico, mais funcional” (Portaria nº1 de 3 de janeiro de 1959. Como princípios básicos, destacam-se: a importância de sólidos currículos, considerando diferentes aptidões individuais; articulações entre os vários componentes curriculares, classes no máximo de 30 alunos; classes iniciais do ginásio com número de professores reduzido, no sentido de evitar uma transição abrupta do primário para o secundário; reuniões periódicas dos professores de cada classe, para análise de aspectos psicológicos e pedagógicos, entre outros aspectos (Cunha e Abreu, 1963).
  • 5
    A saída da professora Zillah da Direção do Colégio João XXIII pode ser entendida como um traço de sua personalidade que é justamente o da inquietude diante da vida, o desejo de não acomodar-se e desbravar novas possibilidades existenciais.
  • 6
    Considera-se Zilla Totta como intelectual mediadora, tendo como referência os estudos de Ângela de Castro Gomes, Patricia Hansen e Libânia Xavier (2016), ancoradas nas discussões propostas por Jean-François Sirinelli e Henry Giroux, que estabelecem diferenciações entre intelectuais, tratados como criadores de cultura e mediadores culturais, referência aos difusores de uma cultura já constituída por outrem. Ao examinar o arquivo pessoal da professora, podem ser identificadas sua formação escolar/universitária, seus engajamentos, redes de sociabilidade, constituídas como “estruturas de sociabilidade” e os “efeitos/solidariedade de idade” (Sirinelli, 2003).
  • 7
    Sobre o período da abertura política que antecede o início da redemocratização no Brasil, a partir de 1985, ver Motta, 2021.
  • 8
    Essa informação foi localizada em panfletos da Greve de 1979, guardados por Zilah.
  • 9
    A Chapa da eleição para presidência do CPERS em 1981 foi assim constituída: Presidente: Zilah Totta; Primeiro Vice: Oswaldo Mazola Rodrigues; Segundo Vice: Victor Becker; Secretário Geral: Tomaz Wonghon; Primeira Secretária: Julieta Vilamil Balestro; Segunda Secretária: Nair Tesser; Tesoureiro Geral: Luiz Gonzaga Cruz; Primeiro Tesoureiro: Paulo Egon Wiederkehr; Segundo Tesoureiro: Luiza Helena Souza. Informações que constam no material de divulgação da chapa.
  • 10
    As notícias que mais comparecem ao arquivo pessoal são dos Jornais Diário de Notícias, Folha da Tarde e Zero Hora.
  • 11
    Entre as diretoras punidas com o afastamento de suas funções, estavam: Marilia Fay de Azabuja (Instituto de Educação General Flores da Cunha, em Porto Alegre), Emília Teresinha Fernandes e Neusa Canabarro da cidade de Livramento.
  • 12
    A Rede Brasil Sul de Comunicações é afiliada da Rede Globo, no Rio Grande do Sul.

Editado por

  • Editora responsável:
    Terciane Ângela Luchese

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2024
  • Aceito
    07 Nov 2024
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